Breve análise dos prós e contras das recentes regulamentações do trabalho doméstico no Brasil

30/03/2016 às 10:55

Resumo:


  • O trabalho doméstico teve uma evolução significativa no Direito Brasileiro ao longo do tempo e recentemente passou por regulamentações que trouxeram o tema de volta ao debate jurídico e acadêmico.

  • A legislação brasileira sobre trabalho doméstico teve marcos importantes, como as Ordenações do Reino, a CLT e, mais recentemente, a Emenda Constitucional 72/2013 e a Lei Complementar 150/2015, que definiram o conceito de trabalhador doméstico e regulamentaram seus direitos.

  • Apesar dos avanços trazidos pela nova legislação, existem pontos positivos e negativos a serem considerados, como a formalização da contratação, regulamentação da jornada de trabalho e questões sobre controle de horas extras, multa do FGTS, sistema E-Social e possíveis impactos econômicos na categoria.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Devido as modificações no âmbito do Trabalho Doméstico no Brasil, especialmente com a Lei Complementar 150/2015, importante é uma breve análise dos aspectos positivos e negativos destas regulamentações e seus impactos na ordem social vigente.

O trabalho doméstico é um assunto que teve grande evolução através do tempo no Direito Brasileiro e recentemente passou por regulamentações que trouxeram o tema novamente ao debate no âmbito jurídico e acadêmico. Visando compreender e analisar as alterações recém-criadas, é importante conhecer a história e um pouco da evolução antes de tratar propriamente dos possíveis prós e contras nela presentes.

Inicialmente é interessante conhecer a origem do termo “doméstico”, que segundo explicação contida no livro de Vólia Bomfim Cassar1, vem do latim domus, que por sua vez significa casa. Extrai-se, portanto, que o trabalhador doméstico é aquele que através dos tempos executou seus serviços na casa de seu empregador.

No Brasil, as primeiras leis que abordaram o assunto foram as Ordenações do Reino, sendo seguidas de outras legislações que trataram levemente o tema, merecendo destaque duas delas que apresentaram as primeiras conceituações de domésticos, o Decreto nº 16.107/23 e depois o Decreto-Lei nº 3.078/41. Em seguida estes dispositivos foram superados pelas Consolidações das Leis Trabalhistas – CLT que apresentou um novo conceito de trabalhador doméstico e revogou os anteriores existentes.

Dentro dessa análise histórica foi de suma importância a Constituição Federal de 1988, principalmente porque trouxe de volta um Estado Democrático de Direito ao Brasil, e no tema em questão apresentou em seu artigo 7º, dentro dos diversos direitos a trabalhadores, alguns extraídos que se aplicam aos empregados domésticos. Vale a pena citá-los, visto que trouxeram maior valorização a esta categoria e permitiram que pudessem lutar por alguns direitos, são eles: salário-mínimo; irredutibilidade do salário; décimo terceiro salário; repouso semanal remunerado; férias anuais mais 1/3 do salário normal; licença maternidade por 120 dias; licença paternidade; aviso prévio e aposentadoria.

Ocorre que apesar desses direitos terem sido incluídos no texto da Carta Magna, eles precisavam de regulamentação, situação que demorou anos para ser definida, mas enfim vieram com as recentes alterações nos dispositivos legais.

As regulamentações recentes foram de certa forma inspiradas pela Convenção 189 da Organização Internacional do Trabalho – OIT que buscou regular o tema dos trabalhadores domésticos por entender sua importância para a sociedade e buscar sua igualdade. Ideia muito bem exposta no excerto abaixo de um artigo divulgado pelo Escritório Brasileiro da OIT:

O trabalho doméstico é um tema que apresenta grandes desafios do ponto de vista da ação pública e da organização de atores sociais. Sua complexidade é colocada em função de suas características peculiares, de seu papel na estruturação do mercado de trabalho, bem como de seu entrelaçamento com aspectos fundamentais da organização social e das desigualdades de gênero e raça, como a divisão sexual do trabalho e a desvalorização do trabalho reprodutivo. Trabalhadoras/es domésticas/os sofrem sistematicamente com o desrespeito aos direitos humanos e aos direitos fundamentais no trabalho.2

Impulsionado não somente pela Convenção, mas pelo interesse, ainda que tardio, do legislador em abordar o tema, iniciou-se a discussão que gerou a Emenda Constitucional 72/2013 que posteriormente deu origem a Lei Complementar 150/2015, a qual trouxe a definição hoje firmada de trabalhador doméstico:

Art. 1º. Ao empregado doméstico, assim considerado aquele que presta serviços de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, por mais de 2 (dois) dias por semana, aplica-se o disposto nesta Lei. 3

São empregados domésticos, portanto, os que se enquadram no referido conceito atual e preenchem os requisitos da lei. Dentre categorias que se encaixam nestes termos estão: a babá, a cozinheira, o mordomo, o caseiro, o jardineiro, bem como motorista particular, piloto particular, entre outras.

Cabe ressaltar que apesar do enorme avanço para esta classe trabalhadora que foi a vinda desta nova legislação, as mudanças vêm trazendo pontos positivos, mas também negativos, além de questões sobre as quais pairam muitas dúvidas de como se darão na prática. Por se tratar de uma categoria tão específica e peculiar era natural imaginar que isso iria ocorrer, diante disso faz-se necessária uma breve análise sobre o que a nova lei traz.

Sem dúvida, a regulamentação dos direitos da categoria dos domésticos já foi o maior avanço e o principal ponto positivo. A efetividade buscada dos direitos já contidos na Constituição é fundamental e parece, a princípio, que veio de forma concreta com a Lei Complementar 150/2015. Um grande ponto positivo também é que a lei veio para formalizar a contratação, dando segurança jurídica a parte mais vulnerável que é o empregado e trouxe um respeito maior a esta classe tão importante pra sociedade brasileira.

Entre os direitos regulamentados pela Lei Complementar já referida estão: a proteção contra despedida arbitrária, a regulamentação da jornada de trabalho, o seguro desemprego, novas regras sobre o FGTS, a remuneração ao trabalho noturno superior ao diurno, o salário família, regularização de horas extras, o aviso prévio e a implantação de seguro contra acidente de trabalho.

Entre elas, a princípio, merece um destaque a regulamentação da jornada de trabalho que está diretamente ligado com outras alterações. A lei estabeleceu que a jornada do empregado doméstico não poderá exceder oito horas diárias e quarenta e quatro semanais. Trouxe ainda a possibilidade de o empregado doméstico exercer suas atividades em regime de tempo parcial, permitindo a este o labor semanal que não exceda vinte e cinco horas semanais. Por fim criou outra opção, o empregado doméstico exercer a jornada em escalas de doze horas seguidas de trabalho por trinta e seis horas ininterruptas de descanso.

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Um avanço notado é que houve uma delimitação da jornada, algo que anteriormente era feito apenas pelo acordo entre as partes. Ligado a isso está a regulamentação de controle de jornada e horas extras, que agora passou a ser obrigatório. A questão principal é como se dará o controle dessa jornada e de intervalos, não no sentido formal do controle, visto que o uso de folha-ponto resolveria tal situação, mas como se dará no caso concreto.

A pessoalidade é muito grande entre patrão e empregado, sendo que era comum o fato de se ficar alguns minutos a mais em razão de algum fato especial ou ser liberado um pouco antes. Nisso talvez a lei venha ao regular impor uma complicação na relação entre as partes do contrato. Entretanto, vale mais que seja regulado o direito visando o todo e não casos isolados.

Existem pontos na nova lei que podem ser considerados pró e contra praticamente ao mesmo tempo, veja-se dois exemplos. Um deles é o recolhimento da multa antecipada do FGTS, que será recolhida aos poucos pelo empregador para em caso de demissão por justa causa poder ser sacada pelo empregado. Tem o lado positivo porque possibilita uma garantia ao empregado de já possuir o valor caso venha a ocorrer dispensa, por outro lado, se o empregado pedir demissão o empregador pode sacar o valor, isso possibilita uma grande chance de se fraudar o sistema.

Outro exemplo é o sistema E-Social, criado para controlar guias de pagamentos dos trabalhadores e pode vir a ser uma boa ferramenta de fiscalização dos contratos, entretanto, também padece de problemas especialmente na questão técnica visto que no primeiro mês de uso já teve imensos problemas e reclamações, resta aguardar e ver como e se o sistema funcionará bem no futuro.

Existem também as lacunas que a lei deixou de abordar ou abriu margem a interpretações, entre os exemplos estão: a possibilidade ou não da aplicação da multa do artigo 477 da CLT em contratos de domésticos; se eles fazem jus ao adicional de transferência; ou como funcionará a questão do seguro de acidentes de trabalho. Pontos estes deixados de lado pela lei.

Uma discussão que pode surgir é que a nova lei veio em caráter complementar, desta forma seria possível estender algumas inovações trazidas por ela para outros tipos de trabalhadores de forma analógica? A Justiça do Trabalho certamente será questionada sobre isso e terá que se posicionar sobre o tema.

Há ainda um ponto negativo que não possui dados estatísticos para comprovar apesar de ser bem propenso de que ocorra. Devido aos encargos terem sido aumentados para os empregadores é real a possibilidade de diminuição do número de empregados domésticos ou que a informalidade cresça com a substituição de empregados no termo da lei por diaristas, por exemplo, que estão fora da abrangência da mesma. “O Brasil caminha para a situação dos países avançados onde as empregadas domésticas são raras e caras”4. Considerando a crise econômica, talvez as mudanças ocorridas neste momento possam ser prejudiciais à classe, é um perigo real e preocupante.

Por fim, conclui-se que as alterações legislativas geraram mudanças que vão impactar a sociedade e o Judiciário, resta ver como todos irão reagir, como serão corrigidas possíveis falhas e lacunas na lei e se a ela cumprirá sua efetividade, ou seja, garantir direitos e melhorar as condições de trabalho de empregados domésticos.


Notas

1 CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 11ª ed. rev. e atual. São Paulo: Método, 2015. p. 337.

2 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção e Recomendação sobre Trabalho Decente para as Trabalhadoras e os Trabalhadores Domésticos. Disponível em: <https://www.oit.org.br/sites/default/files/topic/housework/doc/trabalho_domestico_nota_5_565.pdf> Acesso em: 30 nov. 2015.

3 BRASIL. Lei Complementar nº 150 de 1º de junho de 2015. Dispõe sobre o contrato de trabalho doméstico. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp150.htm> Acesso em: 13 nov. 2015.

4 AVELINO, Mario. O Futuro do Empregado Doméstico no Brasil. Rio de Janeiro: [s.n.], 2011. p. 13. Disponível em: <https://www.domesticalegal.org.br/livro/> Acesso em: 28 nov. 2015.

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Sobre o autor
Amir Lopes Martins Junior

Advogado. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba - UNICURITIBA. Pós-Graduado em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Escola da Magistratura do Trabalho do Paraná - EMATRA 9ª Região. Pós-Graduando em Engenharia e Gestão Ambiental pela Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trabalho realizado durante o Curso de Pós-Graduação em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário na EMATRA/PR - Escola da Magistratura do Trabalho da 9ª Região.

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