1 INTRODUÇÃO
A tributação é um método de arrecadação para que a máquina estatal mantenha-se em funcionamento, para isso a sociedade abdica de parte de seu patrimônio em prol da coletividade. Sempre foi observado no decorrer da história que a falta de limites ao poder estatal acarretava grandes transtornos, pois não havia segurança dos direitos de propriedade dos particulares, nem sequer de suas próprias vidas. Devido a isso surgiu a inegável necessidade de se instalarem limites a essa tributação, vindo a ganhar força nos Estados democráticos da contemporaneidade.
No âmbito do sistema tributário brasileiro o princípio da capacidade contributiva é matéria bem discutida. Isso porque a atuação legislativa ao criar normas que instituem ou modifiquem impostos deve sempre observar a capacidade econômica das diversas classes de contribuintes brasileiros, de modo a não comprometer o “mínimo existencial, vital”. Essa condição mínima de subsistência tem o intuito de proteger a dignidade dos indivíduos. Explicando o significado de “mínimo vital” Roque Antonio Carrazza aduz,
Os recursos econômicos indispensáveis à satisfação das necessidades básicas das pessoas (mínimo vital), garantidas pela Constituição, especialmente em seus arts. 6º e 7º (alimentação, vestuário, lazer, cultura, saúde, educação, transporte, etc.), não podem ser alcançados pelos impostos. Tais recursos devem ser salvaguardados pela cuidadosa criação de situações de não-incidência ou mediante oportunas deduções, legislativamente autorizadas. (CARRAZZA, 2004. p.94.)
Na ordem constitucional tributária, a capacidade contributiva encontra-se expressa no artigo 145, § 1, da Constituição Federal de 1988. O dispositivo tem gerado muitas discussões, principalmente nas possibilidades de aplicação e efetivação da graduação e da pessoalidade nos impostos, isso ocorre porque tal artigo traz a expressão “sempre que possível os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”.
Nesse contexto, torna-se importante compreender como o princípio da capacidade contributiva limita o poder de tributar no Brasil. Essa problemática tende a ser observada em pontos específicos pela própria doutrina, para que seja elevado o entendimento ao ponto de esclarecer fatos abstratos e concretos ainda embaraçados no tema, muitas vezes incidentes sobre dificuldades técnicas de aplicação do próprio princípio.
É trazido ao exposto também, devido a relevantes e contínuos questionamentos sociais, como o do paradigma entre a alta carga tributária brasileira e a deficiência na realização das atividades públicas, que acentuam a desigualdade social nacional.
O intuito do presente trabalho nada mais é que compreender como a capacidade contributiva limita o poder de tributar, de modo mais estreito, comparando os princípios tributários constitucionais, observando a evolução desses princípios no ordenamento jurídico, dando enfoque ao conceito do princípio da capacidade contributiva, além de analisar os métodos práticos de aplicação do referido princípio.
Sob uma ótica formal, nesta elaboração científica aplica-se como metodologia, conceitos e debates bibliográficos, jurisprudenciais e legislativos, abordando métodos históricos e comparativos para que determinem a utilização do princípio da capacidade contributiva como um limite ao poder de tributar do Estado perante a sociedade.
Para entender esses parâmetros e a condição de equilíbrio entre a necessidade do Estado para sua manutenção e as possibilidades da classe contribuinte, pretendida pela capacidade contributiva, é mister saber os traços do plano de abordagem.
O ponto inicial para entender a problemática da matéria são as noções gerais, que englobam desde a evolução histórica até o seu atual conceito. Isso se faz importante para que possamos entender o contexto que fez surgir os limites à tributação e o momento constitucional que trouxe o conceito de capacidade contributiva, acrescendo ainda sua atual definição dada pela legislação e pela doutrina.
Uma característica da natureza de defesa deste princípio é a extrafiscalidade. A extrafiscalidade dar-se-á quando a mera função fiscal é ultrapassada e o tributo passa a ter função além da arrecadatória. De modo genérico, a extrafiscalidade pode exercer uma função incentivadora, assim como desincentivadora na área tributária.
Na seara da extrafiscalidade, mesmo com sua utilidade social deve-se estar em consonância com o princípio da capacidade contributiva, observando também ligação aos demais princípios constitucionais tributários, isso ocorre para que um incentivo econômico com base tributária não exceda seus limites.
Dando sequência, mostra-se com grande relevância tratar dos métodos de aplicação da capacidade contributiva, haja vista que existem técnicas diretas e indiretas de aplicação, devendo sempre seguir os procedimentos legais. A questão da aplicação torna-se mais complexa quando analisada junto à efetividade do princípio em determinados tributos, pois que se não houver eficácia, o intuito do princípio não está sendo cumprido, que é garantir uma condição digna a população.
Visando observar quais os reais beneficiários da capacidade contributiva e se meio a isto existem possíveis falhas de aplicação.
Além disso, dentro do plano de abordagem será estudada a relação da capacidade contributiva com os demais princípios constitucionais.
Em breve análise, já é claro o destaque de se aplicar a pessoalidade e a graduação dos impostos para limitar o poder de tributar do Estado e preservar a condição do “mínimo vital” do contribuinte. No entanto em matéria tributária vários princípios então intimamente relacionados, haja vista que além de complementarem-se, muitos deles têm o mesmo objeto a ser defendido. Em meio a isso, entender a ligação entre a atuação dos princípios constitucionais da legalidade, não confisco, capacidade contributiva, igualdade e o princípio republicano é essencial para a compreensão do trabalho proposto.
Diante de todo o exposto, nos cabe com toda serenidade abordar os desdobramentos que envolvem a capacidade contributiva desde o seu surgimento até sua real eficácia frente aos tributos e à população para que se esclareça de modo direto como o referido princípio limita o poder da tributação estatal no Brasil, trazendo à mostra as possíveis falhas ou não dessa aplicação.
2 EVOLUÇÃO DOS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS
O direito como instituição social de cunho jurídico tem como objetivo a realização da paz social. Para isso, ele busca acompanhar os contextos vigentes, pois que a norma emana do fato social, que é posteriormente valorado.
Mediante a isso, faz-se necessário conhecer o desenvolvimento histórico do ordenamento jurídico, para entender o atual estado social.
No tocante aos princípios constitucionais tributários, que norteiam a ordem tributária em nosso Estado Democrático de Direito, é de grande importância entender como se chega nesse estágio, a partir do método histórico de pesquisa, além de continuar tentando aperfeiçoar os próximos passos do direito dentro da sociedade.
2.1 PRINCÍPIOS DA TRIBUTAÇÃO NO CENÁRIO HISTÓRICO BRASILEIRO
O poder de tributar do Estado em seu decorrer histórico retirava o patrimônio do particular sem limitações, de forma a confiscar bens, desde a Idade Antiga, até a Idade Contemporânea em alguns Estados não democráticos de direito.
Essas tributações excessivas foram motivo de revolta em diversas partes do mundo. A Revolução Francesa (1789), por exemplo, “teve como causa, dentre outras, a precária situação do governo de Luís XVI, que o obrigava a sangrar o povo com impostos” (COSTA,2009, p.09).
Quando se fala no período colonial no Brasil não havia sistema tributário definido devido à submissão ao regime da metrópole portuguesa e a nossa economia arcaica.
Sendo então, “lógico concluir que um país sem indústria e comércio não poderia desenvolver um sistema tributário. Os únicos impostos cobrados eram: o dízimo (10%) e os quintos (20%) sobre os resultados da atividade extrativa” (SOUZA, 1981, pg.177).
Embora não houvesse esse sistema aqui definido, Regina Helena Costa explica:
Ocorreram conflitos motivados pela tributação excessiva, dos quais o mais relevante foi a Inconfidência Mineira, provocada pela opressiva política fiscal da Coroa Portuguesa, por ocasião da coleta da derrama (1788-1792), mediante a qual o Rei de Portugal tinha direito ao quinto de ouro, isto é, a 20% de todo o metal extraído no Brasil (COSTA, 2009, p.09).
Em um momento não mais colonial, mas sim republicano, a Constituição de 1891 trouxe algumas transformações frente ao contexto superado, dentre essas, dizendo que competiria exclusivamente à União decretar impostos sobre a importação de procedência estrangeira, taxas de selo, assim como dos correios e telégrafos. Os estados teriam competência de tributar impostos sobre a exportação de suas próprias mercadorias e também decretar taxas de selos e taxas dos correios e telégrafos em seus territórios, já aos municípios subsistiriam da arrecadação Estatal dada a esses.
Embora a divisão de competência estivesse ainda embaraçada, o grande destaque normativo pertinente à matéria estava presente no artigo 10 da Carta. Tal dispositivo dizia que “É proibido aos Estados tributar bens e rendas federais, ou serviços a cargo da União, e reciprocamente”. Utilizando-se dos pensamentos de Alcides Jorge Costa (FERRAZ, 2005, p.74) esse artigo caracteriza a imunidade recíproca.
Já quando falamos da Constituição de 1934, ela corrigiu algumas lacunas e definiu as competências tributárias, assim como a Carta de 1937.
A Constituição de 1946 estabeleceu melhores parâmetros de competência e determinou órgãos de fiscalização a administração financeira, além de trata em seu texto de diversos princípios norteadores da ordem tributária nacional.
Em seu artigo 27 configurou de modo expresso o princípio da liberdade de trafego ao dizer: “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer limitações ao tráfego de qualquer natureza por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais (...)”.
No que tange ao princípio da capacidade contributiva, este também veio a obter maior representatividade na Constituição de 1946, em seu artigo 202, que de acordo com Marcus de Freitas Gouvêa, afirmava que, “os tributos terão caráter pessoal sempre que isso for possível e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”. (GOUVÊA, 2006, p.55).
Dando sequência a evolução tributária do ordenamento jurídico, com a promulgação da Constituição Federal de 1988 deu-se a fixação de vários princípios constitucionais, com o intuito de nortear a ordem tributária nacional, como prevê o artigo 150 da Constituição Federal.
Dentre os diversos limites à tributação trazidos por esse dispositivo, podemos citar o princípio da legalidade, da isonomia, da irretroatividade de exercício e nonagesimal, do não confisco e o princípio da liberdade de trafego.
É exatamente nessa ordem citada que se encontram os princípios distribuídos entre os cinco primeiros incisos do artigo 150 da CF.
Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;
II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;
III - cobrar tributos:
a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;
c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
IV - utilizar tributo com efeito de confisco;
V - estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público;
No que diz respeito ao inciso VI, do mesmo artigo, esse trata das imunidades tributarias. De acordo
VI - instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
b) templos de qualquer culto;
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.
e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 75, de 15.10.2013)
De acordo com Marcos Antonio Oliveira Fernandes, “além dessas principais imunidades, existem muitas espalhadas pelo corpo do texto constitucional”. (FERNANDES,2012, p.02).
Assim, após observar essa gama principiológica, fica claro a importância que estes exercem, “revelam-se limitações ao poder de tributar, na medida em que apontam como deve ser exercida a competência tributária” (COSTA, 2009, P. 52).
2.2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS FRENTE A EXTRAFISCALIDADE
A extrafiscalidade como fenômeno do sistema tributário brasileiro possui suas bases na Constituição Federal, tornando-se consequente o interesse dos princípios e diretrizes da ordem constitucional como permissores e limitadores dessa função tributaria.
2.2.1 Definição de extrafiscalidade
O tributo no Brasil possui uma classificação com três funções básicas, a finalidade fiscal, a parafiscal e a extrafiscal.
De modo sintético, podemos dizer que função fiscal corresponde à mera finalidade arrecadatória, a parafiscal visa custear atividades que não são próprias do Estado, mas há um interesse público, exemplo, SESI, SEBRAE. E a função extrafiscal, que visa regular uma determinada situação social, econômica, política. de um país. Tem entre seus objetivos desestimular ou estimular o consumo de mercadorias, produtos, proteção a moeda, exemplo, IPI, II, IOF. (PIVA, 2013).
No momento é pertinente ao presente, tratar da extrafiscalidade.
Os conceitos jurídicos de extrafiscalidade apresentam dois modelos de acordo com Marcus Gouveia, existindo assim conceitos estritos e ampliados.
O autor prefere por definir de modo mais ampliado ao dizer que,
A extrafiscalidade é o princípio ontológico da tributação e epistemológico do Direito Tributário, que justifica juridicamente a atividade tributante do Estado e a impele, com vistas na realização dos fins estatais e dos valores constitucionais, conforme as políticas públicas constitucionalmente estabelecidas, delimitada (a atividade estatal) pelos princípios que revelam as garantias fundamentais do contribuinte. (GOUVÊA, 2006, p.80).
Em consonância a este, Ricardo Lobo Torres sustenta:
A extrafiscalidade, como forma de intervenção estatal na economia, apresenta uma dupla configuração: de um lado, a extrafiscalidade se deixa absorver pela fiscalidade, constituindo a dimensão finalista do tributo; de outro, permanece como categoria autônoma de ingressos públicos, a gerar prestações não tributárias. (TORRES, 2001.p.167).
As conceituações mais estritas tratam da extrafiscalidade apenas como uma finalidade além da arrecadatória. Para Fábio Fanucchi, o tributo tem caráter extrafiscal quando exerce em seu lançamento "outros interesses que não sejam os de simples arrecadação de recursos financeiros” (FANUCCHI, 1976.p.54).
Diante do exposto, pode-se dizer que extrafiscalidade nada mais é que uma função exercida pelos tributos além da mera arrecadação, incentivando e desincentivando o consumo de determinados produtos e viabilizando políticas públicas para o bem estar social.
2.2.2 Permissibilidade constitucional tributária à extrafiscalidade
No atual contexto neoliberal, sob uma Constituição social que tem por axioma o princípio da dignidade humana, como um dos fundamentos que constituem nosso Estado Democrático de Direito, se firmaram na Carta de 1988 vários princípios constitucionais que regem o sistema tributário brasileiro.
No entender de Spagnol,
A experiência histórica do liberalismo econômico provou a imperatividade da Intervenção do Estado no domínio econômico. Entretanto, essa mesma experiência, no Estado Social, demonstrou a ineficiência de uma intervenção direta na economia. Com este respaldo histórico, faz-se urgente que a atividade tributante atual ultrapasse os limites meramente fiscais e se converta em um instrumento de política sócio-economica por parte do Estado (SPAGNOL, 2002, p.17).
Como já visto os princípios constitucionais tributários coadunados aos tributos com fins extrafiscais permitem a atuação estatal na realização de políticas públicas com finalidades tanto econômicas quanto sociais, orientados por esses valores tutelados na CF 88.
É nesse sentido que Ruy Barbosa Nogueira ensina que,
Esses princípios constitucionais da tributação mostram que o direito tributário conserva, nos seus traços principais, o caráter que conquistou no seu incessante desenvolvimento paralelo ao constitucionalismo: garantias e proporcionalidade para os cidadãos, por meio de limitações ao poder tributário. Numa palavra: o advento do cidadão-contribuinte e a transformação do “poder de tributar” no “direito de tributar (NOGUEIRA, 1995, p.111).
Destarte, a Constituição permite e utiliza-se da extrafiscalidade como um dos meios de concretizar seus objetivos fundamentais, como trata artigo 3º da CF:
Art.3º- Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I-Construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II-Garantir o desenvolvimento nacional;
III-Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV-Promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade, e quaisquer outras forma de discriminação. (Constituição Federal de 1988).
Inclusive, o título VII, da ordem econômica e financeira tratam dessa permissibilidade constitucional a extrafiscalidade em alguns de seus artigos, tais quais o artigo 173 e 179.
Luciano Amaro leciona que,
O incentivo à atividade econômica, previsto como função social do Estado no art. 74, pode instrumentar-se também através de normas tributarias. O tratamento diferenciado das microempresas e das empresas de pequeno porte, determinado pelo art. 179 da Constituição, é igualmente implementável, na esfera dos tributos, através da eliminação ou redução de gravames fiscais. (AMARO, 2000, p.144).
Desse modo, são sob esses ensinamentos já arguidos que demonstra-se a permissibilidade constitucional à extrafiscalidade, que por sua vez compõe um método de aplicação da carga tributária com funções sociais constitucionais.
3 O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA: EXTRAFISCALIDADE E LIMITAÇÃO AO PODER DE TRIBUTAR.
O princípio da capacidade contributiva é uma das diretrizes da ordem constitucional tributária brasileira, haja vista que ele impõe limites ao poder do Estado frente o particular, tanto quando o legislador vai elaborar a legislação tributária, quanto nos métodos de ponderação da própria aplicação tributaria.
Assim sendo, é um instrumento normativo indispensável para o alcance do bem estar social, limitando a carga tributária a condição de possibilidade do contribuinte e também como permissor da função além da fiscal, como um método que viabiliza a atuação Estatal em prol da sociedade por suas políticas pública.
3.1. DEFINIÇÃO DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
Em definição legal, o princípio da capacidade contributiva está expresso na Carta Magna vigente, em seu parágrafo primeiro, artigo 145, que diz,
Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte (BRASIL, 1988).
Muitos doutrinadores também definem o significado da capacidade contributiva, no entanto, é preciso compreender no que consiste o princípio, para isso Celso Antonio Bandeira de Mello, citado por Regina Helena Costa, conceitua o vocábulo “princípio” como:
Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e sentido e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo (MELLO, apud COSTA, 2009, p.53).
Após entendermos o ser do princípio, Aliomar Baleeiro define,
A capacidade contributiva do indivíduo significa sua idoneidade econômica para suportar, sem sacrifício do indispensável a vida compatível com a dignidade humana, uma fração qualquer do custo total dos serviços públicos. (DERZI em atualização a BALEEIRO apud GOUVÊA. 2006, p.53).
Em mesmo sentido, unindo as definições supra arguidas e extraindo-se da ideia de Ruy Barbosa Nogueira, o princípio da capacidade contributiva representa um real pressuposto da lei tributária, sendo dessa forma um conceito econômico e de justiça social. (NOGUEIRA, 1999).
Em consonância a Ruy Barbosa, Roque Antonio Carrazza relata,
Importante destacar que o legislador tem o dever, enquanto descreve a norma jurídica instituidora dos impostos, não só de acolher fatos que exibam conteúdo econômico, como de atentar para as desigualdades próprias das diferentes categorias de contribuintes, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas (CARRAZZA, 2004.p.81).
Para Regina Helena Costa,
O conceito da capacidade contributiva, ainda que o termo que o expressa padeça da ambiguidade e da imprecisão características da linguagem do direito positivo, pode ser singelamente definido como a aptidão da pessoa colocada na posição de destinatário legal tributário para suportar a carga tributária, numa obrigação o cujo objeto é o pagamento de impostos, sem perecimento da riqueza lastreadora da tributação. (COSTA, 2003. p. 136).
Mesmo em momento anterior a Constituição de 1988, a doutrina já posicionava-se acerca do tema, o professor Manoel Lourenço dos Santos,
O princípio da capacidade contributiva, universalmente consagrado pela ciência das finanças, facilmente impressiona o nosso espirito, como regra comum de justiça: O Estado deve repartir a carga tributária de acordo com as possibilidades econômicas de seus habitantes, de modo geral, e, de modo especifico, conforme a capacidade econômica de cada indivíduo, poupando, tanto quanto possível, o necessário físico de cada um (SANTOS,1970, p.96).
Sem mais discussões referentes a conceituação, Luciano Amaro completa dizendo, “o princípio da capacidade contributiva inspira-se na ordem natural das coisas: onde não houver riqueza é inútil instituir impostos, do mesmo modo que em terra seca não adianta abrir poço à busca de água". (AMARO, 2005, p.138).
Além do mero conceito de capacidade contributiva, se faz necessário entender os desdobramentos desse princípio, e é nesse sentido que Misabel Derzi faz uma breve distinção entre a capacidade contributiva objetiva e a subjetiva dizendo que,
Nota haver a capacidade contributiva absoluta (objetiva), segundo a qual o legislador deve acolher como fatos jurígenos tributários situações que revelem, em geral, capacidade de pagar tributos. De outro lado, a capacidade relativa (real ou subjetiva) é aquela que só seria verificada em cada caso concreto específico (DERZI em atualização a BALEEIRO apud GOUVÊA. 2006. p.54).
A partir daí, Carrazza ensina também que “a capacidade contributiva à qual alude a Constituição e que a pessoa política é obrigada a levar em conta ao criar, legislativamente, os impostos de sua competência é objetiva, e não subjetiva”. (CARRAZZA, 2004, p.84).
Aliás, nos impostos sobre propriedade (como o IPVA, IPTU, o ITR, o imposto sobre grandes fortunas etc.), a capacidade contributiva revela-se com o próprio bem. (CARRAZZA, 2004, p.85).
Em outros termos, o princípio da capacidade contributiva já referido, nada mais é que um requisito legal que deve ser observado e aplicado “sempre que possível” ao se instituir, modificar ou aplicar impostos, valendo-se dessa capacidade econômica de forma objetiva, expressa por meio do patrimônio do contribuinte, primando sempre o fundamento do mínimo existencial e da dignidade da pessoa humana do mesmo, enfim, a aludida justiça social.
É importante destacar, como lembra Roque Antônio Carrazza da distinção entre proporcionalidade e progressividade. O autor explica que quando falamos na proporcionalidade" esta atrita com o princípio da capacidade contributiva, porque faz com que pessoas economicamente fracas e pessoas economicamente fortes paguem impostos com as mesmas alíquotas”. (CARRAZZA,2004, p.82).
Entendendo um pouco mais, Carrazza exemplifica,
Se alguém que ganha 10 e paga 1, e outrem ganha 100 e paga 10, ambos estão pagando, proporcionalmente, o mesmo tributo (10% da base de cálculo). Apenas, o sacrifício econômico do primeiro é incontendivelmente maior. De fato, para quem ganha 10, dispor de 1 encerra muito maiores ônus econômicos do que para quem ganha 100 dispor de 10. O princípio da capacidade contributiva só será atendido se o imposto for progressivo, de tal arte, por exemplo, quem ganha 10 pague 1, e quem ganha 100 pague 25 (CARRAZZA, 2004, p. 83).
Em suma, Roque mostra que “impostos com alíquotas fixas agravam as diferenças sociais existentes, porque tratam de maneira idêntica contribuintes que, sob o ângulo da capacidade contributiva, não são iguais”. (CARRAZZA,2004, p. 83).
3.2 O LIMITE À TRIBUTAÇÃO E NATUREZA EXTRAFISCAL DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
Feita a caracterização do princípio da capacidade contributiva, seguimos por entender o limite à tributação desse princípio, pois o sistema tributário não consiste apenas no ato de arrecadar desenfreadamente. O ilustre Ruy Barbosa em seus ensinamentos esclarece que existe o poder de tributar e o poder de regular ao qual alude,
Em razão da soberania que o Estado exerce sobre as pessoas e bens de seu território, ele pode impor, sobre as relações econômicas praticadas por essas pessoas e sobre esses bens, tributação (soberania fiscal), como também impor-lhes regulamentação (soberania regulatória) (NOGUEIRA, 1995, p.181).
A partir dessa explanação, o autor mostra que o poder de regular, significa estabelecer regras, governar, restringir, mas lembrando-se sempre que este “tem seu exercício limitado pelas disposições constitucionais”. (NOGUEIRA, 1995, p. 182).
Dentre essas disposições constitucionais, o princípio da capacidade contributiva tem em destaque sua representatividade como limitador a tributação.
O legislativo tem que estabelecer e aplicar a tributação de modo que não viole a capacidade do contribuinte.
Assim sendo, “o legislador só pode criar tributo, cuja expressão financeira esteja conectada com a realidade econômica do contribuinte”. (GOUVÊA, 2006, p.56).
Desse modo, “o princípio da capacidade contributiva informa a tributação por meio de impostos. Intimamente ligado ao princípio da igualdade, é um dos mecanismos mais eficazes para que se alcance a tão almejada justiça fiscal.” (CARRAZZA, 2004, p.81).
A justiça fiscal em comento, é efetivada pela capacidade contributiva com seus limites a tributação para garantir o mínimo vital dos indivíduos.
Roberto Quiroga Mosquera, referenciado por Roque Antonio Carrazza, diz que,
Se revela a necessidade de se dar ao cidadão brasileiro condições mínimas de existência, isto é, supri-lo de bens materiais que atendam às suas necessidades básicas e as que lhe permitam assegurar a vida, a saúde, o bem-estar, a dignidade e a liberdade. (CARRAZZA, 2007, p.122).
Sendo assim, Carrazza completa ao dizendo que, “dar condições mínimas de existência consiste, outrossim, em não tributar os valores recebidos e utilizados na consecução desse objetivo. O mínimo vital, portanto é insuscetível de tributação”. (CARRAZZA, 2007, p. 122).
Em suma, o princípio da capacidade contributiva faz com que o legislador ao elaborar as normas que criam ou modificam os impostos devem de forma obrigatória fazê-los de modo que “sempre que possível” esses tributos sejam graduais e pessoais, para que se resguarde o mínimo vital das classes de contribuintes, além de não tratar de forma desigual, pessoas que se encontrem em situações equivalentes.
Como esse princípio prega a modificação de alíquotas, seja diretamente pela progressividade, ou indiretamente pela seletividade, ele dá espaço para a função extrafiscal nos impostos.
Vejamos o exposto no artigo 153, § 1º do texto constitucional: “É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos, I, II, IV e V”. (CF 1988).
É nessa tangente que o voto do Ministro Carlos Velloso no Recurso Extraordinário nº 225.602, julgado pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal esclarece:
É dizer, no que concerne aos impostos de importação (inc. I do art.153), exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados (inc. II do art. 153), IPI (inc. IV do art. 153) e IOF (inc. V do art. 153), a Constituição excepciona o princípio da legalidade relativamente à majoração da alíquota. É que tais impostos tem natureza extrafiscal. São mais instrumentos de formação de políticas governamentais e menos forma de arrecadação ou de ingresso de dinheiro nos cofres públicos. (BRASIL, Recurso Extraordinário nº 225.602).
O tributarista Aliomar Baleeiro, citado por Marcus Gouvêa explica que,
Recorrendo ainda que rapidamente, a doutrina e á pratica estrangeira de época mais próxima, foi nosso objetivo focalizar que os princípios morais, jurídicos e políticos, inerentes a tributação pessoal medida pela capacidade contributiva, não encontram incompatibilidade por parte dos ditames dos economistas. Nem estes, contemporaneamente justificam a desigualdade econômica entre os indivíduos como base indispensável da prosperidade social. Muito pelo contrário, a corrente moderna mais vigorosa do pensamento econômico procurou nas Finanças Públicas o socorro da política social para preservação do consumo, do investimento e do pleno emprego (GOUVÊA,2006, p.59).
Ricardo Cunha Chimenti explana que,
As alíquotas diferenciadas do imposto de renda representam uma das formas de se efetivar os princípios da igualdade e da capacidade contributiva, pois distribuem de forma proporcional os ônus de prover as necessidades da coletividade da mesma forma a isenção (forma de extrafiscalidade) para contribuintes com menor capacidade econômica ou para microempresas. (CHIMENTI, 2006, p.52).
Isto posto, demonstra-se, assim, que o princípio da capacidade contributiva, um dos mais relevantes na estrutura do Direito Tributário, possui relações estreitas com a extrafiscalidade. (GOUVÊA,2006, p. 59).
4 A APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA NO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL
Os princípios constitucionais são carregados de valores sociais, no entanto sua transcrição no texto constitucional não garante os resultados esperados ao se instituir a norma.
Por isso é de suma importância verificar a aplicação do princípio da capacidade contributiva no sistema tributário nacional, observando suas peculiaridades, além de expor qual sua abrangência nos tributos do Brasil, visto as demasiadas formas de tributos e se existem possíveis falhas na sua eficácia.
4.1 BENEFICIÁRIOS DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
Ao falar sobre os beneficiários das ponderações do princípio da capacidade contributiva, temos uma acepção que segue alguns princípios, tais quais o princípio da generalidade, da universalidade, assim como a progressividade.
De acordo com Marcus de Freitas Gouvêa
A generalidade e a universalidade têm um caráter preponderantemente fiscal, relativo à amplitude da base de cálculo, mas atende aos anseios da igualdade, porquanto proíbe distinções na tributação de pessoas (em virtude de sua posição social) e de rendas (em virtude de sua fonte). (GOUVÊA, 2006, p. 62).
Nesse mesmo sentido, “é proibido a concessão de vantagens fundadas em privilégios de pessoas ou categorias de pessoas”. (CARRAZZA, 2007, p. 76).
Com isso, quer-se dizer que o princípio da capacidade contributiva recairá sobre todos os contribuintes, visto seus estreitos com o princípio da isonomia.
Embora sua aplicação direta nos tributos ocorra “sempre que possível”, a observância do legislador para tributar resguardando o mínimo vital da população e sua dignidade direcionam-se a todos.
Nos métodos específicos de aplicação existem algumas distinções, mas sempre se respeitando a isonomia tributária, ao qual o dispositivo 150, II da CF trata,” instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”.
Quando falamos dessas distinções práticas, temos o Imposto de renda, ao qual a variação das alíquotas dar-se-á de modo diferente entre pessoas físicas e jurídicas.
4.2 A INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA NOS TRIBUTOS BRASILEIROS
No sistema tributário nacional é importante compreender como se dá a aplicação eficaz do princípio da capacidade contributiva.
Marcus de Freitas Gouvêa cita o entendimento de Werther Spagnol acerca da aplicação deste princípio.
Em linhas gerais, sustenta que o art. 145, § 1º, informa a aplicação dos princípios da pessoalidade e da capacidade contributiva como critério de progressividade apenas nos impostos. A expressão ‘sempre que possível’ justifica-se, porquanto os impostos indiretos não são afeitos a progressividade, mas a seletividade, no que a Constituição é expressa ao tratar do IPI. Já em relação as contribuições, a Constituição não admite progressividade, mas opta por uma diferenciação de alíquota e de base de cálculo’ em razão da atividade econômica ou da utilização intensiva de mão-de-obra. (Art.195, § 9º, da Constituição Federal de 1988) (SPAGNOL apud GOUVÊA, 2006, p. 56).
Nesse sentido, concordando com Spagnol, Luciano Amaro explica que, “a progressividade não é uma decorrência necessária da capacidade contributiva, mas sim um refinamento desse postulado” (AMARO,2001).
Para Eduardo Sabbag, a expressão “sempre que possível” que trata o artigo 145, § 1º da Carta de 1988 a respeito da capacidade contributiva depende das possibilidades técnicas de cada imposto. (SABBAG, 2010).
Em uma passagem ele expõe que,
Se o imposto sobre a renda, por exemplo, mostra-se vocacionado á variação de alíquotas, na busca do ideal de justiça, o ICMS, em princípio, repudia-a, uma vez que se trata de imposto incidente sobre o consumidor final, no plano de repercussão tributária, indo de encontro à ideia da pessoalidade anunciada no dispositivo (SABBAG, 2010, p. 157).
Além disso, o autor classifica como três os meios de exteriorização e concretização da capacidade contributiva, sendo eles, a progressividade, a seletividade e a proporcionalidade.
Vale lembrar que existem muitas discussões em determinados aspectos que englobam a capacidade contributiva, visto sua função principiológica de limitar o poder de tributar do Estado brasileiro. Sob as previsões legais, é preciso adentrar a matéria para entender como o princípio vai influir nos impostos.
A exteriorização da capacidade contributiva dar-se-á via progressividade de alíquotas quando tratar-se de Imposto de Renda (artigo 153, §2º, I), IPTU (artigo 156, §1º, I) e ITR (artigo 153, §4º, I), todos previstos de forma expressa na Constituição Federal de 1988.
O ITR, como explica Eduardo Sabbag é marcado por uma progressividade extrafiscal, isso ocorre porque o proprietário que não produz, que não dá destinação econômica ao imóvel rural que possui, ou exerce atividade com precário rendimento terá uma maior onerosidade. (SABBAG,2010, p. 161).
No que tange ao IPTU (Imposto Sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana), o artigo 156, § 1º, alterado pela Emenda Constitucional n.29/2000 é claro ao dizer que o IPTU poderá ser progressivo em razão do valor do imóvel, e ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel.
A seletividade também é uma exteriorização da capacidade contributiva, que recai sobre alguns impostos, tais como o IPI (Imposto de Produtos Industrializados) e o ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Esses impostos são transcritos nos artigos 153, § 3º, I que diz, os impostos previstos no inciso IV, que são os sobre produtos industrializados, serão seletivos em função da essencialidade do produto. Já o artigo 155, §2º, III acerca do ICMS trata que este poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços. Ambos dispositivos pertencem ao texto da Constituição Federal.
Como exposto, estes impostos além de obedecer a seletividade têm prevalência na função extrafiscal.
Roque Antonio Carrazza leciona que,
O IPI e o ICMS devem ser utilizados como instrumentos de ordenação político-econômica, estimulando a prática de operações (com produtos industrializados ou mercadorias) ou serviços havidos por necessários, úteis ou convenientes á sociedade e, em contranota, onerando outros que não atendam tão de perto ao interesse coletivo. (CARRAZZA, 2004, p.89,90).
O autor conclui que,
O princípio da seletividade tem por escopo favorecer os consumidores finais, que são os que, de fato, suportam a carga econômica do IPI e do ICMS. Daí ser imperioso que sobre produtos, mercadorias e serviços essenciais haja tratamento fiscal mais brando, quando não total exoneração tributária, já que em relação a eles o adquirente, em rigor, não tem liberdade de escolha. (CARRAZZA, 2004, p.91).
Já quando nos referimos a proporcionalidade, esta possui uma “alíquota única sobre uma base de cálculo variável”. Por isso “o STF já se pronunciou no sentido de que o princípio da capacidade contributiva é prestigiado, no caso dos impostos ditos reais pela mera técnica de proporcionalidade”. (SABBAG, 2010, p.174).
Explanando sobre outras modalidades de tributos, pode-se citar as taxas, que como bem explica Ricardo Lobo Torres,
Devem ter como base serviços essenciais ou o exercício do poder de polícia. O aspecto quantitativo do dever de pagar este relaciona-se ao custo da atividade estatal provocada pelo contribuinte, todos em igualdade de condições. A medida do consumo do serviço estatal será a medida da capacidade contributiva objetiva do contribuinte, assim como ocorrência no caso dos serviços privados. (TORRES apud GOUVÊA, 2006, p.57).
O autor acrescenta ainda que,
De igual forma, a capacidade contributiva nas contribuições de melhoria é consequência justamente do acréscimo patrimonial decorrente da obra pública. Tanto assim, que um dos limites do tributo é o referido acréscimo individualizado ao patrimônio do sujeito passivo. Tributação que o exceda, transgredira ao princípio. (TORRES apud GOUVÊA, 2006, p.57).
Nota-se assim, que a capacidade contributiva está presente não só nos impostos, mas também em outros tributos, mediante progressividade ou seletividade, ou até mesmo sob outros métodos de ponderação do legislador para mediar a carga tributária.
4.3 PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA SUAS POSSÍVEIS FALHAS DE APLICAÇÃO
Embora aplicável, o princípio da capacidade contributiva sofre fortes críticas sobre certas falhas de aplicação, discutidas tanto entre a doutrina, como também nos tribunais brasileiros.
Na seara do Imposto de Renda pessoa física, a capacidade contributiva ocorre via progressividade, no entanto, o autor Roque Antonio Carrazza analisa que,
O sistema poderia ser aperfeiçoado, aumentando-se o número de alíquotas. Afinal, não podemos perder de vista que, em alguns outros países, as alíquotas do IR-pessoa física oscilam entre 5% e 55%. Esta última alíquota pode parecer escorchante, mas, na verdade, só acaba atingindo alguns poucos megamilionários. Em tais países, a classe média é submetida a uma tributação de aproximadamente 10% sobre os rendimentos auferidos (contra os 27,5% da classe média brasileira) (CARRAZZA, 2007, p.120).
Acrescenta ainda que,
Para que a progressividade no imposto de renda se cumpra, é preciso que a legislação autorize, às pessoas que auferem rendimentos, certas deduções, que lhes garantam a subsistência e a de seus dependentes (deduções com estudos, alimentação, vestuário, etc.).
É certo que a legislação autoriza deduções com educação, tratamento de saúde, etc. Sobre bases, porém, absolutamente irrealistas. Assim, por exemplo, os valores dedutíveis com educação são extremamente baixos, muito distantes dos gastos usuais numa escola particular de bom nível. No caso das despesas medico- hospitalares, não são aceitas deduções com medicamentos, quando é por meio deles que usualmente se alcança a recuperação da saúde, um dos valores prestigiados pelo art. 6º da CF (CARRAZZA, 2007, p. 121).
Além da questão já referida sobre a progressividade do imposto de renda pessoa física, a CPMF também é alvo de diversas críticas em todas as suas fases.
Carrazza, em sua obra de direito constitucional tributário traz à tona certas inconstitucionalidades e abusos.
De acordo com o autor,
A antiga CPMF (“contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira”), criada pela Lei 9.311/1996(que buscou fundamento de validade na Emenda Constitucional 12/1996) e “prorrogada” pela Lei 9.539/1997, padecia de inconstitucionalidade. De fato, o art. 7º da Lei 9.311/1996 estipulava que a alíquota deste tributo- que, apesar do nome (contribuição), tinha a natureza jurídica de imposto- seria, para todos os contribuintes, de “vinte centésimos por cento”. É certo que houve uma tímida tentativa de atender-se ao princípio da capacidade contributiva, na medida em que o art. 17 desta mesma Lei 9.311/1996 previa mecanismos de compensação para os pequenos assalariados. Ainda assim, a nosso ver, esta inconstitucionalidade estava presente.
Infelizmente, a CPMF “criada” pela Emenda Constitucional 21/1999 continuou afrontando o princípio da capacidade contributiva, pois previu que a alíquota da contribuição seria de trinta e oito centésimos por cento, nos primeiros doze meses, e trinta centésimos nos meses subsequentes (art.75, § 1º, do ADCT).
O mesmo podemos dizer da “nova” CPMF, “criada” pela Emenda Constitucional 37, de 12.6.2002, que “nasceu” da prorrogação(!!!), até 31 de dezembro de 2004, da Lei 9.311, de 24.10.1996. A alíquota do tributo foi de trinta e oito centésimos por cento, nos exercícios financeiros de 2002 e 2003, e seria de oito centésimos por cento, no exercício financeiro de 2004. Escrevemos “seria” porque em 2003 foi aprovada a Emenda Constitucional 42, que, inserindo um art. 90 no ADCT, novamente prorrogou – agora até 31.12.2007- a cobrança do tributo e a vigência da Lei 9.311/1996, ao mesmo tempo em que lhe aumentou a alíquota para trinta e oito centésimos por cento, já para o exercício financeiro de 2004. (CARRAZZA, 2007, p.105, 106).
Mediante a isso, utilizando-se do ensinado por Carrazza, a não graduação das alíquotas fez com que sua incidência não observasse a certos critérios de riqueza, em suma, “manteve o total descompromisso da exação com a capacidade contributiva.” (CARRAZZA, 2007, p. 106).
Destarte, podemos observar algumas falhas de aplicação do princípio da capacidade contributiva, algumas atualmente sanadas, como o caso da CPMF, mas ainda existe muito o que se melhorar na aplicação dessa diretriz constitucional, para que a tributação seja mais justa e equilibrada, de modo a cobrar e repartir melhor a riqueza entre os contribuintes brasileiros.
5 CONCLUSÃO
O Estado brasileiro até alcançar sua modalidade e fundamentos de estado social, estado democrático de direito, teve uma trajetória evolutiva dos princípios constitucionais, dentre eles o princípio da capacidade contributiva.
O princípio em comento é expresso na Constituição Federal, em seu artigo 145, parágrafo primeiro. Integrante do texto constitucional, a capacidade contributiva não se limita apenas a preceitos, ele possui uma atuação prática na elaboração e modificação de impostos, visto que o Supremo Tribunal Federal e grande parte da doutrina tratam como obrigatório suas características de pessoalidade e graduação deste, como exposto pelo termo “sempre que possível”, de que trata o referido artigo.
Mister falar também da sua natureza extrafiscal, pois com o intuito de promover os outros princípios fundamentais e os objetivos da nossa república, como a redução da desigualdade, e o equilíbrio da ordem constitucional econômica, a capacidade contributiva é um princípio aliado à função preponderante extrafiscal dos tributos, isso porque as alterações de alíquotas e bases de cálculo que o princípio da capacidade contributiva orientam, são métodos do controle governamental, por meio de políticas públicas buscar o bem estar social.
No entanto, falar de capacidade contributiva como limitador ao poder de tributar do Estado vai além, sua atuação prática depende de distintos métodos, aos quais citamos a seletividade e progressividade tributaria.
Isso ocorre, pois nem sempre é fácil tributar de modo pessoal, analisando a capacidade econômica de cada classe de contribuinte.
O ordenamento jurídico brasileiro tributa conforme a capacidade contributiva objetiva, no qual o patrimônio comprova a própria capacidade do contribuinte.
A tão aludida justiça fiscal acaba por nem sempre concretizar-se, visto que existem falhas na aplicação do princípio da capacidade contributiva, falhas essas que não beneficiam o contribuinte no dia a dia, da forma que esse necessita.
As alíquotas e bases de cálculo que pouco variam no imposto de renda, assim como as insignificantes deduções a direitos fundamentais de existência do cidadão são alguma delas. Além da inconstitucional CPMF e demais excessos cometidos nos últimos anos, que prejudicam a eficiência da capacidade contributiva como um princípio da ordem constitucional tributaria.
Embora ainda haja o que se melhorar em termos da atuação do princípio da capacidade contributiva, este tem em muitas circunstâncias protegido o contribuinte com capacidade econômica mais fraca, de modo que seja resguardado seus direitos básicos, seu mínimo vital, em sua dignidade humana, assim como bem preceitua nossa Carta Social de 1988.
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