Brasil não pode aplaudir violação de direitos

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Todos os dias, quando leio e assisto aos jornais, lembro da frase que diz que a opinião pública é uma prostituta que tenta puxar o juiz pela manga. O fraco treme diante da opinião pública, o louco afronta-a, o sábio julga-a, o homem hábil dirige-a. O juiz federal Sergio Moro está se mostrando extremamente habilidoso. Arbitrário, mas habilidoso.

Não respeita a ampla defesa e nem o devido processo legal, mas, como irão dizer alguns, diante da gravidade das acusações isso é apenas um detalhe. Não precisamos mais de processos e nem de sentenças. Os acusados são todos culpados. Basta o julgamento pela opinião pública e, no tribunal da mídia, tenham certeza, todos são culpados.

Podemos não gostar do PT, do PMDB, de Lula, Dilma ou de Eduardo Cunha. Mas isso não significa dizer que devemos aplaudir quando as garantias dos cidadãos — e de seus advogados — são violadas. Hoje, as vítimas dos abusos são os políticos, os empreiteiros, os vilões do momento. Amanhã pode ser um de nós, um familiar ou um amigo.

Contudo, acredito – e enquanto tiver forças defenderei isso – na necessidade de um julgamento justo, sem espetáculos, e com respeito à lei. Que os culpados sejam punidos, mas que a punição seja aplicada na forma da lei.

A Constituição Federal assegura a todos, indistintamente, a garantia de um processo justo, onde sejam assegurados o contraditório e ampla defesa (artigo 5º, LV da CF), rejeitadas as provas obtidas por meios ilícitos (artigo 5º, LVI da CF) e motivadas as decisões judiciais (artigo 93, IX da CF).

O poder de punir do Estado não pode ser exercido de forma arbitrária. A Justiça Penal “não se realiza a qualquer preço. Existem, na busca da verdade, limitações impostas por valores mais altos que não podem ser violados”. (STF, Ap. 307-3, Ilmar Galvão, DJ 13.10.95).

Não podemos admitir que o processo penal retorne aos tempos da inquisição, quando as execuções públicas eram apreciadas — e aplaudidas — pela população. E nem que o combate à corrupção sirva de fundamento para que aqueles que se julgam do “bem” busquem, a qualquer custo, a punição de quem consideram do “mal”.

Hoje, o acusado é preso para forçar uma delação premiada. Amanhã, diante da resistência em fazer a delação, talvez mandem prender a mãe, o pai, avós ou os filhos menores desse mesmo acusado. Talvez até uma tortura leve, quem sabe uns choques elétricos. Afinal, meras irregularidades — eufemismo agora utilizado para as ilegalidades — devem ser toleradas no combate à corrupção.

As normas que regem o processo penal foram editadas em beneficio de todos. Servem para proteger culpados e inocentes. São limites ao poder punitivo do Estado, que não pode tudo no combate ao crime.

Não tenho o menor medo de ser impopular ou de ser criticado pelas minhas opiniões, mas me apavora a ideia de ser omisso diante de tantos abusos. Não é a má utilização do processo penal que fará o Brasil melhorar. O processo penal é meio de proteção do cidadão contra os arbítrios do Estado. Não podemos esquecer disso.

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Sobre o autor
Ulisses César Martins de Sousa

Advogado. Sócio de Ulisses Sousa Advogados Associados. Secretário Geral Adjunto da OAB/MA.

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