Arbitragem e contratação de obras públicas

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Defesa da arbitragem como mecanismo de preservação dos interesses da Administração Pública e do particular para evitar a proliferação de obras inacabadas.

Introdução

Com este texto pretendemos defender a utilização da via arbitral pela Administração Pública, em opção à via judicial, para dirimir conflitos de interesses que surjam com particulares, quando em curso contratos cujo objeto seja de realização de serviços de engenharia para execução de obras públicas.


Justificativa

A abordagem ora proposta encontra estímulo e se justifica na medida em que sugere alternativa passível de conciliar interesses tanto da Administração (conclusão das obras), quanto dos particulares contratados (recebimento do preço), atendendo, em última análise, ao interesse público motivador de tais contratações, representado na efetiva conclusão e entrega da obra contratada.


Previsão Legal

Com a entrada em vigor da Lei 13.129, de 26 de maio de 2015, o art. 1o da Lei 9.307/1996 restou alterado em seu § 1º para expressamente permitir à Administração direta e indireta “utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis”.

Ao mesmo tempo em que ampliou o rol de legitimados aptos a se valerem da arbitragem para dirimir conflitos de interesses, optou o legislador por manter a restrição antes existente em relação ao objeto da arbitragem.

Todavia, se não há mais dúvida sobre o direito assegurado ao ente público de utilizar a arbitragem para dirimir conflito em que se veja envolvido, cabe indagar se pode existir no âmbito da Administração direito que possa ser considerado disponível. Maria Sylvia Zanella Di Pietro responde afirmativamente a essa indagação:

“O interesse público é sempre indisponível pela administração pública, porque ele é de titularidade da coletividade, e não do poder público. A administração pública apenas o administra, protege e tem o dever de dar-lhe efetividade. Mas não pode dele dispor livremente porque não lhe pertence. Portanto, é correto afirmar que o interesse público é indisponível, mas isso não significa que todos os direitos patrimoniais, no âmbito do direito público, sejam indisponíveis. Por vezes, a disponibilidade de um patrimônio público pode ser de mais interesse da coletividade do que a sua preservação. A título de exemplo, cite-se o direito do contratado à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Aceita-se essa medida, porque é do interesse público garantir a continuidade dos contratos administrativos”1.

Nessa mesma linha é o entendimento de Odete Medauar, para quem não se mostra adequado invocar o princípio da indisponibilidade do interesse público como “impedimento à realização de acordos, à utilização de práticas consensuais e da arbitragem pela Administração”. Para essa autora o interesse público realiza-se plenamente “na rápida solução de controvérsias, na conciliação de interesses, na adesão de particulares às suas diretrizes, sem o ônus e a lentidão da via jurisdicional2.

Em mesmo sentido, desde que presente o requisito da arbitrabilidade objetiva (direitos patrimoniais disponíveis), consideramos remota a possibilidade de haver choque entre os princípios da arbitragem e os princípios que regem a Administração Pública, à luz do quanto positivado no art. 37. da Constituição Federal de 1988 (princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência).

De fato, se a nova redação da Lei 9.307/96 autoriza o uso da via arbitral para solução de conflitos que envolvam a Administração Pública, claro está que o princípio da legalidade estará plenamente atendido se e quando a sujeição do ente público à solução dada a determinado caso houver observado o devido processo legal arbitral, que, lembre-se, é aferível pelo Poder Judiciário (art. 33. da Lei 9.307/96).

Com efeito, se a Administração, devidamente respaldada pela Lei 9.307/96, opta por inserir em contrato de execução de obra de engenharia cláusula compromissória que elege a via arbitral para solução de eventual conflito de interesse, estarão observados – desde que respeitado o devido processo legal – os princípios da autonomia da vontade, da boa-fé, do contraditório, da ampla defesa, da igualdade das partes, da imparcialidade, do livre convencimento e da irrecorribilidade da sentença arbitral.

De igual modo, os princípios da moralidade e da eficiência parecem harmonizar perfeitamente com os princípios que regem a arbitragem, mormente se considerada a circunstância de que uma rápida e eficaz solução de conflito pode diminuir em muito o risco de obras inacabadas – essas, sim, verdadeiras mazelas ao interesse público.

Para Eduardo Talamini, o princípio da boa-fé “tem assento constitucional, também no caput do art. 37. da Constituição, que determina à Administração o respeito ao princípio da moralidade. Há reprovação qualificada (justamente porque constitucional) à postura desleal da Administração Pública. Se a Administração constata que a posição jurídica do particular é correta, não lhe é dado valer-se de artifícios ou subterfúgios para subtrair-se ao cumprimento do dever dali extraível3.

Neste contexto, importa destacar que não é novidade o uso da arbitragem pela Administração, sendo exemplo disso a Lei 11.079/20044, que, em seu artigo 11, inciso III, dispõe no sentido do contrato de parceria público-privada poder prever “o emprego dos mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei n 9.307, de 23 de setembro de 1996 , para dirimir conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato”.

No que diz respeito especificamente a obras e serviços de engenharia, o art. 2º da Lei 8.666/93 disciplina que a contratação destes pela Administração deve necessariamente ser precedida de licitação, por uma de suas modalidades, ressalvadas as hipóteses previstas na própria Lei 8.666/93.

Ao regular o procedimento da licitação, o inciso III do § 2º do art. 40, e, de igual forma, o § 1º do art. 62. da Lei 8.666/93, indicam que o edital de convocação deverá conter “a minuta do contrato a ser firmado entre a Administração e o licitante vencedor”.

Pois bem. Agora amparada pela Lei 13.129, de 26 de maio de 2015, e à semelhança do que já previa a Lei 11.079/2004, nada mais impede que a Administração direta licite contratação para execução de obra pública prevendo que eventual conflito de interesses decorrente do contrato seja dirimido pela via arbitral.

Com efeito, além de expressamente autorizada a tanto, a opção pela via arbitral em nada contraria a Lei 8.666/93, que em seu art. 79, inciso II, prevê até mesmo a rescisão do contrato de forma “amigável, por acordo entre as partes, reduzida a termo no processo da licitação, desde que haja conveniência para a Administração”.


Vantagens da escolha da via arbitral

Ora, se até mesmo a rescisão contratual – fato por si só grave na medida em que os contratos presumem-se celebrados para serem executados – pode ocorrer de forma amigável, então não há porque impedir que contratante e contratado busquem a solução de eventual conflito de interesses junto a determinado órgão arbitral.

Para além da inexistência de qualquer impediente, a escolha da arbitragem mostra-se vantajosa em diversos aspectos.

Neste ponto, imagine-se a hipótese de impasse envolvendo divergência em relação à composição de determinado item de preço contratual, gerando inconsistência no faturamento e, em consequência, glosas por parte da Administração contratante.

Caso considere indevidas as glosas e não consiga convencer a Administração do contrário, ao contratado restarão duas opções: ou se conformará, comprometendo, assim, a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, ou terá que procurar um terceiro imparcial apto a decidir a respeito da legalidade ou não da glosa.

Na hipótese acima, se o contratado tiver que procurar o Poder Judiciário para resolver a controvérsia, certamente ele não encontrará uma pronta e efetiva resposta para o problema.

A experiência mostra que o particular poderá demorar anos para receber e, mesmo assim, via precatório (CF, art. 100), valores de faturas que deveriam ser pagas no curso do próprio contrato, caso o Estado-juiz venha a lhe dar razão. A injustiça de tal situação é evidente.

Além disso, em geral, quem busca a via judicial alimenta o ânimo de vencer a contraparte para sujeitá-la à decisão imposta pelo Estado. Este cenário, por óbvio, produz animosidade e ressentimentos, que terminam por prejudicar a continuidade de qualquer relacionamento e trará inúmeros prejuízos às relações. Uma vez cruzado este caminho, portas podem ser fechadas definitivamente. É este também o sentimento de Arnoldo Wald, para quem a continuação pacífica das relações comerciais “geralmente não subsiste quando as partes estão num conflito judiciário5. Com isso, por certo, coloca-se em risco a conclusão da obra, desatendendo-se ao interesse público.

Neste contexto, uma vez presentes os requisitos exigidos pelo § 1º do art. 1º da Lei 9.307/1996, é válido afirmar que o impasse aqui em foco será melhor solucionado pela via da arbitragem, considerando-se que uma das vantagens desse meio alternativo de solução de conflito é exatamente a preservação do relacionamento e a continuidade do contrato.

Além das vantagens referidas acima, a escolha da arbitragem para solução do conflito de interesses representará economia de tempo e dinheiro para as partes envolvidas.

É certo que o procedimento arbitral envolve custos6, mas estes encontram limite no próprio fator tempo, já que o julgamento deve ocorrer em determinado prazo, como, a propósito, está disciplinado pelo art. 23. da Lei 9.307/96. E, uma vez proferida a sentença arbitral, diz o art. 18. da Lei 9.307/96 que esta não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário.

Ainda no que toca à economia de recursos financeiros, tenha-se que na arbitragem não há a perpetuação do pagamento de custas, tal como ocorre na esfera judicial, onde a parte deve antecipar o pagamento das despesas dos atos a praticar no processo, desde o início até o seu final.

Na arbitragem, a responsabilidade pelo pagamento de honorários e despesas pode ser regulada pelas próprias partes, conforme disciplina veiculada pelo inciso V do art. 11. da Lei 9.307/96. Nesse particular, e em desfavor pela opção da via judicial, cumpre destacar que a Lei 13.105/2015, que instituiu Novo Código de Processo Civil no ordenamento jurídico brasileiro a partir de 18 de março de 2016, aumentou as hipóteses de pagamento de honorários sucumbenciais, conforme se vê do art. 85, § 11, do referido novo diploma legal.

Convém considerar, ainda, que a opção pela via da arbitragem permite que o conflito seja solucionado por especialistas eleitos pelas próprias partes, e da confiança destas, ou que sejam consideradas autoridades no assunto controvertido, a teor do que estabelece o art. 13. e seguintes da Lei 9.307/96.

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Nesse aspecto, tanto melhor que a solução dada a determinado conflito derive da análise de profissionais realmente experientes e competentes, realidade nem sempre presente no rol de peritos disponíveis para auxiliar juízes compreensivelmente leigos em assuntos técnicos.

Demais disso, também conforme destacado por Arnoldo Wald, a arbitragem pode servir como mecanismo de indução de acordo entre as partes7.

Neste contexto, resta evidenciado que a arbitragem é a via que se apresenta mais vantajosa para encaminhamento da resolução de conflito estabelecido entre a Administração e seu contratado.


Procedimento

Isto posto, importa destacar que os envolvidos podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, conforme disciplinado pelo art. 3º da Lei 9.307/96.

Desse modo, se no contrato firmado entre a Administração e a empresa contratada constar cláusula compromissória, significa dizer que os contratantes comprometeram-se previamente a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.

Nessa hipótese, a via arbitral é obrigatória e duas possibilidades se apresentam. Ou as partes elegeram algum órgão arbitral institucional ou entidade especializada para que a arbitragem seja instituída e processada de acordo as regras de tal órgão ou entidade, ou estabeleceram na cláusula compromissória a forma convencionada para a instituição da arbitragem. É o que diz o art. 5º da Lei de Arbitragem.

Tenha-se, ainda, que, em uma e outra situação a cláusula compromissória pode ser classificada como “cheia” ou “vazia”, caso ela contenha ou não, respectivamente, os elementos considerados mínimos para definição da arbitragem.

Por fim, importa destacar que a solução do conflito pela via da arbitragem transmite toda segurança jurídica às partes envolvidas. Afinal, “a sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo” (Art. 31. da Lei 9.307/96). Nesse mesmo sentido é art. 515, inciso VII, do Novo CPC (Lei 13.105/2015), que considera a sentença arbitral título executivo judicial.


Conclusão

Embora pareça óbvio, não custa lembrar que obras e serviços públicos visam a atender ao interesse público motivador das respectivas contratações.

Neste contexto, o interesse público subjacente a tais contratações restará melhor atendido se a obra contratada for concluída e entregue, situação nem sempre possível se o conflito de interesses não puder contar com uma rápida e satisfatória solução.


Referências

1 Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. As possibilidades de arbitragem em contratos administrativos. Revista Consultor Jurídico, 24 de setembro de 2015. https://www.conjur.com.br/2015-set-24/interesse-publico-possibilidades-arbitragem-contratos-administrativos2

2 Medauar, Odete. Direito Administrativo Moderno. 18.ed. rev. e atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 150.

3 Talamini, Eduardo. A (in)disponibilidade do interesse público: consequências processuais. https://www.academia.edu/231461/A_in_disponibilidade_do_interesse_p%C3%BAblico_consequ%C3%AAncias_processuais

4 Lei 11.079 de 30 de dezembro de 2004 - Institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública.

5 Wald, Arnoldo. A ARBITRAGEM COMO INDUÇÃO DE ACORDO ENTRE AS PARTES. Revista de Arbitragem e Mediação | vol. 42/2014 | p. 133. | Jul / 2014 DTR/2014/15115

6 Neste particular, é importante registrar ressalva feita por Frederico Starling, que relaciona entre as desvantagens da arbitragem exatamente o valor das custas, “que algumas vezes podem ser superiores às do processo judicial”. Starling, Frederico. Arbitragem no Direito Empresarial contemporâneo. https://jus.com.br/artigos/41655/arbitragem-no-direito-empresarial-contemporaneo

7 Wald, Arnoldo. A ARBITRAGEM COMO INDUÇÃO DE ACORDO ENTRE AS PARTES. Revista de Arbitragem e Mediação | vol. 42/2014 | p. 133. | Jul / 2014 DTR/2014/15115.

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Sobre o autor
Iuri Vasconcelos Barros de Brito

Advogado. Sócio do escritório Rodrigues & Vasconcelos Advogados. Mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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