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Diferenças entre motivo, motivação e teoria dos motivos determinantes

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2 Motivo

Para Alexandrino (2013, p. 481) motivo é “a causa imediata do ato administrativo. É a situação de fato e de direito que determina ou autoriza a prática do ato, ou, em outras palavras, o pressuposto fático e jurídico (ou normativo) que enseja a prática do ato”.

Di Pietro (2014, p. 219) define motivo como:

“Pressuposto de fato e de direito que serve de fundamento ao ato administrativo. Pressuposto de direito é o dispositivo legal em que se baseia o ato. Pressuposto de fato, como o próprio nome indica, corresponde ao conjunto de circunstâncias, de acontecimentos, de situações que levam a Administração a praticar o ato”.

Motivo é um dos elementos do ato administrativo (ou requisitos - como outros autores preferem chamar). A terminologia elementos está consagrada no direito positivo brasileiro a partir da Lei nº 4. 717/1965 (Lei da ação popular), cujo artigo 2º, ao indicar os atos nulos, menciona os cinco elementos dos atos administrativos: competência, forma, objeto, motivo e finalidade. Sendo o motivo e o objeto os elementos discricionários do ato administrativo - porque podem comportar margem de liberdade; a competência, a forma e a finalidade - os elementos vinculados do ato à lei.

Mazza (2012, p. 207) distingue motivo de motivação:

Motivo é a situação de fato e o fundamento jurídico que autorizam a prática do ato. Constitui requisito discricionário porque pode abrigar margem de liberdade outorgada por lei ao agente público. Exemplo: a ocorrência da infração é o motivo da multa de trânsito. Não se confunde com motivação, que é a explicação por escrito das razões que levaram à prática do ato.

Di Pietro (2014, p. 219-220) também dá sua contribuição ao tema:

Não se confundem motivo e motivação do ato. Motivação é a exposição dos motivos, ou seja, é a demonstração, por escrito, de que os pressupostos de fato realmente existiram. Para punir, a Administração deve demonstrar a prática da infração. A motivação diz respeito às formalidades do ato, que integram o próprio ato, vindo sob a forma de "consideranda"; outras vezes, está contida em parecer, laudo, relatório, emitido pelo próprio órgão expedidor do ato ou por outro órgão, técnico ou jurídico, hipótese em que o ato faz remissão a esses atos precedentes. O importante é que o ato possa ter a sua legalidade comprovada.


3 Teoria dos Motivos Determinantes

A teoria dos motivos determinantes significa que o motivo apresentado como justificativa para a prática do ato vincula a sua validade. Isto quer dizer, que a existência da situação fática e jurídica (motivo) que fundamentou a execução do ato é condição para que seja considerado válido. Assim, havendo comprovação de que o fundamento fático e/ou jurídico é falso ou inexistente, o ato será declarado nulo.

A teoria nasceu no âmbito do contencioso administrativo francês, a partir do caso de um servidor público exonerado sob a alegação de que havia pedido desligamento do cargo. Provado que o pedido não havia ocorrido, a exoneração foi declarada nula.

Para Alexandrino (2013, p. 492), a teoria dos motivos determinantes consiste em:

Explicitar que a administração pública está sujeita ao controle administrativo e judicial (portanto, controle de legalidade ou legitimidade) relativo à existência e à pertinência ou adequação dos motivos – fático e legal – que ela declarou como causa determinante da prática de um ato.

Caso seja comprovada a não ocorrência da situação declarada, ou a inadequação entre a situação ocorrida (pressuposto de fato) e o motivo descrito na lei (pressuposto de direito), o ato será nulo.

Deve-se aplicar a teoria tanto aos atos discricionários, quanto aos vinculados. Estes não deixam dúvidas, pois os atos vinculados à lei devem seguir o seu disciplinamento para que o seu conteúdo seja válido. E sendo requisito para a feitura do ato administrativo, a não vinculação do motivo o tornaria nulo. Entretanto, no ato discricionário esta obrigatoriedade não é observada, podendo o ato ser exteriorizado sem um motivo posto. Porém, caso este motivo seja declarado, a sua inexistência ou o seu falseamento tornarão o ato nulo.

Exemplo de ato discricionário nulo é o de infração de trânsito (multa) em que o infrator demonstra que a infração não ocorreu. Se o motivo que determinou a aplicação da multa, alta velocidade, fica demonstrado que não aconteceu, pois o condutor do veículo estava dentro dos limites da via, só resta a decretação de nulidade da multa (ato).

No exemplo acima, a lei obriga a apresentação de motivo com condição para a validade do ato. Contudo, existem situações em que o motivo não é exigido, porém, caso apresentados, os atos ficam condicionados a sua existência/veracidade. A exoneração de servidor público, ocupante de cargo em comissão, é bastante citada pela doutrina como modelo. Sua exoneração não exige motivação (exoneração ad nutum), mas, se for alegado que o desligamento ocorreu em virtude do cometimento de um crime, ocorrendo absolvição penal (não existiu o crime ou o exonerado não foi o autor), a exoneração torna-se nula.

A jurisprudência superior é bastante clara sobre o tema:

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. ANISTIADO POLÍTICO. PARCELAS RETROATIVAS. PAGAMENTO. OMISSÃO. PREJUDICIALIDADE EXTERNA. NECESSIDADE DE SUSPENSÃO DO WRIT. MATÉRIA PREJUDICADA. DECADÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. MODIFICAÇÃO A POSTERIORI DA MOTIVAÇÃO DO ATO OMISSIVO IMPUGNADO. IMPOSSIBILIDADE. JUROS MORATÓRIOS E CORREÇÃO MONETÁRIA. INCIDÊNCIA. PRECEDENTES. SEGURANÇA CONCEDIDA. 1. Trata-se de mandado de segurança impetrado contra suposto ato omissivo do Exmº. Sr. Ministro de Estado da Defesa, consistente em não cumprir a integralidade da Portaria/MJ 1.445, de 1º/8/2005, que reconheceu a condição de anistiado político post mortem de Doacir Fernandes de Oliveira, na medida em que até a data da impetração não havia pago os valores retroativos referentes à reparação econômica mensal, permanente e continuada concedida aos Impetrantes, dependentes econômicas do referido anistiado. 2. "O Supremo Tribunal Federal entende que o não-cumprimento de portaria do Ministro da Justiça, que reconhece a condição de anistiado do impetrante e fixa indenização de valor certo e determinado, caracteriza ato omissivo da Administração Pública, o qual pode ser sanado pela via do mandado de segurança, inclusive afastando-se as restrições previstas nas Súmulas 269 e 271/STF. Nesse sentido: RMS 27.357/DF, 1ª Turma, Rel. Min. Carmen Lúcia, DJe de 6.8.2010 e RMS 24.953/DF, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 1º.10.2004" (MS 19.320/DF, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, Primeira Seção, DJe 2/5/13). 3. "Pela Teoria dos Motivos Determinantes, a validade do ato administrativo está vinculada à existência e à veracidade dos motivos apontados como fundamentos para a sua adoção, a sujeitar o ente público aos seus termos" (AgRg no REsp 670.453/RJ, Rel. Min. CELSO LIMONGI, Des. Conv. do TJSP, Sexta Turma, DJe 8/3/10). 4. Hipótese em que, concedida a segurança pleiteada nos autos do MS 17.874/DF, a fim de reconhecer a decadência do direito. STJ - MANDADO DE SEGURANÇA MS 19374 DF 2012/0232529-6 (STJ). Data de publicação: 02/10/2013.

RECURSO DE REVISTA - SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA FEDERAL - RESCISÃO CONTRATUAL IMOTIVADA - IMPOSSIBILIDADE - ENTENDIMENTO DO STF - PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LEGALIDADE, ISONOMIA, MORALIDADE E IMPESSOALIDADE - TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 589.998, entendeu que as empresas públicas e as sociedades de economia mista precisam motivar o ato de rompimento sem justa causa do pacto laboral. Em face dos princípios constitucionais da legalidade, da isonomia, da moralidade e da impessoalidade, o ente da administração pública indireta que explora atividade econômica deve expor as razões do ato demissional praticado e a elas fica vinculado. Assim, a falta de exposição dos motivos para a ruptura do pacto laboral acarreta a sua nulidade. Além disso, em face da teoria dos motivos determinantes, os motivos declarados pela administração pública como essenciais para a realização do ato administrativo atuam como elemento vinculante do ato. Logo, a inexistência ou a falsidade das razões expostas pela administração pública para a realização do ato administrativo de rescisão contratual também implica nulidade do ato. Diante do moderno entendimento do STF, deixo de aplicar a Orientação Jurisprudencial nº 247, I, do TST . Recurso de revista não conhecido. TST - RECURSO DE REVISTA RR 14351220115040026 (TST). Data de publicação: 17/04/2015.

ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. PROGRESSÃO FUNCIONAL POR MERECIMENTO. DECRETO. DISPOSIÇÃO CONTRÁRIA A LEI. ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO. MOTIVAÇÃO. TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. 1. O ato que indeferiu a progressão funcional por merecimento do servidor, ora Recorrente, foi embasado no fato de que ele esteve à disposição do Poder Executivo por 02 (dois) anos consecutivos, enquadrando-se, portanto, no impedimento contido no inciso II do art. 4º do Decreto Judiciário n.º 190 /2000. 2. O Decreto regulamentador não pode inovar na ordem jurídica, dispondo de modo contrário ao que determina a norma que lhe é hierarquicamente superior, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade. 3. É o que ocorre, na hipótese, em que as condições definidas na Lei Estadual n.º 11.719/97 para a progressão funcional foram alteradas por ato normativo infralegal, qual seja, o Decreto Judiciário n.º 190 /2000. 4. "Ao motivar o ato administrativo, a Administração ficou vinculada aos motivos ali expostos, para todos os efeitos jurídicos. Tem aí aplicação a denominada teoria dos motivos determinantes, que preconiza a vinculação da Administração aos motivos ou pressupostos que serviram de fundamento ao ato. A motivação é que legitima e confere validade ao ato administrativo discricionário. Expostos os motivos, a validade do ato fica na dependência da efetiva existência do motivo. Presente e real o motivo, não poderá a Administração desconstituí-lo a seu capricho. Por outro lado, se inexistente o motivo declarado na formação do ato, o mesmo não tem vitalidade jurídica." (RMS 10.165/DF, 6.ª Turma, Rel. Min. Vicente Leal, DJ de 04/03/2002). 5. No caso dos autos, não mais existindo o único fundamento em que se embasou o ato administrativo, em face da revogação do inciso II do art. 4º do Decreto n.º 190 /2000, inexiste fato concreto que obste a progressão funcional do Impetrante, sendo nulo o ato impugnado, por falta de motivação. 6. Recurso ordinário conhecido e provido. STJ - RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA RMS 19013 PR 2004/0136853-0 (STJ). Data de publicação: 03/11/2009.

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Conclusão

Motivo e motivação não se confundem. Enquanto o primeiro é um dos requisitos do ato administrativo e constitui-se na demonstração da situação fática e jurídica que justificam a prática do ato, o segundo é a exteriorização do motivo, ou seja, a sua explicação por escrito, a fim de expor as razões que ensejaram a execução do ato. E quando este motivo for exteriorizado, ele vincula sua existência e/ou veracidade a validade do ato administrativo, mesmo que, num primeiro momento, não fosse necessária a sua motivação – é o que se denomina de teoria dos motivos determinantes.


Referências:

ALEXANDRINO, Marcelo, Direito administrativo descomplicado / Marcelo Alexandrino, Vicente Paulo. – 21. Ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro : Forense; São Paulo : Método, 2013.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 8 ed. rev. ampl. e atual. Belo Horizonte: Fórum, 2012.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. – 17. Ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2013.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. - 13. ed. - São Paulo: Atlas, 2003.

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Sobre o autor
Frederico Fernandes dos Santos

Advogado. Graduado em Direito pela Faculdade Estácio do Amapá. Pós-Graduado em Direito Administrativo pela Faculdade Unyleya/AVM. Pós-Graduado em Direito Processual Civil e Direito do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes (UCAMPROMINAS). Pós-Graduado em Direito Imobiliário e Direito Tributário pela Escola Paulista de Direito (EPD). Membro da Associação Brasileira de Advocacia Tributária (ABAT). Membro do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). Membro do Congresso Internacional de Altos Estudos em Direito (CAED-Jus). Autor de livros e artigos publicados em diversas revistas jurídicas. Fundador do site www.adblogado.adv.br - O seu blog jurídico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Frederico Fernandes. Diferenças entre motivo, motivação e teoria dos motivos determinantes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4663, 7 abr. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47987. Acesso em: 16 abr. 2024.

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