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O Ministério Público no Brasil e na Argentina

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CONCLUSÃO

Do quanto foi exposto, constata-se que, de modo geral, as características do Ministério Público da Argentina são semelhantes às do Ministério Público do Brasil (como um todo), sobretudo quando se toma como parâmetro o Parquet organizado e mantido na esfera federal da Argentina. Mas há diferenças marcantes que podem ser destacadas, à guisa de conclusão.

Uma característica vista no Parquet do Brasil, não encontrada no argentino, é a titularidade exclusiva da ação penal pública pelo primeiro.

Outra característica não verificada no Ministério Público Argentino e vista no do Brasil é que este tem avançado sobremaneira no que concerne à atuação em matéria não criminal. Nos dias atuais, o Ministério Público é o ente que mais atua, no Brasil, na defesa de interesses difusos e coletivos nas mais diferentes áreas, tais como no campo do trabalho e da Previdência Social, dos direitos dos consumidores, do meio ambiente, das populações indígenas, da improbidade na Administração Pública (defesa do patrimônio público e social) etc.

Também constitui característica que distingue o Ministério Público do Brasil em relação ao Parquet argentino o fato de o primeiro ser um dos principais legitimados da ação visando ao controle concentrado de constitucionalidade das leis e demais atos normativos em face da Constituição Federal. Na Argentina, apenas se verifica o controle difuso [39] da constitucionalidade das leis e atos normativos, não havendo papel a ser desempenhado pelo Ministério Público nessa área, a não ser exarar o parecer e interpor eventuais recursos no interesse público.

Mesmo a despeito de haver um órgão do Ministério Público argentino especializado no controle da Administração Pública (a Fiscalia Administrativa), não se tem notícias de uma atuação tão incisiva. O Ministério Público do Brasil, ao contrário, tem logrado o efetivo processamento e até mesmo a condenação de pessoas do mais alto escalão no cenário administrativo e político nacional, por atos (administrativos) de improbidade ou mesmo por cometimento de crimes contra a Administração Pública.

Todavia, não se pode deixar de registrar que a pouca atuação do Ministério Público argentino na parte atinente à tutela dos interesses difusos e coletivos (na esfera do direito comum ou não-penal, portanto) é, em parte, compensada com a figura do Defensor del Pueblo, que existe na Argentina mas não existe no Brasil. Neste país, as funções próprias do Defensor del Pueblo foram atribuídas ao próprio Ministério Público (especificamente no art. 129, II, da Constituição Federal).

Mas existe razão para considerar o modelo brasileiro melhor até mesmo em tal particularidade.

Com efeito, é certo que a Constituição Argentina em vigor confere ao Defensor del Pueblo até mesmo o poder de atuar judicialmente na defesa dos direitos humanos, podendo, conforme o art. 43, concorrentemente com associações que tenham finalidades semelhantes, promover a Ação de Amparo para defender os mais diferentes interesses coletivos da sociedade, tais como os relativos ao consumo e ao meio ambiente.

Entretanto, a despeito de ser inserido no Poder Legislativo, não se pode crer que o ombudsman argentino goze, concretamente, de independência - apesar de a Constituição Argentina afirmar o contrário - suficiente para lhe possibilitar o enfrentamento, sem interferências políticas, dos agentes que cometem desmandos com a coisa pública, notadamente no âmbito do Legislativo Federal, já que aquela instituição está inserida no âmbito deste Poder da Nação. O Ministério Público do Brasil, mesmo a despeito de acumular muitas outras funções mais peculiares a esse tipo de instituição, se afigura como um ótimo ombudsman, inclusive mais progressista do que o argentino, pois está razoavelmente aparelhado, em todos os sentidos, para a defesa dos interesses da sociedade, sendo menos vulnerável a interferências externas, eis que é um órgão extrapoder.

Ainda comporta afirmar a superioridade do Ministério Público do Brasil em relação ao da Argentina no fato de o primeiro possuir um perfil uniforme em todas as esferas de Governo, o que otimiza sobremaneira a atuação, sobretudo porque as investigações e as ações judiciais de um de seus órgãos, além de poderem ser realizadas conjuntamente por ramos distintos, ainda há a possibilidade de que investigações ou ações

iniciadas por um órgão sejam continuadas por outro. Ademais, o fato de o Ministério Público ter estrutura e funções uniformes em todo o território permite que a população conheça a instituição e exija, com mais freqüência, a sua atuação em defesa da sociedade.


BIBLIOGRAFIA

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Notas

01. Pois, consoante adverte Ivo Dantas, "(...) a simples descrição dos diversos sistemas jurídicos não significa que estejamos fazendo Direito Comparado". In Direito Constitucional Comparado – Introdução. Teoria e Metodologia., Rio de Janeiro-São Paulo, Renovar, 2000, p. 153.

02. LÓPES, Mario Justo, In: Mensaje a la Asamblea Del VIII Congresso Interamericano Del Ministério Público, Mar Del Plata, 1983, cit. Por GUASTAVINO, Elías P., Tratado dela jurisdicción administrativa y su revisión judicial, LEX SED LVX, Buenos Aires, t. I, pp. 146 e ss.

03. As partes transcritas entre aspas neste trecho são de DÍAZ, Carlos A. Chiara, In: Reforma al procedimiento penal y a la organización del ministerio publico bonaerense, Buenos Aires, Rubinzal – Culzoni editores, 1998, p. 118-119.

04. In: Ministério Público II: Democracia, São Paulo: Atlas, 1999, p. 30.

05. Há na doutrina até quem veja no Ministério Público o quarto poder da República, devido à reunião de tais características. Nesse sentido, Eduardo Gabriel Saad, in: Direito Processual do Trabalho, São Paulo, LTr, 1994, p. 282. No entanto, tal afirmação é refutada pelo fato de a Constituição de 1988 haver discriminado, no art 2º, como Poderes da União, apenas o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.

06. In Ministério público brasileiro e o Estado democrático de direito, Rio de Janeiro, Renovar, 1999, p. 198.

07. In Ministério Público do Trabalho doutrina, jurisprudência, prática. São Paulo: LTr, 1998, p. 63-64.

08. Cf. Sawen Filho, 1999, p. 199.

09. In: Regime jurídico do Ministério Público, 2000, p. 131-132.

10. Cf. Mazzilli, 2000, p. 128.

11. A respeito do assunto, SOARES, Esther Bueno, União, Estados e Municípios, In: BASTOS, Celso [org.], Por uma nova federação, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, p. 78-95.

12. Cf. D’ÁVILA, Luiz Felipe, A federação brasileira, In: BASTOS, Celso [org.], Por uma nova federação, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, 53-76 (precisamente nas páginas 64-65).

13. Para saber mais sobre uma comparação entre as federações da América Latina, inclusive as do Brasil e Argentina, ler Lavié, 1994, p. 104-117.

14. In: Reforma al procedimiento penal y a la organización del ministerio publico bonaerense, Buenos Aires, Rubinzal – Culzoni editores, 1998, p. 140.

15. Ler o respectivo texto, transcrito no item "1.1", supra.

16. Cf. BECERRA, Nicolas, In El Ministério Público y los nuevos desafíos de la justicia democrática, Buenos Aires, Ad-hoc, 1998, p. 31.

17. Os dois trechos destacados entre aspas são de DÍAZ, Carlos A. Chiara, In: Reforma al procedimiento penal y a la organización del ministerio publico bonaerense, Buenos Aires, Rubinzal – Culzoni editores, 1998, p. 140 e 141, respectivamente.

18. In: Reforma al procedimiento penal y a la organización del ministerio publico bonaerense, Buenos Aires, Rubinzal – Culzoni editores, 1998, p. 140-141.

19. Ver nota nº 5, supra.

20. Dispõe a Constituição Argentina, que os governos de província: "Art. 122 – Se dan sus proprias instituciones locales y se rigen por ellas. Eligen sus gobernadores, sus legisladores y demás funcionarios de provincia, sin intervención Del Gobierno federal".

21. In Reforma al procedimiento penal y a la organización del ministerio publico bonaerense, Buenos Aires, Rubinzal – Culzoni editores, 1998, p. 150-151.

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22. SARMIENTO GARCÍA, Jorge y otros, Derecho Público, Ediciones Ciudad Argentina, España, 1997, p. 468, citados por Díaz, In op. cit., p. 137, assinalam que: "La tesis judicialista es la mayoritaria em el Derecho Comparado provincial y también em la doctrina local – ya reseñada -. Se habla de dos ramas del Poder Judicial, una de magistrados con imperio y otra de funcionarios que tienen a su cargo las tareas propias del Ministerio Público; de que la función requirente es, en esencia, similar a la jurisdiccional; de que el Ministerio Público constituye ‘una magistratura particular del Poder Judicial, cuya función es la de auxiliar o complementar la labor del juez y determinar su acción. Si el fin de la actividad jurisdiccional no es otro que aplicar la ley a los casos sometidos a la jurisdicción y el Ministerio Público colabora en ese sentido, lógico es que goce de la misma independencia que el juez".

23. Recorde-se o comentário inserido no item "1.2", supra, a respeito da tendência centralizadora da União, no Brasil, que a distingue da Argentina, onde as Províncias têm mais autonomia. Por isso que a Constituição Federal do Brasil traça normas gerais sobre o Ministério Público, que obrigam inclusive os Estados-Membros.

24. Quanto ao Ministério Público da União, o Procurador-Geral da República; e quanto aos Ministérios Públicos dos Estados, os respectivos Procuradores-Gerais de Justiça.

25. Mazzilli comenta tal imposição aos Estados-Membros, oriunda de lei federal, de normas gerais a serem seguidos para a organização dos seus Ministérios Públicos. O referido autor enxerga uma incompatibilidade dessa imposição com o Princípio Federativo (In Regime jurídico do Ministério Público, 2000, p. 424-440).

26. Tal afirmação vale apenas para o Ministério Público na órbita federal, pois a Segunda Parte da Constituição Argentina, ora comentada, disciplina apenas as "autoridades federais".

27. Esse concurso é aberto a todos os "abogados" que preencham as exigências legais, mas, em comparação com o concurso exigido no Brasil, seria semelhante a um concurso de títulos (sem provas, portanto) no qual os títulos correspondem aos "antecedentes" do candidato. A diferença em relação a um concurso de títulos do Brasil é que lá se pode fazer "oposición" aos candidatos. E além disso, o concurso é apenas para formar uma "terna" de aprovados, a qual será enviada pelo Procurador-Geral da Nação ou pelo Defensor-Geral da Nação, conforme o caso, ao Poder Executivo, a quem cabe escolher um só candidato, ficando a escolha, ainda, à mercê de aprovação pela maioria simples dos presentes do Senado.

28. A terminologia "agente fiscal" foi abandonada na Província de Santa Fé, com base no entendimento de que essa denominação – que foi substituída, simplesmente, por "fiscais" – remeteria à sua originária pertinência ao Poder Executivo (agente do Poder Executivo ante os Tribunais).

29. Salvo quanto ao cargo de Sub-procurador Geral, que não há nas outras províncias, essa é a estrutura adotada em praticamente todas as demais províncias.

30. No caso da da Ação Direta de Constitucionalidade em face da Constituição Federal a legitimidade do Procurador-Geral da República é concorrente com o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa de Assmbléia Legislativa (de Estado), Governador de Estado, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o partido político com representação no Congresso Nacional e a Confederação Sindical ou entidade de classe de âmbito nacional (art. 103 da Constituição Federal). Outrossim, na Ação Declaratória de Constitucionalidade, sua legitimidade é concorrente com a do Presidente da República, a da Mesa do Senado Federal e a da Mesa da Câmara dos Deputados (art. 103, § 4º, da Constituição Federal).

31. Ou seja, a função de "zelar pelo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia". Sobre a função de Defensor do Povo, do Ministério Público brasileiro, recomenda-se a leitura de Mazilli, 2000, p. 378-382.

32. Ou seja, o Ministério Público Fiscal com exclusão da Fiscalia de Investigações Administrativas.

33. No Brasil, o Ministério Público Federal fazia as vezes de Advogado da União, até que, pela Constituição de 1988, foi instituída a Advocacia Pública (Advocacia-Geral da União e Procuradorias dos Estados), ente da estrutura dos Executivos, com a finalidade de realizar esse papel. Do mesmo modo, a "(...) orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados (...) foi destinada a órgão específico, a Defensoria Pública, que também integra o Poder Executivo, sendo dotado de uma estrutura peculiar prevista na Constituição e em Lei Orgânica específica, Federal (no caso da Defensoria Pública da União e da do Distrito Federal e Territórios), ou Estadual, quanto aos Estados-Membros. A Defensoria Pública se insere, assim como o Ministério Público e a Advocacia Pública, entre as denominadas Funções Essenciais à Justiça. Assim, o Capítulo IV (Das Funções Essenciais à Justiça – arts. 127 a 135 da Constituição do Brasil) compreende: a) a Seção I (Do Ministério Público – arts. 127 a 130); b) a Seção II (Da Advocacia Pública – arts. 131 e 132); e c) a Seção III (Da Advocacia e da Defensoria Pública – arts. 133 a 135). De ressaltar-se que, antes da vigência da Constituição Federal de 1988, leis federais e estaduais, atualmente derrogadas, impunham ao Ministério Público a obrigação de promover ações para necessitados, em algumas hipóteses. Aliás, ainda hoje vigora o art. 793 da Consolidação das Leis do Trabalho, que lança ao Ministério Público do Trabalho a incumbência de promover ação trabalhista em favor de trabalhador menor, entre 16 e 18 anos de idade, na falta de representantes legais deste.

34. Conforme Díaz, 1998, p. 124.

35. O Defensor do Povo da Argentina está inserido no Poder Legislativo Federal, havendo, entretanto, a expressa previsão de que se trata de órgão independente.

36. Para quem pretenda uma leitura completa sobre o ombudsman ou Defensor Del Pueblo da Argentina e de todos os demais países que o instituíram, ler Maiorano, 1999, Tomo I.

37. Cf. Díaz, in Reforma al procedimiento penal y a la organización del ministerio publico bonaerense, Buenos Aires, Rubinzal – Culzoni editores, 1998, p. 159.

38. Ibid.

39. Ou seja, aquele que o juiz exerce apenas diante de um caso concreto, valendo a decisão somente para o caso cogitado e apenas entre as partes que dele participaram.

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Sobre o autor
Marco Aurélio Lustosa Caminha

Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região. Ex-Procurador Regional do Trabalho. Professor Associado de Direito na Universidade Federal do Piauí. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino (Buenos Aires, Argentina). Doutor em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMINHA, Marco Aurélio Lustosa. O Ministério Público no Brasil e na Argentina. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 218, 9 fev. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4800. Acesso em: 23 dez. 2024.

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