Da incompetência dos juizados especiais cíveis de defesa do consumidor nas demandas sobre taxa de esgoto

05/04/2016 às 13:32
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Questões sobre a impossibilidade de insurgência do consumidor, em sede dos Juizados Especiais de Defesa do Consumidor, contra a cobrança da taxa de esgotamento sanitário, à luz da aplicação do CDC.

Com o advento da tecnologia e o fácil acesso a informação, é possível notarmos um crescente numero de consumidores que buscam junto ao Poder Judiciário a garantia de seus direitos. 

Em diversos Estados do Brasil existem Concessionárias prestadoras de serviços públicos essenciais, importando para o presente estudo, as Empresas Prestadoras de Serviço de Abastecimento de Água e Coleta de Esgotos Sanitários.

Na maioria dos casos, consumidores se insurgem contra a cobrança realizada em razão da coleta de esgotamento sanitário, a chamada “taxa de esgoto”, ajuizando demanda perante os Juizados Especiais Cíveis de Defesa do Consumidor, questionando a legalidade desta contraprestação.

De início, mister se faz esclarecer que, apesar de insurgência de diversos consumidores contra a cobrança da “taxa de esgoto”, decorrente do serviço de coleta de esgotos sanitários, o certo é que tal serviço é de cunho obrigatório, por força de Lei, sendo, pois, absolutamente legal e legítima a contraprestação pela efetiva prestação do aludido serviço.

Ora, o Código Nacional de Saúde, Lei nº 2.312/54, determina ser obrigatória a canalização do esgoto de toda construção considerada habitável, nestes termos:

Art. 11. É obrigatória a ligação de toda construção considerada habitável à rede de canalização de esgoto, cujo afluente terá destino fixado pela autoridade competente. (grifamos)

De outro lado, em diversos Estados existem leis específicas acerca do tema, a exemplo do Estado da Bahia, onde a Lei Estadual nº 7.307, de 23 de Janeiro de 1998, determina em seu art. 1º, in verbis, que:

Art. 1º - Os serviços de saneamento básico compreendem, dentre outros, a coleta e disposição adequada dos esgotos, sendo portanto obrigatória a ligação dos efluentes sanitários dos imóveis, de qualquer natureza, à rede de esgotamento sanitário, quando implementada pelo Poder Público.(grifamos)

Ainda no Estado da Bahia, o Decreto n. 3.060, de 29 de abril 1994, determina, em seu art. 14, que “será obrigatório à todo prédio, tanto residencial como para outra destinação que envolva a ocupação por pessoas, no exercício de qualquer atividade, dispor de instalação predial de esgotos sanitários”.

Nesse mesmo sentido, o Decreto nº 7.765, de 08 de março de 2000, que regulamenta a Lei 7.307/98, assim determina:

Art. 8º - É obrigatório que todo imóvel disponha de instalação predial de esgoto sanitário do tipo separador absoluto, para fins de interligação à rede coletora.

Art. 9º - O abastecimento de água, a partir de fonte alternativa, não exime a obrigatoriedade da ligação de esgoto sanitário do imóvel à rede coletora. (grifamos)

Se analisarmos de forma macro, uma rede de esgoto de utilização facultativa seria um verdadeiro retrocesso no que se refere a saúde pública, de modo que o aludido serviço essencial ficaria à mercê da vontade dos particulares, que poderiam optar, por exemplo, pelo uso de fossas, de modo a por em risco toda a coletividade, razão pela qual é possível realizar uma interpretação de que a obrigatoriedade da utilização do serviço de coleta de esgotos sanitários resulta mais de uma imposição de ordem sanitária do que da faculdade de utilização pelo particular.

Doutra banda, tratando-se de questões afeitas a saneamento básico, o usuário está compelido a aderir aos serviços que são um “munus” público, ou seja, uma obrigação do indivíduo como membro de uma sociedade organizada, não sendo viável, pois, ao indivíduo administrado, a dispensa deste serviço, vez que este serviço se classifica como um serviço público essencial ao interesse público, sendo remunerado, por consequência, mediante taxa, ante da sua natureza fiscal.

Diante desta compulsoriedade, resta claro que a natureza jurídica do valor cobrado pelas Concessionárias de Serviço Público pela contraprestação do efetivo serviço de coleta de esgotos sanitários é de natureza tributária, ou seja, a mesma natureza daquela que o Poder Concedente receberia, caso prestasse diretamente tal serviço.

Dito em outras palavras, em sendo obrigatório o serviço de coleta de esgotamento sanitário cobrado do usuário pelas Concessionárias de Serviço Público, este tem a natureza tributária (taxa).

Superada a questão quanto a natureza jurídica da remuneração pela prestação do serviço de esgotamento sanitário, cumpre analisarmos então a possibilidade do consumidor se insurgir quanto a legalidade da cobrança junto aos Juizados Especiais de Defesa do Consumidor.  

Historicamente, é sabido que a criação dos Juizados Especiais objetivaram impulsionar o acesso à justiça, bem como a credibilidade do Poder Judiciário, estabelecendo assim uma “justiça” mais célere e menos formal, ao menos em tese, definindo, contudo, as competências e limitações inerentes à esta Especializada.

Se valendo dessa Especializada, em muitos casos, consumidores se insurgem contra a cobrança da “taxa de esgoto”, ajuizando demandas perante os Juizados Especiais Cíveis de Defesa do Consumidor.

Contudo, tendo em vista a natureza tributária da mencionada “taxa de esgoto”, os Juizados Especiais Cíveis de Defesa do Consumidor são absolutamente incompetentes para processar e julgar demandas dessa natureza, tendo em vista a sua matéria, na medida em que a competência em apreço é material, não podendo, portanto, ser derrogada e nem prorrogada por vontade das partes, o que pode ser reconhecida e declarada, de ofício, em qualquer tempo ou grau de jurisdição.

Nesse ponto, é preciso ter em mente de que a questão envolvendo a legalidade da cobrança da taxa de esgoto não envolve relação de consumo, caso em que certamente estaria sujeita às normas existentes no Código de Defesa do Consumidor.

A matéria jurídica em apreço e nosso objeto de estudo, onde em tese se consiste em verificar se houve ou não ilegalidade na cobrança da Taxa de Esgoto, evidencia que a sua natureza não é de relação de consumo ou sequer de matéria relacionada a má prestação de serviço, caso em que, repita-se, incidiria a sistemática prevista no CDC, de modo a tornar competente o Juizado para apreciação da causa.

E não se diga que por se tratar de relação de consumo entre o usuário e o concessionário não haveria interesse da Fazenda Pública. Isso porque, apesar da taxa de esgoto se encontrar vinculada na fatura mensal, fatura esta representativa de uma relação de consumo, especificamente em relação ao pagamento da supracitada taxa. Dito em outras palavras, por ser uma imposição legal, a concessionária do serviço público não tem qualquer responsabilidade sobre a alíquota, a base de cálculo ou qualquer outro dos critérios instituidores da cobrança que, apenas e tão somente, pode ser instituído e cobrado pelo Fisco.

Identificado, pois, o interesse da Fazenda Pública nas questões afeitas a cobrança da taxa de esgoto, vejamos o que dispõe, em termos de competência nos Juizados Especiais Cíveis, a Lei 9.099/95, em seu art. 3º, parágrafo segundo:

§2º - Ficam excluídas da competência do Juizado Especial as causas de natureza alimentar, fiscal e de interesse da Fazenda Pública, e também as relativas a acidentes de trabalho a resíduos e ao estado e capacidade das pessoas, ainda que de cunho patrimonial. (Grifamos)

Analisando as questões excludentes, verificamos que as questões fiscais e que despertam o interesse fazendário estão excluídas da competência dos Juizados Especiais Cíveis de Defesa do Consumidor, competências essas que foram atribuídas aos Juizados Especiais da Fazenda Pública, regulados pela Lei nº 12.153/2009, ou aos Juizados Especiais Federais, regulados pela Lei 10.259/2001.

Desta maneira, falta competência aos Juizados Especiais Cíveis de Defesa do Consumidor para decidir sobre causas que versem sobre a legalidade da cobrança da “taxa de esgoto”, tendo em vista a natureza do tema discutido e o interesse fazendário.

Assim, não há como olvidar a regra insculpida no parágrafo segundo, do artigo 3º, da Lei 9.099/95, que proíbe aos Juizados Especiais Cíveis de Defesa do Consumidor o conhecimento de causas que tratem sobre matéria concernente a taxas e impostos, tendo em vista o interesse da Fazenda Pública.

A respeito do tema, tomemos como exemplo os seguintes precedentes exarados pelas Turmas Recursais do Estado da Bahia, cujas ementas seguem abaixo transcritas:

RECURSO INOMINADO. COBRANÇA DE TAXA DE ESGOTO. ILEGALIDADE. INTERESSE DA FAZENDA PÚBLICA. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DOS JUIZADOS ESPECIAIS DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INTELIGÊNCIA DO ART. 3º, § 2º, DA LEI Nº 9.099/95. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS, NOS TERMOS DO ART. 46 DA LEI Nº. 9.099/95. IMPROVIMENTO DO RECURSO. (Proc. 032.2010.006.085-7, 3ª Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, composta pelos Juízes de Direito, Marcelo Silva Britto, Baltazar Miranda Saraiva e Sandra Inês Moraes Rusciolelli Azevedo, julgado em 04 de maio de 2011);

Juizados Especiais. Taxa de esgoto. Ilegalidade da cobrança. Incompetência absoluta do Juizado para decidir a causa. Preliminar. Acolhimento. Extinção do processo. (Proc. 13090-7/2004, 3ª Turma Recursal, composta dos Juízes de Direito, Daisy Lago Ribeiro Coelho, Sandra Inês Moraes Rusciolelli Azevedo, Carlos Roberto Santos Araujo, julgado em 08 de novembro de 2006);

RECURSO INOMINADO. TAXA DE ESGOTO. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE VALOR PAGO. ILEGALIDADE DA COBRANÇA. INCOMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS. ACOLHIMENTO DA PRELIMINAR. EXTINÇÃO DO PROCESSO. PROVIMENTO DO RECURSO. (Proc. 75762-4/2007, 1ª Turma Recursal, composta dos Juízes de Direito, MARCIA DENISE MINEIRO SAMPAIO MASCARENHAS, SANDRA SOUSA DO NASCIMENTO MORENO, MARIA LUCIA COELHO MATOS, julgado em 09 de março de 2009);

Condomínio. Taxa de esgoto. Incompetência absoluta dos Juizados Especiais para processar e julgar a demanda. Inexistência de permissão expressa na Lei 9.099/95, para que o condomínio intente ação para discussão acerca de ilegalidade de cobrança de taxa de esgoto. Matéria tributária, de interesse da Fazenda Pública. Manutenção da sentença. Improvimento do recurso. (Proc. 4926-3/2003, 3ª Turma Recursal, composta dos Juízes de Direito, SARA SILVA DE BRITO, OSVALDO DE ALMEIDA BOMFIM, CARMEM LUCIA SANTOS PINHEIRO, julgado em 19 de maio de 2004);

TAXA DE ESGOTO. AÇÃO QUE VISA DECLARAÇÃO DE ABUSIVIDADE NA COBRANÇA, POIS NÃO ESTÁ DISPONÍVEL AO AUTOR TAL BENEFÍCIO. LIMINAR CONCEDIDA PELO JUIZO IMPETRADO NO SENTIDO DE SUSPENDER A COBRANÇA DA TAXA. INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA. NULIDADE DA DECISÃO. ILEGALIDADE RECONHECIDA. (Proc. 125963-6/2006, 3ª Turma Recursal, composta dos Juízes de Direito, ANTONIO SERRAVALLE REIS, JOSE CICERO LANDIN NETO, FABIANA ANDREA DE ALMEIDA OLIVEIRA PELLEGRINO, julgado em 10 de setembro de 2008).

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Como se verifica, na forma do que preceitua o referido dispositivo legal, estão excluídas da competência dos Juizados Especiais Cíveis de Defesa do Consumidor as causas em que exista interesse fazendário, identificado, ainda que em segundo plano, nas questões sobre a legalidade ou não da cobrança da taxa de esgoto.

Pelas razões explicitadas, podemos concluir que os Juizados Especiais Cíveis de Defesa do Consumidor são absolutamente incompetentes para processar e julgar demandas que versem sobre a legalidade da cobrança da “taxa de esgoto”, tendo em vista a natureza do tema discutido, devendo, pois, tramitarem junto a Vara da Fazenda Pública, ainda que em um dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, regulados pela Lei 12.153/2009.

Referências:

BAHIA. Decreto nº 3.060 de 29 de abril de 1994. Aprova o Regulamento de Serviços da Empresa Baiana de Águas e Saneamento S. A. - EMBASA. Salvador, 1994. Disponível em: http://governo-ba.jusbrasil.com.br/legislacao/82158/decreto-3060-94. Acesso em: 10 mar. 2016.

BAHIA. Lei nº 7.307, de 23 de Janeiro de 1998. Dispõe sobre a ligação de efluentes à rede pública de esgotamento sanitário. Salvador, 1998. Disponível em: http://governo-ba.jusbrasil.com.br/legislacao/85955/lei-7307-98. Acesso em: 10 mar. 2016.

BAHIA. Decreto nº 7.765, de 08 de março de 2000. Aprova o Regulamento da Lei nº 7.307, de 23 de janeiro de 1998, que dispõe sobre a ligação de efluentes à rede pública de esgotamentos sanitários e dá outras providências. Salvador, 2000. Disponível em: http://governo-ba.jusbrasil.com.br/legislacao/78317/decreto-7765-00. Acesso em: 10 mar. 2016
 
BRASIL. Lei nº 2.312, de 3 de Setembro de 1954. Institui as Normas Gerais sobre Defesa e Proteção da Saúde. Rio de Janeiro, 1954. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1950-1959/lei-2312-3-setembro-1954-355129-publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em: 10 mar. 2016.

BRASIL. Lei nº 9.099, de 12 de fevereiro de 1993. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Brasília, 1995. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm Acesso em: 10 mar. 2016.

BRASIL. Lei nº 10.259, de 12 de Julho de 2001. Dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal. Brasília, 2001. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10259.htm. Acesso em: 10 mar. 2016.

BRASIL. Lei nº 12.153, de 22 de Dezembro de 2009. Dispõe sobre os Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios. Brasília, 2009. Disponível em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12153.htm. Acesso em: 10 mar. 2016.

 

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Sobre o autor
Andre Gonçalves Fernandes

Advogado, Pós-graduado em Direito Tributário (IBET/BA), Pós-graduando em Direito do Consumidor (Estácio de Sá/RJ), Especialista de Direito Previdenciário (Juspodivm/BA), Bacharel em Ciências Contábeis (Unyahna/BA), Experiência profissional nas áreas do Direito Cível/Consumidor e Direito Tributário.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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