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A competência dos juizados cíveis sem exageros

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O artigo 1º. da Lei 9.099/95 dispõe que "os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, órgãos da Justiça Ordinária, serão criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para conciliação, processo, julgamento e execução, nas causas de sua competência."

Essa competência, por sua vez, se encontra delimitada materialmente pelo artigo 3º. e, territorialmente, pelo disposto no artigo 4º. do referido diploma legal, em termos claros, precisos e que não fornecem espaço para interpretações extensivas exageradas.

Inobstante a clara disposição legal ali contida, tem-se notícia de unidades jurisdicionais que tem processado feitos pertinentes a questões alimentares e até algumas lides envolvendo direito de família.

Em que pese a óbvia tentativa de proporcionar uma entrega rápida da prestação jurisdicional, visando, com efeito, fazer guerra à já consagrada morosidade que emblema o Judiciário, entendo que trata-se de esforço vão, uma vez que a providência final obtida estará sempre eivada de nulidade insanável, por proferida e determinada por Juízo absolutamente incompetente.

É inquestionável que o sistema processual implantado pela Lei que regulamenta os Juizados Especiais trouxe um novo alento ao jurisdicionado que já se encontrava desesperançado com a tradicional, pesada, custosa e lenta máquina judiciária.

A garantia de gratuidade em primeira instância, salvo as exceções previstas na lei, o direito de postular nas causas até 20 (vinte) salários mínimos sem assistência obrigatória de advogado, a seleção das pessoas legitimadas a atuar no pólo ativo e passivo, a disponibilidade de reduzir o pedido a escrito junto a Secretaria do Juízo, a possibilidade de ofertar contestação oral, na própria audiência, são algumas das inovações que tiveram o condão de diminuir a distância entre a Justiça e a sociedade, a qual já estava se tornando quilométrica para algumas de suas camadas.

Esta retomada da proximidade entre a Justiça e a sociedade, com certeza, entusiasmou sobremaneira alguns dos membros do Poder Judiciário, a ponto de estenderem de forma indevida a competência delimitada pela Lei 9.099/95, sem o devido e necessário amparo legal.

Com efeito, o sucesso do sistema implantado por esta Justiça Especializada é inquestionável e se reflete nos números dos feitos que vem abarrotando todas as unidades instaladas pelos Estados da Federação, sendo o exemplo mais recente e eloqüente a demanda verificada junto aos Juizados Especiais Federais, notadamente no que pertine as ações de natureza previdenciária.

Sou partidária da idéia de que essa já bem sucedida experiência deve, obrigatoriamente, em prol do bem comum, ter sua competência ampliada para fins de abranger outras questões até então mantidas à margem, como as já mencionadas questões envolvendo direito familiar, ainda que de início, abrangessem apenas as lides de cunho consensual.

Referida providência, sem qualquer dúvida, seria de grande benefício social, a um, porque traria uma solução célere para questões onde o tempo acentua um desgaste emotivo e psicológico, a dois, porque seria causa certa de alívio da carga das Varas de Família da Justiça Comum, restando mais tempo para o processo e julgamento dos feitos de natureza litigiosa, os quais, demandam a produção de prova e um trabalho mais acurado de apuração dos fatos alegados.


AÇÕES ALIMENTARES E DE ESTADO

Com efeito, tem-se notícia de entendimentos no sentido de que os Juizados Especiais Cíveis ostentariam competência para homologar acordos firmados em separação, divórcio e alimentos em face do preconizado pelo art. 57 da Lei 9.099/95, o qual assim dispõe: " Art. 57. O acordo extrajudicial, de qualquer natureza ou valor, poderá ser homologado, no juízo competente, independentemente de termo, valendo a sentença como título executivo judicial. ", como também considerando o teor do artigo 58 seguinte: "Art. 58. As normas de organização judiciária local poderão estender a conciliação prevista nos artigos 22 e 23 a causas não abrangidas por esta Lei."

Entende-se que a competência do Juizado Especial seria meramente funcional e a competência do foro seria em razão da matéria, sendo assim, absoluta e, portanto, indeclinável e improrrogável.

Exemplo do acima exposto seria o Estado do Mato Grosso, no qual, pela Lei Estadual nr. 6.176/92, anterior, portanto, à Lei 9.099/95, os Juizados Especiais Cíveis teriam competência para conciliar, processar e julgar causas cíveis de menor complexidade, aí incluídas as de separação e divórcio consensuais e ações alimentares. [1]

Acredito que, em se tratando de Juizados Especiais, aplica-se o disposto no art. 24, X da CF/88, pelo qual a competência para legislar acerca da matéria é concorrente, cabendo à União o estabelecimento de normas gerais, não excluída a competência suplementar dos Estados. (parágrafos 1º. e 2º.) Assim, ainda pelo teor das normas constitucionais acerca da matéria, em não existindo lei federal que institua normas gerais, os estados exercem a competência legislativa plena, sendo que, sobrevindo lei federal que imponha regras gerais, fica suspensa a eficácia da lei estadual naquilo que lhe for contrário. (parágrafos 3º. e 4º.)

Penso ser perfeitamente aplicável ao disciplinamento da questão o regramento constitucional acima exposto, eis que enquanto a lei estadual acima aludida preexistiu ao regramento federal acerca da matéria sua validade e eficácia eram plenas, porque plena era a competência legislativa do Estado Federado. No entanto, com o advento da Lei 9.099/95, restou prejudicado, a meu sentir, a aplicação dos artigos da referida lei que autorizavam o processo e julgamento das causas envolvendo separação, divórcio e alimentos, em face da proibição claramente contida no parágrafo 2º. do art. 3º daquela lei.

È certo que não se pode deixar de ressaltar o lucro social que a criação e implantação de Juizados Especiais de Família trariam na luta travada cotidianamente contra a morosidade processual. Assim, a proposta que defendo seria a criação de Juizados Especiais de Família, os quais teriam competência para processar e julgar feitos da competência das Varas de Família, exclusivamente de cunho consensual, a princípio, com a conseqüente redistribuição para a Vara de Família, ao primeiro sintoma de litigiosidade entre as partes.

Por hora, no entanto, a competência jurisdicional dos Juizados Especiais Cíveis não permitem incursões da espécie e tentativas nesse sentido terminam por acarretar prejuízo bem maior que a morosidade, eis que vão ocasionar perda de tempo e acentuar o desprestígio da Justiça no meio social decorrentes do proferimento de decisões maculadas pela nulidade absoluta.

Outro aspecto dessa questão é o entendimento de que com o advento da Lei 9.099/95, os Juizados Especiais Cíveis teriam competência para dirimir questões envolvendo a Fazenda Pública e ainda, que por força do dispositivo constitucional presente no art. 109, parágrafo 3º. da CF/88 teriam competência, igualmente, para dirimir questões previdenciárias.

Analisemos, de início, a alegada competência para questões envolvendo a Fazenda Pública.


A FAZENDA PÚBLICA

Tem-se notícia de interpretações no sentido da possibilidade de ajuizamentos de demandas envolvendo a Fazenda Pública no âmbito dos Juizados Especiais Estaduais. Referido raciocínio tem como fundamento uma alegada revogação do parágrafo 2º. do art. 3º. da Lei 9.099/95 pelo advento da Lei 10.259/01, a qual institui os Juizados Especiais Federais, em face do princípio da isonomia, já que não seria lógico nem razoável se supor que o jurisdicionado pudesse acionar a Fazenda Pública Federal através do rito célere e informal dos Juizados Especiais e que idêntico direito não lhe fosse concedido para acionar as Fazendas Municipal e Estadual/Distrital.

Ou seja, raciocínio semelhante àquele que findou por acarretar o entendimento jurisprudencial dominante, no sentido da revogação do teor do art. 61 da Lei 9.099/95 e sobre o qual ainda nutro algumas reservas.

Com todo o respeito pela opinião acima aludida, entendo que tal conclusão não deve prosperar sob pena de, em breve, não mais ser aplicada a Lei 9.099/95, por ter sido revogada no que não colidir com os ditames da Lei 10.259/01.

Com efeito, existe todo um sistema que rege o procedimento desta Justiça Especializada e que deve ser aplicado, seja no âmbito dos Juizados Especiais Estaduais, seja no âmbito dos JEFs, os quais, obviamente, devem se integrar mútua e simultaneamente de forma a expurgar as deficiências dos normativos respectivos, mas sem exageros que possam pretender fixar competências jurisdicionais por via transversa, que não a de direito.

Aqui renovo o posicionamento acima adotado no que se refere às questões pertinentes ao direito de família, defendendo que a ampliação da competência ocorra mediante produção legislativa ordinária, que a revista de validade e eficácia e não por meio de ilações que ensejem decisões judiciais eivadas da mais absoluta nulidade.


AS AÇÕES PREVIDENCIÁRIAS

Tratando-se o INSS de uma autarquia federal, abrangido, portanto, pelo conceito de fazenda pública, entendo por pertinente tratar, por conseguinte, da alegada competência dos Juizados Especiais Cíveis para processar e julgar as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, adiantando que meu entendimento particular é que tal competência decorre expressamente do mandamento constitucional constante do art. 109, parágrafo 3º. da CF/88, tendo encontrado quem detém opinião similar.

Na verdade, em que pesem as redações dos arts. 4º. e 20 da Lei 10.259/01, que instituiu os Juizados Especiais Federais, há que se considerar o princípio da supremacia da Constituição e a garantia fundamental do acesso à Justiça como critérios principais em prol da competência dos Juizados Especiais Estaduais para fins de processo e julgamento das questões previdenciárias.

Ora, o teor do parágrafo 3º. do artigo 109 da CF/88 é por demais claro para que restem dúvidas acerca da questão:

"§ 3º - Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual. "

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Não há, por certo, como se concluir que, seja o artigo 20 da Lei 10.259/01, seja o art. 8º. caput, da Lei 9.099/95, tenham condão de se sobrepor ao mandamento constitucional para negar-lhe vigência e, por conseguinte, aplicação e eficácia, nem que o diploma legal que instituiu os JEFs tenham tido por escopo obstaculizar o acesso à justiça para o segurando já detentor de prerrogativa constitucional que o possibilitava acionar a autarquia previdenciária na Comarca de seu domicílio ainda que não fosse sede de vara do juízo federal.

No entanto, a matéria não se encontra pacificada, existindo controvérsias acerca do tema, inclusive com julgados oriundos dos TRFs da 1ª., 2ª., 3ª. e 4ª. Região no sentido do reconhecimento da incompetência absoluta dos Juizados Especiais Estaduais para dirimir tais questões.

Exemplo do posicionamento aqui referido é a opinião magistral da Juíza Marisa Santos, em decisão proferida no bojo do processo 2003.03.00.033681-5, espécie Mandado de Segurança 249673, impetrado pelo INSS contra ato do Juiz de Direito do Juizado Especial Cível da Comarca de Pirajuí, Estado de São Paulo.

Na referida decisão, a ilustre prolatora aduz que "caso se admitisse a competência dos Juizados Especiais Estaduais, o problema residiria, então, na inadequação do sistema para o julgamento dos recursos interpostos de suas decisões."

Haveria problemas, segundo ela, "em primeiro lugar, porque os juízes federais integrantes da Turma Recursal, por não perderam sua qualidade de juízes de primeiro grau, não teriam competência para apreciar os recursos advindos dos Juizados Especiais Estaduais, sob pena de afronta ao disposto no art. 109, parágrafo 4º, da Constituição Federal. Em segundo lugar, porque os Tribunais Regionais Federais não integram o sistema recursal criado pela Lei 10.259/01 e, por isso mesmo, não teriam competência para o julgamento dos recursos interpostos e, por isso mesmo, não teriam competência para o julgamento dos recursos interpostos nos Juizados Especiais Estaduais."

A meu ver, em que pese o brilhantismo da tese esposada, ao assumir competência outorgada constitucionalmente à Justiça Federal - e que por força de lei ordinária foi declinada para os Juizados Especiais Federais até o limite de 60 (sessenta) salários mínimos – os Juizados Especiais Estaduais, ao exercer tal competência, se submeteriam ao mesmo sistema recursal dos JEFs, sem qualquer afronta ao disposto no parágrafo 4º. do art.. 109 da CF/88.

Conclui-se, assim, que a matéria também merecia tratamento legislativo, no sentido do disciplinamento da questão, muito embora se trate, a meu ver, basicamente de uma questão relativa à aplicação e integração de lei, que poderia ser facilmente dirimida pelas regras pertinentes, mas que, uma vez verificados precedentes que alardeam entendimento contrário, mais precavida se mostra a posição que defende o aguardo da iniciativa legislativa no viso do resguardo do prestígio da Justiça, ultimamente já tão consumido.

Não resta dúvida que todas as posições aqui expostas sempre tiveram por objetivo, como claramente se pode constatar, um aprimoramento da qualidade da entrega da prestação jurisdicional, no tocante à diminuição dos formalismos desnecessários e da morosidade processual, visando o resgate da imagem do Judiciário. O que ora se reclama a atenção é que tal tentativa pode redundar numa ampliação do desgaste já existente, em face da prolatação de decisões nulas, por incompetência absoluta e portanto, incapazes de gerar qualquer efeito que não seja a perda de tempo e do respeito do jurisdicionado.


Notas

01. Chimenti, Ricardo Cunha. " TEORIA E PRÁTICA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS". Saraiva, 5ª. ed. 2003, pág. 57.

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Sobre a autora
Ana Raquel Colares dos Santos Linard

juíza titular do Juizado Especial Cível e Criminal da Comarca de Juazeiro do Norte (CE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LINARD, Ana Raquel Colares Santos. A competência dos juizados cíveis sem exageros. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 216, 7 fev. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4804. Acesso em: 22 dez. 2024.

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