Consideraçoes sobre insider trading, regulamentação no Brasil e casos OGX e Sadia/Perdigão

Resumo:


  • Insider trading é uma prática que fere os princípios éticos e econômicos, sendo definido como o uso de informações privilegiadas para obter vantagens no mercado financeiro.

  • Em diversos países, incluindo o Brasil, existem leis que regulamentam o insider trading, como a Lei das Sociedades Anônimas e a Comissão de Valores Mobiliários, com o objetivo de punir e prevenir essa conduta ilícita.

  • No caso da empresa OGX, o fundador Eike Batista foi acusado de insider trading pela CVM e Ministério Público Federal, enfrentando processos administrativos e criminais devido ao uso de informações privilegiadas para obter vantagens econômicas indevidas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Estudo sobre o regramento de Insider Trading no Brasil, analisando a aplicação da regra tanto no país como no exterior, bem como trazendo apontamentos sobre casos famosos de Insider Trading: OSX e Sadia Perdigão

1. Introdução

Conforme o art. 157. da Lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas) o dever de informar recai sobre o administrador. Neste caso, a informação possui duas finalidades: a publicidade de informações para esclarecimento dos acionistas e a publicidade em relação às modificações de fatos relevantes, cujos destinatários são os operadores e investidores.

A prática do insider trading fere o princípio da ética, no exercício da profissão, e de ordem econômica.


2. Conceito de Insider Trading

Segundo a Comissão de Valores Mobiliários “insider trading” é: toda a pessoa que, em virtude de fatos circunstanciais, tem acesso à informações relevantes relativas aos negócios e situação da companhia.

A doutrina entende por fato relevante qualquer evento econômico que envolva a companhia e que possa influir, de modo considerável, na decisão de investidores do mercado de capitais. As publicações de tais fatos relevantes podem ser feitas através do website da CVM ou na imprensa papelizada. Sendo assim, se o administrador perceber que tal informação, relacionada à sociedade que administra, influenciará nas decisões dos investidores, terá o dever legal de tornar público tal fato.

Vale lembrar que, “também se enquadram como agentes do insider trading terceiros aos quais a informação foi repassada e que vão negociar ações com tal conhecimento”.

2.1. Aplicação do Insider Trading em outras legislações

Por ser um tema mundialmente conhecido, cada país estabelecerá a forma de como irá lidar com a situação. Por exemplo, a legislação canadense optou por enumerar expressamente as pessoas que considera “insider”. Já na França, que foi o primeiro país que reconheceu o “insider trading” como um ato ilícito, a finalidade é estabelecer obrigações para as pessoas que têm “status” de “insider”.

No Brasil, as leis que se aplicam ao caso são: a Lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas) e Lei nº 6.385/76 (Comissão de Valores Mobiliários).

2.2. Aplicação do Insider Trading no Código Civil Brasileiro

Conforme dispõe o Código Civil Brasileiro, o prejudicado pelo ocultamento de informação relevante poderá propor ação de anulação da operação (arts. 92. e 94) e requisitar indenização por perdas e danos (art. 159). A prática do insider é punida pelo CC/02, pois é nítido o dolo no ato jurídico.

Vale ressaltar que, quando o investidor optar por propor uma ação com fundamento num dos artigos citados acima, deverá ele propô-la, necessariamente, contra quem deu causa ao dano, o que na prática muitas vezes será difícil. Por conta disso, na maioria dos casos, o investidor escolherá propor a ação com fundamento no art. 155. da Lei nº 6.404/76, ou seja, proporá ele a ação de perdas e danos contra o administrador e/ou aqueles a ele equiparados.

2.3. Aplicação do Insider Trading no Código Penal Brasileiro

É de extrema importância considerar em que ponto o “insider trading” passa a ser imoral. Para se caracterizar ato ilícito é preciso ter a presença do dolo, ou seja, a consciência que o agente possui de que, com o seu ato, está prejudicando a vítima.

Referente ao assunto, podemos enquadrar a conduta do agente no art. 174, o induzimento à especulação e, no art. 177, § 1º, inciso II e VIII, que trata da manipulação fraudulenta.

No entanto, não existe nem manipulação, nem especulação em relação a “insider trading”, mas há uma lesão de caráter patrimonial, cuja reparação é feita no âmbito civil, mas que, por ter a presença do dolo e a má-fé, entrará no campo do direito penal.

Surgiu, no Direito Penal, a seguinte indagação: como tipificar o crime, tendo presente o princípio de que não há crime sem lei que antes o defina ? Neste caso, de acordo com a Comissão de Valores Mobiliários, a melhor alternativa é enquadrar a conduta como crime de estelionato, disposto no art. 171. "ato de obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento".


3. Caso OGX

3.1. Histórico da OGX

Com um desejo de se tornar um “barão do petróleo”, Eike Batista fundou, em meados do ano 2000, a empresa OGX Petróleo (OGXP3), que o tornou conhecido, de vez, pelo público.

Em 2007, a OGX foi rapidamente formada para que pudesse disputar a nona rodada de licitações da ANP (Agência Nacional do Petróleo), com um capital inicial de US$ 1.3 Bilhão.

Quem comandou toda a estruturação foi o braço direito do megaempresário, Rodolfo Landim. Trouxe executivos, principalmente da Petrobras, visto que almejava ser a maior petrolífera do Brasil. Foi por isso que em 2008, houve a abertura do capital, se tornando a maior captação de Eike na bolsa de valores, levantando até R$ 6,71 Bilhões.

Após constantes variações nas ações com tendências de alta, a OGX emitiu no dia 14 de Outubro de 2010, o seguinte comunicado, que deu grande confiança ao mercado, levando suas ações ao seu pico histórico, sendo comercializados, no dia 17 de Outubro de 2010, a R$ 23,27:

“este excelente resultado revela o grande potencial petrolífero dos nossos blocos, além de contribuir para a redução do risco exploratório dos próximos prospectos a serem perfurados na região. O poço 1-OGX-1 validou o modelo geológico desenvolvido a partir da sísmica 3D, ratificando a estratégia e os preceitos adotados pela nossa equipe técnica“1.

A Empresa passou algum tempo sem grandes incidentes, até 2012. Ao contrário do que se esperava da extração de petróleo (cerca de 20 mil barris ), a Companhia estava produzindo apenas 10 mil barris no total dos poços instalados em tubarão azul, fato que fez com que as ações despencassem cerca de 25% no pregão seguinte.

A realidade é que Tubarão Azul nunca mostrou uma quantidade adequada de produção, até que em Julho de 2013, a Companhia anunciou que desistiria de seu único campo produtivo, abrindo mão dos campos de Tubarão Tigre, Tubarão Gato e Tubarão Areia.

Até o início de 2012, a Companhia não devia quase nadam as um ano depois já contava com dívidas tidas como impagáveis. A fraca produção fazia com que não houvesse caixa o suficiente para quitar as dívidas e seus juros, fazendo com que a única saída fosse a injeção de mais capital, seja de Eike ou outro grupo.

3.2. O processo administrativo na CVM

As primeiras apurações sobre o insider trading na OGX foram dadas pela CVM, no processo de número RJ2014/0578, aberto em 17 de janeiro de 2014. Segundo a CVM, o objeto do processo administrativo é: "Apurar eventual responsabilidade de Eike Fuhrken Batista, na qualidade de acionista controlador e presidente do Conselho de Administração da OGX Petróleo e Gás Participações S.A, pelo descumprimento ao art. 155, §1º, da Lei nº 6404/76, combinado com o art. 13, caput, da Instrução CVM nº 358/02 e por prática de manipulação de preços, definida pelo inciso II, "b", e vedada pelo inciso I, ambos da Instrução CVM nº 08/79.”, que traz como acusado Eike Fuhrken Batista.

Esse processo administrativo, pendente ainda de julgamento na CVM, acusa Eike Batista de descumprir o artigo 155 §1º, da Lei nº 6404/76, que traz o dever de lealdade do administrador em manter sigilo no que concerne as informações privilegiadas ainda não divulgadas no mercado. Cominado a isso, ainda é imputado a Eike Batista o descumprimento pelo artigo 13 da instrução 358 da CVM, que também veda a comercialização de valores mobiliários com base em informações ou fatos relevantes.

3.3. A denúncia do Ministério Público Federal

Com base nessas investigações da CVM, e outras investigações conduzidas pelo próprio, o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro, no dia 11 de setembro de 2014, denunciou Eike Fuhrken Batista pelos crimes contidos nos artigos 27-C e 27-D da lei 6.385/76. Essa denúncia é motivada pelo suposto cometimento dos crimes de manipulação do mercado e pela prática do “insider trading” na OGX.

Segundo o MP, o acusado agiu consciente e voluntariamente, em dois momentos distintos, se utilizou de informações relevantes não divulgadas ao mercado, obtendo uma grande vantagem econômica através de alienação de suas ações.

Para o órgão acusador, a primeira prática do delito se deu no período entre 24 de maio de 2013 e 10 de junho de 2013. Para o Ministério Público, nesse primeiro período, o fundo financeiro Centennial Asset Mining Fund LLC, de propriedade do acusado, alienou 126.650.500 (cento e vinte e seis milhões, seiscentos e cinquenta mil e quinetas) ações da empresa OGX, recebendo o montante de R$ 197.247.497,00 (cento e noventa e sete milhões, duzentos e quarenta e sete mil, quatrocentos e noventa e sete reais) e gerando um lucro indevido para o acusado no valor entre R$ 123.790.497,00 e R$126.323.497,00.

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Segundo a denúncia, nesse primeiro momento, o mercado ainda estava sobre influência do comunicado da empresa datado de 13 de março de 2013, que previa que os campos de Tubarão Gato e Tubarão Areia teriam volume entre 521 e 1.339 milhões de óleo. Porém, Eike Batista já possuía em mãos conclusões técnicas da Schlumberger Serviços de Petróleo Ltda e por estudos de um Grupo de Trabalho da própria OGX, que afirmavam que esses campos possuíam volume recuperável de no máximo 77,8 milhões de barris, informação essa que teria sido omitida pelo acusado, configurando então a primeira prática delituosa no crime de “insider trading”.

A segunda prática do delito se deu no período entre 28 de agosto de 2013 a 3 de setembro de 2013 e também entre 27 de agosto de 2013 e 2 de setembro de 2013.

No primeiro período apontado (entre 28 de agosto de 2013 a 3 de setembro de 2013) a mesma Centennial Asset Mining Fund LLC promoveu novas vendas de ações da OGX, no montante de 227 milhões de unidades, rendendo uma quantia de R$ 111.183.328,00 (cento e onze milhões, cento e oitenta e três mil, trezentos e vinte e oito reais).

No segundo momento apontado (entre 27 de agosto de 2013 e 2 de setembro de 2013), Eike Batista, através do mesmo fundo de investimento, alienou 29.054.100 de ações de uma outra empresa do grupo, a OSX, recebendo por isso R$ 24.759.473,00 (vinte e quatro milhões, setecentos e cinquenta e nove mil, quatrocentos e setenta e três reais). Ambas as alienações geraram a Eike Batista um lucro indevido que gira entre R$12.528.980,00 (doze milhões, quinhentos e vinte e oito mil, novecentos e oitenta reais) e R$ 27.601.685,00 (vinte e sete milhões, seiscentos e um mil, seiscentos e oitenta e cinco reais)

Em ambos os momentos, apesar do lapso temporal ser distinto, o MP considerou que o contexto fático era o mesmo. A informação dada em 24 de outubro de 2012, onde da celebração de um contrato entre Eike Batista e a OGX, o acionista controlador se comprometia a realizar um aporte no valor de 1 bilhão de dólares para viabilizar as atividades da empresa, porém o MP considerou que nunca houve, por parte de Eike Batista, a intenção de adimplir o contrato.

Isso se deve ao fato de a CVM ter constatado que Eike teria omitido ao investidor de que o exercício de uma cláusula “put” pela Diretoria da OGX eximiria Eike Batista do cumprimento do contrato, e por consequência, do aporte de 1 bilhão de dólares noticiado ao mercado. A omissão, segundo o Ministério Público, só teria sido sanada no dia 10 de setembro de 2013, note-se data posterior a venda das ações, com a divulgação, na íntegra, do contrato entre Eike Batista e a OGX. Além disso, a própria CVM chegou a conclusão que essa informação da cláusula “put” é considerada relevante, e por não ter sido noticiada na data em que se noticiou a celebração do contrato, demonstra indícios da intenção de ocultar informações contratuais relevantes ao mercado financeiro.

Com isso, o Ministério Público Federal denunciou Eike Fuhrken Batista pelo cometimento do crime de “insider trading” que prevê pena de reclusão de um a cinco anos e multa de até três vezes o valor da vantagem ilícita obtida.


REFERÊNCIAS

https://exame.abril.com.br/mercados/cotacoes-bovespa/acoes/OGXP3/grafico

https://www.cvm.gov.br/asp/cvmwww/inqueritos/DetPasAndamento.asp?sg_uf=RJ&Ano=2014&NumProc=578

https://www.prrj.mpf.mp.br/institucional/mpf-na-capital/atuacao/denuncias-criminais/denuncia-criminal-eike-batista/at_download/documento

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6385.htm

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6404consol.htm

https://pt.wikipedia.org/wiki/OGX

https://www.cvm.gov.br/port/public/publ/publ_600.asp

https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/21216/21216.PDF

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6404consol.htm

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6385.htm

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm

COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa - Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2012.

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Sobre os autores
Victor Henrique Oliveira

Estudante de Direito

Caroline Silva Cásquer

Estudante de Direito

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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