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EC 66/2010: a regulamentação do divórcio e o direito de não permanecer casado como pura manifestação das liberdades constitucionais

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10/05/2023 às 17:51
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6. DIVÓRCIO CONVERSÃO E DIVÓRCIO “DIRETO”

Prescrevendo o Código Civil (art. 1.571, § 1º46) que o casamento válido somente seria desfeito pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, não eram permitidas novas núpcias enquanto não verificados um desses eventos.

Por conseguinte, não sendo caso de viuvez, somente restava aos cônjuges uma única alternativa para se verem inteiramente desapegados da situação matrimonial pretérita, e, portanto, livres para dedicar-se a uma nova vida ao lado de outra pessoa. Trata-se do divórcio, o qual não podia ser efetivado de plano, assentado tão somente na vontade de não continuar casado.

É que o nosso Estatuto Civil (art. 1.571, §2º47), prevendo duas modalidades de divórcio, o divórcio por conversão e o divórcio “direto”, estabeleceu para ambas requisitos autorizadores que extrapolavam a simples convicção pessoal dos cônjuges.

A primeira espécie, conforme o próprio nome já sugere, resultava da transmudação de um estágio anterior, a saber: a separação. Essa convolação, por sua vez, dava-se por meio de um segundo requerimento oficial (judicial ou administrativo), após um ano, contado do trânsito em julgado da separação, da decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos ou da lavratura da escritura pública de separação (rito extrajudicial). Com efeito, é esta a dicção do art. 1.580 do Código Civil:

Art. 1.580 – Decorrido 1 (um) ano do trânsito em julgado da sentença que houver decretado a separação judicial, ou da decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos, qualquer das partes poderá requerer sua conversão em divórcio.

A esse respeito, Carlos Roberto Gonçalves48 adverte que também a separação obtida pela via administrativa, por escritura pública, seria passível de ser convertida em divórcio, perante o cartório, e não apenas a decretada pelo juiz, uma vez igualmente respeitado o prazo de 1 (um) ano de sua formulação.

No que tange ao chamado divórcio “direto”, as aspas aqui utilizadas já antecipam a crítica que se apresenta à denominação empregada pelo legislador ordinário, que preconizou no art. 1.580, § 2º do Código Civil o seguinte teor:

Art. 1.580, § 2º – O divórcio poderá ser requerido por um ou por ambos os cônjuges, no caso de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) anos.(grifos acrescidos)

Como se pode observar, a nomenclatura adotada, definitivamente, não fazia jus à realidade prática, a começar pela exigência desarrazoada do período de 2 (dois) anos de separação de fato. Desse modo, ainda que os consortes estivessem plenamente certos sobre a falência de seu casamento, eram obrigados a esperar tempo tão considerável. Do contrário, haveriam de se submeter a um desgastante processo judicial de separação, e depois deste, a outro procedimento, o divórcio conversão, segundo já explicitado.

Além disso, não bastasse o pressuposto temporal, o preenchimento desse não era garantia de sucesso quanto à desvinculação. Isso porque, conforme expressa letra da lei, o período de separação de fato (dois anos) havia de ser devidamente comprovado, não sendo suficiente, pois, a simples alegação da não convivência prolongada. Estava-se diante, assim, de mais uma intervenção perniciosa do Estado, que, ainda imbuído pela valoração sacramental do casamento, manejava mecanismos para tentar inocuamente manter aquela instituição, ainda que a sacrifício dos particulares.

Nessa mesma ordem de ideias, tampouco era reputado motivo dissolutório somente a pura manifestação de qualquer dos cônjuges no sentido do desaparecimento do afeto, o que, verdadeiramente, representava uma grande impropriedade, vez que o desamor já deveria constituir, por si só, razão mais que apta a promover a desarticulação de um casal.


7. PERSISTÊNCIA DA SEPARAÇÃO – ANÁLISE DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL

Com a já certificada entrada em vigor da Emenda Constitucional 66/2010, esvaziaram-se as razões que subsidiavam as discussões acerca dos seus méritos e dos benefícios ou desvantagens da facilitação do divórcio. No contexto hodierno, com efeito, a grande problemática que se verifica reside na dúvida no que tange à persistência (ou não) do instituto da separação judicial, haja vista a redação sucinta da inovação constitucional, que não mencionou a separação.

Não obstante a divisão de opiniões, para uma parte da doutrina pátria, a separação judicial teria sido extirpada do nosso ordenamento jurídico, com o que concordamos plenamente. Este é o posicionamento adotado pelo presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Suas palavras foram anotadas por César de Oliveira49: "Esta modalidade não existe mais, é impossível de pedi-la, e aquelas que estão em andamento podem ser convertidas diretamente para o divórcio, independentemente do período."

No mesmo sentido, as lições de Maria Berenice Dias50:

Ao ser dada nova redação ao art. 226, § 6º da Constituição Federal, desaparece a separação e eliminam-se prazos e a perquirição de culpa para dissolver a sociedade conjugal. Qualquer dos cônjuges pode, sem precisar declinar causas ou motivos, e a qualquer tempo, buscar o divórcio. A alteração, quando sancionada, entra imediatamente em vigor, não carecendo de regulamentação. Afinal, o divórcio está regrado no Código Civil, e a Lei do Divórcio manda aplicar ao divórcio consensual o procedimento da separação por mútuo consentimento (art. 40, § 2º). Assim, nada mais é preciso para implementar a nova sistemática.

E Pablo Stoze Gagliano51, que, inclusive, ressalta que as normas referentes à separação judicial não mais seriam recepcionadas pela Magna Carta:

Em síntese, a Emenda aprovada pretende facilitar a implementação do divórcio no Brasil e apresenta dois pontos fundamentais: a)extingue a separação judicial; b)extingue a exigência de prazo de separação de fato para a dissolução do vínculo matrimonial. (...) A extinção da separação judicial é medida das mais salutares.(...) É de clareza meridiana, estimado leitor, que o divórcio é infinitamente mais vantajoso do que a simples medida de separação. Sob o prisma jurídico, com o divórcio, não apenas a sociedade conjugal é desfeita, mas o próprio vínculo matrimonial, permitindo-se novo casamento; sob o viés psicológico, evita-se a duplicidade de processos – e o strepitus fori – porquanto pode o casal partir direta e imediatamente para o divórcio; e, finalmente, até sob a ótica econômica, o fim da separação é salutar, pois, com isso, evitam-se gastos judiciais desnecessários por conta da duplicidade de procedimentos. (...) Nessa linha, a partir da promulgação da Emenda, desapareceria de nosso sistema o instituto da separação judicial e toda a legislação, que o regulava, sucumbiria, por consequência, sem eficácia, por conta de uma inequívoca não recepção ou inconstitucionalidade superveniente.

Por derradeiro, o parecer de Denise Damo Comel52:

Será suprimido do ordenamento jurídico o instituto da separação judicial, permanecendo tão somente o divórcio como solução voluntária para o fim do casamento, resolvida, ainda, a dicotomia atualmente existente na dissolução do vínculo conjugal. De conseqüência, serão de se ter por revogados os artigos 1.572 a 1.578, do Código Civil, que tratam das formas de separação judicial e seus efeitos, também o artigo 1.580, que trata da conversão da separação em divórcio e do divórcio direto. A revogação dos artigos 1.572 a 1.578 é evidente, pois desaparecendo a separação judicial, não há mais que se falar nas hipóteses em que tinha cabimento, tampouco nos respectivos efeitos. No que tange ao artigo 1.580, ainda que trate do divórcio, também deve ser tido por revogado, eis que refere especificamente aos prazos para o divórcio direto e indireto (por conversão da separação judicial), estabelecidos na própria norma constitucional objeto da emenda. Suprimida a separação judicial e consolidando-se o divórcio como a única possibilidade de dissolução voluntária do casamento, deixam de existir as figuras do divórcio por conversão e do divórcio direto, não havendo, pois, que se estabelecer regras ou prazos diferenciados para uma ou outra situação.

Por outro lado, há uma parcela de estudiosos que crer que a separação judicial persiste em nosso sistema, sob a justificativa de que o Estado não poderia retirar o direito dos casais de se separarem. É esta a lição de José Moacyr Doretto Nascimento e Gustavo Gonçalves Cardozo53:

É de se indagar se a separação judicial foi, deveras, extirpada do ordenamento jurídico pela superveniência constitucional. A novel norma constitucional preceitua que o casamento será extinto pelo divórcio, silenciando-se quanto à separação; nada diz, nada prescreve. Lança-se, nesse contexto, outra indagação retórica: o casal que passe por crise familiar, querendo buscar um respiradouro, deverá divorciar-se açodadamente ou viver em ligeira ilegalidade, que constrange socialmente muitos, uma vez que presente ainda o dever de fidelidade recíproca? (...) Há que se respeitar a vontade dos indivíduos, ainda incertos quanto ao futuro, mas decididos quanto ao presente. Há que se viabilizar e reconhecer a persistência da separação consensual em nosso sistema. Nem se venha arguir que serão esses casos poucos ou mesmo raros, porque o direito, em sua modernidade, também tutela e promove a felicidade de minorias.

Na mesma perspectiva, a presidente da Comissão de Direito de Família do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), Regina Beatriz Tavares da Silva também afirma que não se pode concluir simplesmente pela extinção da separação judicial. Seus ensinamentos foram transcritos por César de Oliveira, em seu texto "Nova lei do divórcio acaba com a separação judicial"54: "Da forma como foi proposta, sem contemplar algumas modalidades de separação que consideramos importantes, a emenda cria insegurança jurídica. Bastaria ter acrescentado essas situações no texto, e acabaria com problemas de interpretação".

Esse tipo de debate é importante. Todavia, a falta de uma posição definida do legislador quanto à eleição dos parâmetros a serem adotados daqui em diante tem gerado insegurança jurídica, dando margem a que o Poder Judiciário tome decisões nos mais diferentes sentidos, em que pese ser observada a prevalência de pronunciamentos tendentes à abolição dos requisitos da separação. Vejamos:

DIREITO DE FAMÍLIA. SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 66/2010. APLICABILIDADE IMEDIATA. ALIMENTOS. CRITÉRIOS FIXAÇÃO. Com o advento da emenda constitucional n. 66/2010, o sistema dual (separação e divórcio) de rompimento do vínculo legal da sociedade conjugal, de matizes indiscutivelmente religiosas, foi suplantado em nosso ordenamento, cedendo espaço ao sistema único, mais condizente com o Estado laico aqui adotado. Deste modo, data vênia às posições contrárias, a partir da modificação supra foi extirpada de nosso ordenamento a figura da separação, existindo, tão somente, o divórcio, que não mais apresenta como requisito prévio a separação de fato por mais de 2 (dois) anos ou a decretação da separação judicial. Destarte, considerando-se tais assertivas e em atendimento aos princípios da celeridade e da economia processual, deve ser decretado o divórcio, ainda que o pedido inicial da ação seja de separação, posto que as normas constitucionais são autoaplicáveis. O critério jurídico para se fixar o montante que deve ser pago a título de pensão alimentícia é a conjugação proporcional e razoável da possibilidade econômica do requerido e da necessidade do requerente, nos termos do que prescreve o artigo 1.694 do Código Civil de 2002. Neste diapasão, demonstrada a necessidade da requerente e a capacidade dos obrigados, hão de serem fixados os alimentos proporcionalmente.

(TJMG. Processo n.º 1.0515.08.034477-0/001(1). Relator: Des.(a) Mauro Soares de Freitas. Data do Julgamento: 25/08/2011. Data da Publicação: 29/09/2011)

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DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL - EC 66/2010 - APLICAÇÃO AOS PROCESSOS PENDENTES DE SEPARAÇÃO JUDICIAL - POSSIBILIDADE DE CONVERSÃO EM DIVÓRCIO - PEDIDO QUE PODE SER FEITO TANTO PELO AUTOR QUANTO PELO RECONVINTE. As ações de separação antes existentes podem ser convertidas em divorcio em face da EC 66/2010 a pedido do autor ou da reconvinte, não cabendo à parte contrária obstar a conversão. As ações anteriormente existentes e que já surtiram efeitos, seja em relação aos alimentos, bens ou relações interpessoais, como guarda dos filhos ou separação de corpos, não podem ser extintas simplesmente se o autor ou a reconvinte a isso se nega, para que não se crie insegurança e não haja grave lesão à ordem jurídica. A ré-reconvinte tem os mesmos direitos do autor de se opor à extinção da ação, com base no art. 317 do CPC, bem como á pretensão da conversão em divórcio. O texto novo constitucional, que tem a nítida intenção de agilizar os processos de extinção da sociedade conjugal, não pode retroagir para prejudicar processos antigos e que a duras penas estão chegando ao seu final, nem pode retroagir para extinguir processos que já surtiram efeitos quanto aos direitos/deveres subjetivos das partes, devendo ser dada a oportunidade às partes de converter o processo de separação judicial, consensual ou litigioso, em pedido de divórcio.

(TJMG. Processo n.º.1.0701.06.169093-2/009(1). Relator: Des.(a) Vanessa Verdolim Hudson Andrade. Data do Julgamento: 16/08/2011. Data da Publicação: 14/10/2011)

HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA. DISSOLUÇÃO DE CASAMENTO. EC 66, DE 2010. DISPOSIÇÕES ACERCA DA GUARDA, VISITAÇÃO E ALIMENTOS DEVIDOS AOS FILHOS. PARTILHA DE BENS. IMÓVEL SITUADO NO BRASIL. DECISÃO PROLATADA POR AUTORIDADE JUDICIÁRIA BRASILEIRA. OFENSA À SOBERANIA NACIONAL.

1. A sentença estrangeira encontra-se apta à homologação, quando atendidos os requisitos dos arts. 5º e 6º da Resolução STJ n.º 9/2005: (i) a sua prolação por autoridade competente; (ii) a devida ciência do réu nos autos da decisão homologanda; (iii) o seu trânsito em julgado; (iv) a chancela consular brasileira acompanhada de tradução por tradutor oficial ou juramentado; (v) a ausência de ofensa à soberania ou à ordem pública.

2. A nova redação dada pela EC 66, de 2010, ao § 6º do art. 226 da CF/88 tornou prescindível a comprovação do preenchimento do requisito temporal outrora previsto para fins de obtenção do divórcio.

3. Afronta a homologabilidade da sentença estrangeira de dissolução de casamento a ofensa à soberania nacional, nos termos do art. 6º da Resolução n.º 9, de 2005, ante a existência de decisão prolatada por autoridade judiciária brasileira a respeito das mesmas questões tratadas na sentença homologanda.

4. A exclusividade de jurisdição relativamente a imóveis situados no Brasil, prevista no art. 89, I, do CPC, afasta a homologação de sentença estrangeira na parte em que incluiu bem dessa natureza como ativo conjugal sujeito à partilha.

5. Pedido de homologação de sentença estrangeira parcialmente deferido, tão somente para os efeitos de dissolução do casamento e da partilha de bens do casal, com exclusão do imóvel situado no Brasil.

(SEC 5.302/EX, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 12/05/2011, DJe 07/06/2011) (grifos acrescidos)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIVÓRCIO CONSENSUAL. EMENDA CONSTITUCIONAL N° 66/2010. NOVA REDAÇÃO DADA AO ART. 226, § 6°, DA CF/88 QUE ELIMINA OS REQUISITOS À SUA DECRETAÇÃO ANTERIORMENTE PREVISTOS. COMPOSIÇÃO DA DIVERGÊNCIA. Com o advento da EC n° 66/2010 não mais subsistem os pressupostos da separação de fato por mais de dois anos ou da separação judicial por mais de um ano para a decretação do divórcio, razão pela qual deve o pedido ser processado independentemente de emenda à inicial. Entendimento pacificado no 4º Grupo Cível. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO, EM MONOCRÁTICA.

(Agravo de Instrumento Nº 70046187373, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em 17/11/2011)

Como se pode observar, nada obstante haja quem sustente não ter desaparecido o instituto da separação pelo só fato de continuar na lei civil dispositivos regulando-o, defende-se a derrogação desses respectivos preceitos infraconstitucionais.

É que, ao ser excluída a parte final do indigitado dispositivo constitucional que asseverava a dualidade de regimes dissolutórios, desapareceu toda e qualquer restrição para a concessão do divórcio, que agora cabe ser concedido sem prévia separação e sem o implemento de prazos. A partir de agora a única ação dissolutória do casamento é o divórcio, o qual não mais exige a indicação da causa de pedir. Dessa forma, eventuais controvérsias referentes à causa, culpa ou prazos deixam de integrar o objeto da demanda.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DOMINGOS, Manuela Santos. EC 66/2010: a regulamentação do divórcio e o direito de não permanecer casado como pura manifestação das liberdades constitucionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7252, 10 mai. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48312. Acesso em: 24 nov. 2024.

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