Artigo Destaque dos editores

Teoria Geral do Direito e o fato jurídico processual.

Uma proposta preliminar

Exibindo página 2 de 7
17/02/2004 às 00:00
Leia nesta página:

CAPÍTULO 2

Teorias e historicidade

Pode parecer paradoxal ao incauto leitor uma proposta de sistematização, continuação e ordenação em construções teóricas concomitante a uma crítica à ordem (ou desordem) estabelecida no mundo jurídico. Porém, há que se livrar da superstição de que a crítica só pode ser oriunda das reações manifestadas como contra-discursos da sistematização. O que aqui se propõe é uma criação sistematizada a partir de um ponto de vista independente do devir e que não se confunde com uma síntese. É uma criação a partir de um lugar novo, da pura observação dos fatos. Não há que se romper ou se opor às tendências, e sim, transcendê-las. Esse lugar pode ser considerado meta ou infrateórico, ou até dogmático, não importa, o que importa é que não seja condicionado, nem às tendências dominantes, nem às críticas que certamente virão. Aliás, o próprio significado da expressão "lugar novo" é facilmente e perfeitamente "massacrável" do ponto de vista intelectual, mas eu vos pergunto se houve algum dia alguma idéia que não tenha sido sujeita a críticas convincentes e imediatas. O que se critica aqui é a necessidade premente de se construir algo imune às críticas ou que pelo menos possa rebatê-las bem. Esse esforço filosófico por uma teoria perfeita, ou seja, essa utopia defensiva, tem desviado grandes juristas da produção de algo que sirva à demanda do mundo real, mesmo que imperfeito. Chamem isso de pragmatismo, mas eu chamaria de bom senso.

É evidente que não se trata aqui do pseudo-pragmatismo inerente àqueles que se negam a estudar qualquer coisa que não sirva para fundamentar, de imediato e obviamente, uma peça processual. O que quero dizer é que uma teoria, com toda sua complexidade, sistematicidade e refinamento, deve orientar uma práxis, para que esta não funcione, em sua essência, de maneira caótica. Uma teoria que seria um cérebro para uma práxis que seria um corpo. Diz o professor Jean-Louis Bergel, ao defender a importância da Teoria Geral do Direito:

"Ora, o jurista deve ser um regente de orquestra, apto a dominar e coordenar todos os instrumentos do direito: a solução jurídica não pode provir do som, por vezes discordante, de uma disposição isolada, mas depende para sua compreensão para sua aplicação e sua execução dos princípios, das instituições, dos conceitos e dos procedimentos técnicos de ordem geral. O jurista não pode ser nem um mero autômato, condenado à aplicação servil de uma regulamentação exageradamente meticulosa, nem um aprendiz de feiticeiro que desencadeia conseqüências desordenadas e imprevistas por ignorar a dependência e a inserção da regra de direito em seu contexto".

"Uma boa formação dos estudantes deveria ser mais bem nutrida de teoria geral e menos entulhada de meros conhecimentos acumulados. A elaboração legislativa precisaria ser dominada graças a mais método e reflexão jurídica. Os profissionais do direito sairiam ganhando com uma melhor utilização dos instrumentos que a técnica jurídica comporta. As decisões jurisdicionais poderiam apoiar-se em geral em escolhas mais bem esclarecidas e em uma redação mais límpida se se abeberassem mais nos recursos da teoria geral do direito".

Como argumenta o professor Claus-Wilhelm Canaris "En la ciencia del Derecho, la función das teorías consiste, ante todo, en hacer más comprensibles las normas con ayuda de conceptos específicamente jurídicos, es decir dogmáticos, y/o a través de su vinculación con los principios generales del Derecho".

Ao resumir as funções de uma teoria jurídica Canaris indica: a classificação conceitual e/ou dogmática das correspondentes soluções dos problemas, a compatibilidade das soluções com o sistema de Direito vigente e o esclarecimento de seu conteúdo material de justiça, um balizamento para a solução de problemas práticos e, conseqüentemente, a apresentação de critérios para a valoração de sua eficácia enquanto teoria. O mesmo autor rebate as críticas dos "antiteóricos" contando a seguinte anedota:

"Platón ha hecho inmortal, en "Teeto", la risa de la criada tracia burlándose de Tales, que (según cuentam) contemplando las estrellas se cayó a un pozo, [...] La especial gracia de esto estriba en que, en realidad, Tales no se había caído al pozo, sino que había descendido voluntariamente al mismo, al objeto de utilizar la superficie del agua para observaciones astronómicas. Este es el signo del auténtico teórico o, como nosotros los juristas acostumbramos a decir, del dogmático: él está por buenas razones dentro de su pozo y no se deja confundir por la incomprensión y la burla de vulgares criadas".

Ainda sobre as críticas e as disputas teóricas, Georges Kalinowski, na introdução a Le problème de la vérité en morale et en droit, apresenta algumas questões interessantes:

"Mais évidemment cela ne change rien au fait que quelque problème qu’on soulève et quelque solution qu’on avance, on sera toujours critiqué par quelqu’un, voire incompris. C’est pourquoi il s’agit moins de polémiquer en essayant de convaincre que de dialoguer en tâchant de se comprendre. Ceci exige que chacun précise ses positions, détermine son point de vue, révèle sa base de départ. Car non seulement la solution, mais aussi la manière de poser le problème dépendant des principes philosophiques admis au début. Il est par conséquent évident que, n’ayant d’autre intention que de proposer à la réflexion du lecteur une certaine manière de voir les choses, ce n’est pas pour lui imposer un pont de vue déterminé que nous l’expliciterons, mais simplement pour essayer de le rendre intelligible".

O que não se pode admitir é que bloqueios psicológicos, como a insegurança e conseqüente necessidade de aprovação social, impeçam o trabalho de criação do cientista, pois, como se sabe, as críticas sempre virão, e de todos os lados.

Outro erro, sobre o aparentemente óbvio, porém (infelizmente) freqüente nas mentes desatentas é o atrelamento de teorias a momentos históricos e seus respectivos embates ideológicos.

Por exemplo, as reações psicológicas ao positivismo jurídico científico são provenientes da associação do mesmo com as ditaduras e ideologias reacionárias, enquanto que as abordagens mais informais e ontológicas, às democracias e defesa dos direitos individuais. O que passa despercebido, e que prova a independência entre ideologia e teoria, são fatos como o do nazismo ter combatido o positivismo jurídico, pois sua prática do terror foi contra toda ordem estabelecida pelo Direito do Estado da época. Para tal, os nazistas apoiaram-se no Movimento do Direito Livre, e foram buscar o direito no espírito do povo - o Volksgeist. Só que o espírito do povo foi o do povo nazista. Vemos isso em vários textos sobre a história do nazismo:

"Desde as primeiras semanas de 1933, quando começaram as prisões arbitrárias e em massa, espancamentos e assassinatos pelos que estavam no poder, que a Alemanha, sob a dominação do Nacional-Socialismo deixou de ser uma sociedade regida pela lei. "Hitler é a lei!", proclamavam orgulhosamente os luminosos juristas da Alemanha Nazista, e Goering sublinhava a frase ao dizer aos promotores prussianos a 12 de julho de 1934, que a lei e a vontade do Führer são o mesmo".

"Em face do Nacional-Socialismo não há lei independente. Ante qualquer decisão que tomardes, perguntai a vós mesmos: "Como decidiria o Führer em meu lugar?" Em tôda decisão, perguntai: "Será esta decisão compatível com a consciência nacional-socialista do povo alemão?"

"Alguns juízes, apesar de anti-republicanos, não se entregaram pressurosamente à linha do partido. Na realidade, alguns dêles pelo menos procuraram basear seus julgamentos na lei [...]. A decisão tanto irritou a Hitler e a Goering que dentro de um Mês, a 24 de abril de 1934, o direito de julgar casos de traição, que até então havia sido da jurisdição exclusiva da Suprema Côrte, lhe foi retirado e transferido para outra, nova, a Volksgerischtshof, a Côrte Popular, que logo se tornou o tribunal mais temido da terra. Compunha-se ela de dois juízes profissionais e de cinco outros escolhidos dentre os funcionários do partido, das S. S. e das fôrças armadas, constituindo êstes últimos a maioria. Não havia apelação de suas decisões ou sentenças e comumente suas sessões eram realizadas em gabinete privado".

"Como resultado, Hitler foi pressionado, por volta do final de outubro de 1939, a fornecer uma autorização escrita. Isso foi providenciado, não sob a forma de um decreto ou uma lei, que ele se recusou a emitir, mas de uma autorização geral de poucas linhas, redigida no seu papel timbrado pessoal - e antedatada, significativamente, para o primeiro dia de guerra. Tamanha era a incontestabilidade da incorporação da lei na pessoa do Führer, que até mesmo essa autorização vaga e informal foi tida como dotada de poder legal obrigatório".

Dentro do contexto pós-guerra, a positivação das leis do nacional-socialismo gerou, na consciência democrática, a urgência a um retorno aos velhos modelos de direito natural, os mesmos utilizados no início da ditadura. De acordo com Arthur Kaufmann, "La Corte Federal de Justicia de Alemania evocó, aun en 1954, una ley moral objetiva e inmodificable con ayuda de la cual adaptaba la ley positiva a la "cosmovissión cristiano-occidental"que consideraba normativa".

Outra ilustração sobre a mudança vínculo ideológico: o Movimento do Direito Livre fomenta hoje uma ideologia, pode-se dizer oposta à do nazismo, atrelada ao Movimento do Direito Alternativo brasileiro.

Em suma, pode-se fazer o mesmo mal ou bem apoiando-se no positivismo, no naturalismo, no marxismo, ou seja qual for. Se as perspectivas teóricas forem utilizadas acriticamente elas podem, ilusoriamente, eximir o sujeito das responsabilidades decorrentes de suas atitudes, transferindo os méritos e as culpas para os paradigmas eleitos. Em paz com sua consciência está apenas o sujeito que ponderou e agiu a partir de um grande esforço crítico, e assim fez, realmente, o seu melhor possível, pois a mais vil de todas é a hermenêutica da preguiça. Assim também diz Kaufmann, comentando Radbruch:

"Si se lee con exactitud, se advierte que en él, "derecho correcto" o "derecho no incorrecto" (sic) no tienen una existencia presente, sino que sólo puede determinarse in concreto que es algo nunca completo, sino un constante devenir. La fórmula radbruchiana describe - de forma semejante al imperativo categórico kantiano - un proceso, por así decirlo, una caminata hacia la cima, para la cual hay puntos directrices, pero ninguna garantía. Radbruch siempre se refirió con mucho énfasis al peso de la decisión y de la responsabilidad".

A resistência ao positivismo utilizado pelo nazismo, também gerou efeitos:

"Após um período de desenvolvimento, principalmente no universo cultural alemão, marcado principalmente pelas obras de Hans Kelsen e o lançamento, em 1926, da Revista Internacional da Teoria do Direito (editada até 1938 por Léon Duguit, Hans Kelsen e François Weyr) a teoria geral do direito sofreu um forte declínio, nas décadas de 40 e 50 (em função principalmente da Segunda Guerra Mundial e da reação antipositivista que ela provocou)".

"Segundo alguns autores, inspirados na reação antipositivista da época, somente deveria ser buscada uma filosofia do direito de inspiração crítica, já que a teoria geral positivista só poderia conduzir à eutanásia da filosofia do direito".

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Talvez Kelsen, tão duramente criticado, teria apenas, bem-intencionadamente e em função do seu momento histórico, criado um direito independente das ideologias, que não fosse vinculável ao bem ou ao mal, especialmente ao mal, cremos. O problema é que isso resultou em um belo castelo inutilizável. pois não há, na produção humana, qualquer coisa que prescinda de razão e valoração. Pode ser que o brilhante jurista não tenha entendido que a valoração inexistisse, e sim apenas criado um reduto epistemológico onde ela não interferisse. Pode-se entender isso a partir do próprio texto de Kelsen, em Teoria Pura do Direito, onde ele deixa claro que a moral no Direito existe, porém não faz parte da Ciência Jurídica; e também expõe o risco de se reconhecer o direito estatal como legitimado aprioristicamente. Essa última dá a entender uma preocupação com ideologias enraizadas fora do Estado, ou seja, o Estado é a segurança e o que está fora dele pode ser despótico.

Consta em Teoria Pura do Direito:

"Assim como o caos das sensações só através do conhecimento ordenador da ciência se transforma em cosmos, isto é, em natureza como um sistema unitário, assim também a pluralidade das normas jurídicas gerais e individuais postas pelos órgãos jurídicos, isto é, o material dado à ciência do Direito, só através do conhecimento da ciência jurídica se transforma num sistema unitário isento de contradições, ou seja, numa ordem jurídica. Esta "produção", porém, tem um puro caráter teorético ou gnoseológico".

"A tese de que o Direito é, segundo sua própria essência, moral, isto é, de que somente uma ordem social moral é Direito, é rejeitada pela Teoria Pura do Direito, não apenas porque pressupõe uma Moral absoluta, mas ainda porque ela na sua efetiva aplicação pela jurisprudência dominante numa determinada comunidade jurídica, conduz a uma legitimação acrítica da ordem coercitiva estadual que constitui tal comunidade. [...] Como, porém, a nossa própria ordem coercitiva é Direito, ela tem de ser, de acordo com a dita tese, também moral. Uma tal legitimação do Direito positivo pode, apesar da sua insuficiência lógica, prestar politicamente bons serviços. Do ponto de vista da ciência jurídica ela é insustentável. Com efeito, a ciência jurídica não tem de legitimar o Direito, não tem por forma alguma de justificar - quer através de uma Moral absoluta, quer através de uma moral relativa - a ordem normativa que lhe compete - tão somente - conhecer e descrever".

Além disso, não nos esqueçamos de que a primeira edição da Teoria Pura do Direito foi publicada em 1934, no apogeu do poderio nazista, que se negou a cumprir a lei estatal, e a lei tornou-se a vontade do Führer. Aquele que, por ignorância, ler Kelsen fora do seu contexto histórico, atribuirá, inevitavelmente, ao grande jurista a pecha de ignorante.

O erro de Kelsen foi que, falando nos termos da psicologia jungiana, ao não prever um espaço para a valoração na consciência, ela transformou-se em sombra e devorou-o pelas costas.

Karl Larenz parece ter tido essa compreensão, como demonstra em Metodologia da Ciência do Direito:

"Nas últimas citações vê-se nitidamente o que preocupa, em última instância, KELSEN: impedir que se abuse da ciência do Direito, utilizando-a como capa de opiniões puramente pessoais e tendências ideológicas. Do ponto de vista do ethos científico, não se pode negar justificação a esta preocupação de Kelsen. É certo que, como poucas outras ciências, a ciência jurídica se encontra à mercê de tal abuso, necessitando, por isso, de uma contínua autoreflexão crítica como aquela para que em grande medida contribuiu a "teoria pura do Direito". Porém, quando Kelsen, para se manter longe de tais juízos de valor, declara que a ciência do Direito é incapaz de atingir, através da "interpretação" de uma norma, juízos "certos", "deita a criança fora com a água do banho".

"Sem dúvida que a decisão judicial constitui sempre um acto de vontade, enquanto se propõe conduzir a uma situação jurídica que seja inatacável pelas partes. Sem dúvida ainda que tanto a interpretação como a aplicação de uma norma a um caso concreto requerem mais do que uma dedução e uma subsunção logicamente não controvertíveis. Requerem, antes de tudo, actos de julgamento, que se fundam, entre outras coisas, na experiência social, na compreensão dos valores e em uma concepção correcta dos nexos significativos. Nos casos-limite o decisivo pode ser mesmo a concepção pessoal de quem julga. De todo o modo, trata-se aí, em larga medida, de processos de pensamento objectiváveis e comprováveis por outrem, não de simples actos, "actos de vontade", ou de simples "posições".

"Quando o intérprete, a partir da sua posição valorativa pessoal, recomenda uma das possíveis interpretações, não o deve fazer, como muitas vezes acontece, em nome da ciência. A ciência do Direito, que só se orienta pelo valor da verdade, deve distinguir-se rigorosamente da "política jurídica", que, como conformação intencional da ordem social, se dirige à realização de outros valores, especialmente da justiça".

O próprio Kelsen, no final de sua vida, volta atrás e admite os valores como componentes da ciência jurídica: Paulo Dourado Gusmão ilustra bem esse fato em sua obra O Pensamento Jurídico Contemporâneo.

"Por último, Kelsen, em seus escritos jurídicos publicados na Europa, excluiu da Teoria Pura do Direito os "juízos de valor". Mas, em trabalhos publicados nos Estados Unidos, modificou, profundamente, sua opinião, acolhendo esses juízos, admitindo, ainda, ser a paz um dos valores jurídicos. Além da justiça, como juízo de valor totalmente emocional, que não pode ser objeto da ciência do direito, acolheu Kelsen os "valores de direito", que se distinguem dos "valores de justiça". Os "valores de direito" são os acolhidos pelo direito positivo, em função dos quais julgamos uma conduta como lícita ou ilícita, enquanto os "valores de justiça", sendo totalmente emocionais, variam com os grupos, com as classes, com as épocas, julgando, em vez da conduta dos indivíduos, a própria norma. Os "valores de justiça são, no entender de Kelsen, subjetivos, não podendo ser objetos da Teoria Pura do Direito, enquanto os "valores de legalidade"ou "valores de direito" são objetivos, incorporados ao direito positivo, podendo ser investigados pela jurisprudência pura. Mas, Kelsen admitiu, ainda, a possibilidade de tratar a ciência pura do direito da justiça, quando, por exemplo, cogita da aplicação justa da norma. Aplica-se com justiça uma norma, segundo Kelsen, quando a aplicamos aos casos em que, "de acôrdo com o seu conteúdo, ela deveria ser aplicada". Nesta hipótese trata-se da "justiça de direito". "Êste - diz Kelsen - é o único sentido com o qual o conceito de justiça pode ter cabimento em uma ciência do direito". Organizando o direito a fôrça em benefício da pacífica relação entre os homens, tem êle por fim a paz. Mas - diz Kelsen - "se a paz é um valor, um fundamental valor social", é a paz, também, o valor fundamental do direito".

Wiacker tenta explicar o fracasso do positivismo:

"Na medida, porém, em que a produção legislativa de uma burocracia assoberbada pelas tarefas do dia-a-dia ou mesmo de uma ditadura, se desembaraçou da última consciência jurídica vinculativa, o direito positivo perdeu a sua credibilidade mesmo perante a consciência social. Conseqüentemente, novas fundamentações ideológicas da ordem jurídica procuravam constituir-se em substitutos para a justiça. Elas encontram-nos, nomeadamente, nos interesses ou nas necessidades, quer dos indivíduos, quer da sociedade ou comunidade, ou em outros objectivos extra-jurídicos. Então, após o fim das antigas metafísica e autoridades do direito, o direito passa a ser explicado causalmente como produto da vida social; compreendido, do ponto de vista finalista, como meio para as necessidades da vida, finalidades que se situam fora do direito e da justiça. Este naturalismo jurídico só manifestou totalmente a sua força explosiva quando se transformou em arma das lutas sociais e políticas do nosso século, proclamando como fim último do direito quer as aspirações e a segurança das classes vitoriosas, quer as aspirações e o domínio dos povos e das raças. Mas como um naturalismo não pode reconhecer qualquer concepção axiológica válida em geral, quer em virtude do seu agnosticismo axiológico, quer em virtude de exigência de rigor intelectual, a crise dos fundamentos do direito torna-se então também evidente mesmo onde catástrofes políticas não tinham conduzido a um aberto nihilismo jurídico. A tentativa de dominar esta crise, quer através de uma filosofia dos valores conservadora, quer através de uma ética racional humanista, quer através de uma reflexão teológica, quer, finalmente, através de uma filosofia radical da existência, não foram até hoje encerradas e terão até constituído remédios presumidos ou irreflectidos, pouco menos perigosos do que a enfermidade de que queriam ser cura".

É importante ressalvar que, quando aqui se fala em independência entre teorias sobre o Direito e o tempo, não se quer dizer, absolutamente, independência sobre a historicidade e os conteúdos do Direito, isto é, as normas. As normas jurídicas sempre se condicionam ao momento histórico, e isso, na opinião de alguns juristas, tornou-se uma percepção generalizada, a ponto de ser um dos entraves à aceitação do direito natural, cuja vigência seria atemporal. Deve ficar bem claro que a separação é entre ideologia e modelos teóricos, o que condiciona, e muito, a interpretação e aplicação das normas materiais.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Cristiane Szynwelski

professora em Brasília DF

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SZYNWELSKI, Cristiane. Teoria Geral do Direito e o fato jurídico processual.: Uma proposta preliminar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 224, 17 fev. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4837. Acesso em: 19 dez. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos