A edição da lei 9.317, de 05.12.1996 que instituiu o Sistema Integrado de Pagamentos de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – SIMPLES, criou nova técnica fiscal para simplificar o recolhimento de vários tributos em um único documento, desburocratizando procedimentos referente a obrigações acessórias, desonerando alguns tributos e reduzindo a carga tributária de outros, facilitando a vida das microempresas e empresas de pequeno porte, sem alterar a composição da relação jurídica tributária.
Ao par da nova lei estender os benefícios do SIMPLES a um universo considerável de empresas, privou algumas de participarem., enumerando-as no art. 9º, que lista quais as pessoas jurídicas proibidas de levarem a efeito a opção. [1]
A proibição legal da opção levou alguns a manifestarem-se pela inconstitucionalidade da vedação como Caroline Said Dias, para quem o artigo 150, II, da Constituição Federal é claro ao vedar à União, Estados e Municípios o tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, diante deste normativo constitucional, a maioria das vedações encontradas na Lei 9.317 são absolutamente inconstitucionais. Com base nestas vedações inconstitucionais é plenamente viável que os contribuintes que se sentirem violados em seus direitos recorram ao Poder Judiciário a fim de restabelecer a condição isonômica de tratamento, quando a única defesa oponível pelo Estado será a prova de que tais contribuintes não se encontram, realmente, em situação equivalente aos que podem livremente optar pelo SIMPLES. [2]
Há quem defenda também que em razão do art. 179 da CF acenar apenas a critérios quantitativos para a classificação da microempresa e da empresa de pequeno porte, não poderia a lei ordinária levar a efeito critério qualitativo para discriminar aquela que poderia ou não optar pelo novo sistema.
Já escrevi: O princípio da isonomia, também designado princípio da igualdade econômica, ou igualdade tributária, vem disciplinado no inciso II, do art. 150, da Constituição Federal, proibindo ao legislador, instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos. Vale dizer, aqueles que se encontrem nas mesmas condições devem receber igual tratamento, da mesma forma que os desiguais devem receber tratamento desigual, na medida de suas desigualdades. [3]Referido princípio, por sua vez, nada tem de incompatível com as normas isentivas, que são movidas pela conveniência política para a concretização de interesses econômicos e sociais, estimulando e beneficiando determinadas situações merecedoras de tratamento privilegiado. As isenções fiscais, ao contrário de macular a igualdade tributária implementa-a na prática, já que decorre da concretização da política fiscal e econômica do Estado, ancorado no interesse social. É ato discricionário que escapa ao controle do Poder Judiciário e envolve Juízo de conveniência e oportunidade do Poder Executivo. [4]
A respeito do princípio, Dino Jarach, alerta que a isonomia deve ser estudada em conjunto com a capacidade contributiva, não devendo esta ser entendida simplesmente como uma medida objetiva da riqueza dos contribuintes, mas com uma valorização política que implique instrumentar o tributo sobre a base dos valores que conformam o acervo ideológico do governo, atendendo os fins e os propósitos da política fiscal. Valdéz Costa ao tratar das finalidades extrafiscais do princípio da igualdade, além de apontar o objetivo de se alcançar a justiça social pela via da redistribuição das riquezas, lembra das finalidades econômicas da tributação, que criam desigualdades tributárias, mas não se incompatibilizam com o princípio da igualdade. Diz o mestre: En la concepción actual las relaciones del Estado con el idividuo y de la función que aquél debe cumprir para lograr el progreso y bienestar social, no se puede prescindir de estos apartamientos al igual de lo que ocurre en otros campos jurídicos, como el laboral y el de la vivienda, en los cuales se crean desdigualdades con las mismas finalidades. [5]
Como acentua Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho a exoneração de certos tributos e a redução da carga tributária em relação a outros, no caso, não se justificam apenas pelo aspecto fiscal da compatibilização do tributo com a capacidade econômica do sujeito passivo, mas vai mais além, pois tem sua primordial motivação em aspectos extrafiscais, visando a uma finalidade objetiva: provocar alterações sociais e na economia privada, com o fomento das microempresas e empresas de pequeno porte espinçadas pelo legislador.
Aliás, convém deixar ressaltado que o princípio da igualdade tributária não se identifica exclusivamente com o princípio da capacidade contributiva, de modo que o exame da constitucionalidade de preceptivo legal, quanto à observância ou não do princípio da vedação de discriminação arbitrária entre contribuintes, pode se dar em face de dois fundamentos: os motivos fiscais, onde aí importa a
capacidade econômica do sujeito passivo de pagar tributos, e os motivos extrafiscais, onde aí, a capacidade econômica do contribuinte pode ser desconsiderada, desde que seja garantida a não incidência da regra de tributação em relação a uma faixa mínima de renda indispensável para a vida humana digna ou capaz de viabilizar a atividade econômica, razoavelmente gerida, pois o que importa é o alcance de valiosos objetivos sócio-econômicos.
Esta é mais uma razão porque o preceptivo do §1º, do art. 145, da Constituição Federal, de 1988, dispõe que "sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade de econômica do contribuinte...".
Aliás, o Excelentíssimo Senhor Ministro Moreira Alves, com sua singular perspicácia, muito bem observou, em voto proferido no RE nº 153.771-MG, no leading case IPTU e progressividade, que "em se tratando de aplicação extrafiscal de imposto, não está em jogo a capacidade contributiva que só é levada em conta com relação a impostos pessoais com finalidade fiscal". [6]
Ricardo Lobo Torres ratifica o posicionamento, lecionando que a lei tributária pode discriminar, principalmente por motivos extrafiscais, entre grupos de empresas ou ramos de atividade econômica, sem que nisso haja vício de inconstitucionalidade, desde que a distinção seja razoável e se aplique a todos os indivíduos da mesma classe ou categoria. [7]Afinal, o legislador concede a isenção atento ao seu conteúdo de justiça ou a sua utilidade diante da conjuntura econômica do país, pelo que a providência perde o caráter de privilégio odioso ou iniqüidade. [8]
O Pretório Excelso indeferindo medida liminar na ADIN 1.643-1, já deixou assente que ainda que classificadas como microempresas ou empresas de pequeno porte porque a receita bruta anual não ultrapassa os limites fixados no art. 2º, incisos I e II, da Lei nº 9.317, de 5 de dezembro de 1996, não podem optar pelo "Sistema Simples" as pessoas jurídicas prestadoras de serviços que dependam de habilitação profissional legalmente exigida. [9]No mesmo sentido a manifestação do Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região que não apontando nenhuma mácula na exclusão de algumas categorias do regime do SIMPLES, decidiu: o art. 179 da Constituição Federal prevê tratamento diferenciado às microempresas e às empresas de pequeno porte "visando incentiva-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícia ou pela eliminação ou redução destes". Esse mesmo dispositivo constitucional remete ao legislador ordinário competência para definir o que seja microempresa e empresa de pequeno porte. Assim, nada impede que a lei disciplinadora da matéria exclua do benefício em questão algumas categorias, tais como aquelas especificadas na Lei 9.317, de 1996, mais especificamente em seu artigo 9º. [10]No mesmo diapasão o Egrégio Tribunal Regional Federal da 2ª Região: Ainda que classificadas como microempresas ou empresas de pequeno porte porque a receita bruta anual não ultrapassa os limites fixados no art. 2º, incisos I e II, da Lei nº 9.317, de 05 de dezembro de 1996, não podem optar pelo "Sistema Simples" as pessoas jurídicas prestadoras de serviços que dependam de habilitação profissional legalmente exigida. [11]
Apresenta-se manifesto, por outro lado, que vários dos incisos do art. 9º, da Lei 9.317/96, possuem natureza isentiva (art. 175, I, CTN) e como tal, insuscetível de ser concedida ou estendida pelo Poder Judiciário, àqueles contribuintes não contemplados pela lei existente. [12] Outorgada a isenção fundada em interesse público, a conveniência política que informa sua concessão não é matéria sujeita ao controle pelo Poder Judiciário. Afinal, mesmo sendo propiciado ao intérprete desvelar o real significado da norma, é vedado o reconhecimento da isenção salvo se estiver literalmente prevista (Art. 111, I, do CTN).
É sabido que os magistrados e Tribunais – que não dispõem de função legislativa – não podem conceder, ainda que sob o fundamento de isonomia, o benefício da exclusão do crédito tributário em favor daqueles a quem o legislador, com apoio em critérios impessoais, racionais e objetivos, não quis contemplar com a vantagem da isenção. Entendimento diverso, que reconhecesse aos magistrados essa anômala função jurídica, equivaleria, em última análise, a converter o Poder Judiciário em inadmissível legislador positivo, condição institucional esta que lhe recusou a própria Lei Fundamental do Estado. É de acentuar, neste ponto, que, em tema de controle de constitucionalidade de atos estatais, o Poder Judiciário só atua como legislador negativo. [13]Assim levando-se em conta que a discriminação por motivo extrafiscal de ramos da atividade econômica insere-se no âmbito da conveniência política e respeitado a razoabilidade da distinção, o caráter isentivo da norma, não suscetível de apreciação pelo Poder Judiciário, é utilizado exatamente para satisfazer o tratamento diferenciado determinado pelo art. 179 da Constituição Federal. [14]
Notas
01. ART.9 - Não poderá optar pelo SIMPLES, a pessoa jurídica:
I - na condição de microempresa, que tenha auferido, no ano-calendário imediatamente anterior, receita bruta superior a R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais);
II - na condição de empresa de pequeno porte, que tenha auferido, no ano-calendário imediatamente anterior, receita bruta superior a R$ 720.000,00 (setecentos e vinte mil reais);
III - constituída sob a forma de sociedade por ações;
IV - cuja atividade seja banco comercial, banco de investimentos, banco de desenvolvimento, caixa econômica, sociedade de crédito, financiamento e investimento, sociedade de crédito imobiliário, sociedade corretora de títulos, valores mobiliários e câmbio, distribuidora de títulos e valores mobiliários, empresa de arrendamento mercantil, cooperativa de crédito, empresas de seguros privados e de capitalização e entidade de previdência privada aberta;
V - que se dedique à compra e à venda, ao loteamento, à incorporação ou à construção de imóveis;
VI - que tenha sócio estrangeiro, residente no exterior;
VII - constituída sob qualquer forma, de cujo capital participe entidade da administração pública, direta ou indireta, federal, estadual ou municipal;
VIII - que seja filial, sucursal, agência ou representação, no país, de pessoa jurídica com sede no exterior;
IX - cujo titular ou sócio participe com mais de 10% (dez por cento) do capital de outra empresa, desde que a receita bruta global ultrapasse o limite de que trata o inciso II do ART.2;
X - de cujo capital participe, como sócio, outra pessoa jurídica;
XI - cuja receita decorrente da venda de bens importados seja superior a 50% (cinqüenta por cento) de sua receita bruta total;
XII - que realize operações relativas a:
a)importação de produtos estrangeiros;
b) locação ou administração de imóveis;
c) armazenamento e depósito de produtos de terceiros;
d) propaganda e publicidade, excluídos os veículos de comunicação;
e) "factoring";
f) prestação de serviço de vigilância, limpeza, conservação e locação de mão-de-obra;
XIII - que preste serviços profissionais de corretor, representante comercial, despachante, ator, empresário, diretor ou produtor de espetáculos, cantor, músico, dançarino, médico, dentista, enfermeiro, veterinário, engenheiro, arquiteto, físico, químico, economista, contador, auditor, consultor, estatístico, administrador, programador, analista de sistema, advogado, psicólogo, professor, jornalista, publicitário, fisicultor, ou assemelhados, e de qualquer outra profissão cujo exercício dependa de habilitação profissional legalmente exigida;
XIV - que participe do capital de outra pessoa jurídica, ressalvados os investimentos provenientes de incentivos fiscais efetuados antes da vigência da Lei n. 7.256, de 27 de novembro de 1984, quando se tratar de microempresa, ou antes da vigência desta Lei, quando se tratar de empresa de pequeno porte;
XV - que tenha débito inscrito em Dívida Ativa da União ou do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, cuja exigibilidade não esteja suspensa;
XVI - cujo titular, ou sócio que participe de seu capital com mais de 10% (dez por cento), esteja inscrito em Dívida Ativa da União ou do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, cuja exigibilidade não esteja suspensa;
XVII - que seja resultante de cisão ou qualquer outra forma de desmembramento da pessoa jurídica, salvo em relação aos eventos ocorridos antes da vigência desta Lei;
XVIII - cujo titular, ou sócio com participação em seu capital superior a 10% (dez por cento), adquira bens ou realize gastos em valor incompatível com os rendimentos por ele declarados.
§ 1 - Na hipótese de início de atividade no ano-calendário imediatamente anterior ao da opção, os valores a que se referem os incisos I e II serão, respectivamente, de R$ 10.000,00 (dez mil reais) e R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) multiplicados pelo número de meses de funcionamento naquele período, desconsideradas as frações de meses.
§ 2 - O disposto nos incisos IX e XIV não se aplica à participação em centrais de compras, bolsas de subcontratação, consórcio de exportação e associações assemelhadas, sociedades de interesse econômico, sociedades de garantia solidária e outros tipos de sociedades, que tenham como objetivo social a defesa exclusiva dos interesses econômicos das microempresas e empresas de pequeno porte, desde que estas não exerçam as atividades referidas no inciso XII.
§ 3 - O disposto no inciso XI e na alínea "a" do inciso XII não se aplica à pessoa jurídica situada exclusivamente em área da Zona Franca de Manaus e da Amazônia Ocidental, a que se referem os Decretos-leis ns. 288, de 28 de fevereiro de 1967, e 356, de 15 de agosto de 1968.
§ 4 - Compreende-se na atividade de construção de imóveis, de que trata o inciso V deste artigo, a execução de obra de construção civil, própria ou de terceiros, como a construção, demolição, reforma, ampliação de edificação ou outras benfeitorias agregadas ao solo ou subsolo.
* § 4 com redação dada pela Lei n. 9.528, de 10/12/1997 (DOU de 11/12/1997, em vigor desde a publicação).
02. Revista Dialética de Direito Tributário, nº 25, março de 2000, São Paulo: Oliveira e Rocha – Comércio e Serviços Ltda, p. 23/24.
03. Célio Armando Janczeski. Das Taxas – Aspectos Jurídicos e Caracterização, Curitiba: Juruá, 2000, p. 88.
04. Neste sentido decisão da 2ª Turma do STF, no julgamento do RE 202.981-5-SP, Rel. Sr. Min. Maurício Correa, in RT 735, Janeiro de 1997, RT-SP, p. 206.
05. Ramón Valdés Costa, in Instituciones de Derecho Tributario, Ed. Depalma, Buenos Aires, 1992, p. 387.
06. Repertório IOB de Jurisprudência, 2ª quinzena de novembro de 1997, nº 22/97, caderno 1, p. 545/546.
07. Os direitos Humanos e a Tributação, Rio de Janeiro: Renovar, 1995, p. 382.
08. Idem nº 8, p. 401.
09. Revista Dialética de Direito Tributário, nº 30, março de 1998, São Paulo: Oliveira e Rocha – Comércio e Serviços Ltda, p. 222/223.
10. Apelação em Mandado de Segurança nº 1998.04.01.087221-0/RS, Rel. Juiz Vilson Darós, 2ª Turma, TRF 4ª Região, DJU 2 de 23.2.2000, p. 599, in Revista Dialética de Direito Tributário, nº 56, maio de 2000, São Paulo: Oliveira e Rocha – Comércio e Serviços Ltda, p. 221.
11. AI nº 99.02.09068-0/RJ, Rel. Des. Chalu Barbosa, DJU 2 de 8.8.2000, p. 82, in Revista Dialética de Direito Tributário, nº 61, outubro de 2000, São Paulo: Oliveira e Rocha – Comércio e Serviços Ltda, p. 239.
12. SIMPLES – ISENÇÃO – PRINCÍPIO DA ISONOMIA
Tributário. Lei nº 9.317/96, art. 9º. Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições de Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – Simples. Caso em que a empresa agravante está impedida de optar pelo Simples por força do art. 9º da Lei nº 9.317/96. Alegações de inconstitucionalidade do dispositivo por desrespeito ao princípio da isonomia. Tese insustentável. O Poder Judiciário só atua como legislador negativo, deixando de aplicar a norma declarada ilegal ou inconstitucional, sendo-lhe vedado conferir isenção não prevista em lei ou estender o benefício àqueles contribuintes não contemplados pela lei existente. A isenção tributária revela conveniência política, insuscetível, neste aspecto, de controle do Poder Judiciário, na concretização de interesses econômicos e sociais, estimulando e beneficiando determinadas situações merecedoras de tratamento privilegiado. Além disso, a extensão do benefício fiscal a situações não abrangidas pela norma, criando direito estranho à previsão legal e atribuindo à norma supostamente inconstitucional vigor maior, desrespeita a exegese do art. 111, inciso II, do CTN. AI nº 97.04.42289-0/RS, Rel. Juíza Tânia Escobar, 2ª Turma, TRF 4ª Região, DJU 2 de 3.12.97, p. 104986, in Revista Dialética de Direito Tributário, nº 29, fevereiro de 1998, São Paulo: Oliveira e Rocha – Comércio e Serviços Ltda, p. 208.
13. RTJ 146/461, RE 178.932-8-SP, STF 1ª T, un., Rel. Min. Celso de Mello, DJU 7.4.95, p. 8892.
14. Neste sentido acórdão da 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região na AMS nº 1998.04.01.090145-3-RS, rel. Juiz Fábio Bittencourt da Rosa, DJU.