Muito se alude sobre o impossibilidade de contratação com a Administração Pública em decorrência do particular estar inscrito no Cadastro Informativo de créditos não quitadas, o intitulado Cadin. Isto ocorre ora devido a omissão da legislação, ora por haver legislação distinta conforme o ente federativo e por abrir margens para interpretações distintas, no qual pretendemos aqui contribuir para algumas conclusões.
A figura do Cadin (federal) é disciplina pela Lei 10522/2002 definindo como um banco de dados que contém nomes de pessoas físicas ou jurídicas que possuem débitos com a receita federal, conforme segue:
Art. 2º O Cadin conterá relação das pessoas físicas e jurídicas que:
I – sejam responsáveis por obrigações pecuniárias vencidas e não pagas, para com órgãos e entidades da Administração Pública Federal, direta e indireta; (Grifo e negrito nosso)
II – estejam com a inscrição nos cadastros indicados, do Ministério da Fazenda, em uma das seguintes situações:
a) cancelada no Cadastro de Pessoas Físicas – CPF;
b) declarada inapta perante o Cadastro Geral de Contribuintes – CGC.
Abro parênteses para frisar que existe a figura do Cadin nos estados e nos municípios. Fecho parênteses.
Adiante, a Lei estabelece como condição obrigatória para os órgãos e entidades públicas a prévia consulta ao Cadin como condição para a celebração de contratos oriundos das licitações públicas, vejamos:
Art. 6º É obrigatória a consulta prévia ao Cadin, pelos órgãos e entidades da Administração Pública Federal, direta e indireta, para:
I – realização de operações de crédito que envolvam a utilização de recursos públicos;
II – concessão de incentivos fiscais e financeiros;
III – celebração de convênios, acordos, ajustes ou contratos que envolvam desembolso, a qualquer título, de recursos públicos, e respectivos aditamentos. (Grifo e negrito nosso)
Note-se que com esta determinação a Lei criou uma nova regra na celebração dos contratos, a de consultar o Cadin, porém não regrou que caso esteja inscrito será impedido de assinar o contrato. A Lei ora em comento apenas alude a consulta no Cadin.
Destarte, não há o que falar em impedimento em contratar com a Administração Pública Federal.
Observe posicionamento da Corte de Contas da União neste sentido:
Celebração de contrato com empresa inscrita no Cadastro Informativo de Créditos Não Quitados do Setor Público Federal (Cadin)
Ao apreciar a prestação de contas da Refinaria Alberto Pasqualini S.A. – Refap, relativa ao exercício de 2003, a Segunda Câmara, por intermédio do Acórdão n.º 5.502/2008, julgou regulares com ressalva as contas dos responsáveis e expediu determinações à entidade (item 1.7), dentre elas: “1.7.3. não contrate com qualquer empresa de um grupo em que haja ente inscrito no Cadin (Cadastro Informativo de Créditos Não Quitados do Setor Público Federal), mesmo na qualidade de consórcio, nos termos do art. 6º, inciso III, da Lei 10.522/2002;”. Contra a aludida determinação, a Refap interpôs recurso de reconsideração, alegando “não existir qualquer norma que impeça que o grupo Petrobras, no qual está incluída a REFAP, contrate empresas inscritas no CADIN”. Além disso, “não vislumbra o caráter determinante quanto ao destino da contratação no art. 6º, inciso III da Lei n.º 10.522/2002, pois o texto legal exige a consulta, mas não estabelece o impedimento de contratação com empresas inscritas naquele cadastro. Verifica que se trata de norma restritiva e que, por esta razão, não pode ser interpretada de forma ampliativa.”. Em seu voto, o relator destacou que o art. 6º, III, da Lei n.º 10.522/2002, “não veta, de modo absoluto, a celebração de contratos com empresa inscrita no Cadin, vez que o citado artigo de lei prescreve apenas quanto à consulta prévia ao Cadin”. Dessa forma, não há vedação legal para a contratação de empresas inscritas no Cadin. Permanece em vigor a obrigatoriedade de consulta prévia ao cadastro, pelos órgãos e entidades da Administração Pública Federal, direta e indireta, para a celebração de contratos que envolvam o desembolso de recursos públicos. Trata-se de medida de pouca efetividade prática, uma vez que a inscrição ou não no Cadin não trará qualquer conseqüência em relação às contratações a serem realizadas.”. Acolhendo o voto do relator, deliberou o Colegiado no sentido de dar provimento parcial ao recurso para tornar insubsistente o subitem 1.7.3 do Acórdão n.º 5502/2008-2.ª Câmara. Acórdão n.º 6246/2010-2ª Câmara, TC-009.487/2004-8, rel. Min. Raimundo Carreiro, 26.10.2010.
Este entendimento é de grande relevância uma vez que compete exclusivamente à união legislar sobre as normas gerais de licitação – inciso XXVII, artigo 22 da CF – e o alcance das Decisões do TCU está expresso na Súmula nº 222:
Súmula nº 222
As Decisões do Tribunal de Contas da União, relativas à aplicação de normas gerais de licitação, sobre as quais cabe privativamente à União legislar, devem ser acatadas pelos administradores dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Não obstante, como mencionado inicialmente há legislação específica para os Estados e Municípios e muitos deles estabelecem de forma taxativa o impedimento de contratar com a Administração caso esteja inscrito no cadastro do Cadin Estadual, vejamos alguns exemplos:
Lei 12.799/2008 – Estado de São Paulo
Art. 6º, § 1º – A existência de registro no CADIN ESTADUAL constituirá impedimento à realização dos atos a que se referem os incisos I a IV deste artigo.
Lei 14.094/2005 – Município de São Paulo
Art. 3º A existência de registro no Cadin Municipal impede os órgãos e entidades da Administração Municipal de realizarem os seguintes atos, com relação às pessoas físicas e jurídicas a que se refere:
Lei 8.421/2013 – Município de Salvador
Art. 34. A existência de registro no Cadin Municipal impede os órgãos e entidades da Administração Municipal de realizarem os seguintes atos, com relação às pessoas físicas e jurídicas a que se refere:
Nos casos supramencionados a legislação é taxativa quanto ao impedimento de contratar na existência de registro no Cadin, ou seja, se o licitantes consagrar-se vencedor de uma licitação e possui registro no Cadin não poderá celebrar o contrato.
A nosso ver, o abstém do licitante vencedor em celebrar o contrato por figurar no Cadin é totalmente despropositado e contraditório caracterizando uma ampliação das exigências habilitatórias afrontando a Lei de Licitações que limita ao rol fixado nos artigos 27 e 31.
Acerca do assunto, observe o que diz o jurista Marçal Justen Filho:
“O elenco dos arts. 28 a 31 deve ser reputado como máximo e não mínimo. Ou seja, não há imposição legislativa a que a Administração, a cada licitação, exija comprovação integral quanto a cada um dos itens contemplados nos referidos dispositivos. O edital não poderá exigir o mais do que ali previsto. Mas poderá demandar menos.” (in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 11º Ed, São Paulo: Dialética, 2005, p. 306). (Grifo e negrito nosso)
O TCU determinou: “(…) abstenha-se de estabelecer (…) para efeito de habilitação dos interessados, exigências que excedam os limites fixados nos arts. 27 a 33 da Lei nº 8.666/93” (Processo nº TC-002.145/2003-1. Acórdão nº 808/2003 – Plenário)
Frisa-se que o Cadin versa sobre obrigações pecuniárias que pode ser desde uma taxa de lixo até um IPVA de carro ou multa de transito. Isto é, cria-se uma vasta expansão da regularidade fiscal do licitante.
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região, através da Rel. Des. Selene Maria de Almeida posicionou-se neste sentido:
Ementa: ADMINISTRATIVO. PARTICIPAÇÃO DE EMPRESAS EM LICITAÇÃO. EXIGÊNCIA DE REGULAR SITUAÇÃO JUNTO AO CADIN. DESNECESSIDADE. INEXISTÊNCIA DE DÉBITOS PARA COM O SISTEMA DE SEGURIDADE SOCIAL. PRECEDENTES
2. Esta Corte posiciona-se no sentido de que a existência de registro no CADIN não impede a empresa de participar de licitação, salvo se a inscrição decorrer de débito para com o sistema de seguridade social ( § 3º do art. 195 da Constituição Federal ): 3. Remessa oficial não provida. (Grifo e negrito nosso) (TRF – REO 5079 GO 0005079-46.2006.4.01.3504)
Novamente, com sapiência, o jurista Marçal Justen Filho lecionou:
“A ampliação desmedida das exigências de regularidade como requisito de contratação infringe os princípios da proporcionalidade e da República, acarretando a redução da competitividade, além de caracterizar claro desvio de finalidade. Se a própria Constituição determinou que os requisitos atinentes à habilitação seriam os mínimos necessários à garantia dos fins buscados pelo Estado, afigura-se que a disciplina da Lei n° 10.522 é inconstitucional. As vedações referidas infringem o princípio da proporcionalidade e produzem um efeito de desvio de finalidade, tudo incompatível com o art. 37, inc. XXI, da CF/88.
Observe-se que a constitucionalidade do CADIN foi objeto de avaliação do Poder Judiciário, mesmo antes da edição da Lei nº 10.522. Ao que parece, no entanto, o tema não foi objeto de exame sob o prisma ora apontado.
De qualquer modo, o tema exige interpretação conforme, apta a eliminar os defeitos.”
(in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 14º Ed, São Paulo: Dialética, 2010, p. 426)
Isto posto, conclui-se que de fato há entes federativos que regraram o registro do Cadin como um impedimento para contratar com a Administração Pública. Contudo, tais legislações afrontam a Lei de Licitações e deverão ser interpretadas de modo a eliminar tais vícios, como muito bem ensinou o saudoso Marçal Justen Filho. Logo, o impedimento só poderia existir caso o registro no Cadin seja em decorrência de alguma restrição com os documentos de regularidade fiscal exigidos no artigo 29 da Lei 8666/93.