É possível saber o futuro do processo penal brasileiro?

03/05/2016 às 14:46
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A questão que envolve o processo penal ganha contornos dramáticos quando se constata que o mesmo instrumento, quando analisado por pessoas com opiniões totalmente opostas, da forma como está não serve para nenhuma delas.

O processo penal brasileiro vive uma crise sem precedentes, pegando carona na turbulência política, econômica e social que vive o país.

Mas a crise do processo não é de hoje, não é nova e, tampouco, se apresenta próxima de seu ápice e, muito menos, de seu fim.

Portanto, a mudança parece ser um consenso, entretanto, os rumos a serem adotados são totalmente opostos.

De um lado, clama-se por reforma pela necessidade de adequação do texto legal às diretrizes constitucionais, denunciando as mazelas autoritárias do sistema processual penal, validados pela legislação vigente.

Em paralelo a isto, se denuncia a fragilidade da legislação penal e processual penal, clamando por maior rigor punitivo, em um verdadeiro endurecimento da legislação processual penal, objetivando dar fim à impunidade que assola o país.

Com isto, podemos ter noção do tamanho do problema e da caótica situação do processo penal, pois as críticas vêm de todos os lados e por razões opostas, tornando incerto e nebuloso o futuro da nossa legislação processual penal.

Partindo da ideia de que a reforma é uma medida necessária, devemos avaliar que espécie de reforma poderia ser trazida? Quais as bases que sustentariam a mudança em nossa legislação processual penal?

É sabido que a legislação vigente data de 1941, num contexto político, social e econômico totalmente diferente. De lá para cá, muitas as reformas foram produzidas, mas nenhuma ocupou-se de ir a fundo e alterar a estrutura da nossa legislação, não passaram de reformas pontuais, que tornaram o nosso Código de Processo Penal uma verdadeira colcha de retalhos, como denunciam COUTINHO e LOPES JR.

Para que tenhamos a dimensão do problema, precisamos analisar a exposição de motivos de nosso atual Código de Processo Penal, leitura obrigatória para qualquer estudante das ciências criminais, para que possamos saber, ao certo, com o que estamos lidando e o quão árdua é a tarefa de se buscar mudanças.

Era nítida a ideia de estabelecimento da ordem social, através do aumento do poder Estatal, ainda que em detrimento das garantias individuais, primando pela abolição da injustificável primazia do interesse do indivíduo sobre o da tutela social. E, ainda, acrescentando que, não se pode continuar a contemporizar com pseudodireitos individuais em prejuízo do bem comum (Exposição de Motivos do Código de Processo Penal Brasileiro).

Muitas são as passagens que evidenciam as aspirações autoritárias de nosso atual Código de Processo Penal, onde a lei deveria assumir um papel de repressão ao crime e o sistema se voltar ao combate da criminalidade, onde as nulidades foram concebidas como um meandro téc­nico por onde se escoa a substância do processo e se perdem o tempo e a gravidade da justiça (Exposição de Motivos do Código de Processo Penal Brasileiro).

A legislação processual penal se deu com mais de quatro décadas de antecedência à nossa atual ordem constitucional, o que, por razões óbvias e incontroversas, justificam a total inconformidade dos textos. O que é de difícil compreensão, é que passados mais de vinte e cinco anos do advento de nossa Constituição, continuemos com o mesmo Código de Processo Penal.

Isto, por si só, já é preocupante, mas o que causa ainda mais espanto, é perceber que hoje em dia, uma reforma que fosse de acordo com os anseios da maioria da população e coerente com as bandeiras defendidas por grande número de nossos representantes parlamentares, certamente estaríamos muito mais próximos dos ideias de 1941 do que das de 1988.

O retrocesso que se projeta é uma realidade para aqueles que labutam na área criminal e que ainda acreditam no dia em que a Cosntituição Federal será lida, respeitada e cumprida em nossos Tribunais.

A defesa dos direitos está para além da defesa de um único indivíduo, ela apenas se materializa neste exercício, mas situa-se num plano muito superior e lida com toda uma estruturação democrática de nosso Estado Constitucional de Direito.

Estamos em 2016 e percebemos que de 1988 para cá, como refere Alexandre Morais da ROSA (2013, p. 80):

“Leu-se a Constituição pelo Código Penal e Processual Penal, quando, na verdade, deveria ser justamente o contrário. Apegados à legalidade mal-entendida, ou seja, a um legalismo pedestre, estes campos do Direito não fizeram a devida oxigenação constitucional”.

O engavetamento da proposta de reforma do Código de Processo Penal, trazida com o PLS 156/2009, se deve muito aantipatia política da ideia de trazer um Código em conformidade com a Cosntituição e que não escondeu o seu propósito de amoldar a nossa legislação aos ideias do sistema acusatório.

Não está fácil defender direitos e garantias em tempos de maniqueísmos rasteiros, em tempos de hipócritas discursos de tolerância zero, em tempos de deleites autoritários celebrados por aqueles que não escondem o gozo com a violência estatal e com o direcionamento específico e covarde do poder punitivo.

Por isto, tememos que as reformas prometidas nunca venham e que as reformas vindouras representem um retrocesso e um novo triunfar da lei sobre a Constituição.

Não conseguimos em quase três décadas de ordem constitucional mudar a nossa cultura, romper com as crenças autoritárias e livrar-nos dos grilhões inquisitoriais que ainda segregam um elevadíssimo número de juristas em tempos não condizentes com o contexto democrático que vivemos.

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Devemos lutar com ainda mais força pelas reformas que a Constituição nos prometeu, sem olvidar-nos de que nada está ruim que não possa piorar e que não aceitaremos, de forma alguma, maiores retrocessos em nossa legislação processual penal.

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Lopes Cavalcanti

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