RESUMO: Trata o presente artigo de dúvida antiga na doutrina e jurisprudência sobre qual seria o mecanismo processual hábil à concessão de efeito suspensivo aos recursos não dotados do mesmo, tais como agravo de instrumento, apelação, recurso especial e extraordinário: mandado de segurança ou ação cautelar inominada. Traremos de forma sucinta nosso pensamento sobre o tema, destacando os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais recentes.
1.INTRODUÇÃO:
Para adentrarmos em nosso tema principal, qual seja, os mecanismos existentes para a concessão de efeito suspensivo aos recursos, mister teçamos alguns comentários acerca dos efeitos dos recursos, em especial, o efeito suspensivo. Dentro desse tópico nos interessa versar sobre a necessidade para se atribuir o dito efeito suspensivo para se evitar dano irreparável a direito das partes.
Na segunda parte de nosso artigo trataremos do tema principal, expondo ao final nossa opinião.
2.DOS EFEITOS DOS RECURSOS - DA NECESSIDADE DO EFEITO SUSPENSIVO:
A interposição de um recurso gera diversas conseqüências processuais, dentre as quais citamos: a revisão dos julgados, a obstrução da formação de coisa julgada, dentre outros.
Essas conseqüências processuais, na lição de FLÁVIO CHEIM JORGE [1], recebem a denominação de efeitos processuais. Dentre os efeitos processuais, nos interessam aqueles citados anteriormente, atinentes ao plano recursal. Por estarem neste plano da relação jurídica recebem a denominação efeitos recursais ou efeitos dos recursos.
No que tange ao efeito suspensivo, mostra-se esse importantíssimo para a salvaguarda de direitos das partes, em especial naqueles casos em que há risco de dano irreparável ou de difícil reparação, em que a ordem emanada pelo Poder Judiciário necessita ser suspensa até a decisão final do recurso interposto contra a sentença recorrida. Tal efeito é previsto em relação ao recurso de apelação nos art. 520, 558, parágrafo único, de modo reflexo no poder geral de cautela, consubstanciado no art. 798, todos do CPC e no recurso de agravo de instrumento no art. 558 do CPC.
Segundo NELSON NERY JUNIOR [2] o efeito suspensivo: "Consiste em qualidade que adia a produção de efeitos da decisão, assim que impugnável, perdurando até que transite em julgado a decisão ou o próprio recurso dela interposto".
Por vezes, busca-se através de outros mecanismos processuais a proteção ao direito das partes, pois a demora na prestação jurisdicional pode vir a violar interesses dos litigantes. Por vezes a concessão do efeito suspensivo à apelação, que pode ser requerida através de simples petição junto ao relator do recurso, não é capaz de proteger e evitar a deterioração do direito da partes, simplesmente porque um recurso de apelação pode levar meses ou até anos para ser distribuído. Nestes casos, deve a parte buscar mecanismos que possam impedir a deterioração de direitos criados pela sentença recorrida.
Dois dos expedientes utilizados pelos advogados são o mandado de segurança e a medida cautelar inominada, ambos com pedido liminar de suspensão dos efeitos da decisão recorrida. Estaremos analisando, e este é o ponto nevrálgico do trabalho, a possibilidade de utilização daqueles meios processuais, e se os mesmos são idôneos a produzir os efeitos almejados, quais sejam, aqueles aptos a proteger o direito das partes litigantes.
2.1.DOS MECANISMOS PARA SE ATRIBUIR O REFERIDO EFEITO:
Conforme dissemos alhures, não obstante poder o juiz ou o relator atribuir efeito suspensivo aos recursos, tal permissivo não se mostra capaz de obstar que o direito de uma das partes sofra um dano irreparável ou de difícil reparação em virtude da execução provisória da sentença recorrida ou de uma decisão interloutória. Imaginemos o seguinte exemplo: da sentença que confirma os efeitos da antecipação de tutela, conforme art. 520, VII, cabe apelação recebida apenas em seu efeito devolutivo. Constata-se que o mandamento legal externado na sentença trará um dano irreparável ou de difícil reparação para o recorrente. Este poderá apelar e mediante simples petição ao relator, com o permissivo do art. 558, p.u. do CPC, requerer seja a mesma recebida também no efeito suspensivo. Porém, entre a protocolização da apelação e sua distribuição passa-se um ano (não se trata de exemplo absurdo, pois é cediço que no Estado de São Paulo as apelações demoram em média três anos para serem distribuídas), não podendo a parte, em virtude dessa demora, requerer o efeito suspensivo ao relator. O que fazer neste caso?
Para resguardar o direito da parte recorrente, deve-se lançar mão de outros expedientes processuais, que analisaremos a seguir: medida cautelar inominada ou mandado de segurança.
2.1.1.MEDIDA CAUTELAR INOMINADA:
Antes de versarmos sobre a medida cautelar inominada, mister falarmos sobre a essência do processo cautelar e seu desiderato. Este último pode ser auferido analisando-se a origem etimológica do termo "cautelar", que se relaciona com acautelamento, que se consubstancia, nas palavras de FLÁVIO CHEIM JORGE [3], "na criação de situação fático-jurídica para que esse direito (o direito material discutido em juízo) possa ser resolvido no processo principal. Resguarda-se-á, pois, o resultado útil o recurso interposto".
Desde já podemos perceber a grande relação entre a atribuição de efeito suspensivo aos recursos e o processo cautelar, por conterem ambos, em sua essência, a busca pela proteção do direito invocado, de forma a que o processo principal posso, ao final, incidir sobre aquele direito tutelado e salvaguardado pelo processo cautelar.
A atribuição de efeito suspensivo aos recursos tem por intuito evitar que os efeitos que deveriam ser produzidos pela sentença, e que por algum motivo seriam danosos ao direito do recorrente, sejam obstados até a prolação de decisão do recurso interposto a que se atribui o referido efeito.
A medida cautelar inominada mostra-se como expediente correto a ser utilizado para se imprimir efeito suspensivo à recurso desprovido do mesmo, por razões várias que serão a seguir arroladas.
A medida cautelar, na hipótese acima aventada, é utilizada de acordo com as características inerentes ao processo cautelar, ou seja, é utilizada de forma instrumental, acessória, autônoma e provisória. Não há que se falar na deturpação do procedimento cautelar, o que veremos ocorre como o mandado de segurança quando utilizado erroneamente para o mesmo fim.
A interposição da medida cautelar inominada não gerará qualquer análise no mérito do recurso. A sua análise será superficial e deverá cingir-se apenas aos pressupostos do processo cautelar, que na lição de OVÍDIO A. BAPTISTA DA SILVA [4] seriam a iminência de dano irreparável (periculum in mora) e o direto provável a ser protegido pela tutela cautelar (fumus boni iuris).
Esse posicionamento já resta sedimentado nos Tribunais Superiores, já existindo previsão expressa nos Regimentos Internos do STF e STJ sobre a utilização da medica cautelar inominada. A redação dada ao parágrafo único do art. 800 do CPC pela lei nº 8.952/94 ajudou a formar este consentimento, pois versa que "interposto o recurso, a medida cautelar será requerida diretamente no tribunal".
Porém, há pequenas diferenças entre a admissibilidade das medidas cautelar entre o STF e o STJ. O primeiro entende ser possível a interposição da medida cautelart somente quando admitido o recurso extraordinário, pois a contrario sensu, estaria o Pretório Excelso retirando da Presidência do Tribunal de Justiça a promoção do juízo de admissibilidade do recurso extraordinário. Já o Superior Tribunal de Justiça, em hipóteses excepcionais, em que há grande receio de dano irreparável, admite a interposição da medida cautelar antes de admitido o recurso especial. Aceita mesmo a interposição daquela medida antes mesmo da publicação do acórdão que será alvo do recurso especial.
Corroborando nosso entendimento, temos as palavras de JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE [5]: "Também o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça têm admitido ação cautelar para conferir efeito suspensivo a recurso especial ou extraordinário".
Por todo o exposto, podemos concluir que a medida cautelar inominada mostra-se cabível para se buscar a atribuição de efeito suspensivo a recurso, de forma a garantir e proteger o direito objeto da demanda até a decisão final do recurso interposto.
2.1.2.MANDADO DE SEGURANÇA:
È de sabença acadêmica que o instituto do mandado de segurança, regulado pela lei nº 1533/51, é de utilização corrente no expediente forense, tendo por objeto proteger os jurisdicionados de ameaça ou lesão à direito liquido e certo, praticado pelo Poder Público ou quem lhe faça as vezes. Entende-se direito líquido e certo, conforme leciona CASSIO SCARPINELLA BUENO [6], não como o mérito do mandado de segurança, que é a lide travada entre o impetrante e a autoridade coatora, e sim, como uma condição da ação do mandamus. Pode-se entender o direito líquido e certo como objeto da ação de mandado de segurança ou como condição da ação desta, o que para o nosso estudo não faz diferença, pois desde logo afirmamos não ser o mandado de segurança a medida judicial correta para a concessão de efeito suspensivo à apelação.
Nosso pensamento assenta-se sobre vários aspectos. O principal deles relaciona-se exatamente com o direito líquido e certo. Entendemos que não há ofensa à direito líquido e certo do impetrante se a apelação é recebida apenas em seu efeito devolutivo, mesmo porque tais hipóteses são ope legis. Mesmo nos casos do parágrafo único do art. 558 do CPC, em que o relator poderá conceder, a requerimento da parte, o efeito suspensivo. Resta claro que não há ofensa a direito líquido e certo do recorrente, já que a atuação do Magistrado mostra-se de acordo com a lei.
De forma bastante clara, FLÁVIO CHEIM JORGE [7] demonstra a impossibilidade de impetração do mandado de segurança nas hipóteses aventada, em virtude da não existência de violação à direito líquido e certo do recorrente. Ademais, leciona que: "já o segundo fundamento decorre, exatamente, do fato de o recorrente não possuir direito líquido e certo a que ao seu recurso seja atribuído o efeito suspensivo. De fato, quem tem direito líquido e certo, à produção d efeitos da decisão atacada é a parte recorrida, portanto, contrária ao impetrante".
Ademais, percebe-se que o mandado de segurança, quando utilizado para imprimir efeito suspensivo à recurso que não o possui, é utilizado de forma acessória e instrumental, pois possui por finalidade fazer com que o recurso interposto seja útil quando de seu julgamento. Tais características não são afeitas ao instituto do mandamus, que visa, quando impetrado contra ato judicial, à extirpação do mesmo do mundo jurídico, por trazer em seu bojo ilegalidade que fere direito líquido e certo da parte.
Por fim, voltando ao nosso debate acerca da natureza jurídica do direito líquido e certo, se objeto ou condição da ação, enfatizamos que se o mesmo for considerado objeto, deverá o mandamus ser julgado improcedente, pois não haver ilegalidade praticada; se considerarmos como condição da ação, estaremos diante de hipótese de carência de ação, culminando com a extinção sem julgamento do mérito, conforme preceitua o art. 267, VI do CPC.
Em síntese, não é correta a utilização da ação de mandado de segurança para imprimir efeito suspensivo ao recurso por não haver qualquer ferimento à direito líquido e certo do impetrante, e sim, a atuação do Magistrado de acordo com a lei.
3.CONCLUSÕES:
Tendo em visto toda a fundamentação acima exposada, podemos concluir que o expediente processual hábil a conferir efeito suspensivo à recurso que não o tenha é a medida cautelar inominada, por trazer em seu bojo a proteção jurídica ao direito da parte recorrente, ínsita ao processo cautelar.
Não obstante sermos favoráveis à utilização da ação de mandado de segurança contra ato judicial, quando violar de lei, devemos observar que a busca pelo efeito suspensivo não deve ser dar através daquele, pois não vislumbramos o interesse de agir do impetrante, que somente surgirá quando houver ferimento à direito líquido e certo do mesmo.
A utilização da medida cautelar inominada tende a ser cada vez mais necessária, em virtude da demora excessiva nos julgamentos nos Tribunais Superiores e mesmo nos Tribunais Estaduais.
O assunto tratado neste breve artigo mostra-se extremamente importante, pois considera-se o tempo como grande vilão do processo, devendo-se evitar o perecimento de direitos e o desperdício da jurisdição pelo decurso exagerado do tempo.
NOTAS
01. JORGE, Flávio Cheim. Teoria Geral dos Recursos Cíveis. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p.246
02. NERY JÚNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.965.
03. JORGE, Flávio Cheim. Teoria Geral dos Recursos Cíveis. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p.308-309.
04. SILVA, Ovídio A. Baptista da. Do Processo Cautelar. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense,1999.p.73-74.
05. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e Processo: influência do direito material sobre o processo. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 134.
06. BUENO, Cássio Scarpinella. Mandado de Segurança. São Paulo: Saraiva, 2002. p.13-14
07. JORGE, Flávio Cheim. Teoria Geral dos Recursos Cíveis. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 315.
REFERÊNCIAS:
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e Processo: influência do direito material sobre o processo. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
BUENO, Cássio Scarpinella. Mandado de Segurança. São Paulo: Saraiva, 2002.
JORGE, Flávio Cheim. Teoria Geral dos Recursos Cíveis. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
NERY JÚNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
LIMA, Alcides de Mendonça. Introdução aos Recursos Cíveis. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976.
SILVA, Ovídio A. Baptista da. Do Processo Cautelar. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.