6. Uma rigorosa fiscalização orçamentária e suas possíveis conseqüências...
É cientificamente comprovado que só a vigilância diminui a corrupção, neste sentido se posicionam algumas das conclusões dos estudos do Professor de Economia da Universidade de Chicago, Steven Levitt, que recentemente foi agraciado com a medalha Clark, honraria que é considerada uma indicação de que seu ganhador pode estar a caminho do Prêmio Nobel. [19]
Levitt se destaca no estudo da chamada "economia empírica", ou seja, economistas empíricos são aqueles que pouco se interessam por taxas de juros, cotação das moedas ou dívida pública. Eles preferem analisar fenômenos do cotidiano, e.g, corrupção, criminalidade, discriminação racial etc. Para ele e seus colegas, a ciência econômica pode ajudar a sociedade melhor compreender estes fenômenos.
Em algumas das pesquisas feitas por Levitt e outros pesquisadores empíricos, constatou-se que há algumas espécies de crimes que ocorrem independentemente de fatores sociais como a pobreza e o desemprego, ou seja, os crimes de espancamento de filhos e os crimes passionais ocorrem na mesma proporção em todas as classes sociais. Outra constatação, é que nos períodos eleitorais as taxas de criminalidades são inferiores à média histórica anteriores aos pleitos eleitorais, porque os prefeitos tendem a aumentar o efetivo na rua quando as eleições se aproximam. Resultado: a polícia na rua fez cair a criminalidade.
Utilizando-nos grosso modo destes estudos dos economistas empíricos norte-americanos, podemos afirmar que a vigilância orçamentária fatalmente produzirá como conseqüência imediata, uma melhor eficiência dos gastos públicos no Brasil.
Aliás, a Constituição é sábia neste sentido. Vejamos a dicção prescritiva do art. 70 da Constituição Federal ao asseverar que: "A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta..." observará dentre outros os princípios da legalidade, legitimidade, economicidade etc.
Vejam o conteúdo destes três aspectos a serem fiscalizados pelo Tribunal de Contas da União, no que diz respeito ao gasto público.
6.1 Fiscalização orçamentária quanto à legalidade do gasto público.
É a verificação no aqui-e-agora se os atos e gastos foram realizados em consentâneo com as leis a eles aplicáveis. A palavra lei, aqui, não deve ser compreendida na sua concepção mais restrita, mas em seu sentido amplo de forma a abranger também as normas hierarquicamente superiores e inferiores [20]. Assim a fiscalização abrange portarias, decretos etc. Há divergências quanto à possibilidade dos Tribunais de Contas, no exercício auxiliar de Controle Externo juntamente com o Congresso Nacional (art. 71, caput da CF), poderem declarar a inconstitucionalidade de leis.
6.2. Fiscalização orçamentária quanto à legitimidade do gasto público.
O conceito de legitimidade adentra a questão dos valores jurídicos, é conceito que abrange não somente o aspecto puramente normativo (formal do ato), mas também o aspecto valorativo, objetivando a coerência do ato com as regras e princípios jurídicos a ele aplicáveis. Verifica-se aqui a legitimidade do gasto público, do gasto do tributo arrecadado. Assim, determinado ato, ainda que realizado em consonância com as leis pode não ser legítimo, por afrontar princípios jurídicos, como a da moralidade administrativa (art. 37 da CF), economicidade (art. 70, CF) tornando-se ilegítimo e passível de impugnação por ocasião da fiscalização, e obrigatória sua devolução aos cofres públicos. Para sua maior eficácia há que ser realizado preferencialmente de forma preventiva, na análise prévia das minutas dos instrumentos que viabilizarão os futuros gastos públicos.
Exemplo de uma fiscalização a posteriori, um dispêndio excessivo com atividades de representação ou mesmo cerimônias festivas, embora regulares do ponto de vista legal, visto que financiados por verbas competentes do orçamento, podem ter a sua legitimidade questionada. É dizer, reconhecer-se que aquela despesa transcende ao que seria razoável a um ato daquela natureza.
Na visão de Miguel Reale a validade de uma norma de Direito pode ser avaliada sobre três aspectos: o da validade formal ou técnico-jurídica (vigência), o da validade social (eficácia ou efetividade) e o da validade ética (fundamento). [21] Pensamos que a legitimidade dos atos públicos também devem ser vistos sob uma perspectiva tridimensional pelo órgão fiscalizador que é o Tribunal de Contas na forma do art. 70, caput da Constituição Federal. O Tribunal de contas no exercício do controle fiscalizatório da legitimidade, há que levar em conta estes três aspectos do ato a ser examinado. O ato administrativo, ou a lei, ou uma conduta de um agente público sob fiscalização no aspecto de sua legimitidade, há que ser compatível com o querer coletivo (legitimidade social), ser adequada aos trâmites legais (legitimidade técnica) e por fim, ter um fundamento justo que a alicerce (legitimidade ética ou axiológica), afinal, o Direito consoante lição de Stammler citado por Miguel Reale, deve ser sempre uma "tentativa de Direito justo" [22]. Ausente um destes aspectos da legimitidade, não será legítimo o agir do agente administrativo.
6.3. Fiscalização quanto à economicidade do gasto público.
É aquela que analisa os atos administrativos do ponto de vista jurídico-econômico, no sentido de verificar-se se, por ocasião da sua realização, houve adequada observância da relação custo-benefício, de modo que os recursos públicos tenham sido utilizados da forma mais vantajosa e eficiente para o poder público. É princípio a ser visto e aplicado frente a um caso concreto, traduzindo-se num compromisso econômico com o cumprimento de metas governamentais, inseridas na equação custo e benefício, onde a eficiência e eficácia estão introduzidas como finalidade última de toda e qualquer receita destinada a um interesse público.
O princípio da economicidade está diretamente vinculado ao princípio da eficiência. Não basta honestidade e boas intenções para validação dos atos administrativos. O princípio da economicidade previsto no art. 70 da CF impõe a adoção da solução mais conveniente e eficiente sobre o ponto de vista da gestão dos recursos públicos, porquanto toda atividade administrativa envolve uma relação sujeitável a enfoque de custo-benefício. [23]
O princípio da economicidade segundo a doutrina de Marçal Justen Filho [24] estrutura-se em três fatores que devem ser observados. Primeiro, avalia-se a economicidade ou não da solução no momento da prática do ato, tendo em vistas as circunstâncias e padrões razoáveis de conduta, avaliando-se se ela se apresentou como a mais adequada frente ao conjuntos das informações possíveis de serem obtidas; segundo, a observância na tomada de decisão de outros valores que não somente os econômicos. O critério de seleção da melhor alternativa não é sempre a maior vantagem econômica. Por exemplo: se o menor custo envolver riscos à integridade de vidas humanas, o Estado deverá optar por outra alternativa, ainda que economicamente mais onerosa; terceiro, a melhor solução não pode estar exclusivamente fundada na vantagem econômica e em detrimento de formalidades jurídicas, por exemplo, contratação direta sem prévia licitação, ainda que vantajosa, só pode se dar nos casos excepcinais previstos em lei.
Notas
01. Cf. nosso Premissas para o estudo do Direito Tributário Atual, disponível em www.tributário.net.
02. Cf. Miguel Reale. Lições preliminares de direito. 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 65.
03. Segredos de um Historiador. Rio de Janeiro: O GLOBO, Caderno Prosa & Verso. 20-09-03, p. 3.
04. Os setes saberes necessários à educação do futuro. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 2001. p. 38
05. Apud. Heleno Tôrres, Direito Tributário e Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. op. cit. p. 7.
06. Cf. nosso Direito Financeiro e Justiça Tributária. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2004. passim
07. "Os sete saberes necessários à Educação do Futuro" 4ª ed. São Paulo. Cortez. 2001. p. 14.
08. www.fazenda.gov.br.
09. Cf. Miriam Leitão. Tudo é tão desigual. Rio de Janeiro. O GLOBO. Coluna Panorama Econômico. 14/11/2003, p. 26.
10. Cf. artigo já citado.
11. Cf. Miriam Leitão, op. cit. p. 26.
12. Cf. Miriam Leitão, op. cit. p. 26.
13. Cf. Adauri Antunes Barbosa. Para especialistas, política social precisa mudar. Rio de Janeiro. O GLOBO. 15/11/2003, p. 12.
14. Apud. Adauri Antunes Barbosa, op. cit. p. 12.
15. O caráter social do gasto público. Rio de Janeiro. O GLOBO. 27/11/2003, p. 7.
16. Eurípedes Alcântara e Chrystiane Silva. O Brasil entre os piores do mundo. São Paulo. VEJA. Edição 1.838, ano 37. nº 4, 28/01/2004, p. 72-79.
17. Apud. Gustavo Villela, Oito décadas separam Brasil e Estados Unidos. Rio de Janeiro. O GLOBO. 25/01/2004, p. 35.
18. Apud, Gustavo Villela, op. cit. p. 35.
19. Apud, Leandro Beguoci, Prêmio para o bom senso. O economista Steven Levitt ganha medalha que para muitos vale mais que o Nobel. Seu talento? Pensar! São Paulo. VEJA. Economia e Negócios. Edição 1.837, ano 37. nº 3. 21/01/2004, p. 88.
20. José Maurício Conti, "Direito Financeiro na Constituição de 1988", 1ª ed. São Paulo. Oliveira Mendes. 1998. p. 4.
21. Miguel Real, Licões Preliminares de Direito. 26ª ed. São Paulo: Saraiva. 2002. p. 105.
22. Miguel Reale, Lições preliminares de Direito. op. cit. p. 115.
23. Marçal Justen Filho. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 9ª ed. São Paulo: Dialética. 2002, p. 70.
24. Cf. Comentários à Lei de Licitações...op. cit. p. 70-71.