INTRODUÇÃO
A Constituição Federal, em uma das disposições especialmente voltadas ao meio ambiente, determina a criação pelo Poder Público de espaços territoriais especialmente protegidos. Tal previsão, aliada às discussões em âmbito internacional sobre a proteção da biodiversidade, ensejaram a criação de um sistema voltado especialmente à proteção das Unidades de Conservação[1].
Nestas áreas, as atividades humanas são proibidas ou restringidas, de acordo com os objetivos que regeram a criação da unidade.
Como normalmente acontece, a destinação de espaços sobre os quais paira o interesse público e social não está livre de conflitos, principalmente aqueles envolvendo a propriedade e a regularização fundiária.
Por estes motivos, e tendo em vista a fundamental importância das normas e ações voltadas à preservação da natureza e à busca do desenvolvimento sustentável, é de grande valia o aprofundamento nas questões pertinentes ao tema das Unidades de Conservação.
SISTEMA NACIONAL DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO - SNUC
Ao final da década de 70, sob influencia de organizações ambientalistas internacionais, passou a ser cogitada a ideia da criação de um sistema nacional de Unidades de Conservação, por meio de um conjunto articulado e representativo de amostras de ecossistemas brasileiros.
Até então, as Unidades de Conservação brasileiras eram criadas de forma esporádica, casuística e assistemática, de acordo com oportunidades surgidas em contextos e circunstâncias políticas específicos.
Segundo MARETTI (2004):
“Não estava presente a concepção da atual Lei do SNUC de que o conjunto de Unidades de Conservação deve representar amostras significativas e ecologicamente viáveis das diferentes populações, habitats e ecossistemas do território nacional e das águas jurisdicionais. Atualmente, as Unidades de Conservação são entendidas como um sistema, e não se considera cada unidade como um fim e si mesma, ou como um fragmento isolado, mas como parte de um sistema de ordenamento territorial”[2].
A Constituição Federal, no artigo 25, § 1º, III estabelece que cabe ao Poder Público:
“definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção”.
Sendo assim, a instituição de espaços territoriais especialmente protegidos ou, como trata parte da doutrina “áreas protegidas”, obedece a previsão constitucional expressa, e integra o conjunto de ações voltadas à preservação do meio ambiente.
Ou seja, “os espaços ambientais, tomados em sentido amplo, são as porções do território estabelecidas com a finalidade de proteção e preservação, total ou parcial, do meio ambiente”[3].
Na legislação ordinária merecem especial atenção as disposições da Lei n. 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente), que foi recepcionada pela Constituição de 1988 e traz comando semelhante em seu artigo 9º, VI.[4]
O Sistema Nacional das Unidades de Conservação – SNUC - foi instituído, portanto, em observância às demais normas voltadas à proteção do meio ambiente, e de acordo com o artigo 4º da Lei 9.985/00 possui os objetivos de:
(i) “contribuir para a manutenção da diversidade biológica e dos recursos genéticos no território nacional e nas águas jurisdicionais”; (ii) “proteger as espécies ameaçadas de extinção no âmbito regional e nacional”; (iii) “contribuir para a preservação e a restauração da diversidade de ecossistemas naturais”; (iv) “promover o desenvolvimento sustentável a partir dos recursos naturais”; (v) “promover a utilização dos princípios e práticas de conservação da natureza no processo de desenvolvimento”; (vi) “proteger paisagens naturais e pouco alteradas de notável beleza cênica”; (vii) “proteger as características relevantes de natureza geológica, geomorfológica, espeleológica, arqueológica, paleontológica e cultural”; (viii) “proteger e recuperar recursos hídricos e edáficos”; (ix) “recuperar ou restaurar ecossistemas degradados”; (x) “proporcionar meios e incentivos para atividades de pesquisa científica, estudos e monitoramento ambiental”; (xi) “valorizar econômica e socialmente a diversidade biológica”; (xii) “favorecer condições e promover a educação e interpretação ambiental, a recreação em contato com a natureza e o turismo ecológico”; e (xiii) “proteger os recursos naturais necessários à subsistência de populações tradicionais, respeitando e valorizando seu conhecimento e sua cultura e promovendo-as social e economicamente”.
Neste contexto, a Lei n. 9.985/00 veio regulamentar o artigo 225, § 1º, I, II, III e VII, da Constituição Federal, estabelecendo o conceito legal da Unidade de Conservação como:
“espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção.”
É importante frisar que, ao contrário do que possa parecer, o estabelecimento de áreas carecedoras de proteção especial, de forma alguma significa que fora de seus limites não seja importante a preservação ambiental, uma vez que a natureza é una, em que pese os limites e fronteiras desenhados pelos seres humanos.
Logo, em sentido amplo, todo espaço que demande qualquer tipo de proteção especial, ou seja, para o qual a lei preveja atenção mais rigorosa, pode ser considerado como espaço territorial especialmente protegido[5].
A Lei 9.985/00, entretanto, trata exclusivamente das Unidades de Conservação, fazendo destas áreas “espaços territorialmente protegidos em sentido estrito”. Estabelecida na forma de sistema, a proteção às Unidades de Conservação está atrelada a diversos dispositivos legais que regulamentam questões como a criação, modificação e extinção destas áreas, bem como a gestão, os procedimentos para o licenciamento ambiental, entre outros.
O sistema, por ser nacional, abrange também as Unidades de Conservação instituídas e/ou geridas pelos Estados e Municípios, que possuem autonomia inclusive para criar nova categoria de unidade, desde que não se confunda com categoria já prevista na lei que institui o SNUC[6].
Estes espaços protegidos podem ser constituídos por áreas públicas ou privadas, e uma vez declarados como tal, estarão sujeitos ao regime de interesse público[7].
O artigo 6º da Lei 9.985/00 estabelece os órgãos integrantes do sistema, outorgando ao Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA - as funções de órgão consultor e deliberativo, ao Ministério do Meio Ambiente –MMA – as funções de órgão central e, com modificação trazida pela Lei 11.516/07, o Instituto Chico Mendes e o IBAMA, bem como os órgãos respectivos em âmbito estadual e municipal, as função de órgão gestor das Unidades de Conservação.
As categorias de Unidades de Conservação estão alocadas dentro de dois grandes grupos: o das Unidades de Proteção Integral e das Unidades de Uso Sustentável, como veremos a seguir.
Unidades de Proteção Integral
As unidades de proteção integral possuem tratamento mais protetivo em razão de suas características naturais. O objetivo principal, nestas áreas, é a preservação da natureza, sendo admissível apenas o uso indiretodos seus recurso naturais, ou seja, aquele que não envolve consumo, coleta, dano ou destruição, com exceção dos casos legalmente previstos. As unidades de proteção integral visam manter os ecossistemas livres de alterações causadas por interferência humana.
Segundo Fernando Capez, é o “conjunto de métodos, procedimentos e políticas que visem a proteção a longo prazo das espécies, habitats e ecossistemas, além da manutenção dos processos ecológicos, prevenindo a simplificação dos sistemas naturais”[8].
Existem cinco categorias de unidades de proteção integral que são: parques nacionais, estações ecológicas, reservas biológicas, monumentos naturais e refúgios de vida silvestre.
Parques Nacionais
Conforme a lei do SNUC, o parque nacional tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas cientificas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico.
O parque nacional é de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas, de acordo com a lei.
A visitação publica está sujeita a normas e restrições estabelecidas no Plano de Manejo da unidade, as normas estabelecidas pelo órgão responsável por sua administração, e aquelas previstas em regulamento.
Estações Ecológicas
A Estação Ecológica tem como objetivo a preservação da natureza e a realização de pesquisas científicas. É de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites devem ser desapropriadas.
Nessas unidades é proibida a visitação pública, exceto aquela com objetivo educacional, de acordo com o que dispuser o Plano de Manejo da unidade ou regulamento específico. A pesquisa científica depende de autorização prévia do órgão responsável pela administração da unidade e está sujeita às condições e restrições por este estabelecidas.
Somente em determinados serão permitidas alterações dos ecossistemas nas Estações Ecológicas: medidas que visem à restauração de ecossistemas modificados; manejo de espécies com o fim de preservar a diversidade biológica; coleta de componentes dos ecossistemas com finalidades cientificas; pesquisas cientificas; pesquisas cientificas cujo impacto sobre o ambiente seja maior do que aquele causado pela simples observação ou pela coleta controlada de componentes dos ecossistemas, em uma área correspondente a no máximo três por cento da extensão total da unidade e até o limite de um mil e quinhentos hectares.
Reservas Biológicas
O Artigo 10 da Lei do SNUC define a reserva biológica como sendo uma área com o objetivo de preservação “integral da biota e demais atributos naturais existentes em seus limites, sem interferência humana direta ou modificações ambientais, excetuando-se as medidas de recuperação de seus ecossistemas alterados e as ações de manejo necessárias para recuperar e preservar o equilíbrio natural, a diversidade biológica e os processos ecológicos naturais.”
Monumento Natural
O Monumento Natural tem como objetivo básico preservar sítios naturais raros, singulares ou de grande beleza cênica. Pode ser constituído por áreas particulares, desde que seja possível compatibilizar os objetivos da unidade com a unidade da terra e dos recursos naturais do local pelos proprietários.
A visitação publica está sujeita às condições e restrições estabelecidas no Plano de Manejo da unidade, às normas estabelecidas pelo órgão responsável por sua administração e àquelas previstas em regulamento.
Havendo incompatibilidade entre os objetivos da área e as atividades privadas ou não havendo aquiescência do proprietário as condições propostas pelo órgão responsável pela administração da unidade para a coexistência do Monumento Natural com o uso da propriedade, a área deve ser desapropriada, de acordo com o que dispõe a lei.
Refúgio de Vida Silvestre
O Refúgio de Vida Silvestre tem como objetivo proteger ambientes naturais assegurando condições para a existência ou reprodução de espécies ou comunidades da flora local e da fauna residente ou migratória.
Pode ser constituído por áreas particulares, desde que seja possível compatibilizar os objetivos da unidade com a utilização da terra e dos recursos naturais do local pelos proprietários. Havendo incompatibilidade entre os objetivos da área e as atividades privadas, ou não havendo aquiescência do proprietário às condições propostas pelo órgão responsável pela administração da unidade para a coexistência do Refúgio de Vida Silvestre com o uso da propriedade, a área deve ser desapropriada, de acordo com o que dispõe a lei.
A visitação pública está sujeita às normas e restrições estabelecidas no Plano de Manejo da unidade, às normas estabelecidas pelo órgão responsável por sua administração, e àquelas previstas em regulamento. A pesquisa científica depende de autorização prévia do órgão responsável pela administração da unidade e está sujeita às condições e restrições por este estabelecidas, bem como àquelas previstas em regulamento.
Unidades de Uso Sustentável
As unidades de uso sustentável visam compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais, ou seja,é permitida a exploração controlada do ambiente de modo a garantir a perenidade dos recursos ambientais renováveis e dos processos ecológicos.
É admitido o uso direto de seus recursos naturais, que é aquele que envolve coleta e uso, comercial ou não, dos recursos naturais.
Existem sete unidades de uso sustentável: Área de Proteção Ambiental, Área de Relevante Interesse Ecológico, Floresta Nacional, Reserva Extrativista, Reserva de Fauna, Reserva de Desenvolvimento Sustentável e Reserva Particular do Patrimônio Nacional.
Área de Proteção Ambiental
Segundo definição da Lei no 9.985/2000, as áreas de proteção ambiental são em geral extensas, com certo grau de ocupação humana, dotadas de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas.
Seus objetivos básicos são proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação do solo e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.
Pode ser constituída por terras públicas ou privadas. As condições para a realização de pesquisa científica e visitação pública nas áreas sob domínio público serão estabelecidas pelo órgão gestor da unidade e nas áreas sob propriedade privada, pelo seu proprietário.
Área de Relevante Interesse Ecológico
É, conforme se extrai da Lei, uma área em geral de pequena extensão, com pouca ou nenhuma ocupação humana, com características naturais extraordinárias ou que abrigue exemplares raros da biota regional, e tem como objetivo manter os ecossistemas naturais de importância regional ou local e regular o uso admissível dessas áreas, de modo a compatibilizá-lo com os objetivos de conservação da natureza. A Área de Relevante Interesse Ecológico é constituída por terras públicas ou privadas.
Floresta Nacional
É uma área com cobertura florestal de espécies predominantemente nativas e, conforme a lei tem como objetivo básico o uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e a pesquisa científica, com ênfase em métodos para exploração sustentável de florestas nativas. É de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites também deverão ser desapropriadas. Será admitida a permanência de populações tradicionais que ali residiam quando da criação, em conformidade com o disposto em regulamento e no Plano de Manejo da unidade.
A visitação pública é permitida, condicionada às normas estabelecidas para o manejo da unidade pelo órgão responsável por sua administração e a pesquisa é permitida e incentivada, sujeitando-se à prévia autorização do órgão responsável pela administração da unidade, às condições e restrições por este estabelecidas e àquelas previstas em regulamento.
Reserva Extrativista
Reserva extrativista é uma área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, completamente, naagricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade.
Nessas reservas são proibidas a exploração de recursos minerais e a caça amadorística ou profissional, e a exploração comercial de recursos madeireiros só será admitida em bases sustentáveis e em situações especiais e complementares às demais atividades desenvolvidas na Reserva Extrativista.
A visitação pública é permitida, desde que compatível com os interesses locais e de acordo com o disposto no Plano de Manejo da área e a pesquisa científica é permitida e incentivada, sujeitando-se à prévia autorização do órgão responsável pela administração da unidade.
Reserva de Fauna
A reserva de fauna é uma área natural com populações animais de espécies nativas, terrestres ou aquáticas, residentes ou migratórias, adequadas para estudos técnico-cientificos sobre o manejo econômico sustentável de recursos faunísticos. Ela é de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites devem ser desapropriadas de acordo com o que dispõe a lei.
Reserva de Desenvolvimento
O objetivo da Reserva de Desenvolvimento Sustentável segundo Fernando Capez é “preservar a natureza e, ao mesmo tempo, assegurar as condições e os meios necessários para a reprodução e a melhoria dos modos e da qualidade de vida e exploração dos recursos naturais das populações tradicionais, bem como valorizar, conservar e aperfeiçoar o conhecimento e as técnicas de manejo do ambiente, desenvolvido por estas populações. A Reserva de Desenvolvimento Sustentável é de domínio publico, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites devem ser, quando necessário, desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei”[9].
Reserva Particular do Patrimônio Natural
A reserva particular do patrimônio natural é uma área privada, gravada com perpetuidade, com o objetivo de conservar a diversidade biológica, e sua criação vida estimular iniciativas privadas em prol da conservação. É instituída por termo de compromisso assinado perante órgão ambiental, que ira verificar se existe interesse publico. Só serão permitidas a pesquisa cientifica e a visitação, desde que com objetivos turísticos, recreativos e educacionais.
Devido ao veto presidencial feito no inciso III do parágrafo 2º do artigo 21 da Lei do SNUC, pode-se dizer que apesar de estar topograficamente inserida, no texto legal, entre as Unidades de Conservação de uso sustentável, é, na verdade, de proteção integral, já que não são permitidas em seu interior, atividades econômicas e de exploração de recursos naturais, apenas pesquisa cientifica, educação ambiental e visitação publica com fins educacionais[10].
CRIAÇÃO, MODIFICAÇÃO E EXTINÇÃO DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO
Os trâmites para a criação de Unidades de Conservação compete aos órgãos executores do SNUC (ICMBio, IBAMA, órgãos gestores estaduais e municipais), e deve seguir a regra da Lei 9.985/00, com a realização de fase de estudos preliminar e consulta pública (artigo 22, §2º). Especificamente sobre a consulta pública, a administração deve se atentar ao disposto no artigo 4º do Decreto 4.340/02, que regulamenta a Lei do SNUC.
A fase de estudos é de suma importância, pois é neste momento que serão definidos preliminarmente os limites e a categoria da Unidade de Conservação. Ao final, é elaborada proposta preliminar que será apresentada à população na chamada ‘fase consultiva’[11].
Nesta segunda etapa são realizados diversos encontros com setores e organizações da sociedade civil voltados aos interesses ambientais. Estes encontros são abertos a qualquer cidadão que queira participar. Tal abertura possibilita um papel ativo da sociedade nas políticas de proteção ao meio ambiente, ao menos formalmente. As consultas públicas são obrigatórias em todas as categorias de Unidade de Conservação exceto na Estação Ecológica e Reserva Biológica.
O ato definitivo de criação de uma Unidade de Conservação é de competência do poder público e pode ser constituído por lei, decreto ou outra norma reguladora.
Após o realizar dos estudos previstos em lei e concluindo que a área merece proteção especial, ao administrador cabe, única e exclusivamente, decretar o regime especial de proteção consistente na instituição de umaUnidade de Conservação[12].
No caso de ampliação, normalmente são exigidos novos estudos técnicos e consulta pública, quando aplicável[13]. Entretanto, a modificação ou a desafetação de uma área somente pode ser realizada através de lei específica (artigo 22, §7º da Lei 9.985/00).
Plano de Manejo
A Lei Nº 9.985/2000, em seu artigo 27 estabelece que as Unidades de Conservaçãodevem dispor de um Plano de Manejo, que abrangerá “a área da Unidade de Conservação, sua zona de amortecimento e os corredores ecológicos, incluindo medidas com o fim de promover sua integração à vida econômica e social das comunidades vizinhas” (§1º).
O §2º, XVII da mesma lei conceitua juridicamente o Plano de Manejo como o “documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma Unidade de Conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas necessárias à gestão da unidade”.
Especificamente quanto às unidades de proteção integral, o Plano de Manejo deve contemplar a zona de amortecimento e os corredores ecológicos.
O Plano de Manejo tem como finalidadeproteger os objetivos daUnidade de Conservação,bem como orientar sua gestão. Funciona, portanto, como a “lei” que rege o espaço territorial especialmente protegido[14].
ZONAS DE AMORTECIMENTO E CORREDORES ECOLÓGICOS
O artigo 25 da Lei 9.985/00 impõe às Unidades de Conservação, com exceção da Área de Proteção Ambiental e da Reserva do Patrimônio Natural a criação de zonas de amortecimento e, quando conveniente, de corredores ecológicos.
Zona de amortecimento, conforme conceituado na lei é “o entorno de uma Unidade de Conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade” (artigo 2º, XVIII). É uma área, portanto, limítrofe à Unidade de Conservação, e tem a finalidade de filtrar ou mitigar os impactos negativos das atividades desenvolvidas em seu exterior.
A lei não define a extensão da área, sendo esta definida após os estudos técnicos necessários e de acordo com as características próprias da Unidade de Conservação.
Os corredores ecológicos, por sua vez, são “porções de ecossistemas naturais ou seminaturais, ligando Unidades de Conservação, que possibilitam entre elas o fluxo de genes e o movimento da biota, facilitando a dispersão de espécies e a recolonização de áreas degradadas, bem como a manutenção de populações que demandam para sua sobrevivência áreas com extensão maior do que aquela das unidades individuais” (artigo 2º, XIX).
A implementação de um Corredor Ecológico exige a atuação conjunta dos diferentes órgãos da federação. Por esta razão é necessária a formação de pactos entre os entes, para garantir uma proteção efetiva destas áreas.
LICENCIAMENTO EM UNIDADES DE CONSERVAÇÃO
CONCEITO
O conceito de licenciamento encontra-se no artigo 1º, inciso I, da Resolução Conama nº 237, de 19 de dezembro de 1997, na qual dispõe que licenciemnto ambiental é:
“Procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras; ou aquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso”
Ainda o artigo 1º, inciso II, da citada Resolução, define licença ambiental como:
“Ato administrativo pelo qual o órgão ambiental competente, estabelece as condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor, pessoa física ou jurídica, para localizar, instalar, ampliar e operar Capítulo I Conceito de licenciamento ambiental empreendimentos ou atividades utilizadoras dos recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou aquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental”.
A exigência de licenciamento tem amparo na Constituição Federal e está regulada pela legislação ordinária. A Constituição da República não traz expressamente o termo “licenciamento ambiental”, mas impõe ao Poder Público, no inciso IV do parágrafo único do artigo 225, “o dever de exigir e dar publicidade ao estudo prévio de impactos ambientais, para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente”. Essa determinação atribuída ao Poder Público visa assegurar o direito da sociedade ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, e a consideração prévia das questões ambientais pelo Poder Público se materializa mediante o processo de licenciamento ambiental. [15]
A licença ambiental trata de uma autorização, emitida por órgão público competente, na qual concede ao empreendedor o exercicio de seu direito à livre iniciativa, apenas caso sejam atendidas as exigencias, com o intuito de guardar o direito coletivo ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
O licenecimento ambiental ocorre em três fases: fase deflagratória, na qua o interessado requer a licença; fase instrutória, na qual são realizadas as colheitas de elementos que irão subsidiar a decisão administrativa e por fim a fase decisória, na qual é deferida ou não a licença.
TIPOS DE LICENÇAS AMBIENTAIS
A Resolução nº 237, de 19 de dezembro de 1997, do Coselho Nacional do Meio Ambiente – Conama, estabelece, no artigo 8º, os tipos de licenças expedidas pelo Poder Púbico:
A primeira é a licença prévia, esta é concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade aprovando sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas proximas fases de sua implementação.
A segunda é a licança de Instalação, ela autoriza a instalação do empreendimento ou atividade de acordo com as especificações constantes dos planos,programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais condicionantes, da qual constituem moivo determinante.
Por fim, a licença de Operação, ela autoriza a operação de atividade ouempreendimento, após a verificação do efetivo cumprimento do que consta das licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e condicionantes determinadas para a operação.
COMPETÊNCIA PARA LICENCIAMENTO AMBIENTAL
Compete aos órgãos federal, estaduais e municipais o licenciamento dos empreendiementos que posam vir causar impactos ambientais, como por exemplo, hidrelétricas, gasodutos e rodovias.
Em nível federal o órgão responsável pelo licencimento é o Ibama e em nível estadual os órgãos estaduais de Meio Ambiente (OEMAs) ou ainda os Órgãos Municipais.
O requerimento de licencimento poderá ser protocolado na Sede do Instituto Chico Mendes, ou nas Coordenações Regionais à qual a Unidade de Conservação esteja vinculada, isso irá depender se o órgão é estadual ou federal. No momento da solicitação de autorização, o órgão licenciador deverá encaminhar cópia integral dos estudos ambientais ao Instituto Chico Mendes.
Cabe ressaltar que, nos casos em que se conclui pela competência da União para o licenciamento ambiental, não quer dizer que deva ser exercida, obrigatoriamente, pelo órgão federal de meio ambiente, contudo, a delegação de competência aos órgãos estaduais deve ser precedida de exigências e parâmetros mínimos, funcionando como termos de referência, visando garantir a prevalência do interessa nacional. Sendo esta a única forma de evitar que elementos economicos ou politicos se sobreponham á cautela e a preocupação, necessária para garantir o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as futuras gerações.
ESTUDOS AMBIENTAIS PARA O LICENCIAMENTO
São quatro tipos de estudos ambientais para o licenciamento, primeiro o estudo de impacto ambiantal – EIA e Relatório de Impacto Ambiental – Rima, o segundo estudos ambientais simplificados ou específicos, terceiro plano de recuperação de área degradada – Prag, e análise de risco e programas de monitoramento.
O Estudo de Impacto Ambiental – EIA e Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, é o estudo de impacto ambiental mais conhecido, contendo um repleto número de informações, análises e propostas destinadas a nortear a decisão da autoridade competente sobre conceder ou não autorização para se desenvolver determinado empreendimento que se busca implantar. A elboração de estudo de impacto ambiantal é obrigatória, de acordo com a Resolução nº 001, de 23 de jeneiro de 1986.
Os estudos ambientais simplificados ou especificos, são destinados para algumas atividades, desde que não estejam expressamente descritas no artigo 2º, da resolução Conama nº 01/86 e desde que não consideradas capazes de provocar impacto ambiental considerável, sem a necessidade de estudos mais complexos e aprofundados.
O estudo de plano e recuperação de área degradada – PRAD, deve apresentar as medidas a serem adotadas quando da interrupção ou término das atividades visando o retorno do sitio degradado a condições ambientais mais favoráveis e deve ser analisado conjuntamente com os estudos ambientais considerados ara o licenciamento.
E, por fim, quando houver peculiaridades do emprendimento a ser licenciado, o órgão ambiental pode exigir estudos específicos, com a finalidade de avaliar os riscos para meio ambiente ou para o homem.
COMPENSAÇÃO AMBIENTAL
A compensação ambiental é um instrumento de política pública que, intervindo junto aos agentes econômicos, proporciona a incorporação dos custos sociais e ambientais da degradação gerada por determinados empreendimentos, em seus custos globais.[16]
De acordo com o artigo 36, da Lei 9.985/2000, é imposto ao empreendedor a obrigatoriedade de apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do grupo de proteção integral.
A compensação ambiental é um importante mecanismo fortalecedor do SNUC.
De acordo com a lei, cabe ao órgão ambiental licenciador definir as unidades de conservação a serem beneficiadas, considerando as propostas apresentadas no EIA/RIMA e ouvido o empreendedor, podendo inclusive ser contemplada a criação de novas unidades de conservação.
Ao ser fixado o valor da compensação ambiental para um deterinado empreendimento e definida sua destinação pelo [orgão licenciador, o empreendedor é notificado a firmar termo de compromisso com o Instituto Chico Mendes, visando o cumprimento da condicionante. Tal procedimento foi regulamentado pelo IN 10/2014 do Instituto Chico Mendes.
O Decreto nº 4340, de 22 de agosto de 2002, em seu artigo 31, estatuiu que o órgão ambiental licenciador estabelecerá o grau de impacto a partir dos estudos ambientais realizados quando do processo de licenciamento ambiental, fixando o valor da compensação gradualmente, a partir de 0,5% dos custos totais previstos para implementação do empreendiemnto.
Segundo o Decreto, a aplicação dos recursos deve obedecer à seguinte ordem de prioridade: I – regularização fundiária e demarcação de terras; II- elaboração, revisão ou implantação de plano manejo, III – aquisição de bens e serviços necessários à implantação, gstão, monitoramento e proteção da unidade, compreendendo sua àrea de amorteceimento; IV – desenvolvimento de estudos necessários à criação de nova unidade de conservação; e V – desenvolvimento de pesquisas necessárias para o manejo da unidade de conservação e área de amortecimento.
Dos cálculos, cabe recurso do empreendedor, caso não concorde com os valores (percentuais) apresentados. Após ter certo o valor, é elaborado um Termo de Compromisso pela Diretoria de Administração e Finanças – Diraf, contendo as ações a serem implementadas e o cronogramas
PRINCIPIO DO POLUIDOR PAGADOR
O princípio do poluidor-pagador visa, sinteticamente, à internalização dos custos externos de deterioração ambiental. Tal situação resultaria em uma maior prevenção e precaução, em virtude do consequente maior cuidado com situações de potencial poluição. É evidente que a existência de recursos naturais gratuitos, a custo zero, leva inexoravelmente à degradação ambiental.[17]
Tal principio foi incorporado pelo artigo 4º, inciso, VII, da Lei nº 6.938/81, o qual dispõe que a política nacional do meio ambiente visará a imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.
Esse princípio foi consagrado no ECO-92 através da norma princípio 16: “As autoridades nacionais devem procurar promover a internacionalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, tendo em vista a abordagem segundo a qual o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo da poluição, com a devida atenção ao interesse público e sem provocar distorções no comércio e nos investimentos internacionais”.
Na Constituição brasielira tal principio encontra-se no §2º, do artigo 225: “Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei”.
CONSOLIDAÇÃO TERRITORIAL
A Consolidação Territorial é responsável por regularizar o sistema fundiário, bem como consolidar os limites de cada Unidade de Conservação Federais, constituindo área específica do Instituto Chico Mendes.
De acordo com o ICMBio, a consolidação territorial é entendida da seguinte forma:
Área dentro do Instituto Chico Mendes responsável pela regularização da situação fundiária e pela consolidação dos limites das Unidades de Conservação federais, condições essenciais para implantação, planejamento e execução das ações de gestão desses espaços territorialmente protegidos. [18]
A regulação fundiária é entendida como o ato de identificar e transferir o domínio ou a posse dos imóveis que estão localizados no interior do perímetro de cada Unidade de Conservação para o Instituto Chico Mendes, em nível federal.
A atuação da regularização fundiária corresponde à desapropriação de imóveis rurais, aquisição da gestão de terras públicas federais e estaduais que estão nas Unidades de Conservação federais e, também, indenizações de posses.
Contudo, a ação de regularização fundiária deve obedecer às etapas e a norma técnica para, desse modo, assegurar um bom relacionamento entre as Unidades de Conservação e a sociedade.
Para tanto, foi criada uma Cartilha de Regularização Fundiária de Unidades de Conservação Federais, que estabelece o procedimento para aplicação do Instituto Normativo relativo àindenização de benfeitorias e desapropriação de imóveis em Unidades de Conservação federais (IN/ICMBio/Nº 02/2009), da abertura do processo de indenização até a transferência das áreas pelo ICMBiodesapropriações e benfeitorias.[19]
A problemática da regularização fundiária atinge as Unidades de Conservação em que os espaços territorialmente protegidos são ocupados pelo domínio humano para utilização de seus recursos naturais que estão localizados em seu interior.
O caos fundiário que acomete atualmente boa parte das Unidades de Conservação existentes no país se apresenta, basicamente, de uma das seguintes formas: a) existência, no interior da Unidade de Conservaçãode posse de particular que não é proprietário da área; b) existência, no interior da Unidade de Conservação, de propriedade particular, sem que haja a respectiva posse; c) existência, no interior da Unidade de Conservação, de propriedade particular, com posse de outro particular distinto do proprietário; d) existência, no interior da Unidade de Conservação, de propriedade particular com posse, direta ou indireta, do próprio proprietário; e) inexistência de propriedade ou posse de particulares. [20]
Já a consolidação de limites é responsável por atuar na demarcação topográfica e da sinalização do perímetro das Unidades de Conservação federais, configurando-se na materialização de seu espaço físico. Bem como, na elaboração, atualização e divulgação de dados dos limites das Unidades de Conservação.
A Constituição Federal em seu artigo 225, § 1°, inciso III, diz que:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
[...]
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção
A Constituição Federal traz para o Poder Público uma obrigação importante, quefoi regulamentado pela Lei nº 9.985/2000 e, também, por meio da ADI 3.540, que foi julgada pelo STF em 2005, ficou entendido que os espaços especialmente protegidos abrangem as áreas de preservação permanente além das Unidades de Conservação.
A consolidação de limites é importante para que as instituições, técnicos e a própria sociedade consiga obter os dados destes espaços territoriaisespecialmente protegidos, ajudando a proteger o patrimônio natural brasileiro e também a conservar da biodiversidade existente.
Entretanto, os espaços territoriais especialmente protegidos só poderão ser modificados por meio de lei que seja aprovada pelo Poder Legislativo que instituiu a Unidade de Conservação.
Nesse sentido o autor Fabiano Melo Gonçalves de Oliveira:
A instituição dos espaços ambientalmente protegidos ocorre mediante ato do Poder Público, como a edição de uma lei ou, como é comum em Unidades de Conservação, por meio de decreto do Chefe do Poder Executivo. Entretanto, a desafetação ou a redução dos limites de uma Unidade de Conservação será somente por lei em sentido formal, ou seja, aprovada pelo Poder Legislativo do ente que institui a unidade. Ainda que a criação da Unidade de Conservação ocorra por intermédio de decreto, eventual desafetação ou redução somente poderá ocorrer por lei específica. Essa sistemática é uma exceção no ordenamento jurídico pátrio, que prevê a revogação de uma norma por outra do mesmo nível hierárquico. Essa singularidade tem sua razão, ao obstar que na sucessão de administradores públicos, cada qual com sua leitura político-ideológica e arbítrio, se utilize de um simples decreto para reduzir os espaços de proteção ambiental em benefício, em regra, de atividades econômicas. Qualquer redução ou desafetação, se necessária, deverá ocorrer após se submeter ao processo legislativo e às suas formalidades, nunca por meio de outro decreto.[21]
Nas Unidades de Conservação Federais de Uso Sustentável, existem populações tradicionais, que são compreendidas pela Lei Nº 11.428, de 22 de dezembro de 2006, em seu artigo 3° e inciso II, como “população vivendo em estreita relação com o ambiente natural, dependendo de seus recursos naturais para a sua reprodução sociocultural, por meio de atividades de baixo impacto ambiental”.
O ICMBio tem um papel importante na contribuição e fortalecimento para do sistema de gestão das Unidades de Conservação federias, buscando uma autonomia dessas comunidades. O foco é estabelecer estratégias promissoras de produção extrativista e uso sustentável dos recursos naturais; implementar políticas públicas universais e específicas; e subsidiar a formulação destas políticas.[22]
A posse e o uso dos recursos naturais dessas áreas são regulados mediante contrato de concessão de direito real de uso (art. 23, III, Lei nº 9.985/2000).
O artigo 7° do Decreto-lei n° 271/1967 diz que “é instituída a concessão de uso de terrenos públicos ou particulares remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, como direito real resolúvel, para fins específicos de regularização fundiária de interesse social, urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra, aproveitamento sustentável das várzeas, preservação das comunidades tradicionais e seus meios de subsistência ou outras modalidades de interesse social em áreas urbanas.”
Esse contrato de concessão de direito real de uso nas Reservas Extrativistas e Reservas de Desenvolvimento Sustentável criadas pela União é celebrado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade e a associação representativa da população residente, legalmente constituída, que por sua vez assinam um contrato de autorização de uso com o morador.[23]
Contudo, populações tradicionais residentes em locais que não são permitidas sua habitação ou uso dos recursos naturais, no ato de criação em Unidades de Conservação, as populações deverão ser indenizadas ou compensadas pelas benfeitorias,bem como realocadas por intermédio do Poder Público, em local e condições acordados entre as partes. E, o Poder Público priorizará o reassentamento das populações tradicionais a serem realocadas, conforme artigo 42, caput, §1°, da Lei nº 9.985/2000.
Entretanto, a realocação do Poder Público nem sempre é imediata. Então, até o reassentamento, serão estabelecidas normas e ações específicas paraque seja conciliado a populações tradicionais residentes com os objetivos da Unidade de Conservação. De acordo com o artigo 42, § 2, da Lei 9.985/2000:
Art. 42. As populações tradicionais residentes em Unidades de Conservação nas quais sua permanência não seja permitida serão indenizadas ou compensadas pelas benfeitorias existentes e devidamente realocadas pelo Poder Público, em local e condições acordados entre as partes.
§ 2 - Até que seja possível efetuar o reassentamento de que trata este artigo, serão estabelecidas normas e ações específicas destinadas a compatibilizar a presença das populações tradicionais residentes com os objetivos da unidade, sem prejuízo dos modos de vida, das fontes de subsistência e dos locais de moradia destas populações, assegurando-se a sua participação na elaboração das referidas normas e ações.
A INTERVENÇÃO NO DIREITO À PROPRIEDADE ATRAVÉS DA CRIAÇÃO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO
A Evolução da Propriedade
Ao longo do tempo a propriedade evoluiu do sentido individual para o social, de forma a não ser mais um direito absoluto,imposta a observação de sua função social, realidade prevista em nossa CF/88:
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
A intervenção na propriedade é fundamentada com base na necessidade de proteção do Estado a necessidades da comunidade.
Como já dito, o objetivo básico das Unidades de Conservação é a proteção ambiental em seu sentido mais amplo, e devido a isso a propriedade privada experimenta distintas limitações[24].
A Importância das Unidades de Conservação
Contudo, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e sua duração para as futuras gerações foram os motivos que levaram a criação de tais espaços territorialmente protegidos, podendo ser instituídos em áreas publicas ou privadas[25].
De acordo com as considerações já feitas, estas áreas são extremamente importantes, tanto que no artigo 225 da CF/88 é expressa a determinação para que o poder público as crie.
Abaixo o clássico conceito a respeito da intervenção na Propriedade Privada de Helly Lopes Meirelles:
“É todo ato do poder publico que, fundado em lei, compulsoriamente retira ou restringe direitos dominiais privados ou sujeita o uso de bens particulares a uma destinação de interesse publico” (Helly Lopes Meirelles, p. 714).
Limitação ao Direito de Propriedade
A administração publica no exercício de suas prerrogativas pode intervir na propriedade particular pelos institutos dalimitação administrativa, desapropriação, entre outros. Aqui especificaremos apenas os que mais interessem ao tema: desapropriação; desapropriação indireta e limitação administrativa.
Desapropriação
Dentre os atos de intervenção estatal, este se apresenta como a mais radical, sendo a desapropriação "a transferência compulsória da propriedade particular para o poder publico ou seus delegados, por utilidade ou necessidade publica, ou ainda, por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro" (Helly Lopes Meirelles, p. 714), ou seja, o particular perde a propriedade e como compensação recebe o valor correspondente.
Desta forma, a criação de uma Unidade de Conservação pode ou não ensejar a desapropriação de áreas privadas.
Desapropriação Indireta
É a que se processa sem observância do procedimento legal e costuma ser equiparada ao esbulho. As vezes a administração não se apossa diretamente do bem, mas lhe impõe limitações ou servidões que impedem totalmente o proprietário de exercer sobre o imóvel os poderes inerentes ao domínio, neste caso também se caracteriza a desapropriação indireta[26].
Limitação Administrativa
Para Maria Sylvia Zanella di Pietro:
"são medidas de caráter geral, previstas em lei, com fundamento no poder de policia do Estado, gerando para o proprietário obrigações positivas ou negativas, com o fim de condicionar o exercício do direito de propriedade ao bem estar social".
Nesta modalidade o Estado faz uso de sua soberania interna, atuando tanto na propriedade, quanto nas atividades particulares, sempre visando o bem-estar da coletividade[27].
Para ÉdisMilaré, a lei do SNUC aponta as sete modalidades que ocasionam a desapropriação por demandar a transferência da propriedade privada para o poder publico e consequentemente o pagamento da prévia indenização, sendo elas: estação ecológica, parque nacional, reserva biológica, floresta nacional, reserva extrativista, reserva de fauna e a reserva de desenvolvimento sustentável[28].
Quanto as outras quatro modalidades de Unidades de Conservação (área de relevante interesse ecológico, refugio da vida silvestre, monumento natural e a área de proteção ambiental), a referida lei do SNUC viabiliza a construção das mesmas tanto em áreas privadas quanto publicas. Caso sejam construídas em áreas privadas, será necessária analise caso a caso para se constatar se o proprietário terá direito a indenização ou não[29].
A doutrina julga na maioria dos casos que a constituição de uma Unidade de Conservação se enquadra como uma limitação administrativa, visto que existem casos em que o esvaziamento econômico do imóvel não ocorre, sendo restringida apenas algumas atividades, corroborando este fato no cumprimento da função social da propriedade. Compreendendo que quando a restrição impossibilitar o aproveitamento econômico de cem por cento do imóvel, é obrigatória a indenização por parte do poder público, com a caracterização da desapropriação; Tal entendimento é importante, visto que a limitação administrativa não enseja o direito à indenização, como é essencial, nos casos de desapropriação[30].
Podemos concluir que a divergência jurisprudencial acerca da caracterização da forma de intervenção administrativa na criação das Unidades de Conservação e seu impacto sobre direito de propriedade, exigindo do interprete a avaliação do caso concreto, a fim de caracterizar a ocorrência de limitação administrativa ou desapropriação.
REFERÊNCIAS
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 17ª edição. São Paulo: Atlas, 2015.
BELTRÃO, Antonio F. G. Curso de Direito Ambiental. 2ª edição. Rio de Janeiro: Método, 2014.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27ª edição. São Paulo: Atlas, 2014.
LEAL, Guilherme J. S. e REIS, Antônio Augusto. Tópicos de Direito Ambiental – 30 anos da Política Nacional do Meio Ambiente. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
MARÇAL, Claudia. A criação de Unidades de Conservação e as limitações ao direito de propriedade - aspectos doutrinários e jurisprudenciais. 2003. Disponível em <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/1248/A-criacao-de-unidades-de-conservacao-e-as-limitacoes-ao-direito-de-propriedade-aspectos-doutrinarios-e-jurisprudenciais>. Acesso em: 12, abr. 2016.
MARETTI, Claudio. Conservação e valores: relações entre áreas protegidas e indígenas, possíveis conflitos e soluções. In: FanyRicado (org). Terras Indígenas e Unidades de Conservação da Natureza: o desafio das sobreposições. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2004.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 39ª edição. São Paulo: Malheiros, 2013.
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: A gestão ambiental em foco. 6ªedição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
OLIVEIRA, Fabiano Melo Gonçalves de. Manual de direito ambiental. Rio de Janeiro Método, 2014.