Resumo: Tendo em vista a ineficiência do sistema carcerário brasileiro e baseando-se nos altos índices de reincidência, um grupo de estudiosos fundamentaram, sob a iniciativa de Mário Ottoboni em 1972, a aplicação de um novo método de recuperação e ressocialização dos apenados. O chamado, Associação de Proteção e Assistência ao Condenado, APAC, tem por base humanizar a pena e a reintegração social do, então chamado, recuperando. A metodologia do APAC baseia-se na aplicação de doze elementos quais sejam: participação da comunidade; recuperando ajudando o recuperando; trabalho. Religião; assistência jurídica; assistência à saúde; valorização humana; família; mérito; jornada de libertação com Cristo; o voluntário e sua formação e o Centro de Reintegração Social- CRS. No presente trabalho aborda-se, especificadamente, quatro de tais elementos, que são o trabalho, religião, família e mérito. A pesquisa aponta que o trabalho serve para conscientizar o apenado de sua importância na sociedade, mostrando a ele sua utilidade e valor social. A religião serve como forma de apoio espiritual aos apenados. Com a proteção legal, a família é o elemento utilizado pelo APAC no qual o recuperando encontra a proteção, cuidado e afeto, indispensáveis para que ele não perca o sentimento de membro fundamental da sociedade. Por fim, o mérito surge como forma de reconhecer, nas atitudes do apenado, ações que contribuam para sua recuperação e, assim, reforça-la na forma que preconiza a psicologia behaviorista de Skinner. Assim, conclui-se que o comportamento ativo do recuperando, a partir do trabalho e do reconhecimento do seu mérito, com auxílio de sua família e apoiados na religião contribuem para a ressocialização do apenado
Palavras-chave: APAC, família, mérito, trabalho, religião.
Sumário: Introdução. 1.1. Metodologia apaqueana. 1.2. O trabalho como um dos elementos de ressocialização no método APAC. 1.3. A utilização da religião no método APAC no auxílio da reintegração do apenado. 1.4. A legalidade e a importância da família no método apac. 1.5. O mérito na metodologia APAC: uma aplicação da psicologia behaviorista de Skinner. Considerações finais. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A presente pesquisa surge da necessidade de se analisar os elementos do método APAC e sua contribuição na ressocialização do apenado, essencialmente os elementos trabalho, religião, família e mérito na reinserção social do recuperando, buscando estabelecer uma análise entre esses elementos e a sua recuperação através da metodologia apaqueana.
O objetivo precípuo deste estudo é a avaliação do impacto dos supracitados elementos sobre a ressocialização do apenado, sob a perspectiva do método APAC sem, contudo, descuidar dos outros oito elementos fundamentais desse método. Ademais, mostra-se imperioso evidenciar a relação de complementaridade existente entre a trabalho, religião, família e mérito e os demais elementos do método APAC na reinserção social do apenado, investigando a influência desses elementos no processo de ressocialização do recuperando.
O artigo estrutura-se sobre cinco subitens: o primeiro deles intitula-se “A metodologia apaqueana”, o qual traz a origem e os objetivos do método APAC, bem como a forma como o sistema APAC é estruturado nos mencionados doze elementos que lhe são peculiares e a finalidade desses elementos na humanização da vida carcerária e ressocialização do preso.
O segundo subitem, por seu turno, apresenta o trabalho como um dos elementos de ressocialização no método APAC, o qual traz o caráter relevante do labor como instrumento de resgate da autoestima e da dignidade do condenado, haja vista que promove sua capacitação profissional e assegura condições de reinserção ao meio social.
O terceiro subitem versa sobre “A utilização da religião no método APAC no auxílio da reintegração do apenado”, demonstrando ao recuperando, através do “amor de Deus”, que mesmo ele tendo cometido falhas, por meio de sua crença é capaz de conseguir o “perdão divino”.
O quarto subitem versa sobre “A legalidade e a importância da família no método APAC”, o qual aborda a importância do elemento ‘família’ que consagrará a assistência social ao preso, permitindo que os familiares conheçam de perto a metodologia que será trabalhada com o condenado e contribuam para a alteração do comportamento do mesmo, colaborando para a extinção do mal que levou o condenado à pratica da conduta delitiva.
O quinto e último subitem versa sobre o mérito, abordando, a partir da psicologia behaviorista de Skinner, a forma como a metodologia condiciona o apenado a executar condutas tidas por benéficas ao apenado por meio do reforço.
Destarte, é imperioso compreender que a pesquisa aponta que o método APAC surge como uma forma de proporcionar profundas mudanças no cenário carcerário brasileiro. Além disso, observou-se que no sistema apaqueano o condenado possui um tratamento voltado para além de sua reinserção na sociedade, almeja-se sua regeneração como ser humano, através do caráter retributivo e ressocializador da pena.
1.1. A metodologia apaqueana
Guimarães (2005) ao tratar da solução e esperança para a execução penal, estuda a origem e os objetivos do método APAC. Para o autor (2005), é visível que o Sistema Penitenciário Brasileiro não alcança os seus objetivos, pois não considera a humanização da pena e valorização da pessoa humana, de forma que a reincidência é um problema relevante em todo o mundo.
Corrobora com tal entendimento o levantamento de dados “O sistema penitenciário Brasileiro” de 2012 elaborado pelo Instituto avante, que torna evidente as mazelas do sistema vigente. Fica claro a impossibilidade de se recuperar o apenado quando se constata que a taxa de ocupação é de 1,76 presos por vaga, ou seja, quase 2 presos para cada vaga disponível. Contribui para grave situação o fato de que apenas 9% dos apenados do país estavam em atividade educacional e 17% desenvolviam alguma atividade laboral. (INSTITUTO AVANTE, 2014).
Na tentativa de confrontar esse problema que se arrasta desde tempos pretéritos, em 1972, um grupo de quinze estudiosos voluntários liderados pelo advogado Dr. Mário Ottoboni, preocupados com a quantidade de prisões em São José dos Campos-SP, começaram a pesquisar a situação prisional em caráter nacional. Em 1974, o juiz da Vara de Execuções Criminais da Comarca, Dr. Sílvio Marques Neto, na necessidade de novas vagas para detentos, decidiu transferir a gerência do presídio de Humaitá para a gerência da equipe de Mário Ottoboni, instituindo a primeira APAC- Associação de Proteção e Assistência aos Condenados, que é uma entidade jurídica, sem fins lucrativos com os objetivos recuperar o preso através da valorização humana, promoção da justiça e da proteção da sociedade. (OTTOBONI, 2001).
Com o método APAC, os detentos passaram a ser chamados de recuperandos e, a cada estágio, que varia entre fechado, aberto e semiaberto, o recuperando tem um acesso maior com o mundo fora de o penitenciário até alcançar o último estágio que lhe permite residir em sua casa com sua família e assumir um trabalho externo, somente apresentando-se diariamente na prisão.
Silva (2007) assevera a importância do método APAC na ressocialização do apenado:
O reconhecimento do apenado como pessoa dotada de qualidades e passível de emenda, o uso do diálogo e da religião nessa tarefa, o chamamento da vítima e da sociedade à tarefa de execução penal e os demais elementos do Método APAC são, ao mesmo tempo, coerentes com os dispositivos legais e antagônicos na maneira de se realizar e nos resultados obtidos. (SILVA, 2007, p.152).
Segundo Silva (2007), a justiça restaurativa trazida não é somente uma possibilidade de variações das sanções penais impostas, mas é uma nova filosofia do sistema prisional que exige transformações no sistema tradicional. Ele assevera que:
Trata-se, exatamente, do reconhecimento de que, se o sistema tradicional é falho porque vê o criminoso como um estranho e um objeto de trabalho, sem qualquer direito a voz, a solução do problema passaria pela mudança de olhar, trazendo-o para dentro da discussão e humanizando toda a atividade do sistema. (SILVA, 2007, p.152).
O Método APAC é uma sociedade civil sem fins lucrativos e como tal, depende do constante envolvimento da sociedade local onde será instalada. Desta maneira, há a necessidade de um preparo prévio dos voluntários envolvidos e da comunidade em que ela for instaurada, a fim de que o método alcance os seus objetivos.
O método APAC se baseia em doze elementos fundamentais, segundo o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG, 2016).
As APACs - A ssociação de P roteção e A ssistência ao C ondenado são inspiração do Advogado e Professor paulista Mário Ottoboni – tratando-se de uma Pessoa Jurídica de Direito Privado que administra Centros de Reintegração Social de presos. A metodologia ganhou força através da aplicação de seus 12 elementos:
1) Participação da comunidade;
2) Recuperando ajudando o recuperando;
3) Trabalho;
4) Religião;
5) Assistência jurídica;
6) Assistência à saúde;
7) Valorização humana;
8) A família;
9) O voluntário e sua formação;
10) Centro de Reintegração Social – CRS;
11) Mérito;
12) Jornada de libertação com Cristo.
(TJMG, acesso em 2016)
O sistema APAC é estruturado nos mencionados doze elementos que lhe são peculiares e proporcionam que este sistema consiga alcançar resultados tão benéficos à sociedade.
Os elementos do método APAC têm a finalidade de humanizar a vida carcerária e ressocializar o preso. A participação da comunidade, que permite aos recuperandos não se afastarem do meio social que eles retornarão quando cumprirem suas penas. Por sua vez, recuperando ajudando recuperando, é um princípio este que contribui para o desenvolvimento da noção de companheirismo entre os recuperandos.
Ainda, há no método uma preocupação com as assistências jurídica e à saúde. A assistência jurídica é essencial, haja vista que os integrantes de tal sistema na maioria das vezes não têm condições de pagar advogado. E assistência à saúde, que engloba também tratamentos psicológicos e odontológicos. (TJMG, 2011). Esses pilares são previstos nos artigos décimo e décimo primeiro da Lei 7.210/84 (Lei de Execução penal.)
Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso. Art. 11. A assistência será: I - material; II - à saúde; III -jurídica; IV - educacional; V - social; VI - religiosa. ”
Outro elemento do método é a valorização humana, que consiste na conscientização dos recuperandos de que são seres humanos e que merecem uma segunda chance. Já o voluntariado é um princípio que estimula as pessoas a atuarem em tal projeto não visando somente os bens materiais, mas sim o companheirismo e a solidariedade com os demais. Este elemento estabelece a criação de casais padrinhos, os quais têm a função de acompanhar o processo de ressocialização do recuperando. (TJMG, 2011)
Por sua vez, o Centro de Reintegração Social (CRS), que possibilita o recuperando cumprir sua pena próximo de convívio social (família, parentes e amigos) é o local onde o recuperando vai cumprir sua pena. (TJMG, 2011)
Por fim, o ponto culminante do método é a jornada de libertação com Cristo, que tem a finalidade de fazer com que o recuperando reflita sobre a sua filosofia de vida, o modo que tem vivido e o que quer para sua vida. (TJMG, 2011)
Além dos elementos descritos acima, importante se faz destacar aqueles que serão objeto de análise do presente artigo, quais sejam: o trabalho, a religião, a família e o mérito. Para a apresentação de cada um seguir-se-á a ordem apresentada acima para que se mantenha a coerência sem demonstrar qualquer preferência de um elemento em relação ao outro. Logo, o primeiro elemento a ser analisado no próximo subitem será o trabalho.
1.2. O trabalho como um dos elementos de ressocialização no método APAC
A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988 (CRFB/1988) prescreve em seu art. 1º, inciso IV, o valor social do trabalho como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Semelhante postura também é adotada pela Lei de Execução Penal n. 7.210/1984, em seu art. 28, caput, em que estatui “o trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva”.
A mesma lei também estabelece em seu artigo 31 que o trabalho interno será obrigatório.
Art. 31. O condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho na medida de suas aptidões e capacidade.
Parágrafo único. Para o preso provisório, o trabalho não é obrigatório e só poderá ser executado no interior do estabelecimento.
Consoante a obrigatoriedade do trabalho no ambiente carcerário, esse instrumento é observado pelos condenados, vez que possibilita a remição. Uma importante ferramenta de diminuição da pena. Conforme estabelece o art. 126. da LEP:
Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.
§ 1º A contagem de tempo referida no caput será feita à razão de:
I - 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar - atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional - divididas, no mínimo, em 3 (três) dias;
II - 1 (um) dia de pena a cada 3 (três) dias de trabalho.
Percebe-se a importância e grande relevância do trabalho na sociedade brasileira, diferente não poderia ser no método APAC, no qual o trabalho é um relevante instrumento de resgate da autoestima e da dignidade do condenado, haja vista que promove sua capacitação profissional e assegura condições de reinserção ao meio social.
Nesse sentido, o referido elemento revela-se como um importante instrumento de ressocialização e reintegração social, visto que o labor combate a ociosidade, promove o resgate da autoestima dos recuperandos e diminui, consideravelmente, a reincidência criminal. Segundo Foucault, o trabalho, quando não compulsório, ocupa a mente do apenado, diminuindo sua ansiedade e tornando-o menos propenso a pensamentos vingativos ou de fuga (FOUCAULT, 2010, p. 116-120).
Estudos sobre o tema, constatam que o trabalho realizado pelos recuperandos, no método APAC, contribuí para a diminuição dos índices de reincidência criminal, vez que ao retornar ao convívio social terá uma profissão, evitando que o desemprego potencialize a reincidência criminal.
Conforme dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no ano de 2013, o índice de reincidência criminal dos recuperandos no método APAC era de 15%, em contrapartida, no sistema tradicional era de 70% (MARTINO, 2014), comprovando a eficácia desse método.
A filosofia apaqueana utiliza o trabalho como ferramenta de recuperação da autoimagem, do respeito e da dignidade do apenado, sendo decisivo para reeducar, reconstruir, alinhar e reformar sua mente, fazendo com que perceba que é igual a qualquer outro cidadão.
O trabalho desenvolvido pelos apenados são: de apoio ao estabelecimento penal (42%), parceria com a iniciativa privada (32%), artesanato (16%), atividade industrial (4%), parceria com órgãos do Estado (4%), parceria com paraestatais (ONGs e Sistema S) (1%) e atividade rural (0,9%) (GOMES, 2013).
O trabalho nesse método assume dimensão diferenciada em cada um dos regimes, bem como é obrigatório, mas não forçado. No regime fechado, seu objetivo será a recuperação do condenado, de forma que aflore, novamente, seus valores, para ajudar o preso em sua reabilitação. No semiaberto a profissionalização, através de oficinas profissionalizantes instaladas nos Centros de Recuperação. Já no regime aberto, a inserção social, pois nele, o recuperando prestará serviço à comunidade, trabalhando fora dos Centros de Recuperação. Dessa forma, o trabalho deverá obedecer a finalidade proposta em cada regime (www.fbac.org.br).
Ademais, cabe esclarecer que sob a perspectiva apaqueana o trabalho deve pautar-se na realização pessoal, no sentimento de utilidade, deve despertar no recuperando a satisfação, o prazer em exercer atividades lícitas. Segundo Ottoboni (2001, p. 75), o trabalho massificado não deve ser utilizado no momento inicial da execução penal. Nesse período, o trabalho deve resgatar no recuperando o prazer em exercer atividade lícita, bem como resgatar sua autopercepção como pessoa capaz de produzir algo útil
O método APAC fundamenta suas ações na valorização do ser humano, concentrando seus esforços na humanização da pena, com o objetivo de resgatar o cidadão.
[...] tem a ver com realização pessoal, socialização, com sentir-se útil e encontrar sentido para os dias. O trabalho da APAC dispõe de um método de valorização humana, a principal diferença entre a entidade e o sistema carcerário comum é que, na APAC, os presos (chamados de recuperandos pelo método) são corresponsáveis pela recuperação deles (ROCHA, 2014).
O condenado assume um papel fundamental nesse sistema, haja vista que para uma recuperação plena é necessário seu total comprometimento, isto é, também são responsáveis pelo seu resgate.
Em consonância com o já foi relatado, o trabalho, durante o cumprimento de pena no regime fechado, é ideal para o resgate de autoestima e valores do apenado. Nesta fase inicial, o método pauta-se na utilização da laborterapia através da realização de trabalhos artesanais (OTTOBONI, 2001, p. 71).
Entretanto, quando falamos em artesanato, a interpretação deve ser extensiva, não podendo se limitar apenas às atividades comezinhas que todos estão habituados a ver nos presídios. É preciso uma visão ampla, levando em conta a comercialização dos produtos. É necessário, por essa razão, que cada APAC pense no setor da laborterapia como um setor curativo, de emenda do recuperando, abrindo-lhe todas as oportunidades para desempenhar as atividades artesanais [...] (OTTOBONI, 2001, p. 71).
Nesse diapasão, o trabalho visa a reeducação do indivíduo recluso, não tem como objetivo a exploração mercantil do apenado. De modo contrário, o objetivo principal do trabalho apaqueano é aproximar o recuperando da comunidade, do mundo que existe além dos muros da unidade prisional (RODRIGUES in MINAS GERAIS, 2011, p. 119-134).
É importante salientar que o trabalho não deve ser observado isoladamente, em sua singularidade não é capaz de ressocializar o recuperando, isto é, trata-se, apenas, de um dos doze elementos da metodologia apaqueana para recuperação do condenado. A ressocialização efetiva só ocorrerá com uma aplicação sistemática dos doze elementos.
O trabalho deve fazer parte do dia a dia, para manter os reeducandos em atividade constante. É de se destacar que o trabalho faz parte da metodologia, mas não é elemento fundamental do processo, pois que sendo somente ele, não é fundamental para recuperar um condenado (ZEFERINO, p. 57, 2011).
Por fim, o trabalho deve pautar-se nas aptidões e talentos dos apenados, adquiridos em sua vida pregressa. É relevante que tais atributos sejam considerados, para que o trabalho não se torne um fardo insuportável para o recuperando.
1.3. A utilização da religião no método APAC no auxílio da reintegração do apenado
A religião é um dos principais elementos do sistema APAC, haja vista que possibilita ao recuperando encontrar a paz interior através do amor de Deus. Além disso, possibilita encontrar refúgio e esperança quando até mesmo seus parentes, ou amigos mais próximos, não acreditam mais em seu retorno à sociedade isento de qualquer influência do meio criminoso em que outrora fazia parte.
A religião proporciona paz interior para os que estão sujeitos ao sistema APAC através da leitura de textos bíblicos e da ministração de louvores que transmitem valores relacionados com o amor de Deus e com o amor ao próximo, desenvolvendo neles condutas aceitas pela sociedade. Coadunando com esse sentido segue o entendimento da antropóloga Eva Scheliga:
Supunha-se que o “verdadeiro convertido” iria, através e por força da religião, desenvolver e/ou adquirir princípios de conduta aceitos pela coletividade e reconhecidos como corretos, bons e normais. Daí parece decorrer a ideia de que a religião seria uma das formas (ou apenas ela) de “corrigir”, “regenerar” e “ressocializar” o detento. (SCHELIGA ,2005, p. 66)
Várias são as definições de religião, entretanto a maioria converge para o sentido de que ela pode ser considerada um conjunto de crenças e convicções, relacionadas com uma divindade superior. Nesse diapasão: “a definição mais aceita pelos estudiosos, para efeitos de organização e análise, tem sido a seguinte: religião é um sistema comum de crenças e práticas relativas a seres sobre-humanos dentro de universos históricos e culturais específicos. ” (DA SILVA, 2004, p.01)
Ocorre que na prática a religião tem demonstrado ser muito mais do que uma simples convicção na existência de um ser superior, posto que tem sido fundamental na reintegração dos ex-apenados ao convívio social. Isso ocorre pelo fato de que “o amor de Deus” proporciona aos recuperandos uma paz interior tão grande que é capaz de influenciar seus comportamentos externos de forma a não quererem mais uma vida pautada em hábitos criminosos.
A religião é sociologicamente interessante não porque, como o positivismo vulgar o colocaria, ela descreve a ordem social (e se o faz é de forma não só muito oblíqua, mas também muito incompleta), mas porque ela – a religião – a modela, tal como o fazem o ambiente, o poder político, a riqueza, a obrigação jurídica, a afeição pessoal e um sentido de beleza. (GEERTZ, 1989, p. 136)
Portanto, pode se concluir que a religião é um importante aliado na reintegração social do sistema APAC, no entanto não se pode afirmar que somente ela é responsável pela mudança de vida do recuperando, pois, os demais elementos do método APAC também têm grande relevância em tal processo.
Percebe-se então que a inserção da religião no método muito contribui para os grandes resultados que este sistema tem alcançado.
1.4. A legalidade e a importância da família no método APAC
A família não somente é a base da sociedade, como assevera o artigo 226 da Constituição da República Federativa do Brasil, mas também é onde se encontram as maiores referências para a formação do caráter social e pessoal do indivíduo. O texto constitucional ainda ressalta que a família tem a especial proteção do Estado.
Na sociedade contemporânea, a família não é mais um modelo estagnado e ideal, mas tão somente o núcleo em que o indivíduo encontra proteção e cuidado para as suas experiências sociais e constantes aprendizados de formação do seu ser. Pela sua estrutura criadora, a família é protegida pelo Estado que a utiliza como meio de controlar a sociedade, isto é, dividindo-a em núcleos mútuos de colaboração afetiva. Sendo assim,
A família tem se constituído como o alvo preferencial de políticas e programas direcionados para a ‘inclusão social’; nesse contexto, ela tem sido posicionada tanto como ‘origem’ quanto como instância de resolução de problemas sociais e econômicos de países pobres em desenvolvimento. (Seminário Internacional Fazendo Gênero, sic KLEIN, FERNANDES PREZZI, 2012).
Um exemplo da utilização da família pelo Estado é o método APAC que a vê como um dos seus doze elementos:
Não há maior assistência social ao preso do que proporcionar seu encontro e contato com sua família.
O convívio respeitoso com as pessoas que o rodeiam significa também esperança. Na maioria das vezes, os familiares dos presos alimentam-no de ideias de que o estão aguardando quando retornarem à sociedade. (SANTOS, 2011, p.4).
Desta feita, o Estado cumpre o seu dever constitucional ao preservar a integração do preso e sua família, de forma que esta é o elo do indivíduo encarcerado e da sociedade fora dos portões dos presídios. É imprescindível à sua ressocialização que o condenado não seja isolado do contato com o mundo externo ao presídio e a sua família o elo principal dele com a sociedade que aguarda o seu retorno.
O condenado precisa cumprir a pena que lhe foi imposta e não pagar por sua vida, de forma que sua condenação está embasada na perca momentânea da liberdade de locomover-se e, não de estagnar-se no tempo. Enquanto ser social e cidadão livre, após cumprir a pena, voltará à vida em sociedade e como quaisquer outro será dotado de direitos e deveres, para os quais deverá estar preparado psicológica e profissionalmente, a fim de que não haja reincidências criminais.
Santos (2007), em sua dissertação de mestrado intitulada “Família: Peça Fundamental da ressocialização de adolescentes em conflito com a lei?” (2007) esboça que:
Consequentemente, independente do arranjo familiar, a família é responsável pelos aportes afetivos e, sobretudo materiais, que venham favorecer o desenvolvimento e bem-estar dos seus componentes desempenhando um papel decisivo na educação formal e informal e favorecendo a assimilação de valores éticos e humanitários, aprofundando laços de solidariedade... (SANTOS, 2007, p.20)
Independente do crime cometido, o condenado está cumprindo a sua pena e, como tal precisa de ajuda e apoio familiar para que não ocorra novamente. Sendo assim, muitas vezes o criminoso não tem a noção completa da gravidade do que praticara e em outros momentos mostra-se arrependido e acha que é forte o bastante para não o cometer novamente, sendo este um dos momentos que a família deverá mostrar paciência e pulso forte, para evitar que o criminoso se exponha a novas situações que poderão levá-lo a novas práticas criminais.
Santos, em sua tese, ainda ressalta que a família é quem dá sustentação e limite aos seus membros:
A família, portanto, não seria simplesmente um conjunto de indivíduos aparentados, mas um todo interdependente em que as condições de saúde e doença circulam pelo sistema por meio de suas interações só podendo ser compreendidas em seu contexto. Tais interações aconteceriam a partir da dinâmica relacional que permite e regula a sobrevivência da família possibilitando um senso de continuidade e de identidade que dá sustento aos seus membros familiares. (SANTOS, 2007, p.22).
A família deve estabelecer regras internas no seu núcleo social, ajudando-o a estabelecer-se novamente no núcleo familiar e sabendo que terá o apoio necessário para evitar fatores que o colocarão em risco de novos delitos. Não há aqui a fiscalização, mas tão somente reflexões sobre a sua responsabilidade como ente importante desse núcleo.
Quando ficar livre, o ex-apenado terá dificuldades em reestabelecer a sua vida longe do crime, de forma que poderá estar fora do mercado de trabalho há anos, desatualizado e sem contatos sociais. Passará por frustrações e deverá ter paciência para recuperar o tempo que perdera, por isso, é fundamental o apoio da família durante o período de condenação que irá o auxiliando de forma que não se sinta totalmente fora do mundo, mas apenas tendo um tempo para refletir sobre as suas atitudes.
Lorena Marina dos Santos Miguel em seu artigo A Norma Jurídica e a Realidade do Sistema Carcerário Brasileiro (2013) assevera que:
A Lei de Execução Penal (Lei N. 7.210, de 11 de julho de 1954) (LEP) é elogiada, já que, como outras partes da norma brasileira, é considerada moderna e democrática. Isso se deve ao fato de que é baseada no conceito de que a pena privativa de liberdade deve ter como base o princípio da humanidade, sendo que qualquer forma de repreensão dispensável, cruel ou degradante é antagônica ao princípio da legalidade. (MIGUEL, 2013, p.5)
Segundo Miguel (2013), a Constituição Brasileira é elogiada como uma das mais democráticas e humanas existentes, contudo, a realidade dos presídios brasileiros ainda é insatisfatória tendo em vista a comparação do seu texto legal e os altos índices de reincidências.
Em seu artigo 1° a Lei de Execução Penal, LEP, defende que o objetivo da “execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. ” (Lei 7.210 de 1984, art. 1°); por outro lado o artigo terceiro estabelece que “ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei” (Lei 7.2010 de 1984, art. 3°).
Como abordado, a menos que ao apenado seja proibido o contato familiar, é dever desta e do Estado garantir, a aproximação desse com o mundo exterior. Rezende e Santos no artigo “Da Assistência - Os Artigos 10 e 11 da LEP O Método APAC e seus Doze Elementos in: A execução penal a luz do método APAC” (2012)ainda abordam que só assim ele continuará sendo pai, marido, irmão e filho, isto é, mantenha as relações sociais que lhes serão fundamentais para o retorno social.
Os autores Rezende e Santos (2012) afirmam que nesse momento surge a importância do elemento ‘família’ que consagrará a assistência social ao preso, permitindo que os familiares conheçam de perto a metodologia que será trabalhada com o condenado e contribuam para a alteração do comportamento do mesmo, colaborando para a extinção do mal que levou o condenado à pratica da conduta delitiva.
Esse é o objetivo das APACs, além de obedecer aos textos legais, possibilita ao condenado o contato com a família e permitir que ele sinta o cuidado e o respeito dos mesmos, que ele tem um lugar para voltar e que será peça fundamental na constituição desse núcleo familiar. Além do mais, as APACs oferecem cursos a esses familiares participativos a fim de que estejam preparados para essa ressocialização do familiar preso. São mudanças de valores mútuas entre preso e sua família, a fim de que ambos não percam o vínculo e se ajudem a manter unidos e fortalecidos.
1.5. O mérito na metodologia APAC: uma aplicação da psicologia behaviorista de Skinner
Um dos pilares do método APAC consiste na rigorosa aferição do mérito do apenado em sua melhoria, o qual consiste:
[...] na reunião das diversas atividades propostas pela metodologia apaqueana e constantes no prontuário do recuperando. A vida prisional é observada de maneira detalhada. Será sempre através do mérito que o recuperando irá progredir. O fato de o condenado ser apenas obediente não satisfaz à necessidade do julgamento para se proceder às progressões. (ZEFERINO, p. 59, 2011)
O desejo do recuperando em buscar sua recuperação é um dos principais fatores na avaliação de seu mérito, pois a conduta meramente passiva (um mero obedecedor de ordens) não é reconhecida como real desejo do recuperando em sua reinserção na sociedade exigindo-se dele um efetivo empenho e interesse na própria recuperação:
Isso demonstra que os benefícios são concedidos àqueles que também se empenham na metodologia, e não àqueles que simplesmente não registram notas desabonadoras em seus prontuários, passando como ‘obedientes’, quando, na verdade, são ‘omissos e descomprometidos’. (SANTOS, p. 51, 2011)
A sua atividade e conduta diária, em relação à metodologia, é levada em consideração ao se avaliar a possibilidade de sua progressão, desde simples elogios até a efetiva participação nos conselhos de sinceridade e solidariedade (CSS) enquanto membro ou a representação de cela, todos os fatores contribuem na aferição do mérito do recuperando em sua busca pela reinserção social.
Percebe-se que o método não tem seu foco nas medidas coercitivas de sancionamento -exigindo tão somente uma conduta omissiva de “não fazer” ou punindo conduta comissivas consideradas adversas -mas sim no reconhecimento do empenho do apenado em sua busca pela reinserção social, ou seja, no recompensamento, a partir do dito reconhecimento, de condutas tidas como benéficas pelo método, o que possibilita ao recuperando enxergar, em si, uma parte necessária da recuperação.
Sendo assim, constata-se a semelhança entre o que propala o método APAC com o preconizado pela psicologia Behavorista, que, em definição técnica, pode-se explicar da seguinte maneira:
O behaviorismo (também chamado comportamentalismo ou condutismo) salienta importância dos acontecimentos objetivos, publicamente observáveis (denominados estímulos e respostas, ou binômio E-R) como verdadeira base de toda a Psicologia científica, em vez da consciência privada ou construtos mentalistas. (CABRAL, NICK, p.41, 2006)
A partir disso, e inspirados nos ensinamentos de B. F. Skinner, pode-se fazer a seguinte constatação, há o condicionamento do apenado (a inserção da ideia de necessidade ou aversividade de determinado reforço) para que ele, visando sua recompensa (por exemplo, a progressão do regime), busque, por si e não pela coerção, executar conduta (o reforço ou a recompensa em si).
Quando um dado comportamento é seguido por uma dada conseqüência, apresenta maior probabilidade de repetir-se. Denominamos reforço à conseqüência que produz tal efeito. O alimento, por exemplo, é um reforço para um organismo faminto. É provável que todos os movimentos do organismo se repitam, sempre que houver fome. (SKINNER, p. 26, 1973, grifos nossos)
Nesse sentido, quando uma determinada conduta benéfica ao apenado é reforçada, este buscará, por si próprio, ser reforçado sempre que executar aquela conduta.
Assim, pode-se perceber que o mero reconhecimento do mérito do apenado, na busca da própria recuperação, configura um grande reforço, pois este buscará, caso tal reforço o agrade, executar tais condutas sempre esperando sua “recompensa”.
Portanto, conclui-se que o método apaqueano, ainda que não tenha conhecimento disso, aplica em termos práticos as ideias da psicologia behavorista, o que acaba por contribuir de forma significativa no método como um todo, pois incute no próprio apenado a ideia de que este deve, também, se empenhar na busca da própria recuperação.