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O paradigma restaurativo no âmbito criminal

14/09/2016 às 16:15
Leia nesta página:

O atual sistema punitivo apenas provou que violência não pode ser combatida com a própria violência.

O presente artigo versa sobre o modelo de Justiça Restaurativa no âmbito criminal, apresentando-se como um novo paradigma de justiça capaz de suprir a ineficiência do atual sistema punitivo.

O termo Justiça Restaurativa nasceu de um estudo realizado por Albert Eglash, em 1977, quando este analisava as consequências para os que cometiam atos ilícitos. Eglash concluiu em seu artigo que as consequências podem ser retributivas, baseadas na punição, ou distributivas, focadas na reeducação e na reparação.

Aborda-se através desse trabalho a ineficiência e a crise vivida pelo atual modelo de justiça criminal consistente em um paradigma punitivo, que possui como objetivo a punição desmedida sem a participação das partes envolvidas no conflito. O sistema jurídico criminal possui o objetivo de manter o convívio pacífico entre a sociedade, através do ius puniendi exercido pelo Estado, verifica-se que o processo penal do atual modelo retributivo é voltado exclusivamente para confirmar a culpa do acusado e a violação da lei, deixando de lado questões intrínsecas ao cometimento do delito, como o desfecho do processo, o dano causado a vítima, ao infrator e à comunidade.

Por essa razão pode-se afirmar que a Justiça Retributiva busca apenas retribuir o mal feito, sem promover um diálogo entre as partes, com o natural distanciamento das partes envolvidas no conflito através do processo penal. Assim, o acusado participa do processo apenas no interrogatório, descrevendo os fatos do delito, sem haver qualquer menção ou indagação aos motivos que o levaram a cometer o delito. A vítima é substituída pelo Estado, que é detentor da legitimidade do direito de punir, tendo mínima participação no processo, atuando apenas como testemunha ou através de um assistente de acusação nos delitos cujo processamento é de ação penal pública incondicionada; ou outorgando legitimidade ao Estado no direito de punir nos crimes processados mediante ação penal pública condicionada à representação ou ação penal privada.

Em contraste a esse modelo, a Justiça Restaurativa reflete sua atenção na prática do ato danoso, no malfeito causado aos envolvidos nos conflitos: vítima, ofensor, comunidade e possíveis soluções do conflito. A Justiça Restaurativa traz as partes ao centro do processo, analisando as causas que motivaram o infrator ao cometimento do delito, oferecendo às partes a autonomia de um diálogo equilibrado entre vítima, ofensor e comunidade, promovendo, assim, uma democracia participativa entre as partes.

A maior diferença entre os dois modelos de justiça reside na definição de crime adotada por cada um deles. O sistema de justiça criminal convencional define o crime como uma violação aos interesses do Estado. Contrapondo-se a essa definição, a Justiça Restaurativa propõe reconstruir o conceito de crime, afirmando que, além de ser uma transgressão aos interesses do Estado, o crime é um fato causador de prejuízos e consequências para todas as partes envolvidas no conflito. A infração, na Justiça Restaurativa, deixa de ser apenas uma violação aos interesses do Estado e passa a ser vista em um contexto mais amplo, analisando as origens do delito e não apenas uma relação de causa e efeito como é tratado no modelo retributivo.

Durante anos o legislador vem buscando alternativas superficiais pautadas, ainda, em um paradigma retributivo. Essas alternativas apenas remedaram nosso sistema jurídico, contudo, mostraram-se ineficientes como é toda a Justiça Retributiva.

O modelo restaurativo é uma evolução das sanções penais. Aplicado nos casos possíveis, esse novo modelo de justiça criminal deve ser consensual e voluntário entre ofensor e ofendido, regido pelos princípios da complementariedade, da confidencialidade, da economia, quando o dano for material, e da disciplina, em que cada ente envolvido deve cumprir sua parte para a solução do litígio, de maneira célere e eficaz.

É preciso que a sociedade mude sua visão sobre crime e justiça. É necessário romper velhos preconceitos sociais e jurídicos. Uma vez que o atual sistema punitivo apenas provou que violência não pode ser combatida com a própria violência, a mudança para um paradigma restaurativo concerne na democracia da justiça criminal. Esse modelo se mostra como o mais humano e como o que apresenta os melhores resultados práticos.


Referências:

ACHUTTI, Daniel. Modelos contemporâneos de justiça criminal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e Das Penas. 3° Ed. São Paulo. Martins Fontes Editora Ltda, 2005.

BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. – 10. ed. – São Paulo: Saraiva, 2105.

PINTO, Renato Sócrates Gomes. A construção da justiça restaurativa no Brasil: O impacto no sistema de justiça criminal. Disponível em: http://www.idcb.org.br/documentos/sobre%20justrestau/construcao_dajusticarestaurativanobrasil2.pdf>. Acesso em: janeiro. 2016.

SICA, Leonardo. Bases para o modelo brasileiro de Justiça Restaurativa. Revista Jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, n.12, 2009.

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ZEHR, Howard. Trocando as lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça. São Paulo: Palas Athena, 2008.

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Sobre o autor
Leonardo Martins Felix

Advogado, Sócio-Fundador do Almeida, Barbosa & Felix Advocacia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FELIX, Leonardo Martins. O paradigma restaurativo no âmbito criminal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4823, 14 set. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/49426. Acesso em: 22 nov. 2024.

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