Ato de declaração administrativa de inexistência jurídica.

Elementos para uma teoria

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01/06/2016 às 20:04

Resumo:


  • A inexistência do ato administrativo é um tema relevante que merece melhor sistematização do direito positivo para reconhecer a importância do plano da existência nos atos da Administração Pública.

  • O ato declaratório de inexistência jurídica, como ato administrativo secundário, possui importância, especialmente ao contrapor interesses e direitos do cidadão afetados pelos efeitos fáticos de um ato inexistente.

  • O ato declaratório de inexistência pode ser utilizado para manipular os efeitos do ato inexistente, visando à proteção dos direitos e interesses dos envolvidos, considerando a segurança jurídica e a estabilidade das situações constituídas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O estudo visa a tecer comentários acerca do ato de declaração administrativa de inexistência jurídica. No texto, priorizou-se o levantamento e apresentação de elementos considerados importantes para um início de debate acerca do tema pouco explorado.

Sumário: 1. NOTAS INTRODUTÓRIAS; 2. ATO ADMINISTRATIVO INEXISTENTE; 3. REGIME JURÍDICO DA INEXISTÊNCIA NO DIREITO ADMINISTRATIVO; 4. ATO DECLARATÓRIO DE INEXITÊNCIA JURÍDICA E MODULAÇÃO DOS EFEITOS DO ATO INEXISTENTE; 5. QUESTÕES PROBLEMÁTICA; 5.1. REPRISTINAÇÃO DE ATO ANTERIOR; 5.2. APLICAÇÃO DE LEI NÃO PROMULGADA; 5.3. COMPETÊNCIA; 5.4. MODULAÇÃO DE EFEITOS E ISONOMIA; 5.5. PRAZO; CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS

1.            NOTAS INTRODUTÓRIAS

O presente artigo origina-se de um trabalho de pesquisa realizado a partir de provocação do Professor Doutor Paulo Otero, no programa de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

Embora o ato administrativo seja um dos principais tópicos de discussão de qualquer programa que se comprometa a estudar o Direito Administrativo, poucas ainda são as lições acerca da inexistência jurídica destes, havendo, inclusive, quem levante dúvidas acerca da existência de atos inexistentes. Mais incipientes ainda são os trabalhos que se debruçam sobre o ato declaratório dessa inexistência, enquanto atos administrativos que são.

Trata-se, entretanto, de temática que possui mais importância do que aprioristicamente possa-se representar. Buscar-se-á, demonstrar, portanto, a relevância do ato de declaração administrativa de inexistência, a partir, sobretudo, de sua implicância fática para quando confrontada com os interesses do cidadão. A mais, buscar-se-á, dos pontos propedêuticos às análises finais, levantar elementos problemáticos que envolvem a temática, com o intuito de estimular o debate e a investigação.

 O tema exige uma pesquisa profunda, a qual não é comportada neste breve estudo, cumprindo fazer anotações que contribuam para a construção de uma teoria.

Os comentários realizados estão organizados em tópicos, apresentando, primeiramente, conceitos básicos e construindo-se raciocínios que contribuirão para o desenvolvimento das ideias a serem apresentadas. Em continuidade, examinar-se-á alguns pontos que surgem da análise, sem pretensão de necessariamente propor respostas, mas, principalmente, de apresentar as problemáticas decorrentes do tema, bem como as possíveis interpretações das mesmas.

O fim último é, portanto, não é o de propor respostas definitivas, mas o de oferecer elementos para uma discussão ainda rasa no Direito Administrativo.

2.            ATO ADMINISTRATIVO INEXISTENTE

            Por muito tempo, a inexistência foi identificada como sinônimo de invalidade, não existindo, pois, como categoria autônoma. Nesse sentido, a doutrina de Hans Kelsen – para quem o ato administrativo é uma norma individual – ensina que a palavra “vigência” (validade) é utilizada para designar o modo de existência das normas[1].

            Esse entendimento não pode prosperar, e, de fato, não tem sido defendido pela expressiva maioria da doutrina. Com efeito, conforme esclarece Bandeira de Mello, antes que se possa adjetivar um ato como válido ou invalido, é necessário que ele exista; não se trata de uma exigência tão somente lógica, mas jurídica[2].

            A inexistência, portanto, seria vício do qual padece o ato administrativo que não satisfaz os            pressupostos para existir como tal. O elenco desses pressupostos, entretanto, não é exposto de forma homogênea no Direito Administrativo.

            Na Espanha, Eduardo Garcia de Enterria e Tomas-Ramon Fernandez tratam a matéria de forma imprecisa. Assumem por inexistente o ato que desrespeita as exigências elementares, exigências essas que, de tão óbvias, a lei nem se preocupa em estabelecer[3].

            No Brasil, costuma-se entender por inexistente o ato que não possui objeto materialmente possível – ou seja, que não se reporte a algo ou que se reporte a algo sem viabilidade jurídica – e que não possua pertinência com a função administrativa[4]. Esse fenômeno seria um fato, ou mesmo ato jurídico, mas não um ato administrativo[5].

            Contudo, encontra-se dissonâncias doutrinárias, à exemplo de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, que admite que os elementos essenciais à existência do ato seria forma, motivo e objeto[6]

            Na doutrina portuguesa, a matéria se apresenta de forma ainda mais heterogênea, não havendo concordância, sobretudo, na interpretação do Código de Procedimento Administrativo (CPA). Aponta-se, tradicionalmente, como pressupostos de existência do ato a sua imputabilidade à Administração (ou a quem lhe faça as vezes), e a apresentação de conteúdo que represente situação jurídico-administrativa concreta[7].

Mário Aroso de Almeida acredita que esse posicionamento está consagrado no CPA, cujo art. 155[8], nº 2 afirma que o ato administrativo considera-se praticado quando identifica o autor, o destinatário (se for o caso) e o objeto a que se refere o conteúdo[9]. Contudo, o fato do nº 1 do dispositivo referir-se à “eficácia do acto administrativo” é invocado por Licínio Lopes Martins para deste entendimento discordar, acreditando ser vantajoso que um único artigo não se refira a planos diferentes do ato jurídico[10].

            Paulo Otero[11], por sua vez, sistematiza as três principais hipóteses de condutas administrativas merecedoras do desvalor: (i) decisões a que falte um mínimo de identificabilidade como decisões administrativas; (ii) decisões que violem material e gravemente a juridicidade, quando tal conduta não equivale a uma tipificada expressamente para a sanção com nulidade; e (iii) decisões que apliquem leis feridas de inexistência jurídica.

            Ainda que seja uma matéria que careça de maior uniformização do entendimento, e, talvez, de tipificação mais clara nos ordenamentos jurídicos, nota-se que há, em geral, o reconhecimento de da “existência da inexistência” na teoria dos atos administrativos. Este é ponto crucial, pois, embora haja certa desavença doutrinária sobre  os pressupostos de existência de um ato administrativo, não seria possível seguir a análise sem ao menos firma-se que é possível que um ato administrativo seja juridicamente inexistente. Não há pretensão, entretanto, de fornecer uma solução a tais discussões, uma vez que não se trata do tema central do trabalho, mas, de forma propedêutica, a questão fica apresentada.

           

3.     REGIME JURÍDICO DA INEXISTÊNCIA NO DIREITO ADMINISTRATIVO

            Sendo, pois, a inexistência, a qualificação de menor valia entre os vícios passíveis de atingir os atos administrativos, questiona-se qual regime jurídico a se lhe aplicar.

Os juristas que adentram nesta discussão costumam apontar para a impossibilidade total de reconhecimento de efeitos ao ato administrativo inexistente, sendo inadmissível seu aproveitamento, posto que “massa natimorta para o Direito Administrativo”[12], à qual é impossível reconhecer eficácia[13]. Assim, independentemente de qualquer declaração, o ato inexistente a ninguém seria capaz de obrigar[14].

Com efeito, em um mundo ideal, algo que inexiste não deve produzir qualquer efeito, não sendo necessário que venham a dizer que aquele algo inexiste para que ele não possua eficácia no mundo dos fatos. Contudo, nem sempre assim ocorrerá. O ato juridicamente inexistente, no mais das vezes, aparenta ser um ato administrativo e, portanto, produz, sim, consequências fáticas que devem ser observadas pelo direito.

José Oliver formula observação no mesmo sentido, propondo que, quando da declaração da inexistência do ato, deve-se promover o desaparecimento desses efeitos desde a origem, sendo, pois, o regime da nulidade a nulidade absoluta de seus efeitos[15]. Mas será que esses efeitos podem ser simplesmente retirados, corrigidos, restaurando a situação inicial?

Paulo Otero, por sua vez, admite o reconhecimento de certos efeitos jurídicos aos atos administrativos que padeçam de ilegalidade derivada ou consequente, ou seja, àqueles atos viciados por aplicarem lei inexistente, por razões de justiça e segurança[16].

Mais além, ainda que sem maior desenvolvimento, Moreira Neto admite que é possível abrandar-se o regime da inexistência em favor da boa-fé dos administrados, que não podem ser ludibriados pela aparência regular desses atos[17].

A boa-fé do destinatário é, de fato, um dos principais contrapesos invocados para permitir a salvaguarda de efeitos de atos administrativos nulos, além da segurança (sobretudo proveniente do decurso do tempo[18]) e da tutela da confiança[19].

De certo que a inexistência se trata de uma invalidade mais grave que a nulidade, e, portanto, deve receber um tratamento mais rígido. Contudo, também é necessário considerar que os princípios e interesses não são apenas relevantes para o tratamento dos efeitos de atos nulos, merecendo proteção também nas hipóteses de inexistência. A boa-fé e a confiança legitima do cidadão, bem como o decurso do tempo e os princípios e interesses juridicamente tutelados exigem que não só o interesse púbico seja considerado quando da análise das situações havidas, podendo ser motivo para a consolidação de condutas constituídas e manutenção de seus efeitos, mesmo que irregulares[20].

4.    ATO DECLARATÓRIO DE INEXITÊNCIA JURÍDICA E MODULAÇÃO DOS EFEITOS DO ATO INEXISTENTE

Firmado que o ato administrativo inexistente pode assumir aparência de ato administrativo, sendo, portanto, apto a produzir efeitos que podem afetar o cidadão de boa-fé, revela-se a relevância do ato declaratório da inexistência jurídica, sobretudo para a modulação desses efeitos.

O ato administrativo de declaração da inexistência, como ato secundário, que opera seus efeitos em outro ato administrativo, é considerado, como visto, prescindível, posto que apenas declaratório[21] (não constituinte). Contudo, a situação de fato pode torná-lo necessário, para que haja tutela dos direitos e interesses legítimos decorrentes.

            Os atos de declaração, deve-se reconhecer, mais do que clarificadores da situação pré-existente, são atos administrativos aptos a definir situação jurídica de terceiros, possuindo caráter regulatório – posto que definem o direito do caso concreto -  e serve de parâmetro e pressuposto para comportamentos futuros[22]. Embora não sejam atos constitutivos propriamente ditos, eles inovam no mundo jurídico, dando atendibilidade a situações jurídicas preexistentes[23].

Pois bem, cumpre à Administração Pública, no bojo do ato declaratório da inexistência de ato que anteriormente praticou regular as situações dele decorrente, sopesando os prejuízos que decorrentes da manutenção ou não de seus efeitos. Na tutela dos interesses e direitos relevantes à situação, defende-se, aqui, que pode a autoridade pública modular os efeitos declaração de inexistência (a inexistência dos efeitos do ato primário), restringindo sua retroatividade, e favorecendo a situações já concretizadas[24]. Poderia ser possível, inclusive, o diferimento para o futuro, sendo saudável, entretanto, neste particular, o estabelecimento de prazo, impedindo abusos e perpetuações de condutas que padecem de inexistência jurídica[25].

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Não se trata de uma convalidação, o ato primário continuará a padecer de sua invalidade, havendo um novo ato que tratará de atestar a condição fática pré-existente (a inexistência jurídica) e de observar os seus efeitos. Assim, embora o foco anterior tenha sido aos efeitos favoráveis ao cidadão de boa-fé, deve-se pontuar que a manutenção dos efeitos do ato administrativo inexistente não prejudica eventual responsabilização[26] da Administração Pública e do agente por danos causados, uma vez que a ilegalidade da conduta permanece[27].

É de se defender que esta é uma das prerrogativas sustentada pela administração pública, coloraria da autotutela, a qual lhe permite o controle de seus próprios atos sem que necessite recorrer ao Judiciário[28].

5.     QUESTÕES PROBLEMÁTICAS

O tema, por sua complexidade e por seu tratamento raso, sobretudo pelo direito positivo, abre espaço para algumas questões problemáticas, ainda que decorrentes de exemplos laboratoriais, mas que merecem discussão. Enumera-se algumas delas.

Como o título do presente já informa, são elementos que são introduzidos por serem considerados relevantes para a formulação de uma teoria acerca do ato administrativo declaratório de inexistência jurídica. São provocações para estimular a meditação sobre o tema. Segue-se, pois, a linha propulsora das aulas ministradas pelo professor Paulo Otero na Universidade de Lisboa, de multiplicar as dúvidas acerca dos objetos estudados, e não de propriamente oferecer respostas, mesmo porque, como visto acima, respostas tomadas rapidamente nem sempre estão aptas a satisfazer as necessidades reais encontradas no mundo dos fatos.

5.1.    REPRISTINAÇÃO DE ATO ANTERIOR

Imagine-se que o ato administrativo ao qual se declarou a inexistência fosse um ato que revogava um terceiro ato, haveria repristinação deste último?

Sendo a inexistência um vício que remonta à origem do ato, salvo a modulação de seus efeitos é possível imaginar que sim, haveria a repristinação do ato anteriormente revogado. Este ato voltaria a produzir efeitos, então, até nova declaração.

Se o ato inexistente houver sido de fato praticado por um agente da Administração Pública, mas desrespeitando outro pressuposto de existência, haveria uma nova oportunidade para que a Administração realizasse o juízo de conveniência e oportunidade acerca do ato primário? Quer-se dizer, poderia a Administração optar por não revogar o ato, que anteriormente havia revogado, por reformular seu juízo acerca de seu mérito?

Mais, em uma situação tal, poderia o cidadão eventualmente prejudicado pelo ato primário valer-se da proteção à confiança para exigir da Administração que revogue novamente aquele ato?

5.2.    APLICAÇÃO DE LEI NÃO PROMULGADA

Como posto acima, a doutrina elenca como hipótese de inexistência a aplicação de lei inexistente. Assim, o ato administrativo que aplica uma lei não promulgada seria inexistente.

O ato declaratório serve para o reconhecimento de situação pré-existente, deve-se aplicar, em regra, o direito que estava em vigor no momento de sua constituição[29]. Assim, não havendo a lei aplicado sido promulgada à época da prática do ato originário, há completa coerência no ato declaratório de sua inexistência. Contudo, caso a lei venha a ser promulgada, com efeitos retroativos, esse ato passaria a existir, em espécie de sanação do vício? O ato que declarou a inexistência do outro ato, por sua vez, padeceria de uma nulidade superveniente por falta de motivo?

Há sérios riscos a serem representados na possibilidade de sanação do vício por lei que venha ser promulgada posteriormente. Na hipótese da lei que já estivesse em tramitação e apenas houve um erro quanto à data de sua entrada em vigor, pode-se arguir a boa-fé da autoridade pública e, então analisar-se as posições jurídicas decorrentes do lado. Contudo, em outras situações, sobretudo nas quais há competência legislativa do Executivo, seja por vias ordinárias ou por extraordinárias (v.g. situações de emergência), pode haver uma concentração de poderes nos órgãos administrativos insuportáveis pelos princípios federativos e de separação dos poderes.

5.3.    COMPETÊNCIA

Compreendido, aqui, como prerrogativa anexa à autotutela que goza a Administração Pública, o ato administrativo declaratório de inexistência jurídica poderá ser praticado por autoridade atribuída de poderes públicos. Entretanto, que autoridade gozaria desse poder?

Quando o ato originário foi praticado por um agente público que possua superiores hierárquicos, parece simples admitir que o superior possui poderes para praticar o ato a declarar a inexistência. Também não parece tão tormentoso admitir que um agente de igual hierarquia exerça a prática deste ato, embora possam ocorrer problemas institucionais diante do exercício de tal prerrogativa. Contudo, na situação em que o agente responsável pela prática do ato inexiste é o chefe do poder executivo, a questão se torna mais complexa.

É possível admitir que o próprio agente que praticou o ato inexistente declare sua inexistência? Mais, seria possível que o próprio praticante do ato originário manipulasse seus efeitos no caso concreto? Não haveria, nesta situação, uma parcialidade grave? Em hipóteses tais, possivelmente a melhor solução seja admitir que a inexistência seja declarada por órgãos de controle externo que eventualmente possuam esta prerrogativa e, na ausência deles, tão somente pelo Poder Judiciário.

5.4.    MODULAÇÃO DE EFEITOS E ISONOMIA

A prerrogativa de modulação dos efeitos da inexistência em proteção aos princípios e interesses concorrentes às consequências da prática do ato inexistente é, a priori, de simples exercício em situações isoladas e individuais. Explica-se; se o ato possui único destinatário, que, de boa-fé, obteve efeitos favoráveis e, por confiança na legitimidade e legalidade da conduta administrativa criou projetos de vida, deve-se buscar a manipulação dos efeitos da inexistência para anular ou diminuir, na medida do possível, os prejuízos enfrentados por este particular. Se, contudo, o ato possuísse efeitos desfavoráveis, mantém-se os efeitos originários da inexistência, e analisa-se eventual responsabilização da Administração por prejuízos injustos.

Contudo, argui-se como se deve proceder em situação em que há mais de um destinatário de boa-fé, direta ou indiretamente afetados, e, a um é favorável e, ao outro, desfavorável.

Luís Heleno Terrinha, ao tratar do aproveitamento dos atos anuláveis, deixa entender que nessas situações a conduta escorreita é a de não manipulação dos efeitos, pois esta não deve ocorrer sempre que haja lesão a posição jurídica de particular[30]. Com efeito, situações tais podem gerar graves problemas de isonomia.

Considera-se, outrossim, que, ainda assim, deve-se ponderar os benefícios e prejuízos, sobretudo a dificuldade de reparação destes, quer seja da anulação total ou da modulação dos efeitos, para uns e para outros. Imagine-se que os prejuízos gerados a um dos destinatários pela manutenção das consequências do ato inexistente sejam facilmente reparáveis, ao passo que os que seriam suportados pelo outro destinatário na anulação total dos efeitos sejam de difícil ou impossível reparação; é possível que, neste exemplo, a melhor solução seja manipular os efeitos do acto declaratório de inexistência.

Assim, apenas a situação concreta e a ponderação das possibilidades será capaz de revelar a resposta correta para a hipótese, com menor prejuízo à isonomia.

5.5.    PRAZO

Tradicionalmente, afirma-se que a inexistência não se sana como tempo, podendo ser declarada a qualquer momento[31]. É isto o que é estabelecido, igualmente, quanto à nulidade.

Assim, apenas haveria prescrição da pretensão de invalidação do particular, contenciosamente, ou decadência do dever/poder de anulação dos próprios atos que goza a Administração, para os atos anuláveis. Nestes, a necessidade de certeza e segurança jurídica importariam na necessidade de estabelecimento de prazo de impugnação[32].

A gravidade maior posta à nulidade e à inexistência jurídica deve-se, sobretudo, à ofensa grave a legalidade que elas sugerem, de forma que a supremacia do interesse pública exigia que o exercício dos atos declaratórios desse vício fosse imprescritível. Contudo, a atualização e reforma do Direito Administrativo impõe a quebra dos absolutização vetustamente posta a postulados. A segurança, sobretudo em sua vertente de proteção da confiança, impõe a estabilização das situações constituídas, de forma que também ao ato declaratório de inexistência de ato administrativo deve ser reconhecido prazo decadencial[33].

CONCLUSÃO

            A inexistência do ato administrativo, como visto, é tema a levantar muitos debates, merecendo, talvez, melhor sistematização do direito positivo, que reconheça a relevância do plano da existência nos atos da Administração Pública, bem como traga segurança e estabilidade em torno dos elementos que componham os ditos pressupostos de existência.

            A pouca referência firme em torno da inexistência jurídica torna ainda mais complexo tratar-se do ato administrativo que a declara. Tal fato, entretanto, não escusa a doutrina de debruçar-se sobre o tema, o qual, como se intentou demonstrar, é relevante. O ato declaratório de inexistência jurídica, enquanto um ato administrativo secundário, possui uma importância que vem sido ignorada, mas que ganha força sobretudo quando se contrapõem interesses e direitos do cidadão afetados pelos efeitos fáticos – ainda que não jurídicos – de um ato inexistente.

            O texto é breve e, como já afirmado desde a introdução, visa a estimular o debate em torno de uma teoria sobre o tema. Trata-se de despretensioso compartilhamento de pontos controversos encontrados no estudo do tema.

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Sobre o autor
Luiz Quintella

Advogado no Escritório Jacoby Fernandes & Reolon. Mestre em Direito Administrativo pela Universidade de Lisboa. Especialista em Direito Público pela Faculdade Baiana de Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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