Introdução
O presente artigo terá como foco a análise do crime de lavagem de capitais, crime este que ofende a admnistração pública. Uma vez que os métodos para a prática do delito tem como objetivo a acultação do produto de um ilícito penal. A primeira tratativa legal do crime, em forma de lei específica sobre o tema, se deu nos teores da lei nº 9.613, de 3 de março de 1998. Entretanto, como será passível de análise no capítulo a seguir, este crime tem uma origem arcáica.
Atualmente, o tema fica regulado pela lei nº 12.683, de 9 de julho de 2012, uma vez que alterou a lei citada anteriormente. que tem em seu escopo uma forma mais “eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro”, inclusive a mesma lei ainda define a pena de que praticar o crime, reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa.
Assim, fica evidente que o crime citado deve ser combatido pela justiça pública. E ainda, os que praticam tal infração penal devem sofrer as devidas sanções, admnistrativas e principalmente penais. Este será o modo mais efetivo de combate ao crime organizado.
Breve Contextualização Histórica.
Do mesmo modo que desde que a primeira lei foi criada surgiu o primeiro crime, da mesma forma, desde a invenção da moeda pelos fenícios existiram meios e tentativas de usar o dinheiro de modo fraudulento.
Não se sabe ao certo a origem do crime de lavagem de capitais mas existem relatos quase pré-históricos de tentativas de tornar dinheiro ou riqueza ilícita em lícita.
Um dos casos mais famosos remonta a Napoleão Bonaparte, famoso conquistador francês do século XIX, Napoleão, antes de invadir a Prússia, distribuiu entre seus soldados rasos notas falsas daquela nação. Os soldados usavam essas notas no comércio das cidades invadidas ao invés de realizarem a tradicional pilhagem. O resultado era que a população local adorava o exército invasor por serem bons “clientes” e aceitava a ocupação de forma muito mais passiva enquanto gerava inflação de forma inadvertida no país rival. Elevando assim, o conceito de lavagem de dinheiro a um nível de “guerra econômica”.
O crime de lavagem de capitais continua até os dias de hoje, sendo cada vez mais comum no nosso cotidiano. No Brasil, desde a inconfidência mineira, o tributo é encarado como escravidão perante o Estado, e não como o “preço da cidadania”. Enquanto não for encarado de outra forma, a história se repetirá.
Aspectos Legais
Batizado assim por conta dos mafiosos que utilizavam as lavanderias como investimento do produto do crime com a finalidade de ocultação, o crime de lavagem de dinheiro possui requisitos para que seja consumado.
O que faz este crime tocar o ordenamento jurídico penal é a ocultação de um produto de crime, dos valores obtidos a partir do ilícito, qualquer que seja este, desde que gere um produto passível de ocultação. Para que ocorra, é comum a utilização do sistema financeiro, que pode favorecer a ocultação, mas não é só, qualquer método que troque da ilicitude do produto para a licitude.
Como forma de se mascarar tal ilicitude, é comum a compra de bens extremamente valiosos, como pinturas e automóveis, também corriqueiro é o envio destes valores às Off- Shores, os famoso paraísos fiscais, como são conhecidos os países que possuem uma política bancária e financeira distinta do Brasil, também comum a supervalorização de atividades comerciais, como exportação e importação. Sendo assim, pode ser que o produto do crime seja proveniente do tráfico de drogas também.
Quanto a análise legal, o enfoque deve ser na lei 12.683 de 2012, oriunda da primeira lei, 9.613 de 98 que foi produzida nos ditames e em conssonância com a Convenção de Viena de 1998. Sendo assim, a lei atual traz novidades no que tange à lavagem de capitais, sendo elas, a admissão do crime de lavagem de dinheiro sem que necessariamente tenha um crime antecedente previsto no holl legal, ou seja, qualquer crime antecedente poderá ser considerado, a inclusão das hipóteses de alienação antecipada e que garantam que os bens não sofram desvalorização, ainda, a inclusão de novos sujeitos obrigados tais como cartórios, profissionais que exerçam atividades de assessoria ou consultoria financeira, representantes de atletas e artistas, feiras, dentre outros e por fim, o aumento da multa do crime, que passa a ser de até vinte milhões de reais.
Aspectos Polêmicos
Diante a necessidade de combater o crime organizado e suas novas formas de lavagem de dinheiro tanto no território nacional como em terras estrangeiras, fez-se necessário uma nova abordagem ao crime de lavagem de capitais ou processo de branqueamento de capitais.
No ordenamento pátrio a primeira lei de nº 9.613 que tratou do tema entrou em vigor em 1998, definindo o crime de lavagem de dinheiro em rol taxativo com pena de 3 a 10 anos, criando órgãos de fiscalização como a Unidade de Inteligência Financeira e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras, assim como mecanismos de cooperação internacional, ademais, instituíram-se varas judiciais especializadas.
Nessa seara, diante ao advento de novas formas de comunicação como a internet, assim como a consagração da economia globalizada, fez-se necessário uma nova abordagem ao crime de lavagem de dinheiro para estar em consonância com diplomas e diretrizes de países e órgãos internacionais promulga-se a lei 12.683 de 2012, inovando tanto na aplicação penal como no campo processual penal, ocasionando descompasso com a ordem vigente estabelecida, visto que, se amplia o âmbito de intervenção do direito penal na esfera civil, pois se estendeu a todo e qualquer delito ou contravenção penal, a possibilidade de ser crime antecedente da lavagem de dinheiro, extirpando rol fechado dos crimes.
Importante mencionar, desde a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, consagrou-se que a lei não deve estabelecer outras penas que as estritamente e manifestamente necessárias.
Em relação ao exercício do poder punitivo estatal, primeiramente o princípio da necessidade reclama que a incriminação de uma conduta seja meio imprescindível para a proteção de bens jurídicos e comporte a intervenção mínima possível sobre os direitos da pessoa para alcançar tal finalidade.
Em segundo lugar, o princípio da adequação requer que a incriminação da conduta e consequência jurídica desta, pena, seja apta a alcançar o fim que as fundamentem.
Em último lugar, o princípio da proporcionalidade em sentido estrito requer um juízo de ponderação entre a carga de privação ou restrição de direito que comporta a pena e o fim perseguido com a incriminação e com as penas previstas.
Ademais, nesse contexto de expansionismo penal, a nova lei exige que pessoas físicas prestadores de serviços como advogados, contadores, corretores, entre outros, ao constarem uma eventual suspeita que a origem do dinheiro seja ilícita informem as autoridades competentes sob pena de responderem como partícipe do crime de lavagem de dinheiro praticada por terceiros, entretanto no caso do advogado afastado de dolo, que agir conforme os preceitos concernentes à sua atividade profissional, zelando pela defesa técnica do seu cliente está protegido pelo dever de sigilo atrelado ao exercício da atividade profissional, de modo que não pode ser sujeito obrigado a comunicar atividades suspeitas de seus assistidos às autoridades.
Análise Hermenêutica de Casos Práticos.
Trata-se de acórdão da 3ª Turma Criminal do TJDF em que o Habeas Corpus de número 20150020255832HBC, impetrado pela ré é denegado pela corte. A defesa alegou que o crime de lavagem de capitais não teria sido cometido, uma vez que o recebimento em espécie do proveito dos crimes de corrupção passiva praticado apenas configuraria o exaurimento destes, e não o delito de lavagem. Assim, a impetrante solicitou o reconhecimento da inépcia da denúncia quanto à acusação de lavagem de dinheiro. Sendo a ementa:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CORRUPÇÃO E
LAVAGEM DE DINHEIRO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL
QUANTO À LAVAGEM DE CAPITAIS. INÉPCIA DA
DENÚNCIA NÃO VERIFICADA. ORDEM DENEGADA.
1. Não há se falar em inépcia da denúncia cujo teor descreve os fatos típicos de maneira adequada e suficiente, narrando as circunstâncias dos crimes imputados à paciente de modo a garantir o exercício do contraditório e da ampla defesa, o que satisfaz os requisitos do art. 41, do CPP.
2. Em cenários de corrupção sistêmica, nos quais a iterativa e dissimulada transferência de valores entre os envolvidos no esquema criminoso dificultam a identificação e diferenciação precisas dos atos que configuram crime de corrupção e de lavagem de dinheiro, sobretudo no momento inicial de oferecimento e recebimento da peça acusatória, como no caso, a análise pormenorizada da efetiva existência do delito de branqueamento de capitais e do(s) respectivo(s) crime(s) antecedente(s) deve ser reservada para depois da instrução probatória.
3. Ordem denegada.
O Douto Desembargador lembra em seu voto que a tipificação da lavagem de capitais muitas vezes é controverso, gerando debates na jurisprudência, especialmente quando praticados no âmbito da corrupção governamental. Entretanto para o caso em tela o magistrado considerou que o branqueamento de capitais estava sim configurado uma vez que, o pagamento da corrupção era feita de tal forma a contribuir para a ocultação e dissimulação dos valores. E transcreve no acórdão trechos da decisão proferida no juízo a quo que ensinam as fases da lavagem:
"No que diz respeito à lavagem de dinheiro, a denúncia atende aos requisitos mínimos para prosseguimento, pois descreve o suposto oferecimento e recebimento de valores, em dinheiro, com ciência da origem ilícita, interposição de pessoas e intenção de ocultar. O crime antecedente, contra a administração pública, de corrupção ativa e passiva, foi suficientemente descrito e indicado. Os requisitos para admissibilidade da denúncia estão presentes. Isso não significa que, ao final do processo, se comprovará a afirmação formulada pelo Ministério Público."
A divisão do crime de lavagem em três fases distintas se dá para fins didáticos (colocação, circulação e integração), partindo-se daquilo que é comum observar em diversas situações típicas, mas não se trata de exigência legal. A divisão não consta do núcleo do tipo, que só menciona os verbos "ocultar" e "dissimular". A lavagem não exige complexas operações para escamotear bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.
Baseado nos fatos trazidos pela denúncia, analisando todos esses eventos e considerando outras decisões na jurisprudência, o magistrado proferiu o seguinte relatório:
Cuida-se de habeas corpus impetrado em favor de MARIA CRISTINA BONER LÉO em face de decisão proferida pelo MM. Juízo da 7ª Vara Criminal de Brasília que, nos autos da Ação Penal nº 2014.01.1.051871-3, recebeu denúncia contra a paciente pelos crimes de corrupção ativa, por 168 vezes, e lavagem de dinheiro, por 21 vezes. O impetrante alega, em síntese, que a denúncia é inepta quanto aos crimes de lavagem de dinheiro, tendo em vista a ausência de descrição fática dos elementos do respectivo tipo penal. Nos termos do inconformismo, o fato de o pagamento ter sido efetuado “em espécie pode, em tese, configurar exaurimento do crime de corrupção ativa, mas nunca o delito de lavagem, já que apenas os atos posteriores ao recebimento do dinheiro, pelo agente passivo do delito, podem importar em lavagem”.
Diante disso, o impetrante pede a concessão da ordem, “a fim de se reconhecer a inépcia da denúncia no que diz respeito à acusação de lavagem de dinheiro, trancando-se, quanto ao mencionado delito, a [...] ação penal, sem prejuízo do seu prosseguimento quanto aos outros fatos descritos na denúncia”.
Não houve pedido de concessão de liminar. Tendo em vista a suficiente instrução do writ, foram dispensadas as informações (fl. 253).
A douta Procuradoria de Justiça oficiou pela denegação da ordem, às fls. 256/259.
Neste segundo caso, trata-se de Habeas Corpus de núemro 2038265-52.2014.8.26.0000 em favor dos pacientes denunciados pelo crime de lavagem de dinheiro. O impetrante reclama constrangimento ilegal por parte do MM. Juízo de Direito da 3.ª Vara Criminal de Bauru, por ferir o art. 41 do CPP, que diz:
A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.
O impetrante busca apontar atipicidade da conduta definida no art. 1.º, V, da Lei n.º 9.613/98, base da denúncia, dado o advento da Lei n.º 12.683/12. Sendo assim sua ementa:
“HABEAS CORPUS” LAVAGEM DE DINHEIRO - ART. 1º, V C/C O §4º, DA LEI 9.613/98 – INÉPCIA DA DENÚNCIA - PEÇA ACUSATÓRIA QUE PREENCHE OS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP - BEM IMÓVEL QUE, EM PRINCÍPIO, ADVIRIA DO PRODUTO DE CRIME - ELIMINAÇÃO DO ROL TAXATIVO DE CRIMES ANTECEDENTES DO ART. 1º, PELA LEI 12.683/12, QUE NÃO CONFIGURA ATIPICIDADE - TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL NESTA VIA - MEDIDA EXCEPCIONAL - NÃO OCORRÊNCIA DESSA EXCEPCIONALIDADE - PRECEDENTES - ORDEM DENEGADA.
Conforme o teor da denúncia:
Roberto [...] ocultou e dissimilou a propriedade de bem imóvel, oferecendo como meio de pagamento valores provenientes, direta ou indiretamente, de crimes contra a Administração Pública, e também [...] angariu dinheiro de origem criminosa, inclusive maquiando sua declaração de Imposto de Renda, visando posteriormente tentar tornar lícitos aqueles valores.
E Tânia, em 2006, ajustada com Roberto, recebeu dele uma doação de R$ 200.000,00, para posterior aquisição de um apartamento que, em 2008, foi alienado ao primeiro.
Daí o delito do art. 1º, V, c/c o § 4º, da Lei 9.613/98.
Nesse caso,
[...] não prospera a tese de atipicidade da conduta. Com efeito, a Lei 9.613/98, em seu art. 1º (redação original), traz um rol taxativo de crimes associados às principais formas de lavagem de dinheiro. Assim, o bem será tido como ilícito quando demonstrada sua correspondência com o crime antecedente.
Ademais, consta na peça acusatória que Roberto, na condição de delegado de polícia e Diretor do DEINTER 4-Bauru, “solicitou e exigiu de pessoas ligadas a exploração de 'maquinas caça-níqueis' nas cidades que fazem parte do DEINTER 4-Bauru, sobretudo na região de Jaú, vantagemindevida, na maioria das vezes pagas em dinheiro, sob ameaça de impedir a prática dessas atividades ou ainda para fazer 'vistas grossas' nas investigações para o combate desses jogos de azar. (...). Em outro procedimento desmembrado do originário (PIC nº 07/2008-C), averiguou-se a prática de outros delitos, entendendo o Ministério Público por ofertar denúncia, dentre outros, contra Roberto de Mello Annibal, pelas condutas do artigo 316, do Código Penal, c.c. o artigo 29, também do Código Penal, ainda em concurso material de crimes (nove vezes)”.
Diante disso, “os requisitos da existência de indícios quanto ao crime antecedente foi preenchido, pois há indicação de delitos praticados contra a Administração Pública”.
Por fim, o pedido de Habeas Corpus foi denegado, pois não há de se falar em atipicidade em virtude da entrada da Lei n.º 12.683/12, haja vista que “o delito imputado aos pacientes não foi descriminalizado, ocorrendo apenas que não há mais taxatividade para o chamado crime antecedente”. Em outras palavras, a nova lei abarca as infrações reputadas como delito base para fins de lavagem de dinheiro.
Bibliografia
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BADARÓ, Gustavo Henrique. BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais: comentários à Lei 9.613/1998, com alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012
DELMANTO, Celso et al. Código Penal comentado: acompanhado de comentários, jurisprudências, súmulas em matéria penal e legislação complementar. 6. ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
GRECO FILHO, Vicente. RASSI, João Daniel. Lavagem de dinheiro e advocacia: uma problemática das ações neutras. Boletim IBCCRIM. v. 20, n. 237, ago., 2012.
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