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Auxílio-reclusão: incentivo ao crime ou um meio de garantir o princípio fundamental da dignidade humana?

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3. AUXÍLIO-RECLUSÃO COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL

O deputado federal Fernando Franchischini (PR) elaborou a PEC 30/2011 objetivando limitar a concessão do auxílio-reclusão. A proposta prevê que nos crimes de estupro, tráfico de drogas e homicídio o benefício não deverá ser concedido. Há aqui uma grande inversão da finalidade deste benefício. Pois tal proposta atrela à concessão do auxílio-reclusão a gravidade do crime cometido – o que de forma alguma deve ser levado em consideração, até por que o mesmo não é devido ao autor do delito e sim aos seus dependentes – os quais nada tem haver com o crime praticado.

Se tentarmos punir o autor do crime através da suspensão do auxílio a seus beneficiários, estaremos retornando ao período da vingança privada, onde a sanção não estava restrita a figura do autor da infração, mas a todo aquele que tivesse ligação com este. Diante disso, partindo do pressuposto que o ordenamento penal proíbe que terceiros sejam punidos por crimes que não cometeram, não há por que se levar em conta uma proposta que é fundamentada nesta diretriz.

Então o fato de o auxilio em questão tentar garantir a dignidade humana dos dependentes do preso segurado, não o coloca em situação superior e/ou privilegiada em relação à vitima ou seus familiares, apenas garante a proteção prevista na Constituição Federal brasileira. Assim, aduz Daniel Mourgues Cogoy[6]:

“De fato, cabe ao condenado arcar com as consequências de seu delito. Porém esta responsabilidade não se estende aos seus familiares. Ora, não bastasse o sofrimento da família em ser alijada do convívio do recluso, em razão de evento para o qual não concorreu, a prisão do segurado pode gerar toda uma série de consequências econômicas para seus dependentes. Cabe ao Estado o dever de zelar pela minimização de tais prejuízos”[7]

Destarte, preceitua Ribeiro (2008, p. 241): “o amparo que o auxílio-reclusão fornece aos seus dependentes tem caráter alimentar, e destinação aos dependentes do segurado de baixa renda”. Sendo assim, configura-se como um direito fundamental de suma importância para os beneficiários, contribuindo para uma melhor distribuição de renda. Nesse sentindo, verifica-se que o papel da previdência social é diminuir as desigualdades sociais e econômicas.

Deste modo, ratifica-se a idéia de que a Seguridade Social tem a solidariedade social como um princípio basilar de atuação. Isto porque, as circunstâncias que atingem a um indivíduo necessitado, acabam consequentemente afligindo a toda a sociedade. Assim quem detém maiores condições financeira para custear a seguridade social, contribuem relativamente a sua capacidade.

O auxílio-reclusão tem natureza jurídica de prestação pecuniária que só é aprovada quando preenchido os requisitos legais, atrelada a cláusula suspensiva quando não mais convier seu pagamento com intuito do provimento familiar. O benefício tem tabém, fundamento constitucional com intuito de promover a proteção da família, não penalizando os dependentes do preso, porém respeitando a individualização da pena. É um benefício de prestação continuada, devido somente aos dependentes do segurado preso que contribui com a previdência.

Desta maneira, segundo os últimos dados fornecidos pelo INSS cerca de 46.000 (quarenta e sei mil) dependentes foram beneficiados pela concessão do auxílio-reclusão no país – o que evidencia que, embora muito criticado, o auxílio em questão, está ajudando milhares de famílias. Afinal caso este não fosse outorgado a essas pessoas, estas certamente não teriam meios para sobreviver, visto que o responsável pelo sustento delas, ao cometer o crime, estaria privado de cumprir com seu dever[8].

Por conseguinte, no que tange a Cidade de Camaçari na Bahia a concessão dos benefícios previdenciários é vista como extremamente eficiente, visto que possui uma legislação previdenciária própria – o que facilita a concessão destes direitos ao cidadão.

Nessa esteira, observa-se a Lei nº 997 de 25 de agosto de 2009 – a qual, estabelece em seu art. 27, § 1º e ss. e art. 28, § 1º e ss, a outorga do benefício do auxílio-reclusão, bem como os critérios para que este seja concedido. Deste modo, a elaboração de um código previdenciário próprio contribui muito para a melhoria do sistema previdenciário de cada região, hodiernamente apenas 33 dos 417 municípios baianos possuem um arcabouço previdenciário próprio[9].


CONSIDERAÇÕES FINAIS

As divergências quanto à concessão do auxílio-reclusão ocorrem, principalmente, pela falta de informação do que vem a ser este benefício, mas também pelo preconceito para com a família daqueles que cometem crimes.

As condutas manifestadas em redes sociais de retaliação a outorga deste benefício acabam por ser uma tentativa de impossibilitar que o Estado continue amparando os dependentes dos infratores condenados a pena de reclusão – que na maioria das vezes são familiares – o que denota um esforço em punir não apenas o autor do delito, mas também todos aqueles que possuem intima relação com este. 

Essa perspectiva além de ser inadmissível na seara jurídica, posto que infringe normas constitucionais que asseguram o direito à família, como também o dever do Estado em protege-las, vai de encontro ao princípio da dignidade humana - o qual defende o direito a todos ao respeito e a condições mínimas de sobrevivência.

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Deste modo, o auxílio-reclusão jamais pode ser entendido como um meio de incentivo a criminalidade no país, haja vista se tratar de um direito do contribuinte, pelos valores pagos à previdência social enquanto realizava serviço remunerado. E sendo um direito do contribuinte, mesmo que venha a cometer um crime, não há por que ter questionada a validade da sua outorga aos seus dependentes.

Conclui-se dessa forma, que em uma sociedade democrática não devem prevalecer essas práticas infundadas e de ordem preconceituosa, alimentadas, apenas, pelo ideal de vingança. Afinal, para que se alcance os ideais referentes a dignidade da pessoa humana, é necessário que haja o respeito aos direitos previstos em lei para que não ocorra um retrocesso aos tempos da vingança privada onde a justiça era feita pelas próprias mãos e estendida a todos aqueles que estavam ligados aos infratores.


REFERÊNCIAS

COGOY, Daniel Mourgues. O Benefício de Auxílio-Reclusão e sua interpretação segundo a Constituição Federal. Disponível em http://www.dpu.gov.br/pdf/artigos/artigo_interpretacao_daniel.pdf > Acesso em 28/05/2013.

DUARTE, Maércio Falcão. Evolução Histórica do Direito Penal. Disponível em http://jus.com.br/revista/texto/932/evolucao-historica-do-direito-penal> Acesso em 27/05/2013.

EDUARDO, Ramalho Rabenhorst. Dignidade Humana e Moralidade Democrática. Brasília:Brasília Jurídica, 2001.

EMERIQUE, Lilian Márcia Balmant; GUERRA, Sidney. O princípio da dignidade da pessoa humana e o mínimo existencial. Disponível em <http://fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista09/Artigos/Sidney.pdf> Acesso em 17/06/13.

FAZENDA,Ministério.Disponívelem<http://www.previdencia.gov.br/conteudoDinamico.php?id=22> Acesso em 26/05/2013.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 6º ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006.

LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História. 3º ed. São Paulo: Atlas, 2008.

MONTESQUIEU. Do Espírito das Leis. 2º ed. São Paulo: Martin Claret, 2010.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 16º ed. São Paulo: editora Atlas S.A, 2004.


Notas

[1] “Art. 226 – A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.

[2] “Art. 22 – As prestações asseguradas pela previdência social consistem em benefícios e serviços, a saber:

II - quantos aos dependentes:

b) auxílio-reclusão”.

[3] Disponível em < http://www.previdencia.gov.br/conteudoDinamico.php?id=22>.

[4] DUARTE, Maércio Falcão. Evolução Histórica do Direito Penal. Disponível em <http://jus.com.br/revista/texto/932/evolucao-historica-do-direito-penal> Acesso em 27/05/2013).

[5] Art. 1º - A Constituição Federal passa a vigorar com as seguintes alterações:

[...]

Art. 201 - A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

[...]

IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda;

[...]

Art. 2º - A Constituição Federal, nas Disposições Constitucionais Gerais, é acrescida dos seguintes artigos:

[...]

 Art. 13 - Até que a lei discipline o acesso ao salário-família e auxílio-reclusão para os servidores, segurados e seus dependentes, esses benefícios serão concedidos apenas àqueles que tenham renda bruta mensal igual ou inferior a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais), que, até a publicação da lei, serão corrigidos pelos mesmos índices aplicados aos benefícios do regime geral de previdência social.

[6] Defensor Público da União, Professor de Direito Civil da Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul e Professor de Direito Civil da Faculdade Atlântico Sul em Pelotas/RS.):

[7]  COGOY, Daniel Mourgues. O Benefício de Auxílio-Reclusão e sua interpretação segundo a Constituição Federal. Disponível em http://www.dpu.gov.br/pdf/artigos/artigo_interpretacao_daniel.pdf Acesso em 28/05/2013.

[8] Disponível em < http://www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2012/09/21/em-agosto-mais-de-45-mil-dependentes-de-presos-receberam-auxilio-reclusao>

[9] Disponível em < http://www.camacari.com.br/detalhe_noticia.php?cod_noticia=11576# >

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Sobre os autores
Emily Rosas Souza Farias

Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade do Estado da Bahia - UNEB. Hodiernamente, é discente do curso de Pós Graduação em Direito Tributário da Universidade Católica de Salvador - UCSAL.

Adriel Rolim

Advogado

Bruno Gama

Advogado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FARIAS, Emily Rosas Souza ; ROLIM, Adriel et al. Auxílio-reclusão: incentivo ao crime ou um meio de garantir o princípio fundamental da dignidade humana?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4726, 9 jun. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/49580. Acesso em: 22 nov. 2024.

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