Apresenta-se intolerável e inadmissível no Estado Democrático de Direito que, determinadas autoridades, empregando irregularmente os poderes que lhe são conferidos para a defesa dos interesses da sociedade, deles façam uso desvirtuado apenas para mover injustificável perseguição a quem esteja no exercício regular de uma atividade profissional. A despeito dessa certeza e das garantias constitucionais claramente inscritas na vigente Carta Política, tem-se notado que não raro, atitudes intoleráveis são assumidas em desfavor de membros da advocacia, sem que se tenha qualquer embasamento fático ou a mínima fundamentação jurídica para esse fim e efeito.
Exemplo disso, tem sido a constante sustentação feita no sentido de negar o que se acha explicitado de forma clara no próprio texto constitucional, quando se proclama a indispensabilidade do advogado para a administração da justiça [1]. Ao assim dispor, não se fez mais que reconhecer a necessidade de que técnicos com formação adequada e conhecimento específico passem a realizar a defesa dos interesses da parte, maximizando a possibilidade de êxito e tornando certa a prestação da jurisdição. A Justiça do Trabalho sustenta que dispositivo de norma ordinária não se acha atingido pela orientação da Magna Carta. Os juizados especiais admitem postulação sem a presença de advogado, até 20 salários mínimos. Os juizados especiais federais sequer aludem a qualquer tipo de limitação para que a própria parte venha a deduzir o seu pedido.
Em todas as situações vistas, até parece que a presença de advogado no processo gera um entrave ao regular processamento da demanda, acarretando demora na solução do litígio. Tais teses, inteiramente dissociadas da realidade, já não prosperam como antes. Em juízo as demandas simples não andam como deveriam. A falta de representação por advogado, longe de constituir um entrave, mostrou-se lesiva ao interesse da parte e gera um ônus acrescido para o juiz, que se vê travestido de julgador, defensor e promotor.
Tudo isso presta-se apenas a confirmar o que está expresso na própria Constituição e foi objeto de reconhecimento no Século VI d.c., quando o imperador Justino deliberou no sentido de criar a primeira Ordem dos Advogados no Império Romano do Oriente. Tecendo considerações sobre o papel do advogado desde tempos imemoriais, assevera Ruy A. Sodré [2] que "desde Péricles, primeiro advogado profissional que se conheceu em Atenas, até TITO, o Tibério Caruneaneo, primeiro pontífice plebeu que viveu em Roma, três séculos antes de Cristo, e de quem se conta ter sido o primeiro a exercer a advocacia como profissão, por sua vez o primeiro a ensinar publicamente a jurisprudência, tem sido preponderante o papel do advogado no conglomerado social". Acrescenta, outrossim, que "a própria palavra indica que o advogado sempre foi em todos os tempos aquele profissional revestido de características que o possibilitavam ser o defensor dos indivíduos contra as agressões de seus direitos".
Não é de hoje, portanto, que se reconhece a necessidade e a importância dessa atividade profissional em prol dos interesses privados de cada pessoa ou no desempenho de atribuições outras que exijam o conhecimento que ao advogado é comum e que lhe permite, por conhecer as leis, orientar a sua melhor interpretação, postulando de forma ampla e abrangente o que melhor satisfará o interesse do cliente.
Demais disso, cumpre notar que a liberdade de exercício de atividade profissional acha-se inscrita e proclamada na Constituição Federal que, dentre os direitos e garantias individuais de cada pessoa, assevera que "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer" (art. 5º, inciso XIII). Mas não se cuida desse aspecto particular da vida de cada cidadão e que é de interesse de toda a sociedade e do próprio Estado organizado, apenas e tão-somente nesse dispositivo constitucional. Ao dispor sobre os fundamentos da República Federativa do Brasil, consigna a Magna Carta, em seu art. 1º, dentre outros, aquele que se refere aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (inciso IV), proclamando, quando se refere aos princípios gerais da atividade econômica, em título voltado a regular a Ordem Econômica e Financeira, que estará esta fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados princípios diversos, dentre os quais, a busca do pleno emprego (art. 170 e inciso VIII).
Assacar, boa parte das vezes, acusações infundadas, presumindo culpas e responsabilidades, sem qualquer base real à luz do ordenamento jurídico, tem sido o móvel que orienta alguns integrantes de instituições que, por expressa determinação constitucional, devem promover a defesa do Estado e da sociedade e não promover atos de perseguição fundados apenas em presunções ou simplesmente na antipatia que nutrem pela advocacia.
Apenas para melhor ilustrar o que ora se afirma, registre-se a perseguição que é empreendida contra advogados que, por serem dotados de conhecimento e de reconhecida qualificação, são contratados pelo Poder Público para determinada atuação. Em tais situações, invoca-se expressas e específicas disposições legais que autorizam a conduta, inscritas estas no art. 13, V [3], da Lei nº 8.666/93. Adota-se, a partir da referência feita a esse tipo de serviço como profissional especializado, a hipótese de inexigibilidade contida no art. 25, II [4], da mesma norma.
Os arautos das supostas irregularidades lançam-se a proclamar em tais circunstâncias a ocorrência de improbidade administrativa, como se pudessem tipificar condutas a seu bel-prazer, sem a adoção de um critério técnico específico. E geram, em razão disso, um descabido ataque em desfavor de quem apenas está executando uma atividade lícita, legítima e moral. O mais grave em tais casos é que pouco se importam com a atividade executada, dando ênfase apenas aos aspectos meramente formais da contratação.
Necessário, no entanto, que não se tolere a mínima afronta a uma prerrogativa constitucional e legal, conferida não só ao trabalhador comum, mas de forma expressa ao profissional da advocacia que detém a condição de indispensabilidade à administração da justiça, como anteriormente dito, e ainda, desfruta de inviolabilidade por seus atos e manifestações no exercício da profissão.
A improbidade, pode-se afirmar, não reside no ato do profissional regularmente contratado para desincumbir-se de determinada tarefa e que vem a executar com dedicação e competência, produzindo trabalho útil para quem dele necessita. Estará – isto sim – inteiramente presente na atitude inconsequente de quem, ignorando toda a ordem constitucional e disposições legais, permite-se criar uma normativa própria apenas para lesar determinado profissional.
Mais ainda! Caracteriza abuso de autoridade por atentar contra os direitos e garantias legais voltados a assegurar o exercício profissional, merecendo imediata apuração, conforme previsão expressamente inscrita no art. 1º da Lei nº 4.898 [5], de 9 de dezembro de 1965, que regula o direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal, nos casos de abuso de autoridade.
A cada processo instaurado contra advogado, baseado em suposta argüição de inocorrente improbidade administrativa, deve corresponder uma reação imediata no sentido de por em destaque o abuso perpetrado e requerer as providências que em lei se acham previstas para coibir o excesso e a inconveniência de conduta detectada.
A reação, em tais casos, há de ser institucional, promovida por entidades associativas investidas de capacidade, qualificação e poderes para tanto, ampliando os efeitos que passarão a favorecer a toda a classe.
Notas
1 Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.
2 "Ética Profissional e Estatuto do Advogado" – São Paulo: LTr, 1975 – p. 267.
3 "art. 13: Para os fins desta Lei, consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os trabalhos relativos a: (...) V. patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;... "
4 "art. 25 – É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial: (...) II – para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;... "
5 Lei nº 4.898/65, art. 3º, alínea "j".