1. Introdução.
A Lei 10.833 promulgada em 29/12/2003, resultado da conversão da Medida Provisória nº 135 de 30/10/2003, trás em seu bojo uma singela reforma no sistema tributário, sendo que a mais comentada é a alteração da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins.
Porém, é mister salientar que o Capítulo II da Lei em tela, além da mudança na Cofins, implementa importantes mudanças na lei de compensação tributária e no Recolhimento da Cofins, Pis, CSL e IRPJ das prestadoras de serviços de profissão regulamentada.
Diante destas alterações, é importante elaborarmos uma breve análise a respeito das matérias acima expostas, principalmente sobre a nova sistemática da COFINS.
2. Da nova Cofins.
Como é de conhecimento geral, a Lei 10.833/2003 tem como principal objetivo a transformação da Cofins em um tributo não-cumulativo, ou seja, visa teoricamente desonerar a cadeia produtiva através da incidência da referida Contribuição somente sobre os valores agregados ao produto. Para tal, a referida lei alterou a chamada regra-matriz de incidência tributária, principalmente no que tange a alíquota e base de cálculo.
Vale frisar, antes de adentrarmos na temática acima, que a nova Cofins não se aplica às pessoas jurídicas optantes pelo "Simples" bem como àquelas tributadas pelo Imposto de Renda com base no lucro presumido ou arbitrado.
2.1. Da Hipótese de Incidência e Da Base de Cálculo.
Ab initio, mister salientar que o artigo 1º da lei alterou a denominada Hipótese de Incidência da Cofins (Fato Gerador) ao dispor que será o "faturamento mensal, assim entendido o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica".
Neste sentido, o parágrafo 2º do artigo primeiro define que a Base de Cálculo da Cofins será o "valor do faturamento conforme definido no caput", e com o fim de não pairar dúvidas sobre a Base de Cálculo o parágrafo 1º dispõe que "o total das receitas compreende a receita bruta da venda de bens e serviços nas operações em conta própria ou alheia e todas as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica".
E o artigo 5º define que o Contribuinte da Cofins será a pessoa jurídica que auferir as receitas a que se refere o artigo 1º da lei.
Diante ao exposto surge uma pertinente indagação, a Lei 10.833/2003 define como Base de Cálculo o faturamento ou a receita bruta da pessoa jurídica ? E outra mais importante, tal definição está eivada de alguma ilegalidade ou inconstitucionalidade ?
A primeira questão é resolvida pelo próprio artigo 1º, o qual dispõe que a Receita Bruta da pessoa jurídica será a Base de Cálculo da Contribuição ao determinar que "faturamento mensal" consiste em "todas as receitas auferidas pela pessoa jurídica".
Ratificando o caput, o parágrafo 3º do artigo 1º elenca em seus incisos quais receitas não deverão integrar a Base de Cálculo. Desta forma, após uma análise sistemático-normativa veremos que o artigo 1º define que "todas as receitas" integrarão a Base de Cálculo exceto aquelas dispostas no parágrafo 3º, deixando claro que a Receita Bruta das Pessoas Jurídicas contribuintes da Cofins será a sua respectiva Base de Cálculo.
Neste aspecto, tal determinação legal não fere a Constituição Federal, visto que o artigo 195 inciso I, alínea "b" dispõe que as Contribuições Sociais serão incidentes sobre o "a receita ou o faturamento".
Porém, a lei comete um vício legal ao confundir os conceitos de "faturamento" e de "Receita", visto que este último é mais abrangente do que o anterior, e conseqüentemente a legislação em estudo deu um alcance maior no conceito de "faturamento", o que é expressamente vedado pelo artigo 110 do Código Tributário Nacional, in verbis:
Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.
Desta forma, houve uma afronta ao Código Tributário Nacional (o qual tem status de Lei Complementar) ao definir que a Base de Cálculo será o "faturamento mensal" definindo-o como "todas as receitas auferidas pela pessoa jurídica" (conceito abrangente).
Por outro lado, podemos entender que a Lei em tela simplesmente comete uma atecnia ao definir faturamento como receita, ou seja, o legislador despreocupado com o rigor técnico no que tange o sentido semântico dos institutos, utiliza "faturamento" como sinônimo de "receita bruta", e desta forma não comete nenhuma ilegalidade, deixando ao encargo do cientista do direito a tarefa de extrair dos enunciados prescritivos o verdadeiro sentido da norma jurídica promulgada.
2.2. Da alíquota e Do direito à crédito sobre os insumos.
A alíquota da COFINS passará a ser de 7,6% incidentes sobre todas as Receitas auferidas pela Pessoa Jurídica, exceto aquelas receitas previstas no parágrafo 3º do artigo 1º, conforme as disposições do artigo 2º da Lei.
Porém, ao calcular o valor a ser recolhido aos cofres públicos, as Pessoas Jurídicas poderão descontar créditos oriundos da aquisição de bens e serviços utilizados como insumos na prestação de serviço ou na fabricação de produtos, conforme as disposições do art 3º da lei.
Encontraremos nos incisos I ao IX do artigo 3º da lei sobre quais bens e serviços deverão ser calculados os créditos de Cofins.
O referido crédito será calculado com base na alíquota de 7,6% sobre os bens e serviços adquiridos no mês, como prevê o parágrafo 2º do artigo 3º. Vale frisar que aqueles créditos apurados e que não foram objeto de aproveitamento no mês poderão ser aproveitados nos meses subseqüentes.
As Pessoas Jurídicas sujeitas ao novo Regime da Cofins também terão direito a crédito sobre o estoque existente à época do início da vigência da nova Cofins, o qual será calculado mediante a aplicação da alíquota de 3% sobre o valor do estoque e deverá ser utilizado (dividido) em 12 parcelas mensais, iguais e sucessivas.
A lei em tela faz uma vedação ao direito dos créditos para as empresas importadoras, ou seja, não darão direito ao crédito da Cofins os bens e os serviços adquiridos de pessoa jurídica não domiciliada no Brasil, bem como os custos e despesas pagos à empresa estrangeira.
Neste sentido, mister salientar que esta vedação, segundo alguns juristas, esbarra em alguns princípios constitucionais como o da Isonomia, do Não-confisco e da Capacidade Contributiva, porém tal discussão demandaria outro estudo mais aprofundado da matéria.
Também não são alcançados pelo novo Regime os valores de mão-de-obra pagos à pessoa física, os serviços de comunicação utilizados na administração, os serviços de transportes não relacionados com a produção ou serviço prestado, os serviços em geral utilizados pela administração e pelas empresas comerciais.
Outro aspecto de suma relevância é o que dispõe o artigo 4º para as Construtoras e Incorporadoras, o qual dispõe que os créditos apurados sobre os custos da unidade construída somente poderão ser utilizados após a efetivação da venda da referida unidade.
Vale trazer a baila o disposto no parágrafo 4º do artigo 6º da lei que veda a empresa exportadora de obter o crédito da Cofins, isto ocorre em virtude do caput do artigo 6º ter mantido a isenção das receitas de exportação do pagamento da Cofins.
No caso da pessoa jurídica sujeitar-se à incidência não-cumulativa da Cofins em relação apenas à parte de suas receitas, o parágrafo 7º do artigo 3º determina que o crédito que terá direito deve ser apurado somente em relação aos custos, despesas e encargos vinculados à tais receitas.
Por último, os artigos 15 e 16 da lei dispõem, em linhas gerais, que as mesmas regras a respeito dos créditos aplicadas à Cofins não-cumulativa deverão ser aplicadas também ao PIS/PASEP não-cumulativo instituído pela Lei 10.637 de 30/12/2002.
3. Da Compensação de Indébitos e Créditos Tributários.
A Compensação de indébitos e de créditos tributários é tratada por diversas leis e instruções normativas, porém iremos focar nosso breve estudo na compensação dos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal, a qual é regulada pela Lei 9.430/96, cujos artigos sofreram alterações importantes pelas Leis 10.637/2002 e pela lei 10.833/2003.
O artigo 74 da Lei 9430/96 com a nova redação dada pela Lei 10.637/2002 dispõe que "o sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão".
Portanto, o contribuinte que possuir crédito de tributo perante a Secretaria da Receita Federal, inclusive em virtude de ação judicial ganha e sem a possibilidade de novos recursos, poderá compensar tais valores com qualquer tributo devido no mês ou então em atraso.
Conforme dispõem os parágrafos 2º e 3º do artigo 74 da lei 9.430/96 a referida compensação será efetuada mediante a entrega de declaração na qual constarão informações relativas aos créditos utilizados e aos respectivos débitos compensados, sendo que tal declaração tem o condão de extinguir o débito após ulterior homologação da Receita Federal.
Apesar do artigo 74 ser abrangente quanto aos créditos que podem ser objetos de compensação, a Lei 10.833/2003 introduziu no parágrafo 3º do referido artigo algumas restrições à tais créditos.
A primeira restrição, prevista no inciso I do parágrafo 3º, é a impossibilidade de utilização do saldo de Imposto de Renda a restituir para a compensação prevista pelo artigo.
Também não podem ser quitados mediante a compensação de créditos tributários os impostos e contribuições devidos no Registro da Declaração de Importação, ou seja, estes devem ser quitados única e exclusivamente mediante o seu pagamento aos cofres públicos (inciso II, parágrafo 3º, art. 74 da Lei 9430/96).
Os débitos existentes e em atraso, como já dito anteriormente, poderão ser objetos de compensação, salvo aqueles que já estão inscritos na dívida ativa da União Federal e aqueles que estiverem consolidados no âmbito do Programa de Recuperação Fiscal – Refis ou seu parcelamento alternativo (incisos III e IV do parágrafo 3º, art. 74 da Lei 9430/96).
No que tange à vedação de compensação com parcelas do REFIS surge uma lacuna na legislação a ser solucionada pelo Judiciário: tal impossibilidade prevista no inciso IV abrange somente o REFIS instituído pela Lei 9.964/2000 e ulteriores alterações ou também abarca o Parcelamento Especial (PAES) instituído pela Lei 10.684/2003, o qual foi apelidado pela imprensa de Refis II ?
Entendemos que, com fulcro no princípio da estrita legalidade e no artigo 112 do Cód. Tributário Nacional que prevê a interpretação mais favorável ao sujeito passivo, a referida vedação abrange tão somente o REFIS e não o parcelamento especial instituído pela lei 10.684 de 2003.
Por último, o inciso V do artigo 74 da Lei 9.430/96 impede que os contribuintes compensem seus créditos com débitos constituídos em virtude da não homologação de compensações anteriores.
4. Da Retenção na Fonte do Cofins, Pis e CSL.
A lei 10.833/2003 em seu artigo 30 criou nova regra de substituição tributária determinando que "os pagamentos efetuados pelas pessoas jurídicas a outras pessoas jurídicas de direito privado, pela prestação de serviços de limpeza, conservação, manutenção, segurança, vigilância, transporte de valores e locação de mão-de-obra, pela prestação de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber, bem como pela remuneração de serviços profissionais, estão sujeitos a retenção na fonte da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL, da COFINS e da contribuição para o PIS/PASEP".
A retenção do valor da CSL, da Cofins e do Pis nos casos previstos no artigo 30 dar-se-á mediante a aplicação da alíquota de 4,65% sobre o montante a ser pago, o que corresponde à soma das alíquotas de 1% da CSL, 3% da Cofins e de 0,65% do PIS.
Não se aplica a referida retenção na hipótese de pagamento efetuados à pessoas jurídicas enquadradas no SIMPLES.
No caso de Isenção de algum dos tributos a retenção deverá se dar mediante a aplicação da alíquota específica correspondente às contribuições não alcançadas por tal benefício fiscal.
Vale trazer a baila os Serviços de Profissionais de profissão regulamentada, os quais foram isentos da Cofins pela Lei Complementar 70/91. Tal isenção foi revogada ilegalmente pela Lei 9.430/96 o que foi objeto de contestação em juízo, dando origem à Súmula 276 do STJ que manteve tal isenção.
Portanto, as sociedades de profissão regulamentada (são aquelas previstas no art. 647 do Regulamento do IR) deverão impetrar um mandado de segurança visando obter a guarida da súmula 276 do STJ e assim ter o benefício de tal isenção.