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Considerações sobre a teoria da associação diferencial

14/06/2016 às 13:24
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A teoria da associação diferencial sustenta ser o comportamento criminoso resultado de um aprendizado por parte do indivíduo sobre a conduta criminosa, através da assimilação, não podendo, pois, ser entendido como produto de uma predisposição biológica ou econômico-social.

1.       INTRODUÇÃO 

A Teoria da Associação Diferencial tem como representante o americano Edwin Sutherland (1883-1950). Para esta teoria, o comportamento criminoso é resultado de um aprendizado por parte do indivíduo sobre aquela conduta criminosa. Qualquer padrão de comportamento pode ser aprendido, seja ele virtuoso ou criminoso, e será assimilado de acordo com o contato que o indivíduo tem com esse comportamento.

Os valores dominantes no grupo com os quais o indivíduo se relaciona é que vão “ensinar” o delito. Assim, o comportamento criminoso é aprendido, não podendo ser definido como produto de uma predisposição biológica ou atribuído somente às pessoas de classes menos favorecidas.

A conduta criminal se aprende em interação com outras pessoas, mediante um processo de comunicação. Requer, pois, uma aprendizagem ativa por parte do indivíduo, conforme será traçado no decorrer do estudo. Não basta, pois, viver em um meio propício ao crime, nem manifestar determinados traços da personalidade ou situações frequentemente associadas ao delito.

Neste trabalho, traça-se, primeiramente, uma síntese sobre o período histórico em que Sutherland desenvolve sua teoria. Período propício às suas pesquisas e ao estudo do que ele denominou white-collar crime (crime do colarinho branco), de grande destaque em sua teoria e que torna nítida a diferença entre sua teoria e as demais teorias criminológicas.

Apresenta-se, por derradeiro, os principais postulados da teoria em menção, incluindo suas principais contribuições para a sociologia. Ademais, discorre-se sobre as críticas que a ela se direcionam, em que serão enfrentados ponto a ponto os argumentos despendidos. 


2.       CONTEXTO HISTÓRICO  

Após a Primeira Guerra Mundial, os Estados Unidos apresentaram um crescimento econômico considerável. As empresas norte-americanas conseguiram aumentar seus lucros, pois além de desfrutar de um sólido mercado interno, passaram a explorar novos mercados antes fechados pelo colonialismo europeu.

Essa prosperidade pós-guerra, no entanto, começa logo a enfrentar adversidades. Nesse período, as pessoas passam a jogar de forma desenfreada na Bolsa de Valores, e grandes fortunas são construídas baseadas somente na especulação e, como resultado, a insolvência se manifesta em outubro de 1929 com o crack da Bolsa de Valores de Nova York. Essa crise impossibilitou a concessão de novos créditos à Europa, produzindo, dessa forma, graves consequências para muitos países.

Em 1933, ao assumir a Presidência dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt apresentou o seu plano de combate à depressão econômica, o New Deal (nova política). O novo plano previa grandes investimentos em políticas públicas e também em infra-estrutura, com grandes construções para absorção de mão-de-obra e geração de empregos, entre outras medidas. Mas sua grande relevância é no sentido de que, com esse projeto, o Estado passava a ter uma ativa intervenção no domínio econômico, estabelecendo novas regras destinadas ao mundo dos negócios e ampliando seu controle nessas atividades.

Obviamente essas medidas intervencionistas encontraram resistência, pois o interesse de poderosas corporações era a manutenção das regras do jogo, que lhes permitia cometer infrações às leis já existentes, e que na prática não eram cumpridas, garantindo-lhes assim, grandes poderes em face de uma sociedade que não estava organizada para impedir tais violações.

Edwin Sutherland então passa a estudar esses comportamentos e fundamenta a sua teoria da associação diferencial ao demonstrar um novo conceito, específico para as pessoas que, por determinadas características, não se espera que venham a cometer certos delitos. É uma nova categoria de criminosos, que ele chamará de criminosos do colarinho branco. A expressão white-collar crime (crime do colarinho branco) é cunhada no final dos anos 30.

“O crime do colarinho-branco é aquele que é cometido no âmbito da sua profissão por uma pessoa de respeitabilidade e de elevado estatuto social” (SHECAIRA, 2004, p. 198).

O crime do colarinho branco é cometido no exercício da profissão e pode ter consequências tão gravosas como quaisquer outras condutas criminosas. Seus efeitos não são sentidos de forma direta ou imediata pela comunidade como o é, por exemplo, um assalto ou agressão pessoal, mas de forma difusa. São cometidos por poderosos e, muitas vezes, recebem tratamento brando, resultado de um misto de medo, admiração e respeito que os legisladores e o sistema de justiça nutrem por essas figuras.

Essa concepção de crime do colarinho branco contribuiu para dar uma nova interpretação sobre os reais fatores que determinariam a prática delituosa. Os autores desses crimes são pessoas bem sucedidas e com boa situação econômica, não se podendo mais identificar a criminalidade somente com base na pobreza ou na falta de inserção social. 


3.       POSTULADOS BÁSICOS  

Segundo a teoria da associação diferencial (teoria do aprendizado social), o indivíduo desenvolve seu comportamento individual baseado nos exemplos e influências que possui. Nas comunidades pobres, cujo problema social é constante, nem sempre as influências são as ideais. Assim, em situações de conflitos, crianças e adolescentes tendem a agir de forma semelhante aos seus exemplos. O homem aprende a conduta desviada e associa-se com referência nela.

Essa teoria parte da hipótese de que as bases da conduta humana têm suas raízes na aprendizagem que a experiência vital diária enseja ao indivíduo. O homem, segundo esta explicação, atua de acordo com as reações que sua própria conduta recebe dos demais, de modo que o comportamento individual acha-se permanentemente modelado pelas experiências da vida cotidiana. O crime não é algo anormal nem sinal de uma personalidade imatura, senão um comportamento ou hábito adquirido, isto é, uma resposta a situações reais que o sujeito aprende.

Edwin H. Sutherland constrói sua teoria com alicerce em alguns postulados, são eles:

1- Comportamento aprendido – Aprende-se a delinquir como se aprende também o comportamento virtuoso;

2- Comportamento é aprendido em um processo comunicativo. Estabelece-se as diferenças entre estímulos reativos e operantes. Inicia se no processo comunicativo familiar, nas relações sociais e empresariais, etc.

3- A parte decisiva do processo de aprendizagem ocorre no seio das relações sociais mais íntimas. A aprendizagem é diretamente proporcional à interação entre as pessoas.

4- O aprendizado inclui a técnica do cometimento do delito.

5- A direção dos motivos e dos impulsos se aprende com as definições favoráveis ou desfavoráveis aos códigos legais. Todo ser humano se depara com tais fronteiras.

6- A pessoa se converte em criminosa quando as definições favoráveis à violação da norma superam as definições desfavoráveis. Princípio da idéia de Associação Diferencial, processo interativo que permite desenvolver o comportamento criminoso.

7- Tais associações mudam conforme frequência, duração, prioridade e intensidade, com que o criminoso se depara com o ato criminoso.

8- O Conflito Cultural é a causa fundamental da associação diferencial. A cultura criminosa é tão real como a cultura legal. As relações culturais nas sociedades diferenciadas são determinantes para as posturas diferenciais.

 9- Desorganização Social (perda das raízes pessoais) é a causa básica do comportamento criminoso sistemático.

Foi Sutherland quem cunhou a expressão crime do colarinho branco em sua obra White-Collar Crime, expressão que na França tomou o nome de delit de chevalier (delito de cavalheiros) ecrinalité des affaire (negócios como objeto de atos criminosos), ou seja, a criminalidade econômico-financeira, praticadas pelos magnatas, através dos negócios escusos, fraudulentos, realizados em nome de suas promessas. Um tipo de crime praticado por pessoas de alto nível social, no curso de sua ocupação comercial ou industrial.

Em suas investigações sobre a criminalidade do colarinho branco, sobre a delinquência econômica e profissional e sobre os níveis de inteligência do infrator, Sutherland chegou à conclusão de que a conduta desviada não pode ser imputada a disfunções ou inadaptação dos indivíduos das classes mais baixas socioeconomicamente, senão à aprendizagem efetiva dos valores criminais, o que pode suceder em qualquer cultura. 


4.       CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA PARA A SOCIOLOGIA 

Edwin H. Sutherland contribuiu à explicação sociológica do desvio e da delinquência, questionando dois pontos importantes na teoria da anomia. Primeiro, como explicar o crime fora das classes socio-econômicas inferiores. Os crimes cometidos pelas classes média e rica não seriam explicáveis pela falta de acesso aos meios para obtenção de sucesso profissional e financeiro. Com base nesse questionamento, levantou uma questão metodológica. Defendia que uma teoria deve enquadrar todos os fenômenos que ela pretende explicar. Se houver um caso não explicável pela teoria, o caso deve ser classificado de outra forma ou a teoria tem que ser modificada.

A partir da não explicação do crime nas classes econômicas mais favorecidas, deixou em suspeição as teorias da anomia e a da desorganização social, já que estas não explicavam todos os casos. Propôs então sua teoria da associação diferencial, em que os indivíduos aprendem a respeitar as normas sociais ou a delinquir, a partir de suas relações com outros indivíduos. A condição primordial para o comportamento criminoso é violento, nesta perspectiva, é estar em associação, ou seja, em companhia, de outros que sejam favoráveis à violação das normas.

Sutherland (1992) alude que:

O comportamento criminoso é devido ao isolamento em relação a padrões de comportamento anticriminoso. Qualquer pessoa inevitavelmente assimila a cultura circundante a menos que outros padrões estejam em conflito. Negativamente, esta proposição da associação diferencial significa que as associações que são neutras no que diz respeito ao crime têm pouco ou nenhum efeito sobre a gênese da conduta criminosa. Muito da experiência de uma pessoa é neutro neste sentido,como algo natural que realizamos todos os dias sem perceber. Este comportamento não tem qualquer efeito positivo ou negativo sobre a conduta criminosa exceto quando possa estar relacionado a associações que tratam dos códigos legais. Tal comportamento neutro é importante especialmente em ocupar o tempo de uma criança, de modo que ele ou ela não esteja em contato com a conduta criminosa enquanto envolvido no comportamento neutro.

A seu ver esta teoria explica melhor as motivações e o comportamento criminoso e violento independente da classe social. Tira assim o foco das taxas de delinquência em circunstâncias específicas e volta-se para os aspectos interactivos (aprendizagem por associação), racionalizações e mecanismos de tomada de decisão que condicionam o processo de tornar-se desviante.Entende-se que a maior contribuição de Sutherland à sociologia, foi a conclusão de que existe um equívoco em se afirmar que as classes pobres é que cometem uma porção maior de crimes, conforme revelam as estatísticas sociais. 


5.       CRÍTICAS À TEORIA

No concernente às críticas que alvejam a teoria ora em comento pode-se citar, inicialmente, o fato da mesma não se aplicar a alguns casos de criminosos, tendo como exceções os donos de terra que cometem crimes, criminosos de colarinho branco, criminosos eventuais, entre outros. Tocante à crítica relativa aos criminosos eventuais, tem-se que, mais que uma crítica, é uma proposição de pesquisa, pois ela não se baseia em dados empíricos.

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Outra crítica delineada refere-se à desconsideração da personalidade do indivíduo, ou das variáveis psicológicas que poderiam influenciar na gênese do comportamento criminoso. Neste ponto, os defensores da Teoria afirmam que personalidade é um termo que se refere apenas a uma condição, e, assim, não consegue explicar as especificidades do motivo de um indivíduo tornar-se criminoso.

Em semelhança com a anterior, uma terceira crítica realizada foi que a Associação Diferencial não levaria em consideração a recepção da associação em cada indivíduo diferente, ou seja, não considerava os “diferentes padrões de respostas” de cada pessoa, o que seria um conceito psicológico. Tal visão fora também rebatida, com a afirmação de que as recepções diferentes são produtos de associações diferenciais anteriores, assim, a própria teoria explicaria essa crítica. Encontra-se, nesse instante, o que alguns estudiosos alegam ser um dos maiores defeitos da teoria, pois uma associação explicaria a resposta à outra, sucessivamente, o que levaria até o nascimento do indivíduo.

Uma quarta crítica sustenta a impossibilidade de determinar a proporção de padrões de comportamentos aprendidos nos casos específicos. Além da dificuldade de definir um padrão como “favorável” ou “desfavorável” à violação das leis, é impossível também de mensurar o número de associações que cada um tem. Em outras palavras, os autores que alegam nestes termos duvidam da possibilidade de provar se a teoria aplica-se aos variados tipos de comportamento criminoso.

Por fim, uma quinta crítica defende que a Associação Diferencial simplifica muito o modo como o comportamento criminoso é aprendido e se forma na pessoa. Essa crítica é feita por ângulos distintos; um primeiro dele, mais extremo, sugere que a teoria não leva em consideração o arbítrio de cada indivíduo para decidir o que faz. De certa forma, essa sugestão resgata ideias da Escola Clássica da Criminologia. Outro ângulo da mesma crítica, menos extremo, aponta que a teoria da associação diferencial não considera a complexidade do processo de aprendizagem, que seria muito maior do que como exposto pela Associação Diferencial.


6.       CONCLUSÃO 

 Pelo presente estudo, concluímos que existe um equívoco na afirmação de que as classes pobres estão relacionadas com a prática de uma porção maior de crimes, de acordo com as estatísticas sociais. Evidencia-se nesse aspecto, a nítida criminalidade econômico-financeira praticada por indivíduos de grande poderio econômico, nos conceituados “crimes do colarinho branco”, com a prática de negócios escusos, fraudulentos, realizados em nome de suas promessas por ocupação comercial ou industrial.

Considera-se que os princípios do processo pelo qual se desenvolve o comportamento criminoso são os mesmos do processo através do qual se desenvolve o comportamento legal, sendo uma associação com pessoas que se empenham no comportamento criminoso sistemático, tudo num processo de aprendizagem onde a conduta criminal é algo que se aprende.  Tal conclusão vai de encontro com as teorias da escola positiva, principalmente nos pontos que a escola ou seus teóricos falam do determinismo social. A teoria traz implicitamente que o crime não parte somente das classes sociais menos favorecidas - contrariando as ideias sustentadas pela Escola Positivista - mas também emerge no seio das classes mais favorecidas.

Desse modo, com a análise da Teoria da Associação Diferencial observamos que o indivíduo desenvolve seu comportamento individual baseado nos exemplos e influências que possui. Nas comunidades pobres, cujo problema social é constante, nem sempre as influências são as ideais. Assim, em situações de conflitos, crianças e adolescentes tendem a agir de forma semelhante aos seus exemplos.

Nas investigações sobre a criminalidade do colarinho branco, a delinquência econômica e profissional e os níveis de inteligência do infrator, chega-se à conclusão de que a conduta desviada não pode ser imputada a disfunções ou inadaptação dos indivíduos das classes mais baixas socioeconomicamente, mas à aprendizagem efetiva dos valores criminais, o que pode suceder em qualquer cultura.

Assim sendo, o crime não é hereditário nem se imita ou inventa. Não é algo fortuito ou irracional a que o individuo estaria direcionado, mas resultado de aprendizado. A capacidade ou destreza e a motivação necessárias para o delito se aprendem mediante o contato com valores, atitudes, definições e pautas de condutas criminais no curso de processos normais de comunicação e interação do indivíduo com seus semelhantes.

Pelo exposto, sintetiza-se o estudo afirmando-se que para a teoria da associação diferencial é no interior de grupos e no contato com criminosos experientes que são transmitidos aos jovens delinquentes informações e ensinamentos sobre como cometer crimes e sobre como justificar esse comportamento.


REFERÊNCIAS 

FERRO, Ana Luiza Almeida. Sutherland – A Teoria Da Associação Diferencial e o Crime De Colarinho Branco. Disponível em: https://aplicacao.mpmg.mp.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/102/Sutherland_Ferro.pdf?sequence=1> Acesso em: 03 dez. 2014.

LIMA, David Maxsuel. O que é a teoria da associação diferencial? O que é cifra negra? Disponível em: <http://www.civilize-se.com/2012/12/teoria-da-associacao-diferencial-cifra.html#.VH9oQW3O3vE> Acesso em: 03 ago. 2014.

PENHA, Fernanda Bueno. Criminologia aplicada ao Direito Penal - A ressocialização do indivíduo criminoso. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=11176>. Acesso em: 03 dez. 2014.

SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.

SUTHERLAND, Edwin & CRESSEY, Donald. Criminologia. Milano: Giuffrè Editore, 1996.

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Sobre a autora
Natália Araujo Costa

Advogada, graduada em Direito pela Universidade Federal do Maranhão, Pós-Graduanda em Direito Público pela Pontíficia Universidade Católica de Minas Gerais, Servidora Estadual e Conciliadora Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Natália Araujo. Considerações sobre a teoria da associação diferencial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4731, 14 jun. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/49704. Acesso em: 24 nov. 2024.

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