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Educação em direitos humanos: possibilidades e contribuições à formação humana

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13/06/2016 às 11:59
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3. DIREITOS HUMANOS: CONCEPÇÕES E CARACTERÍSTICAS

Direitos humanos é uma expressão que abrange diversas concepções e abordagens em torno de um conjunto de direitos que fazem parte da própria natureza humana e da dignidade a ela inerente. A proteção a tais direitos é resultado de um lento processo histórico que foi se reconhecendo legislativamente a partir dos imperativos sociais postos ao longo do tempo.

No entanto, ressalte-se que este processo ainda está em evolução, tendo em vista que em algumas sociedades ainda se identificam poucos avanços em relação aos direitos humanos. Bobbio (2004) destaca que os direitos humanos são históricos, modificáveis, suscetíveis de constante transformação e alargamento de seus horizontes, relacionando-se à própria civilização humana em seus diferentes níveis sociais de desenvolvimento. Dessa forma, torna-se essencial discutir acerca deste conceito para que se possa compreendê-lo em sua amplitude diante das constantes transformações histórico-sociais, bem como sua relação intrínseca com a educação.

Os direitos humanos podem ser definidos como um conjunto de instituições que concretizam, em cada tempo histórico, as necessidades sociais relacionadas à sua dignidade. Tais necessidades devem ser reconhecidas positivamente pelo ordenamento jurídico conferindo a estes direitos o caráter de universalidade. Nesse sentido, Pérez Luño (1999, p. 48) leciona que os direitos humanos são um “[...] conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretiza as exigências da dignidade, da liberdade, da igualdade humana”.

No entanto, embora o reconhecimento dos direitos humanos e sua consequente positivação em algumas regulamentações, como a Declaração Universal dos Direitos do Homem, tenham se expandido ao longo dos anos, ainda vislumbram-se constantes afrontas a tais direitos evidenciando-se a necessidade de constante observância dos dispositivos postos visando o respeito e a garantia de proteção a todos em suas diversidades.

Para Gorczevski (2005), os direitos humanos são universais, absolutos e inerentes ao homem, não dependendo de concessão por parte do Estado, entretanto, apesar de inerentes à natureza humana, o “[...] seu reconhecimento e proteção é o resultado de um longo processo histórico, que ocorreu de forma lenta e gradual, passando por várias fases e, eventualmente, com alguns retrocessos”. Os direitos humanos trazem o sentido de igualdade entre os sujeitos ao representarem o reconhecimento de que todos são dignos do mesmo respeito, independentemente de diferenças biológicas ou sociais. Não há, pois, distinção entre os sujeitos de direitos.

Ainda que não se identifique um conceito único de tais direitos, pode-se indicar um núcleo central comum: a ideia de universalidade. Esta característica de universalidade é essencial para se chegar à uma definição de direitos humanos, pois, sem atribuir a estes o caráter de universalidade, corre-se o risco de criarem-se fragmentações em sua titularidade, concebendo-se a existência de direitos cabíveis apenas a determinados grupos sociais. Nesse sentido:

[...] el gran avance de la modernidad reside en haber formulado la categoría de unos derechos del genero humano, para evitar cualquier tipo de limitación o fragmentación en su titularidad. A partir de entonces la titularidad de los derechos, enunciados como derechos humanos, no va a estar restringida a determinadas personas o grupos privilegiados, sino que va a ser reconocida como un atributo básico inherente a todos los hombres, por el mero hecho de su nacimiento. (PÉREZ-LUÑO, 2007, p. 13).

Assim, falar que os direitos humanos apresentam a característica da universalidade, significa dizer que os mesmos são inerentes a todos os homens, pelo simples fato de serem humanos, em todas as épocas e espaços sociais, devendo ser respeitados indistintamente. Nesse contexto, a lei escrita positiva tais direitos, tornando-se igualmente aplicável a todos. Segundo Gorczevski (2009) os direitos humanos constituem-se em valores superiores existentes no mundo axiológico concretizados por meio dos direitos fundamentais positivados.

Tem-se, portanto, a necessidade de evidenciar a distinção entre direitos fundamentais e direitos humanos, tendo em vista as constantes concepções de serem termos sinônimos. Os direitos humanos são direitos naturais cabíveis a todos os homens, independente de nacionalidade, enquanto que os direitos fundamentais referem-se à positivação destes direitos nos respectivos ordenamentos jurídicos pátrios. Para Pérez Luño (2005, p. 47):

Los derechos humanos aúnan, a su significación descriptiva de aquellos derechos y libertades reconocidos em las declaraciones y convenios internacionales, una connotación prescriptiva o deontológica, al abarcar también aquellas exigencias más radicalmente vinculadas al sistema de necessidades humanas, y que debiendo ser objeto de positivación no lo han sido. Los derechos fundamentales poseen un sentido más preciso y estricto, ya que tan sólo describen el conjunto de derechos y libertades jurídica e institucionalmente reconocidos y garantizados por el Derecho positivo. Se trata siempre, por tanto, de derechos delimitados espacial y temporalmente, cuya denominación responde a su carácter básico o fundamentador del sistema jurídico político del Estado de Derecho.

Pode-se afirmar que os direitos fundamentais nascem da positivação dos direitos humanos, significa a consolidação dos direitos naturais do indivíduo na ordem jurídica positiva. A positivação por meio da letra da lei constitui-se em maior garantia ao sujeito, tendo em vista a concretização da tutela jurídica destes direitos pelo Estado, que assume o dever de observá-los e respeita-los como fundamento da igualdade e respeito aos seus cidadãos.

No entanto, apesar da existência de inúmeros instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos, estes ainda são constantemente violados desencadeando situações de violência e caos social em algumas situações. As condições mínimas para a existência digna são comumente inobservadas, direitos fundamentais como a vida e a liberdade são desrespeitados pelos próprios sujeitos, destacando-se ainda as situações de omissão e afronta aos direitos humanos pelo próprio Estado como na deterioração do meio ambiente, na desigualdade social, no desemprego e na omissão diante da criminalidade (RAYO, 2004).

O respeito aos direitos humanos é, portanto, indispensável à sobrevivência do próprio homem no planeta, observando-se que não nos são dados pelo Estado ou construídos a partir da luta de terceiros, mas são construídos pelo cotidiano social. Estes direitos acompanham a evolução social, sendo alvo de contínuas mudanças e refletindo as lutas e necessidades dos sujeitos. Dessa forma, estes direitos precisam de instrumentos que colaborem na sua conscientização para uma efetiva aplicabilidade dos mesmos.

A educação é certamente um dos instrumentos mais poderosos de consolidação dos direitos humanos. Como prática social, a educação em direitos humanos constitui-se em política transformadora da sociedade e do homem, trazendo em si a possibilidade de superação de fenômenos como a pobreza, a violência, a desigualdade e a exclusão social. Assim, o processo educativo traz em si a potencial formação humana e promoção dos direitos humanos.


4. A EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANO E SUA CONTRIBUIÇÃO NA FORMAÇÃO HUMANA

A educação constitui-se em instrumento que possibilita a promoção dos direitos humanos visto que é parte integrante da dignidade humana por formar e conscientizar socialmente o indivíduo para o exercício pleno de sua cidadania. Pode-se dizer que a educação é pressuposto fundamental para o indivíduo realizar-se plenamente como ser humano na sociedade.

Em se tratando de direitos humanos a educação assume papel considerável, pois abrange a função de humanizar o humano (SAVIANI, 1989). No entanto, educar não se trata apenas de depositar ou transmitir conteúdos dissociados da realidade vivenciada pelo aluno, esta prática, reconhecida por Freire (1997) como “educação bancária”, ainda predomina no sistema educativo formal pátrio e não colabora na emancipação dos indivíduos.

Dessa forma, ao evidenciar o papel preponderante da educação na consolidação dos direitos humanos faz-se necessário destacar que aquela se refere a um processo educativo crítico, participativo, que visa a superação dos contextos de alienação e opressão a que estão submetidos os sujeitos no contexto capitalista. Este processo, que habilita o indivíduo para a conscientização do contexto sócio-histórico em que vive e seu consequente questionamento, perpassa necessariamente pelo estudo e reflexão constante da temática relativa aos direitos humanos.

A educação para os direitos humanos deve contribuir:

[...] para o fortalecimento do respeito aos direitos e liberdades fundamentais do ser humano; ao pleno desenvolvimento da pessoa humana e sua dignidade; a prática da tolerância, do respeito à diversidade de gênero e cultura, da amizade entre todas as nações, povos indígenas e grupos raciais, étnicos e religiosos; e a possibilidade de todas as pessoas participarem efetivamente de uma sociedade livre (COSTA; REIS, 2009, p.70).

Assim, os princípios da igualdade e da não discriminação devem nortear a educação em direitos humanos de maneira que, neste contexto, desenvolvam-se atividades que considerem a experiência e o contexto social vivenciado pelos alunos, permitindo que os mesmos compreendam e atendam às suas necessidades a fim de buscar as devidas soluções compatíveis com o ordenamento jurídico na garantia de proteção aos direitos humanos. Dessa forma, estabelece-se um processo educativo que visa não apenas a transmissão de conteúdos técnicos a fim de capacitar o aluno para o mercado de trabalho, mas, antes de tudo, busca-se prepará-lo para a vida, para a construção de uma cultura onde prevaleça o respeito a todos em suas diversidades.

O sistema educacional posto não contribui com a construção desta cultura quando aceita as desigualdades sociais como naturais, legitimando as diferenças de classe, raça, gênero, etnia, dentre outras, executando o processo de reprodução das diferenças sociais em sala de aula e promovendo a exclusão. Faz-se necessário suscitar um exercício contínuo de reflexão crítica que ofereça aos alunos condições de posicionarem-se como sujeitos ativos no processo educativo.

Nesse sentido, desenvolveram-se regulamentações nacional e internacionalmente a fim de efetivar a educação em direitos humanos. Em 2003 iniciou-se a elaboração do I Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH). Em 2005 foram realizados encontros estaduais para difundi-lo, que resultaram em contribuições da sociedade para aperfeiçoar também o documento. Em 2004, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou o Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos com o objetivo de avançar na implementação de programas de educação em direitos humanos, bem como na promoção de ações e fortalecimento de parcerias desde o nível internacional até os níveis locais (GORCZEVSKI; KONRAD, 2013).

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No Brasil, em 1996, foi instituído o Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH I, com o objetivo de identificar os principais obstáculos à promoção e defesa dos direitos humanos, promovendo o planejamento de políticas para a efetivação dos atos internacionais sobre direitos humanos. Mais tarde, em 2002, promulga-se o Decreto nº 4.229, conhecido como Programa Nacional de Direitos Humanos II - PNDH II, ampliando as atribuições e criando propostas de ações governamentais. No programa reformulado há a inclusão dos direitos sociais, econômicos e culturais, preocupando-se com as propostas capazes de ter uma concretude com as políticas públicas e a destinação de recursos para sua execução (GORCZEVSKI; KONRAD, 2013).

O enfoque da educação em direitos humanos é interdisciplinar, não podendo restringir-se à mera reprodução de conteúdos curriculares pré-estabelecidos, mas deve promover uma cultura de consolidação dos direitos humanos de maneira que todas as disciplinas assumam o compromisso de efetivar os valores humanos visando maior participação e emancipação dos alunos no contexto social em que vivem. Esse compromisso deve orientar-se pelo “[...] entendimiento de que cada persona comparte la responsabilidad de lograr que los derechos humanos sean una realidad en cada comunidad y en la sociedad en su conjunto” (PROGRAMA MUNDIAL PARA LA EDUCACIÓN EN DERECHOS HUMANOS, 2006, p. 16), contribuindo consequentemente no processo de inclusão social.

Destaque-se que a educação em direitos humanos deve iniciar-se nos primeiros anos de inserção escolar estendendo-se por todos os níveis de ensino, ela abrange a instituição educativa e a comunidade em se insere como um todo, não se restringindo à sala de aula, tendo em vista que os valores incentivados neste processo educativo devem consolidar-se na comunidade em sua totalidade e não apenas na escola, concebida de forma fragmentada. Mais ainda, a educação para os direitos humanos deve estar voltada para o desenvolvimento de valores e de atitudes de solidariedade, que levem ao comprometimento e a mudança das práticas sociais que garantam a efetividade dos direitos humanos.

A educação é decisiva para a promoção dos direitos humanos ao motivar um processo emancipatório, que busque instrumentalizar os educandos para exercer os direitos que lhe são assegurados pelos instrumentos jurídicos. Deve-se ter em conta que, para que se efetive uma educação em direitos humanos, faz-se necessário que o conhecimento construído relacione-se com a realidade na qual o indivíduo está inserido, para que o saber possa fazer sentido.

Neste processo educativo o papel do professor é essencial, observando-se a superação da reprodução de conteúdos para a construção de uma relação dialógica entre professor e aluno, abrindo-se espaço para a problematização dos conteúdos e a reflexão crítica na compreensão da relação destes com a realidade.

A problematização dos conteúdos é um elemento essencial na construção da educação em direitos humanos. É esta problematização que conduz à criticidade em relação aos conteúdos postos, levando os alunos a pensarem-se como homens inconclusos. Contudo, esse pensamento não se faz possível pela prática bancária de ensino, uma vez que a palavra e o diálogo se fazem necessários para essa compreensão, na medida em que é através delas que o sujeito consegue “emergir” de dentro do ambiente no qual vive para, a partir daí, identificar quais os problemas que se apresentam e, então, buscar a superação de suas situações geradoras. Ademais, a educação problematizadora é um esforço permanente através do qual os homens vão percebendo-se criticamente no mundo (FREIRE, 1996).

Dessa forma, a educação em direitos humanos promove, essencialmente, a formação de uma cultura de respeito à dignidade humana, através da vivência de atitudes, hábitos, comportamentos e valores como igualdade, solidariedade, cooperação e tolerância. Nesse sentido, a educação constitui-se em meio de formação de sujeitos capazes de desvelar criticamente o mundo das injustiças e práticas que ferem a dignidade humana e de engajar-se ativamente para a transformação social.

Nesta perspectiva, a educação é o “[...] mais importante instrumento de inclusão social para a consolidação da cidadania e concretização dos direitos humanos; sendo imprescindível para a tomada de consciência de si mesmo e de sua importância para a comunidade” (GORCZEVSKI, 2010, p. 40).

O papel da educação em direitos humanos é criar condições de conhecimento e transformação da consciência sobre o contexto sócio-histórico e cultural em que os indivíduos se inserem, criando condições de questionamento crítico e transformação social por meio do processo educativo reflexivo. Ressalte-se que este papel não é exclusivamente do Estado, tendo em vista que, a formação de indivíduos éticos, solidários, comprometidos com a justiça social e os direitos humanos requer o engajamento de toda a sociedade, de modo que cada cidadão assuma a sua quota de responsabilidade.

Assim, educar em direitos humanos é “[...] criar uma cultura preventiva, fundamental para erradicar a violação dos mesmos. Com ela conseguiremos efetivamente dar a conhecer os direitos humanos, distingui-los, atuar a seu favor e, sobretudo, desfrutá-los” (GORCZEVSKI, 2009, p. 221), sendo, portanto, imprescindível para o desenvolvimento do Estado e da formação humana.

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Sobre o autor
João Deusdete de Carvalho

Advogado e Economista, Procurador Público, Professor Assistente da URCA/CE, Estudou pós-graduação em Direito Processual Civil pela UFPI e, Pós-graduação em Planejamento pela FAO, Estudou Mestrado em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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