Perspectivas atuais da responsabilidade civil

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O breve estudo escopa analisar as novas tendências da responsabilidade civil, abordando a crise dos pressupostos tradicionais, a apreciação do direito dos danos e das condutas lesivas e a ressarcibilidade da lesão a interesses extrapatrimoniais.

Resumo: A responsabilidade civil é um fenômeno jurídico que se apresenta na sociedade como mediadora das condutas humanas, devendo ser analisada sob a perspectiva da constitucionalização do direito civil e patrimonial. Com o objetivo de analisar as novas tendências da responsabilidade civil à luz da tutela da dignidade da pessoa humana, o presente estudo tecerá exposições doutrinárias acerca da tese da crise dos tradicionais pressupostos que regem a disciplina, mediante apreciação do direito dos danos e das condutas lesivas, majorando-se as premissas referentes à reparação pecuniária de lesão a interesses extrapatrimoniais, compreendendo, portanto, a flexibilização da teoria clássica da responsabilidade civil em virtude dos atuais valores constitucionais.

Palavras-Chave: Responsabilidade civil. Novas tendências. Direito dos danos. Dignidade humana.

INTRODUÇÃO

Com a implantação de valores constitucionais no atual ordenamento jurídico brasileiro resultante da Constituição de 88, os conceitos tradicionais dos institutos jurídicos estabelecidos lidaram com um processo revolucionário o qual estabeleceu a necessidade de uma releitura dessas entidades, encontrando-se, nestas, a responsabilidade civil.

A responsabilidade civil como instituto jurídico dinâmico e flexível, visando atender a estas atuais necessidades, procura identificar em seu bojo mecanismos que atendam dadas demandas de modo a alcançar cada vez mais a satisfatoriedade de seu objetivo finalístico. Nestas linhas, a presente disciplina propõe, à luz dos conceitos axiológicos constitucionais, inéditas considerações as quais permitem a ampliação de discussões em torno dos novos problemas e das novas soluções, tendendo sempre à tutela do ser humano e de sua dignidade pessoal, tendo-a como seu corolário.

A partir disso, com a supervalorização dos direitos humanos e fundamentais cada vez mais se visualiza o crescimento de novos interesses jurídicos dignos de tutela e, com a consequente lesão desses, a existência de novos danos, fenômeno recorrente no cenário atual da responsabilidade civil. Assim, o presente estudo visa, a partir de uma delicada revisão bibliográfica e sob a ótica das atuais perspectivas do instituto, analisar as coevas tendências da responsabilidade, fazendo alusão a compreensão do direito dos danos e das condutas lesivas, buscando, portanto, identificar a razão pela qual a disciplina sofre os reflexos do processo de expansão de danos suscetíveis de indenização.

DESENVOLVIMENTO

Como instituto jurídico do Direito Civil, a responsabilidade civil pode ser compreendida como o emprego de medidas que forcem alguém a reparar um dano causado a outo em virtude de sua conduta ativa ou omissiva. Relacionada a ideia de não prejudicar a outrem, identifica-se responsabilidade civil como:

A noção da responsabilidade pode ser haurida da própria origem da palavra, que vem do latim respondere, responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de responsabilizar alguém pelos seus atos danosos. Essa imposição estabelecida pelo meio social regrado, através dos integrantes da sociedade humana, de impor a todos o dever de responder por seus atos, traduz a própria noção de justiça existente no grupo social estratificado. Revela-se, pois, como algo inarredável da natureza humana” (STOCO, 2007, p.114).

Atualmente, a doutrina define responsabilidade como sinônimo do dever de reparação por danos causados a ordem jurídica de outro, a fim de garantir o direito lesionado, seguido da imposição de uma sanção civil (SOUZA; LOPES, 2013, p. 112). Sendo considerada como uma obrigação de reparar danos, seja à pessoa ou ao patrimônio, ou, ainda, a interesses coletivos, a responsabilidade civil comporta duas definições, sendo elas: a ampla, concernente à obrigação de reparar qualquer dano antijuridicamente causados a outro, e a strictu sensu, referente à obrigação de reparar danos que se oriundem de um inadimplemento obrigacional (NORONHA, 2007, p. 427-428).

Neste sentido, ao presente estudo importa analisar a responsabilidade civil sob a ótica do primeiro aludido sentido, qual seja, o amplo, visto tratar acerca da obrigação de reparar danos causados a outro. Tal obrigação de reparação de dano, representa a ação conforme as regras que o próprio seio social consagrou e o Direito consistiu, considerando este o “preço” de viver em comunidade (STOCO, 2007, p. 113).

À noção clássica, obtém a responsabilidade civil como pressupostos gerais, identificáveis na leitura do art. 186 do Código Civil[1], a conduta do agente, o nexo de causalidade, o dano e a culpa. Sendo o dispositivo basilar da disciplina, tem-se consagrado o princípio de que a ninguém é dado o direito de causar prejuízo a outrem ou “neminem laedere” (SANTOS, 2012).

Ainda, diferentemente do que ocorria no antigo Código Civil de 1916, em que os pressupostos estabelecidos eram bem mais precisos indicando precipuamente a punição do agente causador do dano com a consequente reposição do patrimônio lesado, indicando, portanto, a existência apenas de um dano patrimonial, o atual códex permite construir bases de lesões existenciais cujos demandam reparação de bens imateriais, superando o regime da reparação (que remete a pecúnia) atingindo, pelo dano à pessoa, o regime de compensação (FACHIN, p. 2-3), tornando-se perfeitamente perceptível o encontro de valores constitucionais que indica a pessoa humana como o epicentro das relações jurídicas.

Desta sorte, a vítima de um dano, ao se dirigir aos tribunais, via-se na situação de superar duas barreiras para atingir a indenização, a saber: a) a manifestação do caráter culposo latu sensu da conduta do agente, e b) evidenciar a existência de nexo causal entre esta conduta e o dano sofrido. A partir dessas barreiras, houve o funcionamento como meio de seleção de demandas de indenização o merecimento da tutela jurisdicional, indicando que se, por ventura, tais mecanismos fossem relativizados o Judiciário seria abarrotado de demandas indenizatórias fundadas em pedidos banalizados (SCHREIBER, 2005, p. 47).

Em verdade, atualmente é evidente que com as frequentes transformações sociais, na maioria das vezes, dados pressupostos de análise de responsabilidade civil restam insuficientes à tutela jurídica. A partir dessa análise, fala-se em um momento de erosão dos filtros da reparação, com gradativa perda de relevância dos tradicionais critérios de atribuição de responsabilidade, através dos quais se estabelecia a rigorosa seleção das lides ressarcitórias (SCHREIBER, 2013, p. 11-12).

Neste diapasão, ao se falar em responsabilidade civil como instrumento em defesa da dignidade, dos direitos fundamentais e da concretização da tutela da pessoa, a presente disciplina precisa disponibilizar estruturas que promovam, cada vez mais, a plenitude destes precedentes. A elevação da dignidade humana como valor essencial nas constituições do último século, atrelada à aplicação direita das normas constitucionais às relações privadas, fez exigir, irresistivelmente, a ressarcibilidade de danos que não se caracterizavam meramente patrimoniais (SCHREIBER, 2013, p. 93).

Com isso, falar em flexibilização do nexo causal – casos em que para não deixar a vítima sem tutela jurídica de reparação, recorre-se à teoria da causalidade alternativa cuja atribui aos envolvidos, conjuntamente, a relação de causalidade com o dano ocasionado (SCHREIBER, 2005, p. 55) –, existência de novos danos oriundos da lesão de novos interesses como reflexo de um direito de dano, tais como o dano pela perda de uma chance – cuja chance se compreende atrelada a uma situação em curso que propicia a um indivíduo a oportunidade de vir a obter algo positivo futuramente e que a perda desta, à luz de responsabilidade civil, é a interrupção deste processo por um fato antijurídico, ocasionando, aí, o direito de indenizar porque a oportunidade restou completamente destruída (NORONHA, 2007, p. 670) –,   ou mesmo da expansão de respectivas ressarcibilidade, é falar sobre os novos panoramas da responsabilidade civil que, como entidade promotora da dignidade, deve compreender que o conteúdo existente nela, hoje, inclui aspectos diversos os quais se enriquecem e diferenciam cada vez mais (SCHREIBER, 2013, p. 92).

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Às vistas da contemporaneidade, a crise do sistema clássico de responsabilidade civil demonstra a exigência de uma revisão crítica a qual deve ser feita mediante a releitura do próprio histórico dos povos, da remontagem do diálogo entre direito e sociedade, bem como da reapreciação dos eventos da vida como aparecem atualmente e das influências que causam na esfera jurídica dos homens (HIRONAKA, 2008, p. 48), verificando “[...] um crescimento de [...] discussões quanto à suficiência e adequação dos pressupostos tradicionais em solucionar os “novos danos” decorrentes dos novos riscos verificados na sociedade atual. (SOUZA; LOPES, 2013, p. 122).

 Carecendo de nova leitura, a responsabilidade civil apresenta em seu bojo novas tendências a fim de rever o conceito de responsabilização e pretende, cada vez mais, aplicar os valores aludidos em Constituição Federal que, como promotora dos direitos humanos e fundamentais, ao consagrar a dignidade humana e o homem como epicentros das relações jurídicas privadas, tornou-se a razão pela qual a disciplina suporta os reflexos do processo de expansão de danos suscetíveis de indenização.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como gênero do presente estudo, a reponsabilidade civil atua na obrigação de indenizar que imputa ao causador do dano sanção advindas da conduta violadora, fazendo-o ressarcir os prejuízos, sejam de ordem extra ou patrimonial, oriundos de fato ilícito próprio ou de outro a ele relacionado (BITTAR, 1994, p. 561).

Traz o artigo 186 do Código Civil que gera o dever de indenizar todo ato de agente que, dolosa ou culposamente, provocou à esfera jurídica de outrem um dano, uma vez comprovada a existência de nexo de causalidade entre dada causa e efeito. Com isso, observa-se a teoria tradicional da responsabilidade civil que prevê, precipuamente, danos patrimoniais e, outras vezes, extrapatrimoniais.

Pelo estudo, demonstra-se que dada concepção clássica não satisfaz mais as demandas atuais que orbitam a esfera da responsabilidade, tendo em vista hodiernamente ocorrer o fenômeno da expansão dos danos passiveis de ressarcibilidade que não mais se circunscrevem ao, tão somente, cunho patrimonialista, ou costumeiro entendimento de dano moral, remetendo, dessa forma, a uma erosão dos filtros de reparação e maior acolhimento ao direito dos danos.

Sob a análise da disciplina em seu sentido amplo,  percebeu-se a responsabilidade civil como a obrigação de reparar danos causados a outrem e a analisou em sua definição ampla.

Através dos novos panoramas da responsabilidade civil, pode-se mencionar sobre o acolhimento da tutela jurídica de novos interesses e, consequentemente, de da reparação de seus danos, como um direito de dano e conduta lesiva. Bem como, a fim de tutelá-los, valer-se da flexibilização da culpa o que, deste modo, permite a expansão dos danos ressarcíveis.

Apresentando-se insatisfatória às realidades atualmente vislumbrada, a tradicional concepção de responsabilidade carece de uma releitura e, por isso, pela pesquisa, fala-se, portanto, em uma erosão dos filtros de reparação que permite maior alcance e incidência dos valores preconizados em Constituição nas relações jurídicas privadas.

 

REFERÊNCIAS

BITTAR, Carlos Alberto. Curso de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1994.

BRASIL. “Código Civil Brasileiro”. In: VADE MECUM. 13 ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012.

FACHIN, Luiz Edoson. Responsabilidade civil contemporânea no Brasil: notas para uma aproximação. Disponível em: < http://www.fachinadvogados.com.br/artigos/FACHIN%20Responsabilidade.pdf> Acesso em maio 2016.

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade pressuposta – Evolução de fundamentos e de paradigmas da responsabilidade civil na contemporaneidade. Revista Jurídica, Porto Alegre: Notadez, a. 56, n. 364, p. 35-61, fev. 2008.

NORONHA, Fernando. Direito das obrigações: fundamentos do direito das obrigações: introdução a responsabilidade civil. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2007

SANTOS, Pablo de Paula Saul. Responsabilidade civil: origem e pressupostos gerais. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 101, jun. 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11875>. Acesso em maio 2016.

SCHREIBER, Anderson. Novas tendências da responsabilidade civil brasileira. RevistaTrimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro: Padma, v. 22, p. 45-69, abr./jun. 2005

SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2013.

SOUZA, Maristela Denise Marques de; SOUZA, Adriana. Crises dos pressupostos tradicionais da responsabilidade civil. In: Revista da Ajuris: doutrina e jurisprudência. v. 40, n. 129, p. 107-152, mar. 2013. Disponível em: < http://www.ajuris.org.br/OJS2/index.php/REVAJURIS/article/viewFile/310/245> Acesso em: maio 2016.

STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7 ed.. São Paulo Editora Revista dos Tribunais, 2007.


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Sobre a autora
Gabriela Stefania Batista Ferreira

Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Parana - Campus Londrina. Pós-graduanda em Direito do Estado pela Universidade Estadual de Londrina. Discente de disciplina especial em programa de Mestrado em Direito Negocial da Universidade Estadual de Londrina. Advogada atuante.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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