Dias atrás, num fórum que trata de assuntos de condomínio, li a seguinte pergunta:
Meu condomínio tem 20 unidades e uma única pessoa é proprietária de 11 unidades. Essa pessoa quer se autoeleger para que possa dominar o condomínio. [...] O que nós, os nove proprietários, podemos fazer para evitarmos uma ditadura?
Esse questionamento me levou a uma reflexão que mudou o meu modo de entender esse tema. Lendo e relendo os artigos do Código Civil relacionados, cheguei a uma interpretação diferente daquela já conhecida e que se repete na maioria das respostas, como as que foram dadas para a pergunta formulada:
… nesse caso, a minoria está em desvantagem.
… infelizmente ele detém a maioria dos votos dos condôminos.
… se fosse eu, cairia fora desse condomínio o mais rápido possível.
Mas, será que é isso mesmo? Será que o legislador teve a intenção de dar tanto poder a uma só pessoa? Será que essa interpretação, por diversas vezes reproduzida, não pode estar equivocada?
Assim, pensando detidamente sobre essas indagações, é que dei um novo sentido as minhas ideias, que tiveram como ponto de partida o exato entendimento da palavra “condômino”.
Uma boa definição que encontrei desse vocábulo foi no Dicionário da Língua Portuguesa Houaiss, em que condômino significa: indivíduo que, com outro (s), exerce o direito de propriedade sobre um bem não dividido; coproprietário.
Com base nessa definição extraída do dicionário, fico seguro em afirmar que:
- condômino num edifício de apartamentos, por exemplo, é aquele indivíduo que compartilha o direito de propriedade das partes comuns, aquelas que são indivisíveis dessa construção;
- nesse edifício de apartamentos, para ser um condômino o indivíduo não precisa ter, necessariamente, a propriedade de uma unidade habitacional, ele pode ser dono de apenas uma vaga de garagem no prédio;
- a relação estreita que é feita entre condômino e unidade habitacional, para fins de convocação de assembleias ou para a contagem dos votos nas decisões a que todos serão submetidos, não é totalmente correta.
Depois, numa leitura dos artigos do Código Civil que tratam da convocação das assembleias gerais e das formas de contagem dos votos, não achei qualquer menção que isso deve ser feito por unidade habitacional. A referência é sempre por condômino ou por fração ideal:
Olhando para esse quadro, não é difícil perceber que, nos casos de condomínios em que a maioria das unidades independentes seja de propriedade de apenas uma pessoa, o conceito arraigado de que “manda mais quem tem mais unidades habitacionais” favorece a imposição da vontade desse condômino sobre os demais, devido o seu poder econômico.
É o que pode acontecer, por exemplo, com o condomínio que passa pela situação evidenciada na pergunta que deu origem a esse texto. No caso, um único condômino, por ser proprietário de 11 das 20 unidades habitacionais, conseguiria sobrepor seus interesses aos demais ao:
- estabelecer a Convenção que melhor lhe atendesse, se o total das suas frações ideais corresponder a dois terços do total;
- deliberar sobre a execução de obras que lhe fossem úteis;
- deliberar sobre a destituição do síndico;
- instalar assembleia geral em primeira convocação e deliberar de acordo com as suas necessidades;
- vencer em todas as votações que não exigissem quórum especial, podendo, inclusive, se perpetuar no cargo de síndico;
- convocar assembleias gerais extraordinárias, para tratar de assuntos que fossem só de seu interesse;
- deliberar sobre o destino da edificação em caso de destruição, conforme a sua conveniência.
Desse modo, se a regra de contagem dos votos é, realmente, por unidade habitacional, e não por condômino, parece-me ser inútil participar de assembleias convocadas para tratar de assuntos que não exigem quórum especial; uma vez que, nas votações por maioria simples, as manifestações contrárias as do condômino que detém o maior número de apartamentos não valeriam de nada, já que a sua vontade irá prevalecer sempre.
Penso que, nas decisões que afetam a todos indistintamente, não seja nada democrática essa forma indiscriminada de dar mais direito a um condômino em detrimento de outros, em razão da quantidade de unidades habitacionais. Além disso, essa situação suscita questionamentos bem pertinentes, como no caso, por exemplo, desse condômino deixar de pagar a quota-parte das despesas condominiais de uma das suas unidades:
- Estando inadimplente, ele poderá participar e votar nas assembleias (art. 1.335, inciso III, do Código Civil)?
- Se votar, apenas serão computados os votos correspondentes às unidades habitacionais adimplentes?
- Se perder o direito do voto correspondente à unidade habitacional inadimplente, por que ele também não fica privado de participar da assembleia?
- Se puder participar e votar, isso não seria um critério parcial em relação aos demais condôminos inadimplentes?
- Nessa condição de inadimplente, ele pode pleitear o cargo de síndico? Como impedir?
- Se ele já for o síndico, poderá ser destituído? Como?
Se a intenção do legislador era mesmo privilegiar sempre aquele que detém o maior número de unidades habitacionais, penso que seria mais simples e, por conseguinte, mais claro para todos, ter usado apenas o termo “fração ideal”, ao invés de mesclar com a palavra “condômino”, ao tratar dos quóruns necessários para a convocação das assembleias gerais e para as formas de contagem dos votos.
É fato que o nosso Código Civil traz artigos imprecisos, mal redigidos, que causam dúvidas e geram interpretações diversas; por isso, acredito também que sobre esse tema a expressão exata da vontade do legislador passou longe.
Assim, dentro desse meu raciocínio, chego a conclusão que toda a vez que o Código Civil se referir a condôminos o cômputo será sempre por indivíduo, independente de quantas unidades habitacionais ou vagas de garagem ele seja proprietário. Desse modo, no nosso caso inicial, não existirá a prevalência da vontade do condômino que detém 11 das 20 unidades habitacionais, exceto nas situações em que for requerida a proporcionalidade pela fração ideal.
Sei que as minhas considerações a respeito desse assunto diferem, e muito, daquilo que é normalmente praticado e, por isso, elas provocarão opiniões discordantes; mas, é uma interpretação que faço ao que está escrito no Código Civil. De todo modo, pensamentos diferentes são sempre bem-vindos, já que um dos objetivos deste artigo, que é o de provocar discussões a respeito desse assuntos relacionados a condomínios.