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Os limites constitucionais do poder punitivo do Estado

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LIMITES CONSTITUCIONAIS DO PODER PUNITIVO DO ESTADO

Diante do já exposto, em especial das finalidades e do próprio conceito dos direitos e garantias fundamentais, restou demonstrado que o poder punitivo do Estado encontra seus limites nos preceitos constitucionais estabelecidos como direitos e garantias individuais, em especial, naqueles que resguardam a intangibilidade do jus libertatis titularizado pelo réu.

Afirma Édson Luís Baldan que

"o processo penal condenatório não é um instrumento de arbítrio do Estado. Ele representa, antes, um poderoso meio de contenção da persecução penal. Ao delinear um círculo de proteção em torno da pessoa do réu, que jamais presume culpado, até que sobrevenha irrecorrível sentença condenatória, o processo penal revela-se instrumento que inibe a opressão judicial e que, condicionado por parâmetros ético-jurídicos, impõe ao órgão acusador o ônus integral da prova, ao mesmo tempo em que faculta ao acusado, que jamais necessita demonstrar sua inocência, o direito de defender-se e de questionar, criticamente, sob a égide do contraditório, todos os elementos probatórios apresentados pelo Ministério Público".

Não há dúvidas de que a simples exigência de um processo judicial já representa um fator de inibição ao arbítrio judicial e de restrição ao exclusivo poder coercitivo do Estado. Neste contexto, a persecução penal deve reger-se pelos padrões normativos constitucionais, observando os ditames assegurados pela Lei Maior ao consagrar os direitos e garantias fundamentais, substancialmente representados pelos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, do estado de inocência, da publicidade, do juiz natural, entre outros.

Importante a lição do citado doutrinador ao esclarecer com proficiência que, in verbis:

"A conjunção e intersecção dos princípios da presunção de inocência, do juiz natural, do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, são, portanto, ínsitas do Estado democrático de Direito, uma vez que somente por meio de uma seqüência de atos processuais, realizados perante a autoridade judicial competente, poder-se-á obter provas lícitas produzidas com a integral participação e controle da defesa pessoal e técnica do acusado, a fim de obter-se uma decisão condenatória, afastando-se, portanto, a presunção constitucional de inocência".


PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO PENAL

O Processo Penal em nosso país encontra-se resguardado e norteado não apenas por princípios infraconstitucionais, mas também por preceitos fundamentais com embasamento constitucional, retratando postulados essenciais da política processual penal adotada pelo ordenamento jurídico pátrio.

A contemplação de certas instituições jurídicas processuais penais na Constituição Federal é justificada face a necessidade de que tais princípios restem imunes às leis infraconstitucionais e, assim, sejam insuscetíveis de "eventuais artimanhas legislativas e a possibilidade de se macular ou por em risco a segurança do processo penal contra direitos e garantias pessoais". Pretende-se, destarte, preservar conquistas relativas ao pleno exercício da defesa da pessoa alvo da persecução penal, sem a preocupação de, por questões políticas do País, ter-se alterada, com certa facilidade, a segurança processual, possibilitando o surgimento de desvios, excessos ou qualquer tipo de abuso que venha a prejudicar o devido processo legal.

Observe-se que a persecução penal rege-se por padrões normativos que traduzem limitações ao poder do Estado, protegendo o cidadão do arbítrio judicial e da coerção estatal, salvaguardando sua liberdade individual que só poderá ser restringida se o órgão acusador conseguir comprovar, mediante elementos de certeza produzidos sob a égide do contraditório e da ampla defesa, a culpabilidade do réu.

Insta observar que, não obstante as disciplinas processuais embasarem-se, sobretudo, em princípios constitucionais, alguns destes têm aplicação diversa no campo do processo civil e do processo penal, ora apresentando feições ambivalentes (regra da disponibilidade e da verdade formal, no processo civil – regra da indisponibilidade e da verdade real, no processo penal), ora com aplicação idêntica em ambos os ramos do direito processual (princípios da imparcialidade do juiz, do contraditório, da livre convicção).


PRINCÍPIO DA IGUALDADE

Emana do caput do artigo 5° da Constituição Federal de 1988 a determinação de que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza". Consagra-se, aí, o princípio da igualdade de direitos, sendo a todos assegurado um tratamento igualitário em três planos distintos: a) frente ao legislador e ao executivo, no exercício constitucional de edição de leis, atos normativos e medidas provisórias; b) frente ao intérprete dos dispositivos normativos em vigência; c) frente ao próprio particular. Aos primeiros, incumbe a criação de normas isonômicas, vedados os tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que se encontram em situações idênticas. Aos intérpretes, em especial as autoridades públicas, incumbe o dever de aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária, sem qualquer distinção em razão de classe social, raça, sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas. Ao particular, não poderá pautar-se em condutas discriminatórias, preconceituosas ou racistas, sob pena de responsabilidade civil e penal.

Veda a Lei Maior as diferenciações arbitrárias, as discriminações sem sentido, os tratamentos desiguais sem qualquer finalidade lícita acolhida pelo direito. Leciona Alexandre de Moraes que, in verbis:

"A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justicativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação à finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos. Assim, os tratamentos normativos diferenciados são compatíveis com a Constituição Federal quando verificada a existência de uma finalidade razoavelmente proporcional ao fim visado".

Em que pese a expressa disposição constitucional da igualdade perante a lei, a absoluta igualdade jurídica e formal não é suficiente para prover a efetiva isonomia insculpida no espírito do legislador constituinte. Almeja-se, então, a igualdade substancial, material ou proporcional, consubstanciada na máxima aristotélica do tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais, na medida de sua desigualdade.

A busca da igualdade proporcional já encontra guarida em nosso ordenamento jurídico, sendo que, conforme esclarecem Cintra, Grinover e Dinamarco, "a aparente quebra do princípio da isonomia, dentro e fora do processo, obedece exatamente ao princípio da igualdade real e proporcional, que impõe tratamento desigual aos desiguais, justamente para que, supridas as diferenças, se atinja a igualdade substancial".

Especificamente no processo penal, o princípio da igualdade é norteado pelo princípio do favor rei, que prescreve a prevalente proteção do status libertatis do réu em contraste com o ius puniendi estatal. Como por exemplo, cite-se os artigos 386, IV e VI (absolvição por insuficiência de provas), 607 e 609, parágrafo único (recursos privativos da defesa) e 623 e 626, parágrafo único, (revisão somente em favor do réu), todos do Código de Processo Penal. Na seara do processo civil, o princípio da paridade de armas legitima normas tendentes a reequilibrar as partes e permitir a efetiva igualdade na lide.


PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Pedra basilar do Estado de Direito e igualmente vital ao Estado Democrático de Direito, o princípio da legalidade está expressamente previsto no artigo 5°, inciso II, da Constituição Federal de 1988, onde se assegura que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". Atente-se, contudo, que não se trata do império da lei nos moldes da generalidade apregoada pelo Estado de Direito, mas da sujeição de toda atividade à lei democrática, expressão da vontade do povo, que atende aos princípios da igualdade e da justiça no intuito de igualar materialmente os desiguais.

Fundado no princípio da legitimidade, decorrente do próprio, Estado Democrático de Direito, o princípio da legalidade estabelece, nos dizeres de José Afonso da Silva, que "o Estado, ou o Poder Público, ou os administradores não podem exigir qualquer ação, nem impor qualquer abstenção, nem mandar tampouco proibir nada aos administradores, senão em virtude em lei".

O princípio da legalidade é, por essência, um limite constitucional do poder arbitrário do Estado, pois prevê que apenas por meio de espécies normativas elaboradas com o devido rigor técnico – igualmente previsto nos dispositivos da Lei Maior – é que o Poder Público poderá criar obrigações para o indivíduo. Como primado da lei, salienta Alexandre de Moraes, "cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei". Destarte, tem-se, no princípio da legalidade, mais do que um direito, uma garantia constitucional que impede a interveniência estatal senão por meio de lei.

Por fim, insta analisar a diferença que há entre o princípio da legalidade e o da reserva legal. Enquanto que o primeiro é de abrangência mais ampla, estabelecendo que qualquer comando jurídico há de ser dado por meio de uma regra normativa geral, o princípio da reserva legal, mais específico, incide naquelas matérias cuja regulamentação há de ser feita necessariamente por meio de lei formal. Ensina-nos José Afonso da Silva, citando Crisafulli, que "tem-se, pois, a reserva de lei quando uma norma constitucional atribui determinada matéria exclusivamente à lei formal (ou a atos equiparados, na interpretação firmada na praxe, subtraindo-a, com isso, à disciplina de outras fontes, àquela subordinadas".

Alexandre de Moraes, em estudo à diferenciação entre princípio da legalidade e o da reserva legal, esclarece que, enquanto o primeiro opera de maneira genérica e abstrata, o segundo opera concretamente, incidindo tão-somente sobre os campos materiais especificados pela Constituição. Concluindo, explica o sapiente doutrinador que "se todos os comportamentos humanos estão sujeitos ao princípio da legalidade, somente alguns estão submetidos ao da reserva da lei. Este é, portanto, de menor abrangência, mas de maior densidade ou conteúdo, visto exigir o tratamento de matéria exclusivamente pelo Legislativo, sem participação normativa do Executivo".


DEVIDO PROCESSO LEGAL

O processo é o instrumento pelo qual a prestação jurisdicional é exercida pelo Estado-Juiz seguindo os imperativos da ordem jurídica que, como veremos, envolve a garantia do contraditório e a plenitude do direito de defesa, sendo estes corolários do princípio do devido processo legal.

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Historicamente, a garantia do devido processo legal foi esboçada como law of the land, prevista no artigo 39 da Magna Carta, outorgada em 1.215, por João Sem-Terra. Com o passar do tempo, o instituto passou a ser chamado de due process of law e sedimentou-se como garantia na Constituição dos Estados Unidos da América (Emendas V e XIV). Posteriormente, as constituições européias – italiana, portuguesa, espanhola, alemã, belga – integraram o devido processo legal no rol de suas garantias.

Salienta o ilustre doutrinador Scarance Fernandes que, num primeiro momento, tinha-se uma visão individualista do devido processo legal, concebido como uma forma de resguardar direitos públicos subjetivos das partes. Contudo, tal pensamento sucumbiu à ótica publicista que considera as regras do cogitado princípio garantias, e não direitos, das partes e do próprio processo como justo instrumento de prestação jurisdicional.

Com efeito, é por meio do processo que a parte pode, legal e legitimamente, obter o deferimento de sua pretensão, de seu direito garantido. A atividade jurisdicional do Juiz, no intuito de ofertar ao caso a solução mais justa, é exercida tendo como palco o processo, onde, equilibradamente, as partes têm garantia ativa - na medida em que, utilizando-o, a parte pode reparar ilegalidades - e passiva - porque impede a justiça pelas próprias mãos e possibilita a plenitude de defesa contra a pretensão punitiva do Estado, desautorizado que está de impor restrições à liberdade do indivíduo sem o devido processo legal.

A Constituição Federal consagrou expressamente o princípio do due process of law, dispondo em seu artigo 5°, inciso LIV, que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". Assegura-se, portanto, a toda pessoa a garantia de não ser privada de sua liberdade ou da propriedade de seus bens sem a tramitação de um processo segundo a forma estabelecida em lei.


CONTRADITÓRIO

O princípio do contraditório é uma garantia fundamental da justiça, consubstanciada no brocardo romano audiatur et altera pars. A Lei Maior de 1988 consagrou em seu artigo 5°, inciso LV, que "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

No processo penal, diferente do que ocorre no âmbito civil, a efetiva contrariedade à acusação é imperativa para o atingimento dos escopos jurisdicionais, objetivo só possível com a absoluta paridade de armas conferida às partes. O réu, pelo princípio do contraditório, tem o direito de conhecer a acusação a ele imputada e de contrariá-la, evitando que venha a ser condenado sem ser ouvido. Trata-se da exteriorização da ampla defesa, impondo uma condução dialética do processo, pois "a todo ato produzido caberá igual direito da outra parte de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que lhe convenha, ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor".

Percebe-se, portanto, que o princípio do contraditório é uma garantia constitucional que assegura a ampla defesa do acusado, proporcionando a este o exercício pleno de seu direito de defesa. Merecem destaque as palavras de J. Canuto Mendes de Almeida que, sobre o tema, ensina:

"A verdade atingida pela justiça pública não pode e não deve valer em juízo sem que haja oportunidade de defesa do indiciado. É preciso que seja o julgamento precedido de atos inequívocos de comunicação ao réu: de que vai acusado; dos termos precisos dessa acusação; e de seus fundamentos de fato (provas) e de direito. Necessário também é que essa comunicação seja feita a tempo de possibilitar a contrariedade: nisso está o prazo para conhecimento exato dos fundamentos probatórios e legais da imputação e para oposição da contrariedade e seus fundamentos de fato (provas) e de direito."

Júlio Fabrini Mirabete e Fernando da Costa Tourinho Filho esclarecem que do princípio do contraditório decorrem duas importantes regras: a da igualdade processual e a da liberdade processual. Pela primeira, as partes acusadora e acusada estão num mesmo plano e, por conseguinte, têm os mesmos direitos; pela segunda, o acusado tem a faculdade, entre outras, de nomear o advogado que bem entender, de apresentar provas lícitas que julgar as mais convenientes e de formular ou não reperguntas às testemunhas.

Scarance Fernandes alerta-nos sobre a diferença existente entre o contraditório e a igualdade processual. Vejamos:

"O contraditório põe uma parte em confronto com a outra, exigindo que tenha ela ciência dos atos da parte contrária, com possibilidade de contrariá-los. O princípio da igualdade, por outro lado, coloca as duas partes em posição de similitude perante o Estado e, no processo, perante o juiz. Não se confunde com o contraditório, nem o abrange. Apenas se relacionam, pois ao se garantir a ambos os contendores o contraditório também se assegura tratamento igualitário."

Neste diapasão, o princípio do contraditório também encontra guarida na obrigatoriedade do caráter imparcial do órgão jurisdicional. De fato, "o juiz, por força de seu dever de imparcialidade, coloca-se entre as partes, mas eqüidistantes delas: ouvindo uma, não pode deixar de ouvir a outra; somente assim se dará a ambas a possibilidade de expor suas razões, de apresentar suas provas, de influir sobre o convencimento do juiz."

Do exposto, tem-se que a necessidade de informação e a possibilidade de reação são elementos essenciais do contraditório, que deverá ser exercido de forma plena – durante todo o desenrolar da causa - e efetiva – proporcionando condições reais de contrariedade dos atos praticados pela parte ex adverso.

Nesse sentido, afirmam Cintra, Grinover e Dinamarco que o contraditório não admite exceções e que, em virtude de sua natureza constitucional, deve ser substancialmente observado e não apenas formalmente, devendo as normas que o desrespeitem serem consideradas inconstitucionais.

No processo civil, o princípio do contraditório também deve ser respeitado. Entretanto, e aqui se faz diferente, enquanto que no processo penal a contrariedade deve ser plena e efetiva, na seara civil basta que ao réu seja ofertada a oportunidade de reação proporcionada pela citação, garantindo ao réu o direito de, se quiser, participar do processo e responder aos atos da parte ex adverso. Isso porque, enquanto que no processo civil tramitam, em regra, litígios sobre direitos disponíveis e o juiz pode satisfazer-se com a verdade formal, no âmbito penal, os direitos em jogo são indisponíveis e predomina o incessante desejo de o órgão jurisdicional descobrir a verdade real. No primeiro, o réu tem o ônus de se defender, no segundo, tem o dever. Tendo em vista esta diferença, alguns doutrinadores preferem referir-se ao princípio do contraditório no processo civil como princípio da bilateralidade da audiência.

Acerca da aplicabilidade ou não do princípio do contraditório na fase pré-processual há diferentes posicionamentos na doutrina.

Scarance e Tourinho Filho entendem que a Constituição Federal, em seu artigo 5°, inciso LV, ao mencionar a necessidade do contraditório nos processos judiciais e administrativos, não abrangeu o Inquérito Policial, uma vez que este não pode ser considerado um processo administrativo e nem mesmo um procedimento, pois "falta-lhe característica essencial do procedimento, ou seja, a formação de atos que devam obedecer a uma seqüência predeterminada pela lei, em que, após a prática de um ato, passa-se a do seguinte até o último da série, numa ordem a ser necessariamente observada". Ademais, ensina Tourinho Filho que o sobredito dispositivo constitucional faz menção a litigantes e na fase da investigação pré-processual não há litigante. Ressalta o insigne doutrinador que a expressão processo administrativo contida na Lei Maior não se refere ao Inquérito Policial, mas ao processo instaurado pela Administração Pública para apuração de ilícitos administrativos, pois, nestes casos, há possibilidade de aplicação de uma sanção. Prossegue argumentando que "em face da possibilidade de inflição de ‘pena’, é natural deva haver o contraditório e a ampla defesa, porquanto não seria justo a punição de alguém sem o direito de defesa", e que, em se tratando de Inquérito Policial, nenhuma pena pode ser imposta ao indiciado. Saliente-se que, de fato, a Autoridade Policial não acusa, apenas investiga.

Rogério Lauria Tucci, em contrapartida, sustenta que, para maior garantia da liberdade e melhor atuação da defesa, há a necessidade de uma contraditoriedade efetiva e real em todas as fases da persecução, inclusive na fase pré-processual. Justifica-se o autor com o instituto denominado contraditório posticipato ou diferido, onde não há "violação à garantia da bilateralidade da audiência, que, firme, se vê apenas diferida para momento ulterior à pronunciação de ato decisório liminar, prosseguindo-se regularmente no procedimento instaurado". Assim sendo, as medidas cautelares restritivas de ordem patrimonial ou pessoal (exame de corpo de delito, perícia, exame do local do crime, prisão provisória, fiança) seriam submetidas ao crivo do contraditório posteriormente, no processo, permitindo-se ao agora acusado contestar as providências cautelares tomadas pela Autoridade Policial, bem como a prova pericial realizada no Inquérito Policial. Fala-se, portanto, em contraditório diferido ou postergado, pois, como esclarece Greco Filho, a "Constituição não exige, nem jamais exigiu, que o contraditório fosse prévio ou concomitante ao ato".

Tourinho Filho reconhece que o indiciado pode ser privado de sua liberdade em casos de flagrante, prisão temporária ou preventiva, mas, afirma o autor, para essas situações deve o investigado valer-se do emprego do remédio heróico do habeas corpus, prosseguindo em sua tese da inadmissibilidade do contraditório na fase investigatória.

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Sobre o autor
Flúvio Cardinelle Oliveira Garcia

Graduado em Ciências da Computação pela Universidade Católica de Brasília (1995). Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (2002). Pós-graduado em Direito Eletrônico e Tecnologia da Informação pelo Centro Universitário da Grande Dourados (2008). Mestre em Direito Processual Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2008). Professor de Direito Penal e Direito Processual Penal na Pontifícia Universidade do Paraná. Delegado de Polícia Federal. Chefe do Núcleo de Repressão ao Crimes Cibernéticos da Polícia Federal do Paraná, com ênfase investigativa para os delitos de ódio e de pornografia infantojuvenil, mormente praticados pela Internet. Membro do Instituto Brasileiro de Direito da Informática (IBDI), do Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico (IBDE) e do High Technology Crime Investigation Association (HTCIA).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCIA, Flúvio Cardinelle Oliveira. Os limites constitucionais do poder punitivo do Estado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 291, 24 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4994. Acesso em: 25 abr. 2024.

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