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Os limites constitucionais do poder punitivo do Estado

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VERDADE NO PROCESSO PENAL

A atual concepção publicista do processo não mais admite o órgão jurisdicional agindo como se fosse mero expectador da demanda judicial. Reconhecida sua autonomia, enquadrada como ramo do direito público e considerando a finalidade sócio-política da função jurisdicional, cumpre ao Juiz, em especial no processo criminal, exercer o ius puniendi estatal somente contra aquele que efetivamente praticou a infração penal, nos limites de sua culpa.

Para tanto, o Processo Penal não deve encontrar limites na forma ou na iniciativa das partes, ao contrário, impõe-se-lhe a busca e o descobrimento da verdade real, material, ou seja, cumpre ao Juiz averiguar além dos limites artificiais da verdade formal, com o intuito claro e determinado de valer fazer a função punitiva em face daquele que realmente tenha cometido um ilícito penal.

Bastante em voga no Processo Civil, é denominada verdade formal aquela criada por atos ou omissões das partes, presunções, ficções, transações e outros institutos jurídicos pertinentes. No âmbito civil, o órgão jurisdicional pode satisfazer-se com a verdade formal, limitando-se a acolher o que as partes levam ao processo. Destarte, confiando no interesse das partes para descobrir a verdade, o juiz pode restringe-se às provas trazidas por estas aos autos, procedimento até certo ponto aceitável visto a disponibilidade, em regra, dos direitos em questão.

Ocorre que, no Processo Penal, os direitos são indisponíveis, numa clara prevalência do interesse público sobre a autonomia privada, o que, per si, configura razão suficiente para o predomínio do sistema da livre investigação das provas. Assim sendo, é dever do juiz dar seguimento ao processo quando da inércia da parte, determinar ex officio provas que entender necessárias à instrução da causa e conhecer de circunstâncias sem a provocação das partes, tudo isso visando sempre ao completo esclarecimento da verdade real.

Cintra, Grinover e Dinamarco lecionam, entretanto, que

"o processo civil, hoje, não é mais eminentemente dispositivo, como era outrora; e o processo penal, por sua vez, transformando-se de inquisitivo em acusatório, não deixou completamente à margem uma parcela de dispositividade das provas. Impera, portanto, tanto no campo processual penal como no campo processual civil, o princípio da livre investigação das provas, embora com doses maiores de dispositividade no processo civil".

De fato, já há algum tempo que, mesmo na seara civil, os poderes do órgão jurisdicional estão sendo paulatinamente aumentados, fazendo com que o juiz passe de expectador inerte à ativa posição de perquiridor da verdade. A diferença então para o Processo Penal é que, naquele, na maioria dos casos, o juiz, embora possa assumir algumas iniciativas das partes (arts. 130 e 342, CPC), tem a faculdade de satisfazer-se com a verdade formal apresentada nos autos. Neste, entretanto, o juiz penal só aceitará a verdade formal excepcionalmente, se não dispuser de meios capazes para assegurar a verdade material.

Afirmam Cintra, Grinover e Dinamarco que,

"enquanto no processo civil o princípio do dispositivo foi aos poucos se mitigando, a ponto de permitir-se ao juiz uma ampla gama de atividades instrutórias de ofício (v. ainda CPC, art. 440), o processo penal caminhou em sentido oposto, não apenas substituindo o sistema puramente inquisitivo pelo acusatório (no qual se faz uma separação nítida entre acusação e jurisdição: CPP, art. 28), mas ainda fazendo concessões ao princípio dispositivo (cf. Art. 386, inc. VI), sem falar na Lei dos Juizados Especiais Criminais (lei n. 9.099/95)."

Inegável a afirmação de que o princípio da verdade real não vige de forma absoluta em nosso Processo Penal. Exemplos de mitigação do citado princípio podem ser facilmente identificados em algumas situações, tais como: após uma absolvição transitada em julgado, não é possível rescindi-la mesmo quando surjam provas concludentes contra o réu; possibilidade de transação nas ações privadas com o perdão do ofendido; a perempção provocada pela omissão ou desídia do querelante; e outras causas de extinção da punibilidade que, de uma forma ou de outra, podem impedir a descoberta da verdade real.

Há, portanto, tanto no Processo Civil quanto no Processo Penal uma conciliação dos princípios do dispositivo com o da livre investigação judicial. O juiz, em ambos, pode transigir com a verdade real, sendo certo que, na seara criminal, tal transigência é, e deve ser, bem menor.

Por fim, Tourinho Filho alerta que

"mesmo na justiça penal, a procura e o encontro da verdade real se fazem com as naturais reservas oriundas da limitação e falibilidade humanas, e, por isso, melhor seria falar de ‘verdade processual’ ou ‘verdade forense’, até porque, por mais que o Juiz procure fazer uma reconstrução histórica do fato objeto do processo, muitas e muitas vezes o material de que ele se vale poderá conduzi-lo a uma ‘falsa verdade real’; por isso mesmo Ada P. Grinover já anotava que ‘verdade e certeza são conceitos absolutos, dificilmente atingíveis, no processo ou fora dele’ (A iniciativa instrutória do juiz no processo penal acusatório, RF, 347/6)."

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Sobre o autor
Flúvio Cardinelle Oliveira Garcia

Graduado em Ciências da Computação pela Universidade Católica de Brasília (1995). Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (2002). Pós-graduado em Direito Eletrônico e Tecnologia da Informação pelo Centro Universitário da Grande Dourados (2008). Mestre em Direito Processual Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2008). Professor de Direito Penal e Direito Processual Penal na Pontifícia Universidade do Paraná. Delegado de Polícia Federal. Chefe do Núcleo de Repressão ao Crimes Cibernéticos da Polícia Federal do Paraná, com ênfase investigativa para os delitos de ódio e de pornografia infantojuvenil, mormente praticados pela Internet. Membro do Instituto Brasileiro de Direito da Informática (IBDI), do Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico (IBDE) e do High Technology Crime Investigation Association (HTCIA).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCIA, Flúvio Cardinelle Oliveira. Os limites constitucionais do poder punitivo do Estado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 291, 24 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4994. Acesso em: 23 dez. 2024.

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