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Os limites constitucionais do poder punitivo do Estado

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Determina a Constituição Federal que "a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem" (artigo 5°, inciso LX). Estabelece ainda que "todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário são públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes" (artigo 93, inciso IX) e que "todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado" (artigo 5°, inciso XXXIII).

Tem-se, portanto, a elevação a dogma constitucional do princípio da publicidade dos atos processuais, antes previsto apenas no caput do artigo 792 do Código de Processo Penal que já orientava que "as audiências, sessões e os atos processuais serão, em regra, públicos e se realizarão nas sedes dos juízos e tribunais, com assistência dos escrivães, do secretário, do oficial de justiça que servir de porteiro, em dia e hora certos, ou previamente designados".

O princípio da publicidade revela-se numa preciosa garantia do indivíduo e da sociedade no tocante ao exercício da jurisdição, considerando-se que, nos dizeres de Cintra, Grinover e Dinamarco, in verbis:

"a presença do público nas audiências e a possibilidade do exame dos autos por qualquer pessoa do povo representam o mais seguro instrumento de fiscalização popular sobre a obra dos magistrados, promotores públicas e advogados. Em última análise, o povo é o juiz dos juízes. E a responsabilidade das decisões judiciais assume outra dimensão, quando tais decisões hão de ser tomadas em audiência pública, na presença do povo"

A regra geral da publicidade está, pois, em correspondência com os interesses da sociedade e em consonância com o sistema acusatório, contrapondo-se ao processo do tipo inquisitivo onde os atos eram feitos a portas fechadas, secretamente, sem qualquer fiscalização do povo ou mesmo do próprio acusado. A publicidade permite, de fato, a transparência da atividade jurisdicional, evitando-se excessos ou arbitrariedades no decorrer do processo, que, em regra, poderá ser fiscalizado pelos cidadãos a qualquer tempo.

Diz-se em regra, pois o princípio da publicidade encontra exceções previstas na própria Lei Maior (p.ex. art. 5°, XXXVIII, "b") e também na legislação infraconstitucional (artigos 483 e 792, §1°, do CPP). Por essa razão, a doutrina classifica a publicidade em plena (popular, imediata ou geral) e restrita (especial, mediata, interna ou para as partes).

A primeira refere-se a publicidade sem exceções, quando os atos podem ser assistidos por qualquer pessoa, abertos a todo o público. É a regra geral, devendo qualquer hipótese de restrição ser expressamente prevista em lei, de acordo com os limites constitucionalmente assegurados.

A publicidade restrita se apresenta quando um número reduzido de pessoas ou apenas as partes e seus defensores podem estar presentes aos atos do processo. Tal limitação à regra geral da publicidade popular encontra amparo quando o decoro, a defesa da intimidade e o interesse social aconselhem que não sejam divulgados determinados atos, também a fim de evitar escândalos, inconvenientes graves ou perigo de perturbação da ordem.

Não obstante a garantia oferecida pelo princípio da publicidade, deve-se evitar a publicidade desnecessária e sensacionalista. Esclarecem Cintra, Grinover e Dinamarco que a publicidade, como garantia política que é, tem por finalidade o controle da opinião pública nos serviços da justiça, não devendo ser confundida com o sensacionalismo que afronta a dignidade. E mais,

"toda precaução há de ser tomada contra a exasperação do princípio da publicidade. Os modernos canais de comunicação de massa podem representar um perigo tão grande como o próprio segredo. As audiências televisionadas têm provocado em vários países profundas manifestações de protesto. Não só os juízes são perturbados por uma curiosidade malsã, como as próprias partes e as testemunhas vêem-se submetidas a excessos de publicidade que infringem seu direito à intimidade, além de conduzirem à distorção do próprio funcionamento da Justiça, através de pressões impostas a todos os figurantes do drama judicial".

Por fim, é mister considerar que a doutrina diverge em relação ao princípio da publicidade e sua aplicação nos atos pré-processuais referentes ao Inquérito Policial. Tourinho Filho ensina, pela natureza inquisitiva do Inquérito, que a publicidade não o atinge, até porque determina o artigo 20 do CPP que a autoridade assegurará no Inquérito o sigilo necessário. Ademais, acrescenta o autor, a Constituição Federal menciona a publicidade dos atos processuais, e os do Inquérito não o são. Por outro lado, Cintra, Grinover e Dinamarco esclarecem que, não obstante a regra de sigilo imposta ao Inquérito Policial por força do dispositivo retrocitado, o Estatuto da Advocacia (Lei n° 8.906/94), ao estabelecer como direitos do advogado o de "examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de Inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos" (art. 7°, inciso XIV) e o de "ingressar livremente nas salas e dependências de audiências, secretarias, cartórios, ofícios da justiça, serviços notoriais e de registro, e, no caso de delegacias e prisões, mesmo fora da hora do expediente e independentemente da presença de seus titulares (art. 7°, inciso VI, "b’), praticamente fez com que o sigilo dos Inquéritos desaparecesse.


OBRIGATORIEDADE

O princípio da obrigatoriedade, também chamado de princípio da indisponibilidade ou da legalidade, é o que predomina no processo penal. Segundo ele, a autoridade policial é obrigada a instaurar Inquérito Policial e o órgão do Ministério Público não pode deixar de promover a ação penal quando houver a prática de um crime apurado mediante ação penal pública, conforme dispõem os artigos 5°, 6° e 24, do CPP. Tal princípio contrapõe-se ao do da oportunidade ou disponibilidade, pelo qual o órgão estatal tem a faculdade de promover ou não a ação penal, de acordo com a máxima minima non curat praetor, devendo o Estado abster-se de coisas insignificantes e, assim, deixar de promover o jus puniendi quando verificar, sob o prisma do interesse público, que do exercício da ação penal poderá advir maiores inconvenientes que vantagens.

A prevalência do princípio da obrigatoriedade em nosso processo criminal tem razão de ser pelo caráter público das normas penais materiais e pela necessidade de se assegurar à coletividade uma convivência tranqüila e pacífica. Ora, sendo o crime uma lesão irreparável ao interesse coletivo, o Estado não tem apenas o direito, mas o dever de punir aqueles que violarem a ordem jurídica numa ameaça à harmonia e à paz social. Nesse contexto, os órgãos incumbidos da persecução penal não têm poderes discricionários para apreciarem a oportunidade ou conveniência da instauração de Inquérito Policial ou da propositura da ação penal, conforme o caso.

Cintra, Grinover e Dinamarco lecionam que o princípio da indisponibilidade está à base do processo penal e que, reforçando o que já foi dito, enquadrado um fato na tipificação legal, nenhuma parcela de discricionariedade pode ser atribuída aos órgãos responsáveis pela persecutio criminis. Outrossim, asseveram que se algumas infrações são consideradas tão insignificantes a ponto de a persecução penal tornar-se inconveniente, compete ao legislador descriminalizá-las.

Há, contudo, algumas exceções ao princípio da obrigatoriedade. Estas podem ser observadas nos casos de ação penal privada e naqueles de ação penal pública condicionada à representação ou à requisição. Nestas situações, o ius accusationis dependerá da manifestação de vontade do ofendido/vítima ou de seu representante legal ou ainda da expressa disposição do Ministro da Justiça. Outras exceções podem ser verificadas nas infrações penais de menor potencial ofensivo, de ação condicionada à representação, quando a composição civil acarreta a extinção da punibilidade penal (Lei n° 9.099/95), ou ainda, nas hipóteses em que o Ministério Público, ao invés oferecer a denúncia, tem a faculdade de propor, de imediato, a aplicação da pena restritiva de direito ou multa. Outrossim, nos crimes de média gravidade quando o órgão acusador, de acordo com as circunstâncias do caso, pode propor a suspensão condicional do processo.

Imperioso notar que a mesma indisponibilidade existente na instauração do Inquérito Policial e na propositura da ação penal também deve nortear a tramitação dos mesmos, não sendo permitido à Autoridade Policial e nem ao Ministério Público desistir de suas investigações ou da ação, respectivamente (arts. 17 e 42 do CPP). Também prevê o artigo 576 do CPP a aplicação do princípio da indisponibilidade em matérias recursais, sendo certo que o órgão acusador não tem a faculdade de desistir do recurso interposto. Trata-se da regra da irretratabilidade que, igualmente, sofre exceções. É o caso dos crimes de ação privada, nos quais as normais infraconstitucionais (arts. 49, 51 e ss e 60, CPP) admitem os institutos da renúncia, do perdão e da perempção, e dos crimes de ação pública condicionada à representação, onde é possível a retratação antes de oferecida a denúncia (art. 25, CPP).

Em que pese não restarem dúvidas da predominância do princípio da obrigatoriedade em nosso sistema processual penal, há forte tendência em se atenuar sua rigidez admitindo-se certa flexibilidade no tocante à oportunidade e conveniência da persecução penal. Vejamos.

Figueiredo Dias adverte que o princípio da legalidade deve continuar a constituir o ponto de partida da modelagem do sistema, porém, continua o autor,

"bem se compreende que, relativamente a certos casos concretos, a promoção e a prossecução obrigatórias do processo penal causem à comunidade jurídica maior dano que vantagem – máxime, atento o pequeno significado da questão para o interesse público, ou conexionado este com dificuldades de prova, inflação do número de processos, pequena probabilidade de executar a condenação, etc. (vg., relativamente a fatos cometidos no estrangeiro ou por pessoa que não se encontre no país) – e que, em tais casos, se deixe ao MP uma certa margem de discricionariedade".

Na elaboração do Código de Processo Penal Tipo para América Latina, constou no item IX de sua Exposição de Motivos que

"nenhum sistema penal processa todos os casos que se produzem em uma sociedade; ao contrário, as estatísticas universais e nacionais demonstram a escassa quantidade de casos que são solucionados pelos diversos sistemas. O direito de nossos países, em geral, se aferra ao chamado ‘princípio da legalidade’, que pretende sejam perseguidas todas as ações puníveis, segundo uma regra geral de obrigação. Em que pese o princípio, na prática operam diversos critérios de seleção informais e politicamente caóticos, inclusive dentro dos órgãos de persecução penal e dos órgãos judiciais do Estado. Decorre então que é necessário introduzir critérios que permitam conduzir essa seleção de casos de forma razoável e em consonância com convenientes decisões políticas. Isso significa modificar, em parte, o sistema de exercício das ações do Código Penal, tolerando exceções à ‘legalidade’, com critérios de oportunidade, legislativamente orientados".

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Sobre o tema, manifesta-se Scarance Fernandes afirmando que

"com o aumento populacional e conseqüente incremento da criminalidade, há que se admitir no plano legal certa discricionariedade de atuação do órgão acusatório, principalmente em infrações mais leves ou em determinadas situações concretas onde não há maior interesse em punir. A adoção integral do princípio da obrigatoriedade exigiria do Estado, mormente nas grandes cidades, um número infindável de juízes e promotores para que fossem julgadas todas as infrações. Na prática diária a autoridade policial tem, até com o assentimento público, oportunidade de não instaurar inquéritos policiais em várias ocasiões, em virtude da pequena gravidade dos fatos noticiados. Acaba, por isso, existindo grande discricionariedade da autoridade policial ante o inevitável fato de que o elevado número de crimes noticiados não permite que sejam todos objeto de investigação e processo."

Alguns autores, como Euclides Custódio da Silveira e Frederico Marques, entendem que a redação do artigo 28 do CPP conferiu ao Ministério Público certa margem de discricionariedade para requerer o arquivamento do Inquérito Policial. Pautam-se os eminentes estudiosos na expressão "razões invocadas", contida no referido dispositivo legal, a qual, acreditam, poderia referir-se também a infrações leves, pouco interessantes ao órgão acusador, tendo em vista o insignificante dano causado à sociedade. Este posicionamento é completamente rechaçado por Fernando Tourinho Filho para o qual tais "razões invocadas" dizem respeito apenas à ausência de materialidade ou prova de autoria.

Concluindo o presente tema, cite-se o posicionamento de Scarance Fernandes sobre o assunto:

"Na prática, em grandes centros é praticamente impossível que de todo crime seja iniciado processo, o que, se ocorresse, representaria o caos em um Justiça já atravancada; é comum, em casos de lesão de pequena intensidade ao bem jurídico, ser pedido arquivamento de inquérito com o beneplácito do Poder Judiciário, invocando-se muitas vezes razões até de política criminal ou fundamentando-se o requerimento justamente na pouca relevância do fato. Outro caminho consistiu em dar maior elasticidade ao conceito de justa causa para a ação penal, fundando-a na viabilidade da acusação; assim, se os indícios vindos da investigação não permitiam antever possibilidade de sucesso da ação penal, ela não era intentada. Mais ainda, formou-se corrente que admite o arquivamento do inquérito quando, pelas circunstâncias do caso, a sentença condenatória seria ineficaz porque inevitável a prescrição pela pena em concreto; fala-se então em falta de interesse de agir ante a inabilidade de se obter sentença eficaz."


PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E IN DUBIO PRO REO

Tourinho Filho considera o princípio da presunção de inocência como o coroamento do due process of law. Segundo Castanheira Neves, "é um ato de fé no valor ético da pessoa, próprio de toda sociedade livre".

Garante o artigo 5°, inciso LVII, da Constituição Federal que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória", elevando o princípio da presunção de inocência a dogma constitucional, tal como proclamado no artigo 11 da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 (Everyone charged with a penal offense has the right to be presumed innocent until proved guilty according to law in a public trial at which he has all the garantees necessary for his defense). Ressalte-se que o mencionado princípio já se encontrava inserido no ordenamento jurídico brasileiro em conseqüência da adesão do Brasil à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), conforme Decreto n° 678/92, a qual dispõe em seu artigo 8°, 2, que "toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa".

Decorre do princípio da presunção de inocência, ou do estado de inocência, como preferem alguns, que: a liberdade do acusado só pode ser restringida antes da sentença definitiva a título de medida cautelar que seja efetivamente necessária e conveniente, nos termos da lei; cabe ao órgão acusador o ônus de comprovar a culpabilidade do acusado, não tendo este o dever de provar sua inocência; para prolatar a sentença condenatória, o juiz deve estar plenamente convencido de que o réu foi o autor do ilícito penal apurado, sendo que, havendo dúvidas quanto à sua responsabilidade, deverá o juiz absolver o réu. Neste último caso, tem-se o consagrado princípio do in dubio pro reo, ou seja, em caso de ausência de provas suficientes capazes de dirimir por completo qualquer dúvida a respeito da autoria do delito, deverá o juiz prolatar sentença absolutória a favor do acusado, na forma do artigo 386, VI, do CPP. Convém observar que os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo, embora integrem o gênero favor rei, não se confundem.

Em síntese, enquanto não for definitivamente condenado, por meio de sentença penal condenatória transitada em julgado, presume-se o réu inocente e como tal deve ser tratado. Sob este prisma, Mirabete entende que, por força do princípio constitucional da presunção de inocência, ficaram evidentemente revogados os artigos 393, II, e 408, §1°, do Código de Processo Penal.

Édson Luís Baldan ensina que o direito de ser presumido inocente possui quatro funções básicas: "limitação à atividade legislativa, critério condicionador das interpretações das normas vigentes, critério de tratamento extra-processual em todos os seus aspectos (inocente); obrigatoriedade de o ônus da prova da prática de um fato delituoso incidir sempre sobre o acusador, pelo critério da não culpabilidade". Prossegue o ilustre autor lecionando que três exigências decorrem da previsão constitucional da presunção da inocência, quais sejam:

"a) o ônus da prova dos fatos constitutivos da pretensão penal pertence com exclusividade à acusação, sem que se possa exigir a produção por parte da defesa de provas referentes a fatos negativos (prova diabólica); b) necessidade de colheita de provas ou de repetição de provas já obtidas perante o órgão judicial competente, mediante o devido processo legal, contraditório e ampla defesa; c) absoluta independência funcional do magistrado na valoração livre das provas".

O STF firmou entendimento sobre o tema, determinando que

"nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete ao réu demonstrar a sua inocência. Cabe ao Ministério Público comprovar, de forma inequívoca, a culpabilidade do acusado. Já não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência (Decreto-lei n. 88 de 20.12.1937, art. 20, no. 5)" (HC n° 73.338/RJ – RTJ 161/264).

É importante notar que a presunção de inocência constitucionalmente assegurada é do tipo juris tantum e, por assim ser, poderá ser afastada pelas provas produzidas no decorrer do devido processo legal, sempre sob o manto do contraditório e da ampla defesa.

Face ao preceito da presunção de inocência, as exigências pertinentes à prisão cautelar ficaram mais rigorosas, justificando-se tal medida apenas quando estritamente necessária e respaldada pela lei. Do contrato, ensina-nos Tourinho Filho, o réu estaria sofrendo antecipadamente uma pena, sendo considerado culpado antes da sentença penal condenatória, numa clara ofensa à festejada garantia da presunção de inocência. "Não havendo perigo de fuga do indiciado ou imputado e, por outro lado, se ele não estiver criando obstáculo à averiguação da verdade buscada pelo Juiz, a prisão provisória torna-se medida inconstitucional".

Na esteira desses pensamentos, não podem as redações dos artigos 393, I, e 594 do CPP, do artigo 35 da Lei n° 6.368/76 e do artigo 2°, §2°, da Lei n° 8.072/90 subsistirem tal qual se encontram. Verdadeiramente, se o réu não pode ser considerado culpado enquanto a sentença penal condenatória não transitar em julgado, não parece ser correta a obrigação de recolher-se à prisão para poder recorrer à jurisdição superior. Tourinho Filho assevera que pode-se inferir do texto constitucional, "com clareza de doer nos olhos, que o réu tem o direito público subjetivo de natureza constitucional de apelar em liberdade".

Ante o exposto, toda e qualquer prisão anterior ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória deve revestir-se de natureza cautelar, sob pena de se estar ferindo o princípio da presunção de inocência. Sobre o tema, mais uma vez Tourinho Filho disserta e orienta que

"Quando ocorre uma prisão em flagrante, e não estando presente qualquer das circunstâncias que autorizam a decretação da prisão preventiva, o indiciado tem o direito de ficar em liberdade, nos termos do parágrafo único do art. 310 do CPP; se o cidadão cometeu um crime inafiançável, mas não foi preso em flagrante, sua prisão preventiva somente poderá ser decretada se for necessária, e a lei diz quando ela se torna necessária: se o agente está perturbando a ordem pública ou a ordem econômica, se está criando obstáculo à instrução criminal, ou se está pretendendo subtrair-se da eventual aplicação da lei penal. Ausentes tais circunstâncias, não poderá ser preso preventivamente. […] Pela mesma razão, se for condenado por sentença não transitada em julgado, sua prisão provisória, ou o seu antecipado cumprimento de pena, só se justifica se ele estiver dando sinais de que pretende subtrair-se à aplicação da lei penal. Senão, não."

Finalizando o tema, cumpre alertar que apenas fato de o réu ter maus antecedentes ou ter praticado crime hediondo não é suficiente para justificar a prisão antes da sentença condenatória definitiva. Nesse sentido, o Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo julgou que "se durante a instrução criminal o réu manteve a liberdade, porque a custódia era desnecessária, impossível a prisão durante o recurso baseada simplesmente em maus antecedentes reconhecidos na sentença" (RT 658/297). E ainda, "segundo revelam os autos, o paciente, embora não tenha bons antecedentes, permaneceu em liberdade durante toda a instrução. Não foi preso em flagrante e não se entendeu necessária sua prisão preventiva. E, em liberdade, não deu causa de qualquer embaraço quanto ao processamento da ação penal. De justiça, portanto, deferir-se a ele, pelo menos, o direito de continuar em liberdade até o julgamento definitivo da ação penal" (HC 198.476/7). No que concerne ao fato de ter praticado crime hediondo, pronunciou-se o STJ afirmando que "a manutenção da prisão em flagrante só se justifica quando presentes os requisitos ensejadores da prisão preventiva, nos moldes do art. 310, parágrafo único, do CPP. O fundamento único da configuração de crime hediondo ou afim, sem qualquer outra demonstração de real necessidade, nem tampouco da presença dos requisitos autorizadores da prisão preventiva, não justifica a prisão em flagrante" (REsp n° 243.893/SP).

Nada impede, contudo, que o Juiz, na sentença condenatória recorrível, decrete a prisão do réu. Entretanto, ao fazê-lo, deverá fundamentar seu ato constritivo na necessidade da medida cautelar, à luz do artigo 312 do CPP.

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Sobre o autor
Flúvio Cardinelle Oliveira Garcia

Graduado em Ciências da Computação pela Universidade Católica de Brasília (1995). Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (2002). Pós-graduado em Direito Eletrônico e Tecnologia da Informação pelo Centro Universitário da Grande Dourados (2008). Mestre em Direito Processual Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2008). Professor de Direito Penal e Direito Processual Penal na Pontifícia Universidade do Paraná. Delegado de Polícia Federal. Chefe do Núcleo de Repressão ao Crimes Cibernéticos da Polícia Federal do Paraná, com ênfase investigativa para os delitos de ódio e de pornografia infantojuvenil, mormente praticados pela Internet. Membro do Instituto Brasileiro de Direito da Informática (IBDI), do Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico (IBDE) e do High Technology Crime Investigation Association (HTCIA).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCIA, Flúvio Cardinelle Oliveira. Os limites constitucionais do poder punitivo do Estado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 291, 24 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4994. Acesso em: 23 dez. 2024.

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