Resumo: O presente artigo tem como proposito conduzir o leitor a um questionamento acerca do crime de tortura, que se faz presente na conjuntura atual. Que se esconde na margem da omissão dos Estados, ou na relativização destes quanto o significado de tortura.
Palavras-chaves: Sujeitos de Direito Internacional, Crime de tortura, Estados.
Sumário: 1. Breve análise histórica da tortura – 2. A tortura no Brasil; 2.1 Dados estatísticos e o embate com a realidade brasileira – 3. O embate do entendimento jurídico e entendimento social sobre a tortura 3.1 O entendimento jurídico sobre a tortura: 3.2 O entendimento social sobre a tortura; 3.3 Confronto entre o entendimento jurídico e social – 4. Considerações finais – Referências bibliográficas.
Introdução
O Pacto de San José da Costa Rica, tratado este que expôs que o crime de tortura não pode existir em nenhum Estado, não pode existir como ponte para organização deste, apesar de claro e aplicável este tratado, a tortura ainda vigora nos processos penais disfarçada de meio de prova considerado como legítimo ou que ainda conta com a omissão dos estados em tomar posição contra tal conduta.
As relações hierárquicas entre indivíduos e Estado ou mesmo entre particulares permite em certos casos concretos, a tortura como justificativa de segurança jurídica quando praticada por agentes públicos, ou a clara imposição de direitos e interesses particulares em detrimento da própria dignidade da pessoa humana, que é garantia constitucional na ordem jurídica brasileira e não somente nela como é um entendimento firmado pela comunidade internacional dos direitos humanos.
O crime de tortura embora vedado expressamente no âmbito internacional, com ampla ratificação dos tratados que sobre ele versam ainda se faz presente e subjetivamente marcante em parte da comunidade internacional como todo. Ainda nos dias atuais se observa a tortura como imposição da vontade de um legislador, ou mesmo regras distintas de qualquer regulamentação legal.
Os relatórios construídos por organizações quais tem se dedicado à luta contra desigualdade e injustiça expõem que a tortura não acabou como se pensa, mas ela está viva e camuflada por ações e comportamentos nos quais descaracterizaram um pouco a maneira tradicional na qual esta se apresentava. Não que os precedentes da tortura tenham sido extintos, embora seja este o desejo da Organização das Nações Unidas e os Estados, a tortura se modernizou tomou corpo e formas cada vez mais difíceis de identificar e combater.
1. Breve análise histórica da tortura
Para se analisar de forma clara o contexto no qual a tortura ganhou força como método de adquirir provas, de impor determinado comportamento para a sociedade se faz necessário voltar aos elementos históricos. Seria impossível pontuar com exatidão toda historicidade que a tortura construiu ao longo da formação das sociedades, esteve presente desde o continente europeu até os confins da Ásia. Esta se perpetuou como maneira de exercício de uma hierarquia, base de governo, sempre pautada na demonstração de força por meio desta. Logo vale ressaltar o episódio mais emblemático, precisamente a segunda guerra mundial, ponto histórico no qual a tortura que unida ao genocídio expos a faceta mais cruel, obscura e desafiadora ao conceito de direitos humanos que ainda era tácito.
Sobre a batuta de Hitler o exército alemão tomado de extrema xenofobia e orientados pela enganosa visão de que apenas os ditos arianos perfeitos eram merecedores de direitos e de respeito como pessoas. Pautados em construir uma Alemanha melhor e em nome desse objetivo, estes constituíram a mais profunda cicatriz que se tem quando se aborda direitos humanos e todo universo que trata do direito do indivíduo apenas por ser humano. Os campos de concentração cheios de crianças, idosos, mulheres e homens conhecidos como judeus demonstrava a fragilidade dos direitos frente ao poder, não se trata apenas do extermínio dos judeus, mas dos tratamentos desumanos a eles dispensados, experiências degradantes comandadas por Josef Mengele e outros demais médicos que claramente se encaixam no conceito de tortura sem menor dúvida ou lacuna.
Faltariam palavras significantes para expressar o grau de degradação que assolou os judeus que se encontravam na Alemanha nazista, nunca se desprezou tanto uma etnia, fazendo nascer disso legitimidade, embora infundada e absurda, para torturar e dispor da vida de seres humanos como se meros objetos fossem. A tortura não surgiu no nazismo, que fique claro, mas foi nesse espaço especifico de tempo que se viu a urgente necessidade de unir quantos Estados fossem possíveis para que se buscasse uma alternativa mais efetiva de deter a arbitrariedade por parte de um chefe de Estado, como no nazismo, ou mesmo se tratando de um ente privado, de uma relação privada.
2. A tortura no Brasil
Mudando o prisma para uma análise dentro do Estado brasileiro, o período da ditadura refletiu mais uma vez a importância de discutir a questão dos direitos humanos, os anos de chumbo, os inúmeros desaparecimentos de pessoas contrarias ao regime ou mesmo pessoas que foram apenas pegas pelo tornado de intolerância e arbitrariedade do governo, regados mais uma vez pelo modelo de torturar, infligir sofrimento agudo, extremo. Passaram-se os anos, porém o processo de tortura como imposição ou meio de prova continua tão presente quanto que nos anos anteriores, há notáveis melhoras sim, não há motivos para desconsiderar o que fora alcançado pela comunidade internacional, no entanto a tortura se transformou, está mais camuflada, mas com certeza presente e viva na memória de pessoas independente de nacionalidade.
2.1 Dados estatísticos e o embate com a realidade brasileira
De acordo com relatórios da Human Rights Watch (HRW) a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos recebeu mais de 5.000 denúncias de crimes de tortura entre os anos de 2012 a 2014, perpetradas por agentes públicos e privados, sendo preponderantes aquelas ocorridas por mãos de agentes públicos, pois estes tem o tempo e espaço de custodia a favor de uma interação que se transfigura em tortura aliado ainda com a extrema dificuldade de se comprovar tortura dentro de uma série de atitudes que expandem a liberdade do agente público em sua relação de hierarquia com a vítima. Tem-se ainda o abuso da relação de confiança que torna ainda mais nebuloso o esclarecimento dos fatos ocorridos dos indivíduos que estavam em poder dos agentes.
Muitos desses casos não chegam ao conhecimento do poder público, talvez seja uma marca deixada pela ditadura, o medo de expor a agressão, temor de uma retaliação, pode representar a inibição que a sociedade tem em denunciar, a parte destas indagações subjetivas, o julgamento do que é tortura se mostra antiquado, arraigado em percepções que não condizem com a realidade. A impunidade da parte agressora tem subsidio na omissão do Estado, que decide se eximir do concreto, da circunstância aterradora que coleciona vítimas em seu infinito quadro, um ciclo que é inquebrável por falta de interesse dos Estados em buscar a veracidade dos fatos e punir os agressores, a fim de contra-atacar tal pratica de efeitos devastadores.
O descompasso entre os poderes de mesmo modo cooperam para que o ciclo do crime de tortura seja cada vez mais difícil de localizar e reprimir. Tornar a tortura como uma marca do passado sombrio que não tem mais espaço e condições de se manter acessa dentro da sociedade exige o cumprimento do que fora ratificado outrora no tratado do pacto de San José e demais convenções arguidas e ratificadas, mas também demanda a incumbência individual para cada Estado de fazer cumprir a justiça e respeito à dignidade da pessoa humana.
3. O embate do entendimento jurídico e entendimento social sobre a tortura
3.1 O entendimento jurídico sobre a tortura
O entendimento jurídico no que diz respeito a tortura é unanime em conceitua-lo e a dispor que tortura é crime, que fere a dignidade da pessoa humana, que inflige consequências danosas e graves à pessoa sobre a qual recaiu esse trato. O direito internacional público reconheceu que a proibição da tortura é regra de ius cogens internacional, que na concepção de palavras em prol de um significado seria traduzida em “conjunto de princípios que resguarda os mais importantes e valiosos interesses da sociedade internacional, como expressão de uma convicção, aceita em todas as partes da comunidade mundial, que alcança a profundida consciência de todas as nações, satisfazendo o superior interesse da comunidade internacional como um todo, como os fundamentos de uma sociedade internacional, sem os quais a inteira estrutura se romperia...” como certeiramente pontuaram Hillary Charlesworth e Christine Chinkin na obra Direitos humanos e o direito constitucional internacional.
A construção doutrinária mantém uma relação íntima com a figura do ius cogens que oferece uma fundamentação satisfatória para a inibição e proibição da tortura com força de regra. Uma vez que, além do ius cogens impondo a proibição da tortura como regra, há a garantia objetiva desse interesse público coletivizado por meio de uma obrigação erga omnes, que faz essa conciliação de razões e averiguações sejam imunes a anulação, ainda que em situação hipotética se tenha consentimento de todos membros da Comunidade Internacional. É explicito que essa norma não está sujeita as circunstâncias, ou meras arbitrariedades por parte de qualquer agente seja público ou privado.
3.2 O entendimento social sobre a tortura
No que tange o entendimento social da tortura percebe-se a distorção do que é a tortura e o que ela de fato representa, não é raro de se ver a aceitação da tortura pela própria sociedade, de certa forma os torturadores tem o aval de grande parcela da comunidade, que assim como o Estado, os indivíduos afastam de si a responsabilidade de denunciar, se omitem do dever de fazer algo. Em algumas partes do mundo e suas diferentes culturas condenam a tortura relativamente, desde que ela não seja a aplicado a determinado grupo social não uma rejeição desse comportamento, agora se há tortura contra outro tipo de agrupamento social tal procedimento tem o consentimento e apoio de uma fração da sociedade.
No Brasil é comum que a expressão “bandido bom é bandido morto” seja amplamente reproduzida e compartilhada como se fosse o sentimento geral de todo o brasileiro, tal pensamento provindo da época da ditadura tem abundante e alarmante espaço nos ideais do brasileiro, não generalizando obviamente, mas sim esse tipo de razão é comum e aceito dentro de uma porção da sociedade brasileira. Essa deformação conceitual está arraigada também em outros Estados que insistem em punir com castigos físicos chegando ao extremo da mutilação, diante desse fato fica manifesto o “emprego social” da tortura a fim de disciplinar aquele que se desviar do padrão de conduta disposto como regra. Alguns Estados claramente relativizam a tortura, usando-a como meio jurídico em seu território, representando a errônea concepção desses Estados, ainda que tenham ratificado os tratados, suas concepções sobre a tortura estão presas em apenas uma faceta, ultrapassada e desleixada associada a tempos medievais, que os leva a coloca-la como um problema antigo e já resolvido.
3.3 Confronto entre o entendimento jurídico e social
O confronto entre essas duas conceituações nasce justamente da justificação da tortura como liame necessário para atingir os fins que beneficiam a sociedade, a diminuição do valor da dignidade humana em todos os seus aspectos em nome de uma normalidade jurídica abstrata e defeituosa já que faz a tortura ser um meio aceitável para tal meta. O Estado, ou ente particular designa a si mesmo o poder de julgar o que tem mais importância no contexto específico, valendo-se de todo meio que resulte em sucesso para ter sua iminente necessidade atendida.
Ademais o rompimento da conivência e corroboração da tortura como meio de se regularizar e nivelar as pendências sociais em maioria do tempo se trata de uma questão de segundo plano para os Estados, é infortúnio dizer, mas os resultados trazidos pela tortura, por serem rápidos e de grande visualização importa em uma espécie de crédito, recompensa por ter satisfeito a demanda, isto constitui mais um obstáculo, embora no ângulo do direito internacional público e demais compreensões sobre a tortura e seu viés danoso sejam harmônicas, a compreensão social é bastante invertida e degradada, há um longo caminho a percorrer no que se trata de modificar essa visão relativista da tortura.
Considerações Finais
O olhar lançado sobre o crime de tortura somado aos conceitos construídos ainda se mostram ineficazes quanto a conceituação e rompimento com a aprovação deste. A dura colisão da percepção jurídica doutrina contra a percepção social defeituosa ainda é uma enorme barreira ao consenso de que a tortura não pode mais subsistir mais em nenhuma circunstância. Vontades e abusos cometidos em nome da segurança jurídica e do bem-estar social não podem mais ser apoiados, nem mesmo tolerados pela Comunidade Internacional, assim como as instâncias de poder dos Estados devem tratar com mais rigor casos de tortura.
A relativização da tortura não é uma atuação que deve ser deixada como parte da sociedade, todo ser humano merece tratamento digno, deve ter sua dignidade respeitada acima de ambições e direitos notoriamente particulares e as vezes escusos. A dignidade humana não pode ser moeda de troca em relações de poder quer seja entre agente público ou privado, não pode ser meio para obtenção de provas, de alcançar propósitos, de pacificar litígios.
É certo que o peso histórico acumulado todos esses anos pelas inúmeras vítimas de tortura sejam de tamanha preocupação para a Comunidade Internacional, se faz urgente que as sínteses morais relativas a tortura se transformem. Não é possível que direta ou indiretamente haja anuência os resultados que provém da tortura, a mudança cultural é um passo fundamental na luta para que se valorize os direitos humanos independente de raça, crença, etnia, local de origem, ideologias e as demais características diferenciadoras.
Referências bibliográficas
Bibliográficas: Teixeira, Flávia Camello – Da Tortura – Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
http://www.conectas.org/arquivos/editor/files/Julgando%20a%20tortura.pdf
http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Principios-Fundamentais/Sobre-o-Relatorio-Julgando-a-Tortura-/40/32833
http://www.revistaliberdades.org.br/site/outrasEdicoes/outrasEdicoesExibir.php?rcon_id=244