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Uma visão constitucional da citação no âmbito do Processo Penal

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VISÃO GERAL SOBRE A INTIMAÇÃO E A NOTIFICAÇÃO

Os atos de comunicação processual não se resumem apenas a citações. O Código de Processo Penal prevê como outras formas de se estabelecer o contato com as partes as intimações e as notificações.

Doutrinariamente, há distinção entre intimações e notificações, muito embora o Código de Processo Penal, vez ou outra, faça uso de ambos os termos como se sinônimos fossem. Mirabete, seguindo a doutrina, define intimação como a "ciência dada à parte, no processo, da prática de um ato, despacho ou sentença. Refere-se ela, portanto, ao passado, ao ato já praticado". Para o autor, notificação é a "comunicação dada a parte ou a outra pessoa, do lugar, dia e hora de um ato processual a que deve comparecer. Refere-se ao futuro, ao ato que vai ser praticado". [49] Na esteira desses pensamentos, Pontes de Miranda explica que "a intimação supõe que se haja praticado um fato. É cognição do pretérito pelo interessado. A notificação refere-se ao futuro da atividade de quem foi notificado, quanto a certo ponto". [50]

Os artigos 370 a 372 do CPP tratam das intimações lato sensu, aí compreendidas as notificações. Dispõe o artigo 370 que, como regra, às intimações deverão ser aplicadas as mesmas disposições referentes às citações. Contudo, note-se que os dispositivos retromencionados apresentam algumas regras particulares às intimações que, em síntese, correspondem à possibilidade de serem feitas por escrivão (art. 370, §§2° e 3°), realização por simples requerimento despachado (art. 371) e efetivação pelo próprio juiz, na presença das partes, ocorrendo hipótese de adiamento de ato da instrução criminal (art. 372).

A redação atual do artigo 370, §1°, admite a intimação do defensor constituído, do advogado do querelante e do assistente pela publicação no órgão incumbido pela publicidade dos atos judiciais da comarca, desde que inclua-se o nome do acusado. Atente-se que tal dispositivo não é aplicado ao Ministério Público e ao defensor nomeado, pois para esses a intimação deverá ser sempre pessoal (art. 370, §4°, CPP).

Prevê ainda o §2° do art. 370 que "caso não haja órgão de publicação dos atos judiciais na comarca, a intimação far-se-á diretamente pelo escrivão, por mandado, ou via postal com comprovante de recebimento, ou por qualquer outro meio idôneo". O artigo 67, caput, da Lei n° 9.099/95, por exemplo, estabelece que "a intimação far-se-á por correspondência, com aviso de recebimento pessoal ou, tratando-se de pessoa jurídica ou firma individual, mediante entrega ao encarregado da recepção, que será obrigatoriamente identificado, ou, sendo necessário, por oficial de justiça, independentemente de mandado ou carta precatória, ou ainda por qualquer meio idôneo de comunicação".

Bem resumindo o tema, Grinover, Scarance e Gomes Filho propugnam que, in verbis:

"Sendo assim, no nosso processo penal as intimações são realizadas, em regra, pessoalmente (por mandado, precatória, rogatória), pela imprensa (nos casos acima indicados) ou ainda mediante correspondência com aviso de recebimento. Não sendo possível a localização pessoal, nem sendo caso de publicação pela imprensa ou expedição de correspondência, as intimações serão feitas por edital, atendidas as mesmas prescrições que a lei estabelece para as citações, seja quanto às hipóteses de cabimento, seja quanto às formalidades, prazos, etc." [51]

O artigo 564 do Código de Processo Penal dispõe três casos de nulidades que podem ser argüidas em casos específicos onde há necessidade de intimação. São eles: a ausência de intimação para a sessão do julgamento pelo Júri, quando a lei não permitir o julgamento à revelia (inciso III, g); a falta de intimação das testemunhas arroladas no libelo e na contrariedade, nos termos estabelecidos pela lei (inciso III, h); e a ausência de intimação, nas condições previstas em lei, para ciência de sentenças e despachos de que caiba recurso (inciso III, o). Tendo em vista previsão expressa do artigo 572 do CPP, os vícios relativos às duas primeiras hipóteses são considerados de nulidade relativa, somente sanável nos termos do artigo 570 do mesmo diploma legal.

Grinover, Scarance e Gomes Filho também consideram causa de nulidade a falta de inclusão do nome do acusado nas intimações feitas a advogados pela imprensa, conforme estabelece o art. 370, §1°, do CPP.

Questão bastante interessante é a da intimação da sentença prevista no artigo 392 do Código de Processo Penal. Afirma a doutrina que, sob o manto dos princípios da ampla defesa e da paridade de armas, consagrados na Constituição Federal de 1988, a exclusividade ou alternatividade determinadas nos incisos do citado dispositivo infraconstitucional não podem prevalecer. Assim, em respeito à autodefesa, à defesa técnica e à igualdade entre acusação e defesa, a intimação da sentença deverá ser feita, necessariamente, ao réu, preso ou não, e ao seu defensor, constituído ou dativo. Esse entendimento está jurisprudencialmente solidificado. [52]

Finalizando o tema, insta trazer a baila questão polêmica que tem dividido opinões. Trata-se da intimação da defesa da audiência designada no juízo deprecado. Diz o artigo 222 do Código de Processo Penal que: "a testemunha que morar fora da jurisdição do juiz será inquirida pelo juiz do lugar de sua residência, expedindo-se, para esse fim, carta precatória, com prazo razoável, intimadas as partes".

Dissertando sobre o assunto, José Francisco Cagliari afirma que a maioria da jurisprudência propugna pela necessidade de ser a defesa intimada apenas da expedição da carta precatória, cabendo-lhe diligenciar no sentido de ter ciência da data designada para a realização do ato (STF, RT 609/447; RTJ 63/776, 95/547; STJ, RT 716/517, 730/480; JSTJ 32/100 e outros). [53] A despeito das orientações jurisprudênciais, assevera o ilustre autor que a doutrina vem reconhecendo a necessidade de a defesa e o acusado serem cientificados não apenas da expedição da carta precatória, mas também da data designada para a realização da audiência. [54] Esse posicionamento, com toda certeza, parece ser o que melhor atende ao princípio da ampla defesa, constitucionalmente assegurado.


Notas

1 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Campinas: Bookseller, 1997, vol. II, p. 171.

2 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 2ª ed. São Paulo: RT, 2003. p. 543.

3 CAGLIARI, José Francisco. Citações e intimações. In: MARQUES DA SILVA, Marco Antônio (coordenador). Tratado temático de processo penal. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. p. 267.

4 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. São Paulo: Atlas, 10ª ed., 2000. p.426.

5 NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit. p. 541.

6 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. Cit. p. 427; MARQUES, José Frederico. Op. Cit. p. 174. GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 291.

7 Nesse sentido, Ap. 478.905/2, JTACrim 93/72. Em sentido contrário, Ap. 285.611, RT 587/350, TACrimSP.

8 TACrimSP, HC 119.796, RT 578/364.

9 GRINOVER, Ada Pellegrini, SCARANCE FERNANDES, Antônio, GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As nulidades no processo penal. São Paulo: RT, 7ª ed., 2001. p. 107.

10 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. Cit. p. 428.

11 Ibidem.

12 NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit. p. 555.

13 CAGLIARI, José Francisco. Op. Cit. In: MARQUES DA SILVA, Marco Antônio (coordenador). Op. Cit. p. 273.

14 NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit. p. 547.

15 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. Cit. p. 429.

16 Ibidem.

17 NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit. p. 547.

18 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. Cit. p. 430.

19 NORONHA, E. Magalhães. Curso de direito processual penal. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 183, p. 198.

20 GRECO FILHO, Vicente. Op. Cit. p. 292.

21 TACrimSP, RT 665/307, 678/342, 706/330, 710/297, 715/478, 729/556, TJSP, RT 709/324, 716/433, STF HCs 69.350 e 71.839.

22 GRECO FILHO, Vicente. Op. Cit. p. 292.

23 GRINOVER, Ada Pellegrini, SCARANCE FERNANDES, Antônio, GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Op. Cit. pp. 108-9; NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit. pp. 547-8; MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. Cit. p. 430.

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24 O artigo 8°, n. 2, b e c , da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, asseguram ao acusado, respectivamente, a comunicação prévia e pormenorizada da acusação formulada e a concessão do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa.

25 GRINOVER, Ada Pellegrini, SCARANCE FERNANDES, Antônio, GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Op. Cit. p. 110.

26 NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit. p. 549.

27 Nesse sentido: STF, RT 609/445, 612/436, 658/369, 668/382, 678/395; STJ, RT 726/613 e outros.

28 GRINOVER, Ada Pellegrini, SCARANCE FERNANDES, Antônio, GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Op. Cit. p. 112.

29 Nesse sentido: STF, RT 539/301, 549/431, 590/419, 605/423; JTACrSP 36/47, 40/350, 42/141. 45/394, 46/349, 51/60, 54/55, 57,117, 58/101, 66/16.

30 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. Cit. p. 431.

31 GRINOVER, Ada Pellegrini, SCARANCE FERNANDES, Antônio, GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Op. Cit. p. 112.

32 Nesse sentido: TJSP, AP. 139.344, RT 531/330; STF, RHC 57.127-1-RS, RT 538/445.

33 GRINOVER, Ada Pellegrini, SCARANCE FERNANDES, Antônio, GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Op. Cit. p. 114; MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. Cit. p. 434; NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit. p. 550; CAGLIARI, José Francisco. Op. Cit. In: MARQUES DA SILVA, Marco Antônio (coordenador). Op. Cit. p. 276.

34 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. Cit. p. 434.

35 GRINOVER, Ada Pellegrini, SCARANCE FERNANDES, Antônio, GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Op. Cit. p. 114.

36 GRINOVER, Ada Pellegrini, SCARANCE FERNANDES, Antônio, GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Op. Cit. p. 106.

37 CAGLIARI, José Francisco. Op. Cit. In: MARQUES DA SILVA, Marco Antônio (coordenador). Op. Cit. p. 279.

38 NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit. pp. 552-3.

39 GOMES FILHO, Antônio Maganhães. Medidas cautelares da lei n. 9.271/96: produção antecipada de provas e prisão preventiva. Boletim IBCCrim n. 42, Edição Especial, junho/1996, p. 5. Apud NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit. p. 552.

40 NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit. pp. 552.

41 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. Cit. p. 442.

42 GOMES FILHO, Antônio Maganhães. Op. Cit. p. 5. Apud NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit. p. 552.

43 Ibidem.

44 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. Cit. p. 442; NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit. p. 553; CAGLIARI, José Francisco. Op. Cit. In: MARQUES DA SILVA, Marco Antônio (coordenador). Op. Cit. pp. 282-3.

45 GOMES FILHO, Antônio Maganhães. Op. Cit. Apud CAGLIARI, José Francisco. Op. Cit. In: MARQUES DA SILVA, Marco Antônio (coordenador). Op. Cit. p. 282.

46 NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit. pp. 552; CAGLIARI, José Francisco. Op. Cit. In: MARQUES DA SILVA, Marco Antônio (coordenador). Op. Cit. pp. 283-4; JESUS, Damásio Evangelista. Notas ao art. 366 do código de processo penal com a redação da lei n. 9.271/96. Boletim IBCCRim n. 42, Edição Especial, junho/1996, p. 3.

47 JESUS, Damásio Evangelista. Op. Cit. p. 3.

48 NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit. pp. 552.

49 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. Cit. p. 436.

50 MIRANDA, Pontes de. Comentários ao código de processo civil. 1947, vol. II, p. 208. Apud MARQUES, José Frederico. Op. Cit. p. 208.

51 GRINOVER, Ada Pellegrini, SCARANCE FERNANDES, Antônio, GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Op. Cit. pp. 117-8.

52 STF, RT 544/470 e 726/591; STJ, RT 664/332; TJSP, RT 545/332; TACrimSP, JTACrim 95/443.

53 CAGLIARI, José Francisco. Op. Cit. In: MARQUES DA SILVA, Marco Antônio (coordenador). Op. Cit. p. 288.

54 Ibidem.

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Sobre o autor
Flúvio Cardinelle Oliveira Garcia

Graduado em Ciências da Computação pela Universidade Católica de Brasília (1995). Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (2002). Pós-graduado em Direito Eletrônico e Tecnologia da Informação pelo Centro Universitário da Grande Dourados (2008). Mestre em Direito Processual Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2008). Professor de Direito Penal e Direito Processual Penal na Pontifícia Universidade do Paraná. Delegado de Polícia Federal. Chefe do Núcleo de Repressão ao Crimes Cibernéticos da Polícia Federal do Paraná, com ênfase investigativa para os delitos de ódio e de pornografia infantojuvenil, mormente praticados pela Internet. Membro do Instituto Brasileiro de Direito da Informática (IBDI), do Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico (IBDE) e do High Technology Crime Investigation Association (HTCIA).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCIA, Flúvio Cardinelle Oliveira. Uma visão constitucional da citação no âmbito do Processo Penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 273, 6 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4997. Acesso em: 24 abr. 2024.

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