TERCEIRA PARTE ANÁLISE PRAGMÁTICA
I - Introdução:
Hodiernamente o tema da análise pragmática, é de grande relevância, tendo em vista as rápidas transformações sociais nas relações jurídicas e o acesso a informação mundial, via internet, entre outras, pois sua finalidade é fazer com que, após emitida uma mensagem, em determinada linguagem, seja recebida e, conseqüentemente, entendida pelo destinatário.
A análise pragmática se utiliza basicamente da relação existente entre os signos e as pessoas que deles se utilizam. É essencial para que a comunicação possa surtir os efeitos desejados, ou seja, que o destinatário compreenda, como já foi dito, a mensagem e tendo compreendido, possa repeti-la nos exatos termos, sem que haja um desvio de sua real intenção.
II - Análise Pragmática:
Pragmática, cuja origem é grega pragmatikós, significa a relação existente entre os sinais, estudos pela semiótica ou semiologia, com as pessoas que se utilizam desses sinais. É a relação entre a pessoa que fala e o que ela está falando. É, na verdade, o próprio uso da linguagem(13).
O Prof. Paulo de Barros Carvalho(14), interpretando Pierce e Charles Morris, quando tratam de "Signo, Linguagem e Conduta", destaca planos na investigação dos sistemas sígnicos, dentre eles, "o pragmático, no qual se examina a relação do signo como os utentes da linguagem (emissor e destinatário)". E continua, "o plano pragmático que é de extrema fecundidade, sendo infinitas as formas de utilização dos signos pelos sujeitos da comunicação, em termos de produzir mensagens".
Segundo o Prof. Tércio(15), "a análise pragmática é como definimos o uso do termo tendo em vista a relação do termo por quem e para quem o uso".
Sob o aspecto pragmático, interessam os efeitos interacionais que o uso da linguagem produz entre os membros de uma comunidade lingüística; vale dizer, estudam-se as relações sociais que se instauram através do uso concreto da linguagem.
Portanto, ressaltando-se a importância dos aspectos pragmáticos da linguagem jurídica, torna-se fundamental afirmar que, diante de textos normativos denotativamente imprecisos (vagos) torna-se necessário o recurso à argumentação(16), enquanto raciocínio que visa à aplicação das normas jurídicas aos casos concretos. deste modo, a aplicação do direito não se procede mediante demonstração (raciocínio tipicamente lógico formal, que pressupõe que o direito articule evidências empíricas ou racionais), mas através de argumentação.
Nesse sentido, o processo argumentativo não tem como ponto de partida evidências (juízos de realidade), mas sim juízos de valor, que são resgatados através das normas jurídicas. A argumentação no direito pressupõe a articulação de um discurso(17) com vistas a persuadir o órgão responsável pela decisão ou ainda o órgão responsável por eventual revisão da decisão a aderir à interpretação que se quer ter como vinculante para o caso concreto (conflito social que exige decisão jurídica).
Há que se destacar os aspectos pragmáticos da linguagem neste particular, em virtude de que os discursos que intentam fazer prevalecer uma determinada interpretação das normas jurídicas não possuem apenas um uso ou função informativos (enquanto meras descrições das normas jurídicas), mas surgem como explicitamente diretivos e expressivos, porquanto destinados a influir na decisão a ser tomada pelo órgão competente e também porque envolvem não apenas aspectos racionais, mas também emotivos (face à carga emocional dos termos e expressões invocados em sustentação a uma determinada interpretação) (18).
A retórica assume, nesse contexto, papel primordial, enquanto processo argumentativo que, ao articular discursivamente valores tem por objetivo a persuasão dos destinatários da decisão jurídica quanto à razoabilidade da interpretação prevalecente(19)
Até o presente momento, embora de modo não explícito, deu-se maior enfase ao caráter vago da expressão lingüística de normas jurídicas descritivas de situação de fato (regras jurídicas).
Dispositivos constitucionais e legais, revelam a presença, na linguagem das normas jurídicas, de termos e expressões vagos. Tal circunstância torna a atividade de interpretação e aplicação do direito bastante implicada com os valores morais, culturais, econômicos, sociais e políticos de uma comunidade.
III - Conclusão:
Portanto, conclui-se, que a análise pragmática destina-se a deixar assente, a relação e, conseqüente, comunicação por intermédio de signos, que se instala entre o emissor e aquele ao qual a mensagem está sendo dirigida, isto é, o destinatário.
Dessa forma, tem-se a medida de recepção e compreensão que alcançou o destinatário da mensagem, quando de sua decodificação, levando-se em conta o conjunto de signos pelo qual o receptor da mensagem é conhecedor.
Sendo certo que a análise pragmática tem por objetivo, fazer com que o texto legal seja, de plano, assimilado pelo cidadão, que é o destinatário final da norma e, conseqüentemente, o cidadão comum compreendendo a norma posta, dessa forma, estará atendido o objeto da análise pragmática.
NOTAS
- Antes que sejam apreciados os principais aspectos da linguagem das normas jurídicas no tocante à interpretação e sua aplicação no campo do direito, é importantíssimo, fazer-se algumas considerações acerca da chamada linguagem natural. inicialmente, há que se fazer uma distinção entre os signo e símbolo. Enquanto o signo expressa uma representação natural da realidade (por exemplo: as poças de água representam naturalmente ter chovido num determinado lugar), os símbolos expressam uma representação cultural da realidade. Ou seja, o seu respectivo sentido não se extrai através de uma relação de causalidade existente na própria natureza, mas sim a partir de usos ou convenções sociais. A linguagem, consiste, pois, no sistema de símbolos articulados por uma comunidade para representar a sua respectiva realidade. A linguagem natural é aquela de que os usuários se servem na comunicação normal e cotidiana. Por outro lado, linguagem científica é aquela elaborada teoricamente para fins de compreensão rigorosa de uma determinada realidade.
- As imprecisões conotativas são denominadas ambigüidades. A ambigüidade se verifica quando não é possível desde logo precisar quais são as propriedades em função das quais um termo deve ser aplicado a um determinado conjunto de objetos.
- As imprecisões denotativas denominam-se vaguezas. A vagueza se verifica quando ocorre dúvida acerca da inclusão ou não de um ou mais objetos dentro da classe de objetos aos quais um determinado termo se aplica. Ou, ainda, quando ocorre incerteza sobre determinado termo.
- Apud do texto Direito, Cidadania e Justiça, cujos coordenadores são Beatriz di Giorgi, Celso Fernandes Campilongo e Flávia Piovesan, pág. 86: "Em que pese tal observação, Carlos Santiago Nino, in "Introducción al análisis del derecho", ed. Astrea de Alfredo Y Ricardo Depalma, Buenos Aires, 1.988, aponta alguns exemplos de ambigüidades na redação das normas jurídicas, pp. 260 a 264".
- "De um modo geral, pelo procedimento construtivo, as regras jurídicas são referidas a um princípio ou a um pequeno número de princípios e daí deduzidas. Pelo dogma da subsunção, segundo o modelo da lógica clássica, o raciocínio jurídico se caracterizaria pelo estabelecimento tanto de uma premissa maior, a qual conteria a diretiva legal genérica, quanto da premissa menor, que expressaria o caso concreto, sendo a conclusão, a manifestação do juízo concreto ou decisão", in "Introdução ao Estudo do Direito", pág. 83.
- Artigo utilizado nas aulas de mestrado, cujo título é "Língua e Linguagem".
- in "Introdução ao Estudo do Direito", ed. Atlas, São Paulo, 1.991.
- Não se deve confundir, o estudo da sintaxe com a lexicologia (do grego lexis, ou seja, palavra). Esta corresponde a um ramo da lingüística destinado ao estudo das palavras, sob vários aspectos, máxime a respeito dos morfemas que a compõem.
- Preliminarmente, se pode partir de uma caracterização meramente informal do conceito de gramática. No plano intuitivo, a linguagem parece inserir-se, entre outras, em duas dimensões distintas: uma, "física", definível, por exemplo como uma seqüencia fônica; e a outra, da significação, deixando-se este termo totalmente em aberto (quer dizer: nesse nível não é necessário pronunciar-se sobre o tipo de entidades que ele deveria denotar). Diz-se, então, que uma gramática é um dispositivo que permite associar sons e significados. Portanto, a caracterização da Gramática deverá prever (ao menos) três níveis de representação: será necessária uma especificação suficientemente adequada do componente fonético (tarefa avocada pela análise fonológica: redução do continuum sonoro constituído pela emissão verbal a uma entidade tornada discreta pela introdução, por exemplo, de traços distintivos), do componente "significado" (cuja tematização cabe à análise semântica. E, por, fim, do componente sintático (o que equivale a individuar as modalidades segundo as quais certos constituintea se combinam para formar os enunciados de uma língua).
- in "Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo", ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1.977.
- Sujeito de Direito: "a pessoa natural como sujeito de direitos e o tracejamento de seu perfil pela linguagem jurídica". Dissertação apresentada como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Filosofia do Direito na PUC/SP.
- in "Teoria Pura do Direito", ed. Martins Fontes, São Paulo, 1.994.
- in "Apostila do curso de Mestrado da PUC/SP, André Franco Montoro.
- in ob. cit.
- in op. cit., pág. 39.
- Para Perelman e Tyteca, a finalidade da argumentação é provocar ou acrescer a adesão dos espíritos às teses que se apresentam ao seu assentimento. Deste modo, a discussão passa a organizar-se primordialmente do ângulo do orador, aparecendo como um processo cuja finalidade primária é a conquista da adesão e, com ela, do consenso das partes implicadas. Isto reduz a fundamentação de cada ação lingüística à estratégia do consenso, onde desponta o ideal romântico da verdade, da justiça, da beleza, etc., como eterna discussão e do concesso universal como critério de legitimação.
- Para o Prof. Tércio Sampaio Ferraz Jr, "Todo discurso, ocorrendo numa situação comunicativa, constitui uma discussão. mas nem por isso todo discurso deve ser considerado dialógico. Aquele discurso onde o ouvinte aparece como não habilitado para uma intervenção ou como não interessado ativamente nela, revela-se como monológico. A presença passiva do ouvinte, na discussão, modifica profundamente o comportamento do orador e, em conseqüência, as características do próprio discurso. Faz-se mister analisar o monólogo em função dos componentes a ele pertinentes. É preciso, nesse sentido, estabelecer o que significa a passividade do ouvinte, qual influência do seu comportamento no que diz respeito ao orador e, finalmente, qual a significação da relação orador-ouvinte na qualificação do objeto do discurso e na determinação da sua estrutura. O discurso monológico tem função de sinal diferente. A atitude passiva do ouvinte não significa, é verdade, que ele não esteja ali, que não exista ouvinte, mas o seu comportamento não se reveste das mesmas qualidades ativas de que ele goza no discurso dialógico. Sua atitude é, em princípio, a de theorós,, isto é, daquele que assiste ao espetáculo sagrado. Neste sentido, modifica-se também a função estimativa do discurso, ;pois o ouvinte tem, afinal, alguma coisa a dizer, o espetáculo pode agradá-lo ou desagradá-lo, mas ele não interfere na própria ação representada. O seu comportamento, para usarmos uma imagem da tradição filosófica, resume-se em ver a ordem cosmológica, sem poder, em princípio, equiparar-se à medida do cosmos, sem poder reproduzi-la em si próprio. A posição do ouvinte no discurso monológico, tendo em vista a situação comunicativa e em oposição ao diálogo pode ser considerada como abstrata, isto é, a sua subjetividade desaparece enquanto individualidade, a sua adesão ao discurso parece suspensa, não existe expectativa de reação ativa. Por isso, sua presença pode ser abstraída, no sentido de que o ouvinte se desfaz na universalidade do auditório.
- Para um exame profundo e detalhado da dogmática da decisão ou teoria dogmática da argumentação jurídica, in "Introdução ao Estudo do Direito", de Tércio Sampaio Ferraz Jr., capítulo 6, págs. 282 a 317.
- Apud do texto Direito, Cidadania e Justiça, cujos coordenadores são Beatriz di Giorgi, Celso Fernandes Campilongo e Flávia Piovesan, pág 90: "A importância da retórica para o raciocínio jurídico é assinalada por Chaim Peralman em sua obra La Lógica Jurídica e y la Nueva Retórica ,Editorial Civitas S.A., 1.988.
BIBLIOGRAFIA
1. Sampaio Ferraz Jr., Tércio, in "Introdução ao Estudo do Direito", atlas, São Paulo, 1.991;
2. Reale, Miguel, in "Fontes e modelos do direito", saraiva, São Paulo, 1.994;
3. Vilanova, Lourival, in "Teoria das formas sintáticas", revista estudos universitários, 1.969;
4. Ullmann, Stephen, tradução de Mateus, J. A. Osório, in "Uma introdução à ciência do significado", 5ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian;
5. Giorgi di, Beatriz e outros, in "Direito, cidadania e justiça", São Paulo, RT, 1995;
6. Bonomi, A. e Usberti, G., in "Sintaxe e semântica na gramática transformacional", ed. perspectiva;