Antes de abordarmos o conceito de legítima defesa, é preciso saber o significado do que vem a ser antijuridicidade ou ilicitude dentro da estrutura do crime.
Segundo o autor Cleber Masson (2015, p.413) ilicitude é a contrariedade entre o fato típico praticado por alguém e o ordenamento jurídico, capaz de lesionar ou expor a perigo de lesão bens jurídicos penalmente tutelados.
Tudo que vem a ser contrário ao fato típico, aquilo que corresponde a uma conduta praticada no mundo físico, real descrita em lei, ou seja, toda posição contraria a lei provoca a ilicitude no ordenamento jurídico, tornando o fato definido como crime ou infração penal, ensejando a aplicação de uma pena para o indivíduo que transgrediu a lei.
Conceito
Conforme estabelece o art. 25 do Código Penal, entende-se em legitima defesa que, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
Segundo o art. 23 do Código Penal, preceitua que não há crime quando o agente pratica o fato:
I – em estado de necessidade;
II – em legitima defesa;
III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
A legitima defesa é causa de exclusão de ilicitude que consiste em repelir injusta agressão, atual ou iminente, a direito próprio ou alheio, usando moderadamente dos meios necessários. Não há, aqui, uma situação de perigo pondo em conflito dois ou mais bens, na qual um deles deverá ser sacrificado. Ao contrário, ocorre um efetivo ataque ilícito contra o agente ou terceiro, legitimando a repulsa. (CAPEZ, 2008, p.281).
Consiste a legitima defesa, a exclusão da antijuridicidade, quando o agente passivo se encontra em um estado de agressão, sendo ele atual ou iminente e para a vítima se defender, ela usa dos meios necessários agindo com cautela e usando dos meios necessários para se defender de uma ou mais condutas ilícitas praticadas pelo seu oponente.
A legitima defesa, é inerente ao ser humano, nasce com a pessoa e passa a existir durante toda a sua vida, pois é natural do ser quando ele usa os meios de defesa para repelir uma agressão injusta.
De acordo com o entendimento do autor Cleber Masson (2015, p.448), em razão da sua compreensão como direito natural, a legitima defesa sempre foi aceita por praticamente todos os sistemas jurídicos, ainda que muitas vezes não prevista expressamente em lei, constituindo-se dentre todas, na causa de exclusão da ilicitude mais remota ao longo da história da civilizações.
Requisitos legais
A legitima defesa estabelecida no Código Penal em seu artigo25, possui os seguintes requisitos:
I – agressão injusta;
II – atual ou iminente;
III – direito próprio ou alheio;
IV – reação com os meios necessários;
V – uso moderado dos meios necessários.
Agressão injusta
Define-se agressão como a conduta humana que lesa ou põe em perigo um bem ou interesse juridicamente tutelado. Mas a agressão, contudo, não pode confundir-se com a mera provocação do agente, que é, digamos, uma espécie de estágio anterior daquela, devendo-se considerar a sua gravidade, intensidade para valorá-la adequadamente. (BITENCOURT, 2012, P.416).
A agressão ela parte de uma ação ou omissão do ser humano, ou seja, só haverá a conduta agressiva se for iniciada por um indivíduo, não existindo desse modo uma conduta agressiva por um irracional, isto é, um animal, ou por qualquer outra coisa inanimada.
Conforme esclarece Capez (2008, p.282), ataque de animal não a configura, logo, não autoriza a legitima defesa. No caso, se a pessoa se defende do animal, está em estado de necessidade. Convém notar, contudo, que, se uma pessoa açula um animal para que ele avance em outra, nesse caso existe agressão autorizadora da legitima defesa, pois o irracional está sendo utilizado como instrumento do crime.
Em regra por si só o animal não pratica agressão, logo, ele precisará da ajuda de um ser racional para agredir outra pessoa, havendo dessa forma para o agredido o instituto da legitima defesa.
A agressão ela pode estar vinculada a uma omissão, a qual, a o dever jurídico de agir e o agente não age causando danos a terceiros, devido a sua conduta omissiva. Um exemplo da conduta omissiva é do agente policial que tem o dever de liberar o detento da prisão por ele já ter cumprido a sua pena, todavia devido a sua omissão, agride um bem jurídico do preso, autorizando a reação em legitima defesa.
Além disso, a agressão deve ser injusta. Agressão injusta é a de natureza ilícita, isto é, contrária ao direito. Poder ser dolosa ou culposa, é obtida com uma análise objetiva, consistindo na mera contradição com o ordenamento jurídico. (MASSON, 2015, P.450).
Toda agressão contraria a lei que é instituída pelo Poder Público, passa a ser injusta, ilícita, pois, desrespeita a norma jurídica de um Estado, fragmentado desta forma o princípio Constitucional da dignidade da pessoa humana.
Atual ou iminente
Segundo o autor Damásio Evangelista de Jesus (2011, p.431), a agressão, além de injusta, deve ser atual ou iminente. Agressão atual é a presente, a que está acontecendo. Ex: A está agredindo B a golpes de faca. Agressão iminente é a que está prestes a ocorrer. Ex: A está perseguindo B para atacá-lo a golpes de faca. A reação do agredido é sempre preventiva: impede o início da ofensa ou sua continuidade, que iria produzir maior lesão. Não há legítima defesa contra a agressão passada ou futura. Se a agressão já ocorreu, a conduta do agredido não é preventiva, tratando-se de vingança ou comportamento doentio. Se há ameaça de mal futuro, pode intervir a autoridade pública para evitar a consumação. Se a conduta do agressor perdura, fazendo com que seja mais intensa a lesão do interesse, como ocorre nos delitos permanentes (ex.: sequestro), admissível é a legítima defesa do agredido enquanto exista a privação de sua liberdade.
Considera-se como atual a agressão que já esteja efetivamente acontecendo; iminente, a seu turno, é aquela que está preste a acontecer (GRECO, ROGÉRIO, 2009. P.64).
Fica nítido, no dizer do autor Damásio, que não existe legitima defesa contra agressão pretérita ou futura, logo, só admitirá a legitima defesa se a agressão for presente ou a que está preste a ocorrer, caso o agente alegue legitima defesa de agressão passada ou futura, ele está cometendo um ilícito penal, devendo a autoridade policial autuá-lo.
Direito próprio ou alheio
Conforme leciona o autor Cleber Masson (2015, p.451), a agressão injusta, atual ou iminente, deve ameaçar bem jurídico próprio ou de terceiro. Qualquer bem jurídico pode ser protegido pela legitima defesa, pertencente aquele que ser defende ou a terceira pessoa. E na legítima defesa de terceiro, a reação pode atingir inclusive o titular do bem jurídico protegido. O terceiro funcional como agredido e defendido, simultaneamente. Exemplo: A, percebendo que B se droga compulsivamente e não aceita conselhos para parar, decide agredi-lo para que desmaie, e, assim, deixe de ingerir mais cocaína, que o levaria à morte.
A legitima defesa pode ser empregada para defender direito próprio ou de terceiro, visto que a proteção caíra ao bem jurídico da vítima ameaçado pelo agressor.
Reação com os meios necessários
Conforme explica Fernando Capez (2008, p.286), meios necessários são os menos lesivos colocados à disposição do agente em que no momento em que sofre a agressão. Exemplo: se o sujeito tem um pedaço de pau a seu alcance e com ele pode tranquilamente conter a agressão, o emprego de arma de fogo revela-se desnecessário.
No momento em que a vítima se encontra numa situação de agressão atual ou iminente e precisa se defender, ela vai usar como meios necessários aquele que ela entende como o meio menos lesivo para o ataque de seu algoz, pois, se for este meio empregado por ela desproporcional a gravidade da agressão, estará caracterizado o excesso doloso, culposo ou exculpante, ou seja, sem dolo ou culpa.
A causa excludente de legitima defesa não é vista como um desforço desnecessário, pois, visa a proteção de bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal, por essa razão não há punição pelo nosso ordenamento jurídico, todavia, deve ser usada da maneira menos lesiva possível.
Uso moderado dos meios necessários
Nas palavras do autor Cleber Masson (2015, p.453), caracteriza-se pelo emprego dos meios necessários na medida suficiente para afastar a agressão injusta. Utiliza-se o perfil do homem médio, ou seja, para aferir a moderação dos meios necessários o magistrado compara o comportamento do agredido com aquele que, em situação semelhante, seria adotado por um ser humano de inteligência e prudência comuns à maioria da sociedade. Essa análise não é rígida, baseada em critérios matemáticos ou científicos, comporta ponderação, a ser aferida no caso concreto, levando em conta a natureza e a gravidade da agressão, a relevância do bem ameaçado, o perfil de cada um dos envolvidos e as características do meios empreendidos para a defesa.
Neste mesmo diapasão, o autor Guilherme de Souza Nucci (2015, p.25), moderação, é a razoável proporção entre a defesa empreendida e o ataques sofrido que merece ser apreciada no caso concreto, de modo relativo, consistindo na medida dos meios necessários. Se o meio fundamentar-se, por exemplo, no emprego de arma de fogo, a moderação basear-se- á no número de tiros necessários para deter a agressão.
A vítima da agressão atual ou iminente quando usar dos meios necessários para se defender, ela precisa se basear no uso moderado desse meio empregado, para afastar a agressão injusta do seu oponente. Através da sua ponderação e proporção da sua defesa, o Estado-Juiz analisará no caso concreto a sua conduta defensiva e os meios empregados por ela.
Por tudo isso, fica claro dizer que nem toda conduta humana em que há uma ação tipificada em lei será considerada uma infração penal, pois, existe a causa de excludente das ilicitude. Sendo assim, quando o agente agir em legítima defesa a uma agressão injusta, atual ou iminente, estará acobertado pelo instituto da excludente da antijuridicidade.
Bibliografia
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. V.1. Parte geral.12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Parte geral. 17ª. Ed. Rev. Ampl e atual. São Paulo: Saraiva, 2012.
MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado. Parte geral. V. 1. 9ª. Ed. Rev. Atual e ampl. Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Método, 2015.
GRECO, Rogério Código penal Comentado. 2ª ed. Niterói. RJ: Impetus, 2009.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 15ª ed. Rev. Atual e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
CURIA, Luiz Roberto, CÉSPEDES, Lívia, NICOLETTI, Juliana. Vade mecum. 13ª ed. Atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012.
JESUS, Damásio de Direito penal. V. 1. Parte geral. 32ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011.