Artigo Destaque dos editores

O regime jurídico tributário das indenizações por atos ilícitos

Exibindo página 1 de 2
Leia nesta página:

Sumário: 1. A importância do estudo do tema. 2. Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. 3. Tributação na fonte. 4. Responsabilidade Civil. 4.1. Dano Patrimonial. 4.1.1. Dano emergente. 4.1.2. Lucro cessante. 4.1.3. Indenização por dano patrimonial e tributação incidente. 4.2. Dano Extrapatrimonial. 4.2.1. Dano extrapatrimonial sofrido por pessoa jurídica. 4.2.2. Indenização por dano extrapatrimonial e tributação incidente. 4.3. Dano indireto. 5. Indenização como despesa. 6. Conclusão. Bibliografia.


1. A importância do estudo do tema

Enquanto acadêmico do curso de Direito, pude ter acesso aos estudos da Responsabilidade Civil em nosso sistema jurídico. Como estagiário, entretanto, ao vivenciar a prática forense, pude constatar que as demandas judiciais pertinentes àquela matéria deparavam-se, na fase de execução do seu julgado, com tema ainda incipiente e pouco debatido pela doutrina e jurisprudência: a incidência tributária sobre as indenizações por danos patrimoniais e extrapatrimoniais decorrentes de atos ilícitos.

Na medida em que a consciência jurídica evolui e cada cidadão se sente mais encorajado a cobrar indenizações pelos danos sofridos, cresce a importância do estudo do tema.

A doutrina e jurisprudência tem enfrentado questões relativas à tributação de verbas indenizatórias pagas por desapropriação, bem como àquelas pagas por adesão a programas de demissões voluntárias. Porém, poucas são as obras que enfocam o regime jurídico tributário das indenizações por atos ilícitos.

O objetivo deste trabalho é o de desenvolver pesquisas e estudos sobre o referido tema, de modo a se concluir com mais segurança sobre a incidência ou não da tributação sobre as indenizações por danos patrimoniais e extrapatrimoniais, e sobre quais valores devem ser classificados como tais.

Com este intuito, começaremos nosso estudo pelo conceito de acréscimo patrimonial, hipótese de incidência tributária, seguindo com o estudo do dano e da indenização.


2. Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza

Para sabermos se há incidência tributária sobre verbas indenizatórias, necessário antes analisarmos o fato gerador do Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, previsto pelo artigo 153, III, da Constituição Federal de 1988.

No atual sistema constitucional tributário, cabe à lei complementar estabelecer as normas gerais sobre o fato gerador, a base de cálculo e o contribuinte dos impostos previstos na constituição (CF, art. 146, III, a).

Assim, o Código Tributário Nacional estabeleceu, em seu artigo 43, que:

Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza, tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

Da análise do dispositivo supra transcrito, percebemos que, ao conceituar renda e proventos de qualquer natureza, o CTN, em verdade, definiu como fato gerador do tributo o acréscimo patrimonial, denominando-o renda, quando decorrente do capital, do trabalho, ou da combinação de ambos, e proventos de qualquer natureza, nos demais casos. Desta forma, conclui-se que nenhum acréscimo patrimonial foi subtraído do campo de incidência do imposto.

Mas o que é acréscimo patrimonial? Nesse ponto, mister se faz tecer algumas considerações acerca da noção de patrimônio.

O patrimônio é o conjunto das relações jurídicas de uma pessoa, apreciáveis em dinheiro. Neste sentido a opinião de Silvio Rodrigues: "O patrimônio de um indivíduo é representado pelo acervo de seus bens, conversíveis em dinheiro. Há, visceralmente ligada à noção de patrimônio, a idéia de valor econômico, suscetível de ser cambiado, de ser convertido em pecúnia." (Silvio Rodrigues, Direito civil, 30. Ed., São Paulo: Saraiva, 2000, v. 1, p. 111.).

Os professores Rodolfo Pamplona Filho e Pablo Stolze Gagliano, em sua obra Novo Curso de Direito Civil, prelecionam que o patrimônio engloba o complexo de direitos reais e obrigacionais de uma pessoa, ficando de lado todos os outros que não têm valor pecuniário, nem podem ser cedidos, como os direitos de família e os direitos puros de personalidade. Por isso mesmo chamados direitos extrapatrimoniais. (Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, Novo Curso de Direito Civil, 1. Ed., São Paulo: Saraiva, 2002, v. 1, p. 261 e 262).

Nesse contexto, só haverá acréscimo patrimonial se houver a incorporação de riqueza nova (direitos reais ou obrigacionais) ao patrimônio existente, pois essa é a única maneira de aumentá-lo monetariamente.

O eminente jurista Hugo de Brito Machado ensina que "como acréscimo se há de entender o que foi auferido, menos parcelas que a lei, expressa ou implicitamente, e sem violência à natureza das coisas, admite sejam diminuídas na determinação desse acréscimo." (Hugo de Brito Machado, Curso de Direito Tributário, 20. Ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 271).

Dessa maneira, como conotação própria do conceito legal de acréscimo patrimonial, a idéia de riqueza nova que se agrega ao patrimônio induz a necessidade que ela represente valores líquidos, isto é, que sejam excluídos os gastos expendidos na obtenção daquela riqueza, pois somente os valores líquidos acrescem o patrimônio.

Por fim, no que diz respeito a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica desta riqueza nova e líquida, mais uma vez nos socorremos às lições do professor Hugo de Brito, que nos ensina decorrer a disponibilidade econômica do recebimento do valor que se vem a acrescentar ao patrimônio do contribuinte, ao passo que a disponibilidade jurídica decorre do simples crédito desse valor, do qual o contribuinte passa a dispor, embora este não lhe esteja ainda nas mãos.

Lembra, ainda, o ilustre jurista que o fato gerador deste imposto não é a renda, mas a aquisição da disponibilidade da renda ou dos proventos de qualquer natureza. Assim, conclui, não ser suficiente, para que alguém se torne devedor deste imposto, auferir renda ou proventos. É preciso que se tenha adquirido a disponibilidade que não se caracteriza pelo fato de ter o adquirente da renda ação para sua cobrança. Não basta ser credor da renda se esta não está disponível, e a disponibilidade pressupõe ausência de obstáculos jurídicos a serem removidos. (Hugo de Brito Machado, Curso de Direito Tributário, 20. Ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 271 a 273).

O último aspecto relativo ao imposto de renda e de grande importância ao estudo do tema aqui abordado, diz respeito ao período de incidência daquele imposto, aspecto que será analisado no ponto que se segue.


3. Tributação na fonte

O imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza em princípio é de incidência anual. Ocorre, entretanto, que este tributo vem chegando nos últimos anos ao sistema de bases correntes, isto é, a sua cobrança se faz por retenção na fonte, de forma que a declaração anual possa refletir insignificante ajustamento, para mais ou para menos, do que se pagou antecipadamente no ano-base.

A tributação na fonte revela a importância do tema a que nos propomos a estudar, na medida em que, do pagamento da indenização, deve-se proceder à retenção do imposto na fonte, quando este, em razão da natureza da verba indenizatória, for devido pelo autor.

A atribuição de responsabilidade à fonte pagadora da renda ou proventos, prevista no parágrafo único do artigo 45, nada mais é do que autorização para que esta seja posta na condição de sujeito passivo da obrigação tributária.

Tanto é assim que o decreto-lei 5.844/1943 dispõe, em seu artigo 103, que se a fonte ou o procurador não tiver efetuado a retenção do imposto responderá pelo recolhimento deste, como se houvesse retido.

Dessa maneira, o recebimento de rendimentos sujeitos a tributação na fonte mas que não sofreram retenção e recolhimento pela fonte pagadora não obriga o beneficiário a pagar o IRPF, pois estes valores serão considerados já tributados, ou líquidos de imposto. Por conseguinte, a pessoa física terá um direito de crédito, presumido, correspondente ao imposto supostamente retido do valor bruto do rendimento que lhe foi pago.

Este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e das próprias autoridades fiscais, externado no parecer normativo COSIT-1 de 08.08.1995.

Assim é que, fixada em sentença a quantia a ser paga a título de indenização por ato ilícito, um equívoco acerca da incidência tributária sobre tal verba, poderá sujeitar a fonte pagadora a um futuro recolhimento do imposto não retido ou, de forma contrária, onerar excessivamente o autor com o pagamento indevido do tributo.

Para que se possa ter certeza da ocorrência do fato gerador do imposto de renda ou proventos, em casos de pagamentos de indenizações por danos patrimoniais e extrapatrimoniais, necessário um estudo mais apurado da natureza daquelas verbas e, por conseguinte, da matéria pertinente a responsabilidade civil.


4. Responsabilidade Civil

Incumbe à responsabilidade civil a repressão da conduta daquele que contraria o ordenamento jurídico, restaurando o equilíbrio moral e patrimonial desfeito com o dano.

Para atingir tal desiderato, a ordem jurídica estabelece obrigações positivas (dar ou fazer) e negativas (não fazer ou tolerar algo) que têm origem em: fatos jurídicos lato sensu (todo acontecimento que tenha repercussão no direito), que abarca os fatos jurídicos stricto sensu (ordinários: quando o acontecimento natural for comum a vida, como o nascimento, a morte etc.; ou extraordinários: caso fortuito e força maior) e os atos jurídicos lato sensu, que por sua vez compreendem os atos lícitos (atos jurídicos stricto sensu: seus efeitos são inexoravelmente trazidos pela lei; negócios jurídicos: seus efeitos são aqueles desejados pelas partes) e atos ilícitos.

As obrigações derivadas dos atos ilícitos são as que se constituem por meio de ações ou omissões culposas ou dolosas do agente, praticadas com infração a um dever de conduta e das quais resulta dano à outrem. A obrigação que, em conseqüência surge é a de indenizar ou ressarcir o prejuízo causado. É o que preceitua os artigos 186 e 927 do Código Civil. (1-2)

A responsabilidade civil tem, desta forma, uma função reparadora ou indenizatória, visando levar a vítima, sempre que possível, ao status quo ante, ou seja restabelecer o estado que a vítima se encontrava antes da ocorrência do dano.

Um dos requisitos essenciais, portanto, para que seja a indenização devida é o dano. Sem dano não haverá o que reparar, ainda que a conduta tenha sido praticada intencionalmente.

Valendo-se do conceito de Sergio Cavalieri Filho, dano é a "subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão do dano em patrimonial e moral." (Sergio Cavalieri Filho, Programa de Responsabilidade Civil, 4. Ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 90).

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

A par da divisão supra mencionada, aqui nos referiremos a dano extrapatrimonial quando a lesão afetar um dos direitos da personalidade de uma pessoa (integridade física, intelectual ou moral) e, por outro lado, a dano patrimonial ou material, nas hipóteses em que o efeito da lesão recair sobre o patrimônio da vítima. Desta forma, o dano moral é espécie do qual o dano extrapatrimonial é gênero.

4.1. Dano patrimonial

O dano patrimonial ou material, conforme já havíamos mencionado, atinge os bens que integram o patrimônio da vítima. Por patrimônio (ver item 2 retro) deve-se entender o conjunto das relações jurídicas de uma pessoa apreciáveis em dinheiro, ficando de lado aqueles direitos que não têm esta característica, nem podem ser cedidos, os chamados direitos extrapatrimoniais (exemplo: direitos de família e direitos puros de personalidade).

O dano patrimonial, como bem assinala Maria Helena Diniz, fazendo referência a Aguiar Dias, mede-se pela diferença entre o valor do patrimônio da vítima e aquele que teria se não houvesse a lesão. (Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 7., 17. Ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 65). Pode não somente acarretar a sua diminuição ou desvalorização, como também impedir o seu crescimento. Assim, subdivide-se o dano patrimonial em dano emergente e lucro cessante (art. 402, CC).

4.1.1. Dano emergente

Conforme dicção legal do artigo 402 do Código Civil, o dano emergente compreende aquilo que a vítima efetivamente perdeu. Representa o efetivo prejuízo, a diminuição patrimonial sofrida pela vítima. É, por exemplo, o que o dono do veículo danificado desembolsa para consertá-lo.

4.1.2. Lucro cessante

Ainda de acordo com o que preceitua o artigo 402 do Código Civil, o lucro cessante vem a ser o que razoavelmente deixou a vítima de lucrar com a ocorrência do fato danoso. Consiste na frustração da expectativa de lucro, na perda de um ganho esperado, na diminuição potencial do patrimônio da vítima.

Por ser o reflexo futuro do ato ilícito sobre o patrimônio da vítima, reza o artigo supracitado que o lucro cessante deve pautar-se no princípio da razoabilidade.

Razoável é aquilo que o bom senso diz que o credor lucraria, apurado segundo um juízo de probabilidade, de acordo com o normal desenrolar dos fatos. (Sergio Cavalieri Filho, obra citada, p. 92).

Voltando ao exemplo do ponto anterior, se o veículo abalroado culposamente fosse um taxi, além dos prejuízos efetivamente sofridos com o reparo do seu veículo (dano emergente), faria jus a vítima a uma indenização pelo que deixou de ganhar no período em que o veículo ficou na oficina. Logo, apurar-se-ia, pericialmente, o lucro que o taxista normalmente auferia por dia para chegar-se ao quantum que ele deixou de lucrar.

Por fim, concluindo com o entendimento de Fischer, trazido na obra do professor Carlos Roberto Gonçalves, "não basta, pois, a simples possibilidade de realização do lucro, mas também não é indispensável a absoluta certeza de que este se teria verificado sem a interferência do evento danoso. O que deve existir é uma probabilidade objetiva que resulte do curso normal das coisas, e das circunstâncias especiais do caso concreto". (Carlos Roberto Gonçalves, Responsabilidade Civil, 8. Ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 630 e 631).

4.1.3. Indenização por dano patrimonial e tributação incidente

A reparação do dano patrimonial poderá processar-se pela reparação in natura, isto é, através do restabelecimento do status quo ante, como, por exemplo, entrega de objeto do mesmo gênero e espécie em troca do deteriorado; ou, quando não for possível a reparação natural, pela indenização pecuniária. Aqui nos interessará o estudo das implicações tributárias do recebimento desta segunda forma de reparação do dano, a indenização.

Vale a pena lembrar ser o fato gerador do Imposto de Renda (ver item 2 retro) o acréscimo patrimonial, denominando-o o CTN de renda, quando decorrente do capital, do trabalho, ou da combinação de ambos, e de proventos de qualquer natureza, nos demais casos.

Dessa maneira, tendo em vista ter a indenização pelos danos emergentes a finalidade precípua de recompor o patrimônio da vítima, buscando-se a reposição em espécie ou em dinheiro pelo valor equivalente ao decréscimo patrimonial sofrido, de modo a poder-se indenizá-la plenamente, operando-se a recondução do seu patrimônio ao estado em que se encontraria se não tivesse ocorrido o fato danoso, não há que se cogitar da incidência do imposto sobre a renda ou proventos de qualquer natureza.

Do pagamento da indenização pelos danos emergentes, portanto, não deve-se proceder a retenção do imposto de renda na fonte, pois não há, nesta hipótese, acréscimo patrimonial algum para a vítima.

No que diz respeito, a indenização pelos lucros cessantes, ou seja pela frustração da expectativa de lucro ou perda de um lucro esperado, haverá a incidência do imposto de renda sobre o quantum indenizatório, pois, de fato, o que está sendo restituído ao lesado é o lucro, o ganho ou acréscimo patrimonial que auferiria (art. 43, II, CTN).3 Conclui-se, assim, que sobre a verba indenizatória que vise recompor a quantia que deixou de ser acrescida ao patrimônio do lesado há incidência do Imposto de Renda, devendo-se, por conseguinte, proceder a sua retenção na fonte, quando o seu valor exceda o teto de isenção (hoje fixado em R$ 1.058,00).

4.2. Dano extrapatrimonial

Dano extrapatrimonial, conceituando-o negativamente, é aquele que não tem repercussão sobre o patrimônio da vítima, ou seja com a ocorrência do dano não há um decréscimo patrimonial. Segundo Savatier o dano extrapatrimonial (por ele denominado de moral) é qualquer sofrimento que não é causado por uma perda pecuniária.

Definindo positivamente, entretanto, o dano extrapatrimonial vem a ser aquele que atinge um bem integrante da personalidade de uma pessoa, os chamados direitos da personalidade.

Maria Helena Diniz apresenta em seu manual de Direito Civil a classificação proposta por R. Limongi França, que consiste na seguinte formulação: "os direitos da personalidade são direitos de defender: 1) a integridade física: a vida (a concepção e a descendência – gene artificial, inseminação artificial ou de proveta; o nascimento – aborto; o planejamento familiar – limitação de filhos; a proteção do menor pela família ou pela sociedade; a habitação; a educação; o trabalho; o transporte adequado; a segurança física; o aspecto físico da estética humana; a proteção médica e hospitalar; o meio ambiente ecológico; o sossego; o lazer; o desenvolvimento vocacional profissional e artístico; a liberdade física; o prolongamento artificial da vida; a reanimação; a velhice digna etc.), os alimentos, o próprio corpo vivo ou morto (o espermatozóide; o óvulo; o uso do útero para procriação alheia; o exame médico; a transfusão ou a alienação de sangue; o transplante; a experiência científica; o transexualismo; a mudança artificial do sexo; o débito conjugal; a liberdade física; o "passe" esportivo; o sepulcro; a cremação; a utilização científica do cadáver; a doação de órgãos do morto; o culto religioso ; o culto religioso no enterro); 2) a integridade intelectual: a liberdade de pensamento, a autoria científica, artística, literária e a atuação de esportista participante ou não de espetáculo público; 3) a integridade moral: a honra, a honorificência, o recato, o segredo pessoal, doméstico, político, religioso e profissional, a imagem, a identidade pessoal, familiar e social (profissional, política e religiosa), a liberdade civil, política e religiosa; a segurança moral, a intimidade, o aspecto moral da estética humana, a identidade sexual, o nome, o título, o pseudônimo, a alcunha." (Maria Helena Diniz, obra citada, p. 70 e 71).

Veja que o dano extrapatrimonial, aquele que atinge um bem integrante da personalidade de uma pessoa, compreende as ofensas dirigidas à integridade física, intelectual ou moral de outrem. Apenas, quando houver ofensa à integridade moral do indivíduo deve-se falar na ocorrência do dano moral. Portanto, é o dano moral espécie do qual o dano extrapatrimonial é gênero. Esta, no entanto, é a classificação por nós sugerida, pois o conceito de dano moral, amplamente utilizado pela doutrina e jurisprudência, refere-se a este como qualquer lesão a um dos direitos da personalidade ("direito extrapatrimonial").

Da classificação formulada por R. Limongi França, percebe-se que os direitos da personalidade visam assegurar a dignidade da pessoa humana.

Pois bem, a Constituição Federal de 88 em seu artigo primeiro, inciso III, prevê como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana. Ao assim fazer, a nossa Constituição deu ao dano extrapatrimonial uma nova feição e maior dimensão, pois a dignidade humana, como visto acima, é a essência de qualquer dos direitos da personalidade. O direito a honra, ao recato, a imagem, a intimidade, ao nome, ao aspecto físico e moral da estética humana, ao trabalho, a segurança física e ao culto religioso estão englobados no direito à dignidade.

Foi por considerar o direito a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas como corolário do direito à dignidade, que estabeleceu a Constituição, em seu artigo 5°, inciso X, o direito a indenização pelos danos extrapatrimoniais sofridos.

O Código de Defesa do Consumidor (artigo 6°, incisos VI e VII) e o novo Código Civil (artigos 12 e 186, parte final), seguindo o princípio constitucional da proteção à dignidade da pessoa humana, também asseguraram o direito a efetiva prevenção e reparação de danos extrapatrimoniais.

O dano extrapatrimonial, portanto, sob a ótica da nova ordem jurídica constitucional, pode ser conceituado como violação ao direito da dignidade. Este é o entendimento do professor Sérgio Cavalieri Filho e a tendência da jurisprudência dos nossos tribunais, veja o aresto a seguir transcrito: "Qualquer agressão à dignidade pessoal lesiona a honra, constitui dano moral e é por isso indenizável. Valores como a liberdade, a inteligência, o trabalho, a honestidade, aceitos pelo homem comum, formam a realidade axiológica a que todos estamos sujeitos. Ofensa a tais postulados exige compensação indenizatória" (Ap. Cível 40.541, rel. Des. Xavier Vieira, in ADCOAS 144.719) (Sergio Cavalieri Filho, obra citada, p. 95).

Observe que, enquanto o dano material atinge o patrimônio, o dano extrapatrimonial atinge a própria pessoa. Podem ser vítimas deste dano, não apenas aqueles que possuem bens patrimoniais, mas qualquer indivíduo, por mais pobre e humilde que seja, pois os direitos da personalidade são comuns a existência humana.

"O dano moral (4) não é a dor, a angústia, o desgosto, a aflição espiritual, a humilhação, o complexo que sofre a vítima do evento danoso, pois esses estados de espírito constituem o conteúdo, ou melhor, a conseqüência do dano. (...) O direito não repara qualquer padecimento, dor ou aflição, mas aqueles que forem decorrentes da privação de um bem jurídico sobre o qual a vítima teria interesse reconhecido juridicamente" (Eduardo Zanoni, El daño en la responsabilidade civil, Buenos Aires, Ed. Astrea, 1982, p. 234 e 235, apud Carlos Roberto Gonçalves, obra citada, p. 548 e 549). Assim, a dor, a aflição espiritual e a humilhação só poderão ser consideradas dano extrapatrimonial quando causadas por uma lesão à dignidade de alguém, ou seja, quando ofendido um dos seus direitos da personalidade.

4.2.1. Dano extrapatrimonial sofrido por pessoa jurídica

Apesar de ainda causar certa perplexidade, a indenização por dano extrapatrimonial, especificamente por dano moral, é perfeitamente cabível à pessoa jurídica, independentemente da ocorrência cumulativa de danos materiais. É claro que se estes últimos vierem a ocorrer será também devida a sua reparação (dano material indireto – ver item 4.3.).

A dificuldade em aceitar tal idéia consiste no fato de se pensar que o dano moral é sinônimo de dor, angústia, sofrimento, bem como na noção de que a honra é um bem privativo dos seres humanos.

Pois bem, deve-se esclarecer que a honra, segundo preleciona o professor Damásio de Jesus, divide-se em subjetiva e objetiva. A honra subjetiva é o sentido de cada indivíduo a respeito de seus atributos físicos, intelectuais e morais (dignidade, decoro e auto-estima), seria exclusiva do ser humano. A honra objetiva, por seu turno, é a reputação do indivíduo perante a sociedade, é comum à pessoa natural e a jurídica. (Damásio E. de Jesus, Direito Penal, v. 2, 24. Ed., São Paulo: Saraiva, 2001, p. 201). É indiscutível, nos dias de hoje, que a pessoa jurídica tem que zelar pelo seu bom nome comercial e empresarial, daí a crescente necessidade da publicidade e da realização de políticas socialmente corretas.

Outrossim, deve-se lembrar que a indenização por dano extrapatrimonial tem, além da função satisfativa, a punitiva, de modo a evitar que o ofensor volte a praticar o fato danoso.

Espancando qualquer dúvida acerca da possibilidade de indenização a pessoas jurídicas pelos danos morais sofridos, prevê o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 2°, que consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final, assegurando-lhe em seguida, no seu artigo 6°, incisos VI e VII, a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.

Assim é que, o Superior Tribunal de Justiça sumulou a matéria em seu enunciado n. 227: "A pessoa jurídica pode sofrer dano moral".

4.2.2. Indenização por dano extrapatrimonial e tributação incidente

A reparação do dano extrapatrimonial é, em regra, pecuniária, mas, segundo nos ensina Yussef Said Cahali, em sua obra Dano Moral, esta reparação não se resolve numa indenização propriamente dita, já que a indenização significa eliminação do prejuízo e das suas conseqüências, o que não é possível quando se trata de dano extrapatrimonial; a sua reparação se faz através de uma compensação, e não de um ressarcimento; impondo ao ofensor a obrigação de pagamento de uma certa quantia de dinheiro em favor do ofendido, ao mesmo tempo em que agrava o patrimônio daquele, proporciona a este uma reparação satisfativa. (Yussef Said Cahali, Dano Moral, 2. Ed., Revista dos Tribunais, p. 42).

De fato, como no dano extrapatrimonial o patrimônio da vítima não sofre qualquer decréscimo, a indenização neste campo possui outro significado, distinto daquele do dano material (reposição do patrimônio desfalcado). Seu

objetivo é duplo: satisfativo-punitivo. Por um lado, a paga em pecúnia deverá proporcionar ao ofendido uma satisfação, uma sensação de compensação capaz de amenizar a dor sentida. Em contrapartida, deverá também a indenização servir como punição ao ofensor, causador do dano, incutindo-lhe um impacto suficiente para dissuadi-lo de um novo atentado.

Os benefícios trazidos pelo quantum indenizatório, isto é, as regalias e privilégios que proporciona à pessoa, servem para amenizar, anestesiar a dor e o sofrimento sentidos ou gerar um efeito positivo relativo ao conforto oferecido, como, por exemplo, propiciando a realização de uma viagem, a compra de um bem etc. Porém, jamais a indenização restabelecerá o estado anterior da vítima, como ocorre com a indenização por danos materiais, na qual o indivíduo recebe aquilo que efetivamente perdeu.

Maria Helena Diniz, fazendo referência a Zanoni, coloca não se tratar de uma indenização da dor, da perda da tranqüilidade ou prazer de viver, mas de uma compensação pelo dano e injustiça que sofreu, suscetível de proporcionar uma vantagem ao ofendido, pois ele poderá, com a soma de dinheiro recebida, procurar atender às satisfações materiais ou ideais que repute convenientes, atenuando, assim, em parte, seu sofrimento. (Maria Helena Diniz, obra citada, p. 98).

Tendo em vista que o pagamento de indenizações por danos extrapatrimoniais visa implementar um acréscimo no patrimônio do ofendido, amenizando-lhe a dor sofrida, não há dúvidas a respeito da ocorrência do fato gerador do imposto de renda (CTN, artigo 43, II), devendo, portanto, o juiz mandar proceder-se ao seu recolhimento na fonte, quando o seu valor exceder o teto de isenção.

4.3. O dano indireto

Confusão faz parte da doutrina ao tratar da questão do dano moral indireto e do dano patrimonial indireto, denominando este último, equivocadamente, de dano moral com repercussão econômica.

Veja o que diz o professor Hugo de Brito Machado a respeito do assunto: "O dano moral pode ter, e pode não ter repercussão econômica. Mesmo quando

tenha tal repercussão, todavia, não se confunde com o denominado lucro cessante, como adiante será explicado. Tem caráter subjetivo, e a repercussão econômica é uma potencialidade, que não se confunde com o próprio dano.

Assim, se alguém publica um fato que evidencia a falta de higiene de um hospital, ou de um restaurante, tal publicação pode ferir o bom nome, o bom conceito, e por isto mesmo constituir um dano moral de que é vítima a pessoa, física ou jurídica, proprietária do hospital, ou do restaurante. É provável que algumas pessoas deixem de ir ao hospital, ou ao restaurante, em conseqüência da referida publicação. Trata-se, pois, de um dano moral com repercussão econômica, que é sempre presumida em face das circunstâncias qualificadoras do dano moral, e de sua vítima." (coordenador Hugo de Brito Machado, Regime tributário das indenizações, São Paulo: Dialética; Fortaleza: Instituto Cearense de Estudos Tributários – ICET, 2000, p. 94 e 95).

Como se viu no item 4.2.1, a pessoa jurídica pode sofrer dano moral sem que haja o dano material. Se, entretanto, da ofensa à honra objetiva da empresa (dano moral), advier, por exemplo, perda de clientela e, por conseguinte, redução nos seus lucros, caracterizado estará o dano material indireto (neste caso, lucro cessante) e não um dano moral com repercussão econômica.

O motivo da confusão está no seguinte fato: o critério da distinção entre o dano patrimonial e o dano extrapatrimonial não poderá ater-se à natureza ou índole do direito subjetivo atingido, mas ao efeito da lesão jurídica, isto é, ao caráter de sua repercussão sobre o lesado, pois somente desse modo se poderia falar em dano moral, oriundo de uma ofensa a um bem material (ex.: perda de um bem com valor afetivo), ou em dano patrimonial indireto, que decorre de evento que lesa direito extrapatrimonial, provocando também um prejuízo material (ex.: ofensa ao direito à integridade corporal que cause incapacidade para o trabalho).

O dano patrimonial direto é o dano que causa imediatamente um prejuízo no patrimônio da vítima e indireto o que atinge interesses jurídicos extrapatrimoniais do lesado, como os direitos da personalidade, causando, de forma mediata, perdas patrimoniais.

Por outro lado, conceitua-se como dano extrapatrimonial direto aquele consistente na lesão a um interesse que visa a satisfação ou gozo de um bem jurídico extrapatrimonial contido nos direitos da personalidade ou nos atributos da pessoa, ao passo que o dano extrapatrimonial indireto consiste na lesão a um interesse tendente à satisfação ou gozo de bens jurídicos patrimoniais, que produz um menoscabo a um bem extrapatrimonial. (Maria Helena Diniz, obra citada, p. 68 e 84 à 87).

Portanto, sendo o dano patrimonial indireto um dano patrimonial que deriva do fato lesivo a um bem extrapatrimonial, como tal deve ser considerado para efeitos tributários (indenização por dano emergente: não incidência do Imposto de Renda / indenização por lucro cessante: hipótese de incidência tributária).

O mesmo deve se considerar a respeito do dano extrapatrimonial indireto, sendo um dano extrapatrimonial que deriva do fato lesivo a um bem patrimonial da vítima, a sua indenização deverá ser tributada.

No exemplo acima citado, deve o juiz fixar a indenização pelo dano extrapatrimonial sofrido (lesão que resulte em ofensa ao direito de dignidade da pessoa – lesões corporais - indenização com caráter satisfativo-punitivo – hipótese de incidência tributária), bem como a indenização pelo dano patrimonial indireto: dano emergente (o que efetivamente a vítima perdeu – despesas com o tratamento médico – não incidência tributária) e lucros cessantes (o que razoavelmente deixou de lucrar – incapacidade para o exercício da sua profissão – hipótese de incidência tributária).

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Valter Pedrosa Barretto Junior

advogado tributarista do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados, pós-graduando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARRETTO JUNIOR, Valter Pedrosa. O regime jurídico tributário das indenizações por atos ilícitos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 266, 30 mar. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5017. Acesso em: 1 mai. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos