Com o crescente estreitamento das relações mercantis entre os vários países, os contratos internacionais, vêm experimentando acentuado crescimento em sua importância. O presente ensaio tem por finalidade analisar brevemente, o contrato de consumo internacional no direito pátrio, nos países do Mercosul, no Chile, Venezuela, Colômbia, México e no Canadá.
Crescentes dificuldades começam a surgir, ao realizarmos um acordo no âmbito internacional, onde as partes contratantes tenham nacionalidades diferentes ou domicílio em países distintos. Ou quando a mercadoria ou o serviço objeto da obrigação seja entregue, ou seja prestado além- fronteiras, ou ainda quando os lugares de celebração e execução das obrigações contratuais tampouco sejam os mesmos.
Nesses casos, diversas legislações irão pretender exercer controle, como por exemplo, a lei nacional das partes; a lei do domicílio, a lei de celebração do contrato; a lei do lugar de execução do contrato, etc. Claramente nota-se que o Contrato Internacional escapa à regulação do direito interno.
As características dos consumidores que seriam aceitáveis por um número maior de países seria a de sua não-profissionalidade, de pessoa física, de contratante ou usuário final(turista) e de vítima de produtos e serviços com defeitos como nos ensina Cláudia Lima Marques [1].
Ora, com o aumento progressivo das relações internacionais de troca, ao longo das últimas décadas, é necessário um corpo de normas substantivas e uniformes, hábil a regulamentar tais transações. No direito interno brasileiro, tais normas encontram-se dispostas na LICC que, em seu art. 9º, determina que as obrigações serão disciplinadas pela lei do país em que se constituírem. O parágrafo 2º. do mesmo dispositivo reza que a obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente. Logo, na hipótese de uma proposta de contrato de compra e venda originária da Espanha, por exemplo, feita a um negociante brasileiro, segundo as normas de direito internacional brasileiro, incidirá sobre este contrato a Convenção das Nações Unidas de 1980.
Por exemplo, se a autonomia da vontade das partes é hoje considerada o mais importante elemento de conexão no comércio internacional, encontra ela um limite no que se refere às relações de consumo. A Convenção de Roma. [2]indica a preferência das normas imperativas do foro(art. 7) e só então uma norma especial limitadora da autonomia da vontade.
Ocorre que é necessário superar as conexões tradicionais para proteger o contratante mais fraco, razão pela qual as normas brasileiras mencionadas acima estão superadas e é preciso escolher a conexão mais favorável ao consumidor, como a do art. 5, inc.3 da Convenção de Roma de 1980, que dá preferência à lei do país onde o consumidor tem sua residência habitual como conexão rígida se não há expressa manifestação da vontade. Este mesmo art. 5 da Convenção de Roma de 1980 determina que a eleição de uma lei para reger o contrato de consumo, isto é, a conexão na autonomia da vontade, não poderá excluir a aplicação das normas e leis imperativas de proteção do país de residência habitual do consumidor, se:
a) a oferta, a publicidade ou algum ato de conclusão do contrato aconteceu neste país; b) se o fornecedor ou um seu representante receber a reserva ou realizar a contratação no país de residência habitual do consumidor; c) quando se tratar de venda de produtos e o consumidor viajar para adquiri-los, mas a viagem for organizada pelo fornecedor com esta finalidade de contratação, como esclarece o art. 5, inc.2, da Convenção de Roma de 1980 sobre a lei aplicável às relações obrigacionais oriundas de contratos.
No caso interamericano, a melhor conexão rígida seria a do domicílio, entendido como residência habitual, a exemplo do art. 3 do Protocolo de Santa Maria [3] (Mercosul).
Bastante relevante se faz observarmos que com exceção dos Estados Unidos e do Canadá, raras são as normas nacionais de Direito Internacional Privado que se voltam de modo específico para proteção dos consumidores nos países americanos.
O DIPr do Quebec, positivado no C.C. de 1991, a sua atualização metodológica prevê várias normas abertas (art.3076), o conhecimento de leis imperativas de outro Estado (art.3079), uma ordem pública estrita pela incompatibilidade do resultado prático da aplicação da lei estrangeira (art.3081) e uma cláusula escapatória geral (art. 3082) [4].Assim como possui uma regra específica para os contratos de consumo (art. 3117) [5], permitindo a autonomia de vontade, mas considerando obrigatórias, as normas imperativas do foro.
O C.C. do Quebec possui regra específica também para acidentes envolvendo produtos (art.3128), prevendo que a vítima (não se usa consumidor) poderá escolher entre a lei do Estado em que o fabricante do produto tem seu estabelecimento, ou sua residência e a lei do Estado onde o bem foi adquirido, além de considerar as suas normas de DIPr imperativas para qualquer danos sofrido no Quebec ou resultante de matéria- prima oriunda de lá ( art.3129).
Na América Latina o Chile, o México e a Colômbia não mencionam de forma especial os consumidores. Na Venezuela a situação sofre pequena melhora já que a nova lei de 1998 [6], traz normas atualizadas sobre a aplicação das normas imperativas nacionais(art.10), sobre a conexão eqüitativa para o caso concreto (art.7) e, especialmente traz uma norma em favor de vítima em caso de acidentes ou atos ilícitos, o que pode beneficiar os consumidores (art.32).
No Mercosul a doutrina argentina sempre propôs normas especiais mais protetivas para as relações de consumo, especialmente para os contratos de adesão. No âmbito contratual as normas autônomas de DIPr argentino encontram-se nos arts. 1205 e 1214 do CC e não há normas especiais para a proteção dos consumidores, porém, o novo mandamento constitucional deve "indicar o caminho" para a aplicação destas normas [7].
Os arts. 1209 e 1210 prevêem a aplicação da lex loci executiones e da lex loci celebrationes, mas a doutrina alerta, que, em uma visão tradicional, a primeira conexão vai indicar aplicável geralmente, a lei do fornecedor, aquele que realizou a prestação principal característica, isto é, a prestação não vinculada ao pagamento realizado pelo consumidor, constituindo "injustificado privilégio" ao fornecedor [8]. A segunda conexão beneficia a aplicação da lei do lugar de "assinatura" dos contratos, levando muitas vezes à aplicação da lex fori argentina, mas deixa sem proteção o consumidor- turista e aquele que contrata a distância ou através de meios eletrônicos [9].
Assim, a doutrina propõe que o consumidor possa eleger entre a "ley del lugar de aquisisión del producto", que seria especialmente importante nos casos mencionados, e uma conexão para a lei mais favorável ao consumidor, assim como a elaboração de normas semelhantes ao art. 5 da Convenção de Roma de 1980 [10].
Finalmente, no Paraguai em matéria contratual indica-se como aplicável a lei do lugar da execução da obrigação (art.17) do C.C. [11]. No Uruguai são aplicáveis para relações obrigacionais a lei do lugar de execução (art.2399) do C.C. e os Tratados de Montevidéu de 1889.
Com a globalização das relações de consumo ficou patente que a maioria dos países das Américas, possui normas nacionais reguladoras do comércio internacional, bem como o direito uniforme do comércio internacional que não demonstram proteção suficiente ao consumidor.
Podemos afirmar que há um flagrante desequilíbrio entre os parceiros contratuais internacionais no tocante ao parceiro-consumidor, pois o último ocupa posição bastante vulnerável nesta relação, já que as regras que permeiam os contratos de consumo internacionais estão baseadas a fim de proteger o vendedor, o fornecedor e não o comprador.
Concluindo, podemos afirmar que o consumidor não pode ser prejudicado, seja em questões como segurança, qualidade, garantias ou o próprio acesso à justiça, somente porque adquiriu produto ou serviço proveniente de outro país ou fornecido por empresa com sede no exterior.
Assim, a tendência encontra-se na elaboração de regras nacionais consideradas de ordem pública internacional, leis de polícia ou de aplicação imediata, juntamente com a harmonização das regras nacionais que visam assegurar a proteção do consumidor.
NOTAS
1MARQUES, Cláudia Lima. "A insuficiente proteção do consumidor nas normas de Direito Internacional Privado- Da necessidade de uma convenção interamericana(CIDIP) sobre a lei aplicável a alguns contratos e relações de consumo." RT, v.788, p. 11-56, jun. 2001.
2 ARAÚJO, Nádia de, Contratos internacionais: autonomia da Vontade, Mercosul e convenções internacionais. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
3 ARAÚJO, Nádia de; MARQUES Frederico Magalhães; REIS Márcio. Código do Mercosul- Tratados e legislação. Rio de Janeiro, Renovar, 1998, p. 161.
4 DOLINGER, Jacob; TIBÚRCIO, Carmen. Vade Mecum de direito internacional privado. Rio de Janeiro, Renovar, 1994, p.297-298.
5 DOLINGER, op. cit.
6Revista de Direito do Consumidor v.26 (1998), p. 307-327.
7 TONIOLLO, Javier Alberto. "La protección internacional del consumidor: Reflexiones desde la perspectiva del Derecho Internacional Privado argentino." Revista de Derecho del Mercosur, ano 2, n. 6, diciembre 1998 p. 98.
8 TONIOLLO, op. cit., p. 100.
9id. ibid., p 102.
10id. ibid., p.101-102 e 107.
11 Ley 1334, 27.10.1998, Revista de Direito do Consumidor, v.30 (1999), p.247-255.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ARAÚJO, Nadia de. Contratos internacionais: autonomia da Vontade, Mercosul e convenções internacionais. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
ARAÚJO, Nádia de; MARQUES Frederico Magalhães; REIS Márcio. Código do Mercosul- Tratados e legislação. Rio de Janeiro, Renovar, 1998.
MARQUES, Cláudia Lima. "A insuficiente proteção do consumidor nas normas de Direito Internacional Privado- Da necessidade de uma convenção interamericana (CIDIP) sobre a lei aplicável a alguns contratos e relações de consumo". RT, v.788, p. 11-56, jun. 2001.
TONIOLLO, Javier Alberto. "La protección internacional del consumidor: Reflexiones desde la perspectiva del Derecho Internacional Privado argentino." Revista de Derecho del Mercosur, ano 2, n. 6, diciembre 1998 p. 98.
BATISTI, Leonir. Direito do Consumidor para o Mercosul. Curitiba: Juruá, 1998.
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2000.
DOLINGER, Jacob; TIBÚRCIO, Carmen. Vade Mecum de direito internacional privado. Rio de Janeiro: Renovar, 1994.
FRANCESCHINI, José I. G. A Lei e o foro de eleição em tema de contratos internacionais in RODAS, J. Grandino (org.) Contratos Internacionais. São Paulo: RT, 1995.
Revista de Direito do Consumidor v.26 (1998), p. 307-327.
Ley 1334, 27.10.1998, Revista de Direito do Consumidor, v.30 (1999), p.247-255.