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Normas constitucionais inconstitucionais

(Verfassungswidrige Verfassungsnormen)

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01/04/2004 às 00:00
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IV – INCONSTITUCIONALIDADE E ILEGITIMIDADE

Pelo descrito acima, infere-se que há uma distinção entre os conceitos de inconstitucionalidade e ilegitimidade, assim como ocorre entre antinomias e incoerências.

Por inconstitucionalidade a doutrina é fértil em conceituá-la de forma a abranger situações de contradição material ou formal entre um ato normativo e uma disposição da Constituição. Assim dispõe Marcelo Neves [27]: "A definição de lei inconstitucional deve denotar não só a incompatibilidade resultante de contradição ou contrariedade entre conteúdos normativos (legal e constitucional), mas também a proveniente da desconformidade entre procedimento de produção normativa (legislativa) e conteúdo normativo (constitucional)". Ou ainda por Regina Maria Macedo Nery Ferrari, citada por Clèmerson Merlim Clève [28] como sendo: "Um ato normativo cujo conteúdo ou cuja forma contrapõe-se, de modo expresso ou implícito, ao conteúdo de dispositivo constitucional".

Já a ilegitimidade, comporta-se num plano de maior abrangência, sendo vinculante e transcendendo a Ordem Jurídica. É a própria Constituição que deverá estar alinhada com a Ordem de Valores essenciais de um povo, sob pena de banimento da norma constitucional desobediente aos valores que por ela deveriam ser consagrados e realizados, ainda que sejam valores não positivados no texto constitucional. É a garantia do Ordenamento Jurídico.

A norma deverá ser declarada ilegítima por meio de Ação Declaratória de Legitimidade, dentro de um processo de controle de legitimidade da norma constitucional a ser realizado perante um Tribunal Constitucional. Declarada a ilegitimidade da norma constitucional, o povo, na qualidade de titular do poder constituinte, usando de sua soberania, será consultado sobre a permanência ou alteração da norma constitucional em vigor. Esse desenho, de lege ferenda, afigura-se de acordo com o modo de democracia participativa escolhida pelo povo na própria Constituição, artigo 1º, § único c/c artigo 14, incisos I, II, e III ambos da CF88. Logo, o titular do poder constituinte originário constatará que algum valor essencial por ele escolhido não está sendo atendido na sua plenitude, porque a norma declarada ilegítima não o realiza.


V – A ORDEM DE VALORES SUPRALEGAIS

Para alcançar a serenidade de uma Carta Magna vinculada às idéias fundamentais de justiça, os valores essenciais de um povo, sedimentados na consciência coletiva ou que virão a ser, devem ser elementos condicionantes do sistema jurídico. Valores esses que possuem uma carga muito forte de realidade, feita dos fatos e relações de natureza política, econômica e social.

Os valores [29] essenciais de um povo são esses bens jurídicos na sua forma maximamente otimizada, porque constituem, em última análise, aquilo que o Direito positivado ou não almeja conferir aos seus sujeitos, dentre o muito a que estes aspiram ou perseguem, partindo da valoração de fatos e situações históricas, donde a normatização. Logo, vinculam o dever-ser de forma a jungir, no tempo e espaço, a obrigatoriedade legítima, que traz os valores, com o princípio que os realiza e a norma que os concretiza.

Portanto, é plausível perceber a existência de uma infindável gama de valores existentes ou a se descobrir, que predominando na sociedade, o direito vem a positivar. Esses valores foram o ponto de partida na elaboração das normas jurídicas. Todos os valores que já conhecemos como: paz, ordem, segurança, bem-estar, desenvolvimento, intimidade, igualdade, acomodação, liberdade, respeito, conforto, solidariedade, dignidade e justiça, de uma forma ou de outra fundaram as normas. Neste sentido, observa Revorio [30] que a ordem de valores fundantes das normas jurídicas há de ser social, humana, científica e dialética, e que, do ponto de vista sociológico, os valores cumprem três funções: a) dar coerência e sentido ao código de normas e modelo destas; b) coagir psiquicamente as pessoas; c) contribuir para a integração social da comunidade.

Estando eles jungidos ao cerne da norma-princípio ou da intenção dela, ficam assim positivados ou não, explícitos ou implícitos. Note-se, então, a multiplicidade de valores que o Direito reconhece e, que a cada dia, consagra em seus princípios e normas. Reconhecimento este que também se observa nas normas constitucionais, pois, como norma suprema, tem seu fundamento de legitimidade assentado nesses valores, objetivando sempre realizá-los. O exemplo mais característico está nas normas programáticas. Essas trazem um programa de Estado visando à concretização de valores consagrados na sociedade, ex. gr., construir uma sociedade livre, justa e solidária, artigo 3° , inciso I, da Constituição Federal de 1988. Tais normas explicitam comandos-valores que dirigem-se ao legislador para realizá-los na elaboração da norma, ao administrador público para aplicá-los de ofício e ao juiz para efetivá-los no caso concreto.

Há quem sustente a possibilidade de hierarquizar os valores, tanto na filosofia quanto no Direito. Assim não concordamos. Nesse sentido, observa Francisco Menton Marques de Lima [31]: "É importante frisar que a posição de um valor na escala axiológica depende da sua necessidade em determinado tempo e espaço". No entanto, o Tribunal Constitucional Federal Alemão elaborou uma ordem hierárquica dos valores para o Direito: (a) Em primeiro grau a proteção e liberdade da pessoa; (b) Em segundo grau estão os direitos, a integridade física e moral, a inviolabilidade corporal, a intimidade pessoal, o segredo das comunicações, a inviolabilidade do domicílio, o direito a fixar livremente sua residência; (c) Em terceiro grau, a proteção à propriedade e à liberdade de escolha profissional; (d) Em quarto grau está a liberdade de exercício profissional.

Na esteira do pensamento do profesor Otto Bachof, os valores fundamentais estão plasmados no direito supralegal positivado ou não no texto constitucional. Por tais razões sempre haverá uma ordem de valores a ser respeitada, dentro de cada contexto social, temporal e espacial. Assim, não concordamos com a hierarquia de valores suscitada acima, pois elas ficam suscetíveis às variações sociais, dependendo do momento histórico vivenciado por aquela sociedade. Neste sentido, Mário Ferreira dos Santos [32] explica que há uma hierarquia nos valores em-si, para-si e para-outrem. Os valores em-si apresentam uma hierarquia, pois há valores que valem mais que outros. Os valores para-si apresentam uma hierarquia variante, pois variarão de acordo com o interesse do seu ser na sua existência. Os valores para-outrem também possuem hierarquia variante, pois o que hoje oferece maior desirabilidade para um ser, pode não oferecer posteriormente. Na verdade, se o valor possui uma hierarquia que varia de acordo com o contexto social, é o mesmo que dizer que não há hierarquia.

Por fim, corroborando com o alcance e significado desse enunciado, o professor Edvaldo Brito [33] explicita seu pensamento dessa forma: "[...] o "conceito" Constituição (essência) carece de permanente estudo no âmbito da Teoria da Constituição, seja porque ele não se encaixa, apenas, no de Constituição jurídica, seja porque os valores fundamentais devem conformar as normas inseridas nessa Constituição jurídica para que elas tenham legitimidade". (grifo nosso).

V.1 – O CONCEITO DE VALOR

A conceituação do que vem a ser valor é muito discutida e difundida entre os filósofos que se ativeram ao assunto. O professor Reale conclui que é impossível definir o valor e recorre a Lotze para dizer que valor é o que vale. Já Robert Alexy conceitua o valor a partir da diferenciação dos significados "algo tem um valor e algo é um valor". No entanto, podemos simplificar e conceituar o valor, no sentido filosófico, como "aquilo que é bom, útil, justo, honesto, belo, agradável para o homem" [34] e que conduz à perfeição, rumo a Deus. Ou ainda, na filosofia Realeana [35], "os valores apresentam uma forma de ser que não é subordinada ao espaço nem ao tempo. Eles não admitem nenhuma possibilidade de quantificação. Enquanto tais os valores são imensuráveis. Eles fazem referência ao plano do ‘dever-ser’". Logo, o valor é um ente autônomo, acessível a partir do âmbito do dever-ser, que estima a realidade como ela deveria ser, ou seja, sob a ótica de algum valor. Finalmente, os valores são atualizados, objetivados nos objetos culturais, embora não sejam reduzidos a eles. Uma verdadeira compreensão e interpretação dos valores passa por uma análise precisa da realidade histórico-cultural humana, porque é aí que eles se manifestam.

O valor [36], no sentido jurídico, entende-se como a máxima revelação do complexo de bens, direitos, interesses, poderes e faculdades das pessoas, dos grupos, das coletividades e do próprio Estado – em sua função estrutural de meio para a consecução dos fins da sociedade organizada.


VI – DIREITO CONSTITUCIONAL ESCRITO

VI.1 – NORMA CONSTITUCIONAL DE GRAU INFERIOR EM FACE DE NORMA CONSTITUCIONAL DE GRAU SUPERIOR

Em supedâneo nas correntes doutrinárias alemãs, especialmente Krüger e Giese, esses autores acreditavam na hipótese de serem materialmente inconstitucionais as normas de grau inferior (norma só formalmente constitucional) infensas a preceito nuclear da Constituição. Relatado por Otto Bachof, suas defesas espelham-se na seguinte afirmação [37]: "Contudo, poderia suceder que uma norma constitucional de significado secundário, nomeadamente uma norma só formalmente constitucional, fosse de encontro a um preceito material fundamental da Constituição: ora, o facto é que por constitucionalistas tão ilustres como Krüger e Giese foi defendida a opinião de que, no caso de semelhante contradição, a norma constitucional de grau inferior seria inconstitucional e inválida".

O professor Otto Bachof, analisando essa situação, irá desconsiderar a hipótese da norma de grau superior conter timbre de direito supralegal, porque essa hipótese configuraria outra situação e a inconstitucionalidade, na realidade, adviria do contraste com o direito supralegal, e não no fundamento de escalonar com graus a diferentes tipos de normas irrogando superioridade a umas pela corporificação de princípios basilares da Constituição, como conceberam Krüger e Giese.

No entanto, houve na doutrina pátria quem sustentasse que haveria, com base no tipo de normas formal e materialmente constitucionais, um diferente peso normativo para certas normas que trouxessem conteúdo fundamental, expressando preceitos nucleares do Estado de Direito. Portanto, serão qualificadas de inconstitucionais aquelas que contrariassem as normas de maior peso normativo, posto que essas normas contêm o âmago vital do Estado, sua espinha dorsal, sua fonte reveladora, sua própria identidade.

Essa discussão fora preconizada pelo Prof. Nelson Sousa Sampaio que deflagrou a contenda à época da Emenda Constitucional nº 01/69 que punia com a perda do mandato parlamentar a infidelidade partidária, que se encontrava apoiada em instruções partidárias, subordinando o parlamentar à vontade do partido e não à sua livre consciência política. Desta sorte, amordaçado estava o parlamentar, ficando o exercício do mandato, por suas opiniões, palavras e votos ao sabor dos comandos impostos pelo partido. Assim, descreve o professor Nelson Sousa Sampaio [38]: "Enquanto a inviolabilidade do legislador é consagrada no artigo 32, sua negação, sob forma de fidelidade partidária coativamente prescrita, se encontra no bojo do artigo 152 do diploma constitucional. Jungido às instruções partidárias, como se poderá sustentar que o legislador brasileiro somente deve obediência aos ditames de sua consciência?"

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O cerne de seu pensamento estribava-se na idéia de que dentro do texto constitucional poderiam existir normas de mais alto valor contrapondo-se a normas de mais baixo valor (peso), havendo, assim, um escalonamento, uma dosimetria axiológica entre as normas. Constata-se essa formulação na seguinte passagem [39]: "Minha tese, pois, não é nenhuma inovação, a não ser na doutrina brasileira. Ademais, nada tem de revolucionário, tendo, antes, a feição do óbvio, porquanto somente considero inaplicável uma norma do constituinte originário quando em flagrante e insanável conflito com outra norma do mesmo texto constitucional reputada de maior peso ou de mais alto valor".

VI.2 – NORMA CONSTITUCIONAL VIOLADORA DE DIREITO SUPRALEGAL POSITIVADO NA CONSTITUIÇÃO

A idéia central do trabalho do professor Otto Bachof encontra guarida na análise do relacionamento vivo que existe entre o direito supralegal, vinculador do constituinte originário, colocando limites a um Poder originariamente ilimitado, com sua obra, a Constituição.

Entende que, como o direito supralegal é inerente ao Estado de Direito, atribui também às normas formalmente constitucionais a incrustação desse direito, tendo já destacado ser matéria de Constituição o direito supralegal. Assim, classifica de inconstitucional a norma legal que infringir norma constitucional positivadora de direito supralegal (tanto faz ser formal ou material a norma constitucional) e qualifica de ilegítima, no atributo de sua obrigatoriedade, a norma constitucional que violar direito supralegal positivado na Constituição. Destaca-se ainda que coloca no mesmo patamar de igualdade o direito supralegal com conteúdo fundamental da Constituição. Na sua dicção [40], compreende que: "[...] a incorporação material (Ipsen) dos valores supremos na Constituição faz, porém, com que toda a infração de direito supralegal, deste tipo, apareça necessária e simultaneamente como violação do conteúdo fundamental da Constituição".

Desta sorte, com o amadurecimento dos Estados de Direito, podemos encontrar com melhor clareza a aceitação dos preceitos de direito natural. Nas Constituições atuais deparamo-nos mais e mais com normas que detêm essa nobreza de corporificar os direitos inerentes ao homem. Afinal, há uma positivação real desses preceitos na Constituição.

Neste sentido, hoje temos positivado na Constituição mais um instrumento de jurisdição constitucional, qual seja, a argüição de descumprimento de preceito fundamental, nos moldes do § 1º, do artigo 102 da CF88. Esta medida judicial visa a proteger o preceito fundamental, que mais se coaduna com o direito supralegal positivado, pois no conceito de Clémerson Mèrlin Clève [41] "[...] os preceitos fundamentais são aquelas normas constitucionais que garantem a identidade da Constituição".

Esse nobre pensamento filosófico não se coaduna com medidas legislativas arbitrárias, desprovidas de qualquer conteúdo mínimo dos valores incrustados na Ordem Jurídica. Assim como não reduz o direito natural a mera formalidade, como sendo algo imutável e universal, mas, pelo contrário, admite, relativizando que, como defensor desse direito, não pode ficar consignado que o respeito e obrigatoriedade aos preceitos do Direito Natural sejam consectários de mera aceitação dos postulados, devido à sua natureza formal. Não fica atrelado apenas a essa formalidade. Não é o formalismo desses preceitos que atribui ao direito natural a sua força vinculante, e sim, pelo reconhecimento efetivo de respeito à regra moral e à obediência à busca da Justiça.

Acentua ainda que não está demonstrado o fato de que positivar o direito supralegal signifique ter esgotado seu conteúdo. A natural existência de valores metafísicos que ainda não foram positivados confirma essa assertiva.

Acredita também que a positivação do direito supralegal tem a finalidade de controlar as tensões existentes no choque entre esse direito e o direito positivo. E ainda, mesmo alçando o direito supralegal ao cargo de imutabilidade dentro da Constituição, não se tem nenhuma garantia que esse direito será resguardado para sempre, tendo em vista a possibilidade de quebra da Ordem Jurídica por meio da força dos canhões de outrora ou por meio da força do capital predatório. Esse último, pelas aparências, veste-se com o manto protetor da estabilidade, da segurança, proferindo o discurso da salvação, mas, no fundo, bem lá no fundo, na parte mais recôndita e profunda do iceberg, traz toda a perversidade daqueles que não têm compromisso com os valores essenciais de um povo, como a justiça, a dignidade, a honestidade e o equilíbrio. Na realidade traduz-se numa falácia, pois apenas são guiados pelo valor financeiro das relações. A tentativa de igualar os natural e socialmente desiguais certamente não vislumbra obter a atenção desse salvador, posto que esse programa ideológico não se coaduna com sua natureza.

A legitimidade da Constituição, portanto, advém da obrigatoriedade de suas normas. A escolha do rumo legítimo pelo Constituinte originário deve ter como objetivo fixo atender aos ditames da regra moral, escorando-se nos princípios informadores e criadores da Ordem Jurídica. Razão pela qual, devem traduzir a busca pela justiça, evitando assim condutas desarrazoadas, desequilibradas, descompassadas, desproporcionais com os valores fundamentais. Somente nesse caso estaremos falando de uma Ordem Jurídica legítima, por refletir a essência valorativa de seu povo. Nesta trilha, o professor Otto Bachof demonstra toda a nobreza de sua concepção ideológica na seguinte passagem [42]: "Esta obrigatoriedade só existirá, em primeiro lugar, se e na medida em que o legislador tome em conta os <<princípios constitutivos de toda e qualquer ordem jurídica>> e, nomeadamente, se deixe guiar pela aspiração à justiça e evite regulamentações arbitrárias". Mas, além disso, só existirá ainda – e nesta medida vou além do limite antes mencionado, traçado por E.v. Hippel [43] - se o legislador atender aos mandamentos cardeais da lei moral, possivelmente diferente segundo o tempo e o lugar, reconhecida pela comunidade jurídica, ou, pelo menos, não os renegar conscientemente.

Reconhecendo essa ordem de valores conformadora da Constituição, acrescenta-se o conhecimento doutrinário do professor Edvaldo Brito [44], que pontifica no seguinte trecho: "É por causa da necessidade de conformação dessas normas com esses valores que se pode examinar se o legislador delas exorbitou, ou não, da sua função que é de potência e não de competência. Ainda que seja, como o é, uma potência, o legislador constituinte não poderá ferir o direito suprapositivo, balizador desse legislador". É neste sentido que a doutrina alemã fala de normas constitucionais (da Constituição jurídica) inconstitucionais (se ferem valores fundamentais constantes da Constituição essência).

Por outro lado, a legitimidade da Constituição não se reduz à positivação dos preceitos naturais em seu texto, sob pena de equacionar a legitimidade numa igualdade entre o poder e o direito. Vai mais além esse conceito. O direito supralegal positivado na Constituição não cria direito, mas antes tem a função de reconhecer totalmente os direitos inerentes ao homem já assegurados pela razão natural de sua existência. Seria uma conclusão errada irrogar a função de criador de direito ao direito supralegal, haja vista a sua condição de pré-direito positivo de que é detentor. Saliente-se que nos regimes de Estado de não direito, as Constituições refletem o poder do Ditador, e nem por isso, mesmo sem estar positivado, o direito supralegal deixará de existir. Melhor nas palavras do professor Otto Bachof [45]: "A restrição da legitimidade de uma Constituição à sua positividade redundaria ao fim e ao cabo, como E. v. Hippel convincentemente mostrou, na igualdade poder = direito [...] [46]".

Por fim, cabe ainda uma última preocupação do professor Otto Bachof, que coloca a afirmação de que todo o direito supralegal positivado pertence à Constituição, dela não podendo ser alijado. Contudo, no que diz respeito ao direito supralegal não positivado, paira a dúvida: faria parte do Direito Constitucional na qualidade de elemento não escrito da Ordem Jurídica?

A dúvida é pertinente, já que demonstra a séria preocupação do jurista compromissado com o Direito. Além de ser louvável, é de uma dignidade de caráter incontestável, por consignar um sentimento tão nobre de reflexão perante sua interrogação. Compreendendo a dúvida, iremos buscar as respostas no próprio Ordenamento Jurídico, que respeita essa vinculação do direito supralegal não positivado. Respeito esse que encontramos incorporado em sede constitucional quando falamos do Princípio da Razoabilidade e, antes da Emenda à Constituição nº 19/98, do Princípio da Eficiência, hoje positivado no artigo 37 caput da Magna Carta. A doutrina, capitaneada pelo professor Celso Antônio Bandeira de Mello, é segura em afirmar a existência desses princípios em nosso Ordenamento, mesmo sabendo da não positivação. Nem poderia deixar de ser. São princípios que estão alinhados com a Ordem de Valores essenciais, por acentuarem o equilíbrio das atitudes, o sopesamento dos fatos e a adequada conduta para se alcançar o fim colimado pela norma. Reconhecem o valor de sua natureza, o equilíbrio. São, portanto, balizas orientadoras tanto da Administração Pública quanto da Privada.

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Sobre o autor
André Luiz Carvalho Estrella

procurador do Estado do Rio de Janeiro, advogado, membro do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ESTRELLA, André Luiz Carvalho. Normas constitucionais inconstitucionais: (Verfassungswidrige Verfassungsnormen). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 268, 1 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5021. Acesso em: 10 out. 2024.

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