O caso Samarco: uma análise jurídica-ambiental do acidente com a lama residual da mineração

Resumo:


  • O homem modificou o ambiente natural para se adaptar melhor, o que levou a consequências ambientais devido ao uso indiscriminado de recursos.

  • O Direito Ambiental surgiu como uma forma de regulamentar a relação entre homem e natureza, procurando minimizar os impactos ambientais através de legislações específicas.

  • Exemplos de desastres ambientais, como o caso da mineradora Samarco, ilustram a necessidade de uma regulamentação efetiva e ações de reparação para preservar o meio ambiente e a qualidade de vida humana.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O presente artigo visa fazer uma análise da mineração e dos potenciais riscos ambientais que a prática desta atividade acarreta, em especial no referente aos resíduos produzidos.

I. Introdução

O homem, enquanto ser racional e social, ocupou-se de se estabelecer no ambiente natural de forma que este o servisse da melhor forma possível. Assim, para sua maior adaptabilidade ao meio, o homem o modificou a seu favor, seja para criar condições de habitação e vida, seja para explorá-lo economicamente.

Seguindo a regra da física, onde toda ação gera uma reação de mesmo tamanho e intensidade, as intervenções humanas pagaram o preço das reações da natureza.

A utilização indiscriminada dos recursos, bem como o incentivo ao consumo, características da sociedade moderna, deram origem a uma infinidade de dejetos de todos os tipos, a exemplo dos biológicos e químicos, que hoje demandam uma atenção de toda a sociedade em razão dos danos e impactos ambientais ocasionados, assim como suas conseqüências na vida cotidiana.

É certo que a exploração de recursos de forma indiscriminada produziu efeitos devastadores ao meio ambiente e à condição do homem na terra. Por esta razão, o Direito passou a tutelar os usos desses recursos, punindo os responsáveis, indenizando as vítimas diretas e indiretas e diminuindo o impacto ambiental.

Pode-se citar o recente caso da mineradora Samarco Mineração S/A, sediada em Minas Gerais, que teve uma de suas barragens projetadas para armazenar dejetos rompidas, espalhando por toda a região a lama residual oriunda da mineração.

O acidente em comento é um claro exemplo de exploração irresponsável dos recursos naturais que gerou sérios danos às famílias da região e à coletividade de uma forma geral e que, graças à tutela do Direito, não passará em branco.

Para o combate a essas ações irresponsáveis, o ordenamento jurídico pátrio, desde a Constituição Federal até as Leis Especiais, cuida do licenciamento e fiscalização dessas atividades. Já para o caso de ocorrência de danos ambientais, como no caso da mineradora Samarco, há as ações individuais e coletivas de reparação, bem como as multas administrativas.

Portanto, tão importante quanto fazer o meio ambiente servir a sociedade, é respeitá-lo para que a existência humana na terra não fique ameaçada, sendo o Direito Ambiental o ramo do direto que traduz a ordem do dia e que deve ter a sua força observada por todos, que direta ou indiretamente, influenciam no ecossistema global.

II. Um Olhar Sobre o Direito Ambiental

            Desde tempos imemoriais o ser humano se relaciona com a natureza. Não seria para menos, ao se considerar que a humanidade, como fruto da evolução biológica primordial, se originou desta e dela necessita. Mas distante está o tempo do Homem selvagem das Eras da Pedra Lascada e da Pedra Polida, que vivia sobre as duras regras do ambiente natural que se encontrava. O inicio da Modernidade culminou na fase da história humana onde se encontra mais distante o Homem da Natureza. Isto se deve aos avanços sociais, econômicos e principalmente tecnológicos que fizeram o Homem imaginar ser algo acima da Natureza (esta representada pelo meio-ambiente e seus componentes básicos).

            Mas os acontecimentos dos último século mostraram que o ser humano, mesmo com todo seu desenvolvimento tecnológico, ainda depende muito da Natureza. Os horrores das Guerras Mundiais, o constante medo da energia nuclear, o acidente de Chernobyl e o aumento da poluição em geral fizeram com que a humanidade se percebe que não tão somente era necessário proteger a Natureza, como regular toda e qualquer atividade que possa ser prejudicial a ela. Estavam lançadas, ai, as bases originárias do Direito Ambiental.

            Pode-se conceituar o Direito Ambiental como o ramo jurídico que objetiva regular as interações humanas, em toda sua diversidade, com a Natureza, estabelecendo mecanismos e institutos legais para a proteção do meio-ambiente e para a melhor utilização dos bens (materiais e imateriais) que este pode nos proporcionar.

            Trata-se de uma área autônoma do conhecimento jurídico (dotada de princípios e matérias próprias), mas que muito se relaciona com outros setores do conhecimento humano, seja estes de cunho jurídico ou de outras áreas alheias ao próprio Direito. O Direito Ambiental está intimamente ligado aos princípios do Direito Internacional e Administrativo, a antropologia, biologia, engenharia, geologia e diversos outros ramos da técnica e do conhecimento humano[1].

            Acerca da importância e dos princípios norteadores do Direito Ambiental, magistralmente afirmam Leonardo de Medeiros Garcia e Romeu Thomé (2010, p. 19):

“O direito ambiental, ciência dotada de autonomia científica, apesar de apresentar caráter interdisciplinar, obedece a princípios específicos de proteção ambiental, pois, de outra forma, dificilmente se obteria a proteção eficaz pretendida sobre o meio ambiente. Neste sentido, os princípios caracterizadores do direito ambiental têm como escopo fundamental orientar o desenvolvimento e a aplicação de políticas ambientais que servem como instrumento fundamental de proteção ao meio ambiente e, conseqüentemente, à vida humana.”

            No Brasil, a preocupação com o meio ambiente apenas se tornou um pilar central do Ordenamento Jurídico nacional com a Constituição Federal de 1998. Entretanto não é correto afirmar que não se dava qualquer importância a Natureza nas décadas anteriores a 88, devendo-se destacar o Código Florestal (Lei 4.771/65), a Lei da Fauna (Lei 5.197/67) e a lei que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, criando o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA (Lei 6.938/81).

            Mas foi a CF de 1988 que iniciou uma nova fase para o Direito brasileiro, dando a devida importância a natureza e o bem-estar ambiental. Tanto que a própria Carta Magna possui um capitulo inteiro voltado ao meio ambiente. E aqui demonstra-se a importância do Artigo 225, da CF/88:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

            Também se deve destacar, devido as finalidades deste artigo, a Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98). Esta lei prevê a aplicação de penalidades administrativas, civis e/ou penais para aqueles que praticarem atos lesivos a saúde meio ambiente. Inova ao prever que podem as pessoas jurídicas serem responsabilizadas por estes atos. Esta lei atendeu, parcialmente, às recomendações da Carta da Terra e da Agenda 21 (aprovadas durante a ECO-92)[2].

III. A Noção de Impacto Ambiental

            Deve-se notar que as atividades humanas, especialmente aquelas que se caracterizam como exploratória de recursos, acabam deixando marcas no ambiente que são executadas. Não é algo estritamente atual, pois até mesmo certas atividades exercidas por nossos ancestrais influenciavam o meio ambiente ao redor (como, por exemplo, a caça e a formação de tribos). Da mesma forma, não se deve imaginar os impactos ambientais como sendo sempre prejudiciais a Natureza: tome por exemplo a recuperação de matas ciliares – haverá impacto ambiental, mas de caráter positivo.

            Entretanto, hoje existe uma preocupação enorme com os chamados Impactos Ambientais Negativos, o que caracteriza o Dano Ambiental. Isto ocorre, pois, no mundo capitalista atual, onde a obtenção de lucros se tornou uma de suas máximas, muitas vezes as atividades humanas acabam se focando tanto no lado econômico de sua realização e resultado que acabam por não medir as conseqüências dos impactos ambientais que geram ao meio ambiente local.

            Desta forma, o mestre Paulo de Bessa Antunes ensina:

“O impacto ambiental é, portanto, o resultado da intervenção humana sobre o meio ambiente. Pode ser positivo ou negativo, dependendo da qualidade da intervenção desenvolvida. A ciência e a tecnologia podem, se utilizadas adequadamente, contribuir enormemente para que o impacto da atividade humana sobre a natureza seja positivo e não negativo. É bem verdade que os impactos ambientais positivos tem merecido uma atenção menor por parte dos estudiosos do tema. A atitude justifica-se, pois as questões ambientais têm se apresentado ao debate em razão dos “problemas” e não pelos sucessos alcançados na relação com o meio ambiente. A postura preconceituosa contra a ciência e a tecnologia somente contribuem para que as más condições ambientais sejam perpetuadas e se agravem.” (ANTUNES, 2010, p. 272)

            Ante o exposto, a questão dos Impactos Ambientais deve ser regulada de maneira rígida e eficiente, principalmente os que produzem efeitos negativos ao meio ambiente.

            Também é necessário tecer comentário a respeito da atividade empresarial e os impactos ambientais danosos. Como já mencionado, o mundo capitalista atual é extremamente voltado ao consumismo e a procura incessante por maior retorno econômico. E a figura da Empresa moderna é o maior símbolo desta realidade mundial. Não que esta seja apenas uma “criação perversa do capitalismo”, como diversas correntes ideológicas defendem. Muito pelo contrário, pois o aperfeiçoamento da atividade empresarial gerou uma melhora histórica na qualidade das produções humanas, bem como se tornou um dos mecanismos de crescimento econômico e produção de emprego. Mas, no tocante a área ambiental, muito precisa ser desenvolvido, principalmente em países emergentes como o Brasil. A atividade empresarial tem uma capacidade enorme de produzir significantes impactos ambientais, principalmente quando se aborda a produção de resíduos poluentes. Por isso, devem ser reguladas por legislações rígidas e, ao mesmo tempo, bem fiscalizadas. Em especial as atividades empresariais de caráter exploratório, como a mineração, que possuem elevado potencial risco de dano ambiental.

IV. A Mineração – Breve Análise Conceitual, Histórica e Econômica

            O Dicionário Oxford conceitua a “Mineração” como o processo, ou indústria, de obtenção de carvão ou outros minerais de uma mina[3].

Tal é uma conceituação extremamente simplista, mas fundamental para o conhecimento inicial desta atividade humana. Desenvolvendo-a melhor, podemos definir esta atividade como sendo o procedimento de extração de minerais que se concentram na terra, para destinar-lhes fins econômicos e/ou produtivos.

Esta definição, apesar de ser ainda breve, é mais bem elaborada, ao levar em consideração o caráter exploratório da mineração como fator atualmente caracterizante da atividade. Pois no mundo capitalista e globalizado a qual nossa sociedade esta assentada, a exploração econômica se tornou o grande foco das atividades humanas, em especial aquelas que envolvam alto conhecimento técnico-científico, volumosos investimentos e elevada força de trabalho.

Mas, por quanto a atividade mineradora como centro de exploração empresarial e econômica é uma situação típica da sociedade contemporânea, nem sempre foi desta forma. A mineração é uma atividade tão antiga quanto a própria história humana. Nossos mais distantes antepassados utilizavam-se da pedra, da cerâmica e, posteriormente, dos metais que extraiam na própria superfície da Terra. Estes materiais eram utilizados na produção das armas e utensílios primordiais que utilizavam. A Mina Ngwenya, na Suazilândia, é tida como a mais antiga mina conhecia nos registros arqueológicos, podendo ter origem superior a 40.000 anos. Da mesma forma, acreditam terem sido minas igualmente antigas as existentes na Hungria: nestes locais, acredita-se que os neandertais extraiam certos minerais para confecção de seus utensílios[4].

            Já o início da Antiguidade foi marcado pela extração de bronze por diversos povos espalhados pelo mundo. Posteriormente, os povos do mediterrâneo oriental já possuíam a capacidade de extrair e produzir significativas quantidades de cobre, chumbo e prata. Destacam-se também as minas de prata e chumbo próximas a Atenas, na Grécia (sendo estas explorações ao céu aberto) e a exploração das minas do Rio Tinto pelos Fenícios.

            Mas foi na Idade Média que ocorreram as primeiras mudanças na atividade mineradora que se conhecia. Era uma época que o metal passou a se tornar um dos principais itens desta sociedade. Estava presente nas armaduras, nas armas, nas moedas, nos utensílios e nos mais diversos segmentos da vida do homem desta fase histórica. Aqui se começaram os primeiros desenvolvimentos a respeito dos modos de extração de minérios, principalmente devido as crises de escassez dos mesmos, devido a alta demanda e a baixa tecnologia e técnicas empregadas na extração mineral.

            Mais atualmente, no Século XX, podemos citar como pontos de crescimento histórico da atividade de mineração a corrida para obtenção de ouro no oeste dos Estados Unidos e a extração de ouro na Austrália. Esta inclusive foi tão acentuada que tornou o país da Oceania o maior produtor da época (extraindo por volta de 40% do ouro neste período).

            Mas foi com o Século XXI que a mineração passou a se organizar no modo como atualmente conhecemos. A atividade mineradora de caráter exploratório hoje representa a maior parte da economia de muitas nações, principalmente do 3° Mundo. Tanto que países como a Mauritânia, o Congo e a Papua- Nova Guiné, notoriamente subdesenvolvidos estruturalmente, possuem a mineração como integrante de uma parcela superior a 20% de seu Produto Interno Bruto, de acordo com o gráfico apresentado abaixo.

            Esta importância econômica da mineração esta ligada principalmente ao valor dos minérios extraídos, sendo estes valores tanto relacionados com o prestigio cultural do material ou da importância do mesmo para produção mecânica, tecnológica ou geral. Destarte, não se pode negar a grande força econômica que possuem as principais mineradoras do planeta, como demonstra o gráfico abaixo.

Gráfico 1 – Receita das principais companhias mineradoras de 2002 a 2014[5]

V. Os Potenciais Riscos Ambientais da Mineração

            Ao lado deste poderio econômico da atividade mineradora existe um lado não tão positivo, mas de igual importância: a capacidade desta de poder causar danos (muitas vezes irreparáveis) ao meio ambiente. E a imagem que estes danos trazem são, infelizmente, uma das mais comumente associadas a mineração.

            Primeiramente, necessário ter conhecimento que os danos a implementação e execução da atividade mineradora não se restringem à área ambiental. Muitas vezes a exploração econômica da extração de minérios acarreta problemas aos campos sociais e trabalhistas. Exemplo disso são as péssimas condições de trabalho dos mineiros, algo que fora muito comum na Europa de períodos passados e atualmente é um drama vivido por diversos trabalhadores da atividade nas minas africanas.

            Mas, restringindo-se a área ambiental, os impactos negativos da atividade mineradora são diversos. O primeiro deles ocorre com a abertura de enormes crateras para extração do minério “procurado”. Estas crateras, quando feitas sem o devido cuidado e estudo preliminar, acabam alterando profundamente o relevo local, além de retirar a cobertura vegetal originária. Isto piora quando, tanto na abertura da cratera quanto no desmonte do material consolidado, são utilizados explosivos ou maquinário pesado, pois a produção de ruídos e vibrações afeta a fina harmonia da fauna local.

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            Entretanto, os dois grandes problemas ambientais relacionados com a mineração estão relacionados aos recursos hídricos e a produção de resíduo sólido não aproveitável pela mineradora.

            Quanto os recursos hídricos, grande parte das minerações brasileiras produz a chamada “lama poluente”. Esta é fruto das próprias fases da atividade mineraria, e geralmente é composta pelos rejeitos da mineração (às vezes podendo ter em sua composição compostos químicos em quantidades danosas). O controle deve ser feito por meio de barragens para contenção e sedimentação da lama. É um controle não muito complicado, mas que requer investimentos consideráveis para ser realizado – por vezes a construção e manutenção destas barragens são os investimentos ambientais mais pesados realizados pelas empresas de mineração[6].

            A mineração também produz “lixo” propriamente dito, apesar deste não ser o termo mais correto a ser utilizado. Melhor considerar tais como resíduos sólidos da mineração, sendo estes o Estéril e o Rejeito. O rejeito é definido como o material resultante dos processos extrativos da mineração, que não é aproveitado economicamente. Já os estéreis são os “minérios com pouco ou nenhum mineral útil. Refere-se, também, aos acompanhantes de minério, que não têm aplicação econômica”[7]. Ambos podem ser aproveitados, existindo a possibilidade.

            Assim, vemos brevemente que a atividade mineradora tem o potencial de causar graves danos ao meio ambiente. Por isso é necessário o controle normativo/legal do estado para regulamentar e limitar os impactos ambientais que por ventura podem ser provocados pelas empresas deste ramo. A utilização de barragens para conter a lama e os rejeitos, bem como o correto processamento e descarte do estéril são exemplos de tais regulações legais.

            A necessidade de serem obedecidas tais regras que regem o controle dos poluentes e “lixos” produzidos pela mineração é algo que não se deve ser discutido. Ademais, a correta fiscalização, por parte do Poder Público, de como tais atos e resíduos vem sendo tratado pela mineradora responsável é indispensável. Pois, em caso de má gestão de seus resíduos, conjuntamente com a falta de fiscalização e sanção preventiva do estado, os danos ambientais (e sócias) que podem ocorrer podem ser devastadores. Este é o caso da tragédia que acometeu a cidade de Mariana, no Estado de Minas Gerais.

VI. Entendendo o Caso Mariana/MG - Samarco

            A Samarco Mineração S.A. é uma empresa de mineração fundada no ano de 1977. Atualmente ela é controlada pela Vale S.A (antiga empresa estatal, privatizada no Governo FHC) e a BHP Billinton. É um empreendimento conjunto entre duas das maiores mineradoras de todo mundo, mas que apenas ganhou real destaque após o acidente que devastou parte de Minas Gerais.

            O acidente envolve as barragens de Santarém e Fundão, que fazem parte da Mina Germano, no distrito de Bento Rodrigues (Mariana/ MG). As barragens foram projetadas e construídas para acomodar os rejeitos provenientes da extração do minério de ferro da região.

            A barragens passavam pelo processo de alteamento, pois o reservatório estava chegando a seu ponto limite, e não mais suportaria os despejos dos dejetos da mineração.

            Acontece que na tarde do dia 5 de Novembro de 2015 foi registrado um vazamento. Uma equipe de funcionários tentou amenizar tal vazamento, até mesmo esvaziando parte do reservatório. Entretanto tais tentativas não obtiveram os resultados esperados, e por volta das 16 horas do horário local, ocorreu o rompimento da barragem de Fundão, liberando um enorme volume de lama poluente sobre o distrito de Bento Rodrigues, localizado a aproximadamente dois quilômetros vale abaixo. O que se seguiu então foi um dos maiores desastres ambientais de toda história brasileira.

                A lama então percorreu seu caminho pós-rompimento, e deixando um rastro de destruição por onde passou. Inicialmente, diversos distritos foram afetados e muitas vilas foram completamente encobertas pela lama. Casas, prédios, bens móveis e animais foram simplesmente levados pela “onda lamacenta” de rejeitos de minério de ferro. Como as medidas de contenção não foram tomadas a tempo, ou não foram executadas de modo efetivo, hoje a lama já atingiu o mar nas proximidades do Estado do Espírito Santo. Algo surpreendente, mas ao menos esperado, pois segundo estimativa do Ibama, se trata de algo em torno de 50 milhões de metros cúbicos de mineração (composto principalmente de óxido de ferro e sílica) que foram projetados para fora da barragem rompida[8].

Figura 1 - A localização da barragem

           

Pior do que os prejuízos econômicos e patrimoniais foram os prejuízos humanos e ambientais. Até presente momento, o número de mortos é superior a 13. Isto sem incluir os desaparecidos, que são em numero similar. Os estragos sociais são visíveis: centenas de pessoas sem moradias, diversos locais de utilidade pública destruídos e a ocorrência de desemprego em massa na região.

            O meio ambiente local também foi o grande prejudicado, em especial o Rio Doce. A lama devastou o rio, contaminando suas águas e lentamente matando a rica vida marinha que possui. A isto ainda pesa o fato de que, segundo o Ibama[9], habitam o Rio Doce 11 espécies ameaçadas de extinção, e 12 que sã endêmicas. Muitos especialistas ambientais acreditam que o Rio Doce jamais será recuperado em sua plenitude, e em relação a região marítima do Espírito Santo que foi afetada, acredita-se que os rejeitos apenas serão eliminados do mar passados cem anos do acidente[10].

Para piorar a situação, análises do “lixo lamacento” feitas indicam que além das altas quantidades de ferro (que eram esperadas), também foram encontrados elevados índices de mercúrio. Este metal, quando presente em concentradas doses, é extremamente prejudicial a saúde do ser humano e dos animais[11]. Em sua defesa, a Samarco aponta que o rejeito de minério de ferro é inerte (inofensivo), e que a presença de mercúrio deve ser originária de outro fato, diverso do vazamento dos resíduos da mineração.

            Assim está desenhado o acidente das barragens da Samarco: vidas perdidas, bens e propriedades destruídas, um prejuízo geral de no mínimo 100 milhões de Reais (segundo estimativa do Prefeito de Mariana), várias localidades arrasadas e uma destruição ambiental sem precedentes na historia da nação brasileira.É toda a “nefasta força” dos dejetos da exploração mineradora.

VII. Reflexão: Como a Irresponsabilidade Acerca da Gestão dos Dejetos Residuais da Atividade Afetou Direitos Básicos

            As ações da Samarco nos momentos pré e pós-acidente foram, no mínimo, extremamente questionáveis. E a cada dia que passa, são noticiadas novas informações que demonstram uma atitude de bastante negligência da Samarco perante toda situação.

            Mas agora que a fatalidade já aconteceu, resta o prejuízo, a qual o povo da região do município de Mariana (e demais localidades afetadas) esta suportando, de forma extremamente injusta.

            Os danos materiais são assustadores. Os moradores da região afetada perderam grande parte de seus bens: moradias, carros, animais, eletrodomésticos... Tudo levado pela lama do “lixo da mineração”. E estes ainda são danos menores, pois pior que o prejuízo ao patrimônio material é o prejuízo a vida e a mente. Esta tragédia não esta marcada apenas pelos problemas econômicos que se seguiram, mas pelas vidas inocentes que foram carregadas com a “avalanche” de rejeitos e pelas cicatrizes psicológicas que aqueles que viveram o horror de perder tudo (incluindo as pessoas queridas) vão carregar pelo resto de suas vidas. O acidente de Mariana causou terríveis danos materiais-patrimoniais, morais, a vida... E também ao pleno exercício dos Direitos Básicos.

            Pois é inegável que aqueles que se encontram nas regiões mais afetadas pela lama estão impedidos de exercer os seus mais fundamentais e simples direitos. O primeiro direito a ser afetado foi o direito da livre locomoção (ir-e-vir), pois não houve plano de evacuação e alerta elaborado pela Samarco[12], o que deixou muitos presos em suas casas, cercados pela enxurrada lamacenta.

            E além do direito de locomoção, e em especial para aqueles que nem a “mísera sorte” tiveram de não terem suas casas destruídas, houve um prejuízo do direito a propriedade (este tão fundamental ao capitalismo) – representado aqui pela destruição dos bens de quem foi atingido pelo rompimento da barragem diretamente. Este é, inclusive, um dos embasamentos legais e teóricos da justificação de futuros e necessários pedidos por Danos Materiais sofridos pelas vítimas.

            Ademais, houve a lesão ao direito a vida. E este realmente foi um direito muito prejudicado neste desastre, em seus mais importantes desdobramentos. Pois o direito a vida não somente constitui a existência funcional biológica propriamente dita – é algo mais:

“O direito à vida é o direito legítimo de defender a própria existência e de existir com dignidade, a salvo de qualquer violação, tortura ou tratamento desumano ou degradante. Envolve o direito à preservação dos atributos físico-pisíquicos (elementos materiais) e espirituais-morais (elementos imateriais) da pessoa humana, sendo, por isso mesmo, o mais fundamental de todos os direitos, condição sine qua non para o exercício dos demais.” (DIRLEY DA CUNHA JR., 2014, p.535).

            Assim, diante do exposto pelo notório jurista Dirley, podemos perceber que um dos principais pilares do direito a vida – o direito a uma existência digna foi abalado profundamente neste período de crise em Minas Gerais. Face a destruição, as pessoas que vivem nas regiões mais abaladas pelo fato em questão viveram (e muitos ainda vivem) condições duras e até mesmo sub-humanas, em meio ao lixo e a morte, sem acesso a água potável de qualidade ou alimentos suficientes para adequado sustento próprio e familiar. Aqui se retira um fundamento da existência de Danos Morais (algo de existência indiscutível neste caso) e “atentados contra a vida” dos atingidos.

            E não se pode tratar deste assunto sem comentar sobre a violação de direitos ambientais fundamentais. Estes prejuízos ambientais, ao contrário dos outros supracitados, não incidem puramente sobre as vitimas diretas, mas sobre todos os brasileiros. Pois como preconiza o já mencionado Artigo 225 da Constituição Federal vigente: todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Assim, este terrível acidente afetou significativa parte do ecossistema local e nacional. E como entende a Doutrina, estes prejuízos se estendem a todos nacionais, visto que a natureza brasileira é um bem “único e especial” de todo nosso povo, e a conservação de um meio-ambiente saudável e harmonioso é nosso direito e ao mesmo tempo nosso dever.

VIII. A Quem Recai a Responsabilidade Civil destes Danos

            Os danos, como visto, conseqüentes do rompimento das barragens da Samarco são evidentes. Estão presentes tanto os Danos Materiais quanto os Danos Morais (sem prejuízo de outros danos também existentes). Mas a questão que se deve pensar é sobre quem recai a responsabilidade de indenizar e reparar aos prejuízos da tragédia? A resposta é única: os maiores fardos da tragédia são de responsabilidade da própria Samarco Minerações S.A.

            Tendo como ponto inicial os fatos de que os rejeitos represados na barragem eram da Samarco e de sua inteira responsabilidade, e tendo noção (obvia noção) que a empresa exercia atividade mineradora, podemos nos valer do Artigo 927 do Código Civil:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

            Desta forma, considerando ser a mineração uma atividade de risco por sua própria natureza, demonstra-se a existência de responsabilidade civil. Entretanto esta responsabilidade civil vai se caracterizar à luz do Direito Ambiental, com a incidência direta do Artigo 14° da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente:

Art. 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: (...)

§ 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.

            Neste artigo em análise, é importante citar a capacidade que a lei confere ao Ministério Público de propor ações de responsabilidade relativa a danos ambientais contra os autores e/ou coautores.

            Outro ponto de importantíssima necessidade de observação, nestes casos envolvendo a responsabilidade por danos ambientais negativos, é a Teoria do Risco Integral, amplamente adotada na Doutrina Ambiental Brasileira. Esta teoria constitui a noção de responsabilidade integral pelo dano gerado, não admitindo a aplicação de excludentes de responsabilidade (a exemplo do caso fortuito, força maior e fato de terceiro alheio). A utilização desta teoria prejudicaria duas “defesas” utilizadas pela Samarco: da possibilidade de tremores de terra captados no período terem contribuído para o rompimento da barragem, e que o dano estrutural não foi detectado por vistoria tempo antes de o acidente ocorrer[13].

            Apesar de até o presente momento não ter-se concluído final julgamento do Caso Mariana acerca da responsabilidade da tragédia, a jurisprudência adotada no país em casos similares de responsabilidade civil por dano ambiental segue o já exposto:

CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ROMPIMENTO DE BARRAGEM. "MAR DE LAMA" QUE INVADIU AS RESIDÊNCIAS. TEORIA DO RISCO INTEGRAL. NEXO DE CAUSALIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. DANO MORAL IN RE IPSA. CERCEAMENTO DE DEFESA. VIOLAÇÃO AO ART. 397 DO CPC . INOCORRÊNCIA. 1. Inexiste violação do art. 535 do Código de Processo Civil se todas as questões jurídicas relevantes para a solução da controvérsia são apreciadas, de forma fundamentada, sobrevindo, porém, conclusão em sentido contrário ao almejado pela parte. 2. O fundamento do acórdão estadual de que a ré teve ciência dos documentos juntados em audiência, deixando, contudo, de impugná-los a tempo e modo e de manejar eventual agravo retido (sendo atingido, portanto, pela preclusão), bem como o fato de ter considerado os documentos totalmente dispensáveis para a solução da lide, não foi combatido no recurso especial, permanecendo incólume o aresto nesse ponto. Incidência da Súmula 283/STF. 3. É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que, nos danos ambientais, incide a teoria do risco integral, advindo daí o caráter objetivo da responsabilidade, com expressa previsão constitucional (art. 225 , § 3º , da CF ) e legal (art. 14 , § 1º , da Lei n. 6.938 /1981), sendo, por conseguinte, descabida a alegação de excludentes de responsabilidade, bastando, para tanto, a ocorrência de resultado prejudicial ao homem e ao ambiente advinda de uma ação ou omissão do responsável. 4. A premissa firmada pela Corte de origem, de existência de relação de causa e efeito entre o rompimento da barragem - com o vazamento de 2 bilhões de litros de dejetos de bauxita e o transbordamento do Rio Muriaé -, e o resultado danoso sofrido pela recorrida com a inundação de sua casa pela lama, é inafastável sem o reexame da matéria fática, procedimento vedado em recurso especial. Aplicação da Súmula 7/STJ. 5. Na hipótese, a autora, idosa de 81 anos, vendo o esforço de uma vida sendo destruído pela invasão de sua morada por dejetos de lama e água decorrentes do rompimento da barragem, tendo que deixar a sua morada às pressas, afetada pelo medo e sofrimento de não mais poder retornar (diante da iminência de novo evento similar), e pela angústia de nada poder fazer, teve ofendida sua dignidade, acarretando abalo em sua esfera moral. 6. A admissibilidade do recurso especial, na hipótese da alínea c do permissivo constitucional, exige a indicação das circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, mediante o cotejo dos fundamentos da decisão recorrida com o acórdão paradigma, a fim de demonstrar a divergência jurisprudencial existente (arts. 541 do CPC e 255 do RISTJ). 7. Recurso especial a que se nega provimento. (STJ - RECURSO ESPECIAL : REsp 1374342 MG 2012/0179643-6; Relator: Luis Felipe Salomão,Data de Julgamento: 10/09/2013, T4 – Quarta Turma, Data de Publicação: 25/09/2013).

            Por se tratar de danos a terceiros, os próprios afetados pelo acidente em Mariana têm legitimidade de pleitear frente a Samarco os Danos Materiais e Morais que sofreram.

            Dentre os Danos Materiais que podem ser pleiteados a titulo de indenização todas as perdas patrimoniais que sofreram com a má-gestão dos resíduos poluentes da mineradora. Necessário, entretanto, possuírem mínima forma de comprovação de quais eram estes bens destruídos/inutilizados e o valor econômico (fixo ou aproximado) de cada um.

            Regra pouco similar se aplica aos Danos que fogem as limitações e valores patrimoniais. Para tal, vide magnífica explicação:

“Já na esfera extrapatrimonial, é possível pleitear indenização por danos morais, pelo abalo psicológico causado as vítimas, ao perderem seus bens, que representam não apenas bens, mas sua história e memória emocional, bem como as indenizações pelo sofrimento e desespero, da possibilidade de perder entes queridos, ou a própria vida, sofrimentos estes que ultrapassam em muito um mero aborrecimento, e devem ser indenizados. Ainda quanto ao impacto por morte de familiares, é possível pleitear indenização por dano moral, na esfera extrapatrimonial, além dos lucros cessantes, da esfera patrimonial. Importante explicar que o dano extrapatrimonial, não pretende indenizar por todo sofrimento, pois isto seria impossível, já que uma vida e o próprio sofrimento nas dimensões que ocorreu, não tem preço.” (THIAGO LOURES, 2015).        

            A importância de se conferir a responsabilidade do acidente sobre a empresa se demonstra, no caso da civil, necessária para o estabelecimento do dever de indenizar, cuidar e recuperar.

IX. O “Polêmico” Decreto n°8.572/2015

            Muito se debate sobre este Decreto instituído no dia 13 de Novembro de 2015, mais ou menos uma semana após o inicio do desastre ambiental de Mariana. Diversas pessoas, especialmente as leigas tratando-se de assuntos jurídicos, demonstraram se fortemente opostas a este decreto, pois este determina em um de seus dispositivos (grifo nosso):

“A PRESIDENTA DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere art. 84, caput, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 20, caput, inciso XVI, da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990,

DECRETA:

Art. 1º.  O Decreto nº 5.113, de 22 de junho de 2004, passa a vigorar com as seguintes alterações:

        “Art. 2º  .........................................................................

        ..............................................................................................

        Parágrafo único.  Para fins do disposto no inciso XVI do caput do art. 20 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990, considera-se também como natural o desastre decorrente do rompimento ou colapso de barragens que ocasione movimento de massa, com danos a unidades residenciais.” (NR)”

            A grande crítica aqui pesa acerca da nova consideração jurídica do rompimento de barragem como sendo um desastre natural, distanciado dos atos e previsões humanas. Tal modificação, devido a proximidade com a data do acontecimento da crise ambiental em Minas Gerais, fez muitos pensarem que fora aberta uma brecha para que a Samarco Minerações S.A. pudesse se isentar (ou ao menos “diminuir o pesado fardo”) da responsabilidade da má-gestão de seus resíduos produzidos por sua atividade e do acidente envolvendo o rompimento da barragem que cercava os mesmos.

            Entretanto, tal não pode ser mais longe da verdade. Isto porque o próprio decreto esclarece que tal consideração é relativa apenas “para fins do inciso XVI do caput do art. 20 da Lei nº 8.036”. Este inciso, em seu teor, aborda:

Art. 20. A conta vinculada do trabalhador no FGTS poderá ser movimentada nas seguintes situações: (...)

XVI - necessidade pessoal, cuja urgência e gravidade decorra de desastre natural, conforme disposto em regulamento, observadas as seguintes condições:(...)

            Necessário ressaltar que a Lei n° 8.036/90 é conhecida como a Lei do FGTS. Ela dispõe sobre este instituto, e em seu artigo 20 estabelece as condições e hipóteses que podem ser sacados os valores correspondentes ao FGTS. E dentro destas hipóteses, o inciso XVI determina o saque em casos de necessidade pessoal decorrente de urgência e gravidade originadas por desastre natural (a qual o rompimento de barragem agora, por meio do Decreto n°8.572/2015, se enquadra). Destarte, nota-se que esta classificação nova está restrita a esta possibilidade presente no inciso analisado, tão somente[14].

            Isto é, inclusive, benéfico as vitimas do caso estudado. Pois como Decreto nº 5.113/2004 não expressava o rompimento ou colapso de barragem como desastre natural, o saque do FGTS pelos atingidos era impossível. Agora, com o Decreto n°8.572/2015, esta situação agora é uma realidade, o que pode proporcionar um novo inicio na vida dos afetados pela destruição do “mar de lama” de Mariana.

X. Das Ações Civis Públicas e Ações Populares no Caso Mariana

            Frente os danos das mais diversas naturezas gerados, e contra a empresa responsável por seus resíduos sólidos e o acidente decorrente, o Ministério Público, como instituição voltada para a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis[15][16], (além das outras entidades capazes de ajuizar estes tipos de ações) e os cidadãos nacionais possuem “mecanismos jurídicos/constitucionais” de requererem a reparação, na medida do possível, dos direito e interesses lesados, bem como a punição e “colaboração” dos responsáveis pelo desastre de Mariana. E aqui se destacam tanto a Ação Civil Pública quanto a Ação Popular.

            A Ação Civil Publica esta prevista, principalmente, na Lei 7.347/85. Esta visa reprimir ou prevenir danos a diversas áreas do interesse público (interesses meta individuais), e o meio ambiente, como bem coletivo especial, nestes termos se enquadra. Inclusive, se considera a Ação Civil Pública um dos mais relevantes, quiçá o mais importante, meio processual de defesa ambiental[17]. Tanto que a própria Lei 7.347/85 trata disciplina tal ação de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente. Entre os principais legitimados para propor a ação principal e a ação cautelar temos: O Ministério Público, a Defensoria Pública, a União (e os entes federados) e associações que possuam características legais discriminadas.

            Ações Civis Públicas foram ajuizadas contra a Samarco, devido ao acidente de rompimento da barragem. Duas se destacam: a proposta por procuradores dos Estados de Minas Gerais “que cobra a criação de um fundo público de R$ 20 bilhões para reparar danos causados”[18] pelo acidente, e a de autoria da “Sohumana” - Sociedade Humanitária Nacional, em trâmite de na 5ª Vara Federal do Rio de Janeiro e possui valor da causa similar ao da anteriormente mencionada (esta inclusive citando a Vale S.A.e a BHP Billinton)[19].

            Já a respeito das Ações Populares, estas estão previstas no Artigo 5° da CF/88. Podem ser propostas por qualquer cidadão, visando anular ato lesivo ao patrimônio público, ao meio ambiente, ao patrimônio histórico e cultural, dentre outros. Existe uma legislação específica da matéria: a Lei de Ação Popular (Lei n° 4.717 de 1965).

            Comenta, a respeito da Ação Civil Pública, o notório jurista de Direito Ambiental Paulo de Bessa Antunes (1992, p.240):

“A Ação Popular é um dos mais tradicionais meios de defesa dos interesses difusos no direito brasileiro. O autor popular, cidadão brasileiro no gozo de seus direitos políticos, age em nome próprio na defesa de um bem da coletividade. A Ação Popular é um instituto jurídico constitucional a ser exercitado pelo cidadão e não por pessoas jurídicas ou associações. Tal situação jurídica não impede que vários cidadãos se litisconsorciem para a propositura de uma única ação.”

            Por seu caráter popular, e devido a sua importância expressa contra atos lesivos ao meio ambiente, diversas Ações deste modelo foram propostas em desfavor a Samarco. A exemplo, fora ajuizada Ação Popular pedindo o bloqueio de R$100.000.000,00[20]das contas e ativos financeiros pertencentes a mineradora, com objetivo de serem utilizados na recuperação socioambiental dos terríveis estragos causados pela lama residual de rejeitos.

XI. Considerações Finais

            Diante do exposto, não é de difícil compreensão a necessidade de se equilibrar a exploração e crescimento econômico das atividades humanas com o bem-estar ambiental. Nisto, a questão do lixo, em todas as suas formas e variedades, se encontra presente. A tragédia de Mariana é uma representação do que pode acontecer quando uma grande empresa não gerencia corretamente o tratamento e a disposição dos resíduos que produz, negligenciando até mesmos os elevados potenciais riscos de acidente.

            Uma tragédia que infelizmente tem enormes chances de se repetir, em outros locais do Brasil. A (quase) mesma historia, com novos protagonistas e novas vitimas. Pois basta relembrar de anos passados, que a memória do incidente envolvendo um minerador em Santo Amaro, na Bahia, que acabou contaminando toda cidade com chumbo.

            Por isso que nestas horas o Direito mostra sua sempre presente importância na sociedade moderna: estabelece as normas reguladoras que, quando respeitadas, quase sempre evitam situações horríveis como esta de Minas Gerais, e que, quando as fatalidades mesmo assim ocorrem, procura responsabilizar aqueles que de fato são, além de propiciar um mínimo que seja de Justiça (em sentindo amplo, “quase divino”) para os afetados.

            Mas de nada adiantará apenas a atuação do Direito sem que exista um melhora na consciência ambiental de todos os brasileiros. Pois além de existirem estas enormes tragédias, causadas pela má-gestão do lixo pelas empresas que o geram, também existem aqueles, muitas vezes imperceptíveis, pequenos “desastres” causados pela disposição inadequada do lixo por parte de nós, cidadãos individuais comuns. Questione-se: Quantas vezes você jogou o lixo em local que não deveria? Quantas vezes você não reaproveitou aquilo que poderia? Pode ser uma forma até mesmo “infantil” de se abordar o tema, remetendo àqueles velhos ensinamentos escolares, mas é de todo modo uma forma correta: a proteção ao meio ambiente se faz nos grandes casos (envolvendo ações geradoras de grande quantidade de resíduos, como a mineração, por exemplo) e nas pequenas situações, no dia a dia do Homem comum.

BIBLIOGRAFIA

ANTUNES, Paulo de Bessa. Curso de Direito Ambiental (Doutrina, Legislação e Jurisprudência). 2ª Ed. Editora Renova, 1992.

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 12 ed. Editora Lumen Juris, 2010.

CUNHA JR., Dirley. Curso de Direito Constitucional. 8ª ed. Editora JusPodivm, 2014.

DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 18ª ed. Editora Atlas, 2014.

DUARTE, Felipe Simões. O caso Samarco e a responsabilidade ambiental. http://fellipesd.jusbrasil.com.br/artigos/255747257/o-caso-samarco-e-a-responsabilidade-ambiental (Acessado em 8 de dezembro de 2015).

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado.12ª ed. Editora Saraiva, 2008.

GARCIA, Leonardo de Medeiros; THOMÉ, Romeu. Direito Ambiental – Princípios; Competências Constitucionais; Lei n°6.938/1981; Lei n°4.771/1965; Lei n°9.985/2000; Lei n°9.605/1998. 2ª ed. Editora JusPodivm, 2010.

LOURES, Thiago. Responsabilidade civil ambiental da mineradora SAMARCO pelo rompimento das barragens em Minas Gerais. http://thiagoloures .jusbrasil.com.br/artigos/252980985/responsabilidade-civil-ambiental-da-mineradora-samarco-pelo-rompimento-das-barragens-em-minas-gerais (Acessado em 8 de dezembro de 2015).


[1]Fonte: http://www.direitoambiental.adv.br/ambiental.qps/Ref/PAIA-6S9TNQ (Acessado em 8 de dezembro de 2015).

[2] Ministério do Meio Ambiente. http://www.mma.gov.br/governanca-ambiental/sistema-nacional-do-meio-ambiente/comiss%C3%A3o-tripartite-nacional/direito-ambiental (Acessado em 7 de dezembro de 2015).

[3]“The process or industry of obtaining coal or other minerals from a mine”; tradução original em inglês.

[4]MORTON, Glenn.Mining and Religion in Ancient Man. http://www2.asa3.org/archive/asa/199610/ 0067.html  (Acessado em 8 dezembro de 2015).

[5]Fonte:http://www.statista.com/statistics/208715/total-revenue-of-the-top-mining-companies/ (Acessado em 7 de dezembro de 2015)

[6] SILVA, João Paulo Souza. Impactos ambientais causados por mineração. http://www.registro.unesp.br /sites/museu/basededados/arquivos/00000429.pdf (Acessado em 8 de dezembro de 2015).

[7] FREIRE, William. LARA, Daniela. Dicionário de Direito Ambiental e vocabulário técnico de meio ambiente. Belo Horizonte: Editora Mineira, 3002. P. 175-6.

[8] Fonte: IBAMA. http://www.ibama.gov.br/publicadas/ibama-monitora-avanco-dos-rejeitos-de-mineracao-e-auxilia-resgates-em-mariana-mg (Acessado em 8 de Dezembro de 2015).

[9] Fonte: Agência Brasil. http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2015-12/um-mes-apos-tragedia-em-mariana-causas-e-impactos-ainda-sao-investigados (Acessado em 8 de Dezembro de 2015).

[10]Fonte: Carta Capital. http://www.cartacapital.com.br/sociedade/rompimento-de-barragem-pode-impactar-vida-marinha-por-cem-anos-3615.html (Acessado em 8 de Dezembro de 2015).

[11] Fonte: G1. http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2015/11/rompimento-de-barragens-em-mariana-perguntas-e-respostas.html (Acessado em 7 de dezembro de 2015).

[12] Fonte: SOS Corpo. http://soscorpo.org/tragedia-anunciada-dossie-do-movimento-atingidos-por-barragem-mab-faz-um-balanco-da-situacao-em-mariana-mg/ (Acessado em 8 de dezembro de 2015).

[13]Fonte: G1. http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2015/11/rompimento-de-barragens-em-mariana-perguntas-e-respostas.html (Acessado em 8 de dezembro de 2015).

[14] REATEGUI, Dáfani. Decreto Federal exclui responsabilidade das mineradores em rompimento de barragem?. http://dafani.jusbrasil.com.br/artigos/257142416/decreto-federal-exclui-responsabilidade-das-mineradores-em-rompimento-de-barragem (Acessado em 7 de dezembro de 2015).

[15] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. Editora Saraiva. 12ª Edição. 2008, p. 525.

[16] De acordo com o Artigo 127 da CF/88.

[17]MOTA, Tercio De Sousa. BARBOSA, Erivaldo Moreira. MOTA, Gabriela Brasileiro Campos. Ação civil pública como instrumento de proteção do meio ambiente. http://www.ambito-juridico.com.br/site/?artigo_id=9105&n_link=revista_artigos_leitura (Acessado em 8 de dezembro de 2015).

[18] Fonte: G1. http://g1.globo.com/minas-gerais/desastre-ambiental-em-mariana/noticia/2015/12/um-mes-da-tragedia-veja-acoes-da-policia-mp-mpf-justica-e-samarco.html(Acessado em 8 de dezembro de 2015).

[19] Fonte: Gazeta. http://www.gazetaonline.com.br/_conteudo/2015/12/noticias/brasil/3917137-vale-e-citada-em-acao-civil-publica-contra-samarco.html (Acessado em 8 de dezembro de 2015).

[20] Fonte: O Globo. http://oglobo.globo.com/brasil/acao-pede-bloqueio-de-100-milhoes-da-mineradora-samarco-18064593(Acessado em 8 de dezembro de 2015).

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Sobre os autores
Aline Maria da Rocha Lemos

Professora UNIFACS, UNIVERSO e advogada. Graduada em Administração de Empresas e Direito, respectivamente, pela Universidade Federal da Bahia e Universidade Potiguar. Possui Mestrado em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e especializações em Processo Civil e Direito Público.

Gabriel Andion Solter

Graduando em Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo é fruto do projeto de pesquisa “Estudo de casos para a solução de problemas sociais” do Curso de Direito da Universidade Salvador (UNIFACS), coordenado pela Prof.ª. Aline Maria da Rocha Lemos nos semestres 2015-2 e 2016-1.

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