Princípio da Precaução vs Princípio da legalidade no inf. 829/STF

03/07/2016 às 03:24
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O presente artigo é uma análise da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, veiculado no Informativo 829 da Corte, que tratou da aplicação do princípio da precaução em relação ao princípio da legalidade.

O presente artigo é uma análise da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, veiculado no Informativo 829 da Corte, que tratou do tema referente ao direito ambiental, especificamente, sobre a aplicação do princípio da precaução em lide que visava garantir direito fundamental à distribuição de energia elétrica, ao mercado consumidor, de um lado, e o direito à saúde daqueles que residem em locais próximos às linhas pelas quais se efetua a transmissão, de outro, portanto, abordando questões como impacto ambiental e meio ambiente, oportunidade em que o Supremo confrontou o referido princípio com a legislação ambiental que regula a matéria e normas internacionais sobre o tema prevalecendo assim, o princípio da legalidade na conclusão da Corte.

 

O caso concreto: Campo eletromagnético.

 

O caso analisado pelo Supremo Tribunal Federal se refere a um conjunto de ações que discutiram o direito fundamental à distribuição de energia elétrica, ao mercado consumidor, de um lado, e o direito à saúde daqueles que residem em locais próximos às linhas pelas quais se efetua a transmissão, de outro.

O Recurso fora proposto em face de acórdão de tribunal de justiça estadual que condenou em obrigação de fazer a concessionária de serviço público no sentido de observar padrão internacional de segurança e, em consequência, reduzir campo eletromagnético em suas linhas de transmissão de energia elétrica.

A Corte Constitucional realizou audiência pública a fim de oferecer subsídios, como a participação da sociedade civil, comunidades científicas, especialistas e estudiosos do tema. Assim, entendeu que o acórdão do tribunal de origem apontara que, conforme as medições feitas, em momento algum teria se observado violação aos parâmetros legais estabelecidos pela ICNIRP, mesmo assim, com as medições em nível legalmente estabelecido, o Tribunal a quo, com base no princípio da precaução, obrigara a ré a adotar parâmetro suíço, abaixo do fixado na legislação pátria.

Em sua decisçao o STF argumenta que não há provas ou mesmo indícios de que o avanço científico na Suíça ou em outros países que não adotam os padrões da OMS esteja além do da maioria dos países que compõem a União Europeia ou do de outros países do mundo que adotam os limites estabelecidos pela OMS e ICNIRP, para os ministros a situação dos autos, tratou-se de uma opção legislativa e administrativa.

Quanto aos limites à exposição humana a campos eletromagnéticos originários de instalações de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica do caso concreto, os níveis colhidos pela prova pericial produzida nos autos teriam demonstrado sua adequação aos parâmetros exigidos pelo ordenamento jurídico infraconstitucional.

A Resolução Normativa 616/2004, da ANEEL, no que se refere aos limites à exposição humana a campos elétricos e magnéticos originários de instalações de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, na frequência de 60 Hz, elevou de 83,33 µT (microteslas) para 200,00 µT (microteslas) o limite máximo e permanente de exposição a campos elétricos e magnéticos.

Segundo o informativo 829 os estudos desenvolvidos pela OMS teriam demonstrado que não haveria evidências científicas convincentes de que a exposição humana a valores de campos eletromagnéticos acima dos limites estabelecidos cause efeitos adversos à saúde. A própria OMS ao elaborar seu modelo de legislação para uma proteção efetiva aos campos eletromagnéticos teria indicado a utilização dos limites fixados pela ICNIRP.

 

 

Princípio da Legalidade

 

Na legislação ambiental brasileira encontra-se a Lei 11.934/2009, que dispõe sobre os limites à exposição humana a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos, posteriormente regulamentada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) em sua Resolução Normativa 398/2010.

Para os Ministros a citada resolução normativa, ao estabelecer os limites e os procedimentos referentes à exposição por parte do público em geral e dos trabalhadores aos campos elétricos e magnéticos teria aplicado em todo o território nacional os limites estabelecidos pela Comissão Internacional de Proteção Contra Radiação Não Ionizante (ICNIRP) em respeito às recomendações da OMS.

Entendeu o STF que o Estado brasileiro teria adotado as necessárias cautelas, pautadas pelo princípio constitucional da precaução e seu regime jurídico está orientado de acordo com os parâmetros de segurança reconhecidos internacionalmente.

Aponta os magistrados que no futuro, o espaço para esses debates e a tomada de novas definições serão respeitados, caso surjam efetivas e reais razões científicas e/ou políticas para a revisão do que se deliberou no âmbito normativo.

 

Princípio da Precaução

 

O acórdão recorrido, proferido pelo TJ, fundamentara-se no princípio da precaução e no direito fundamental a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e à sadia qualidade de vida.

A Corte relata que o conteúdo jurídico do princípio da precaução remontaria originalmente à Carta Mundial da Natureza, de 1982 e fora posteriormente incluída na Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Eco-92) e que o Princípio da Precaução estaria contido na Constituição Federal Art. 225.

O princípio em comento decorre da constatação de que a evolução científica poderia trazer riscos, muitas vezes imprevisíveis ou imensuráveis, a exigir uma reformulação das práticas e procedimentos tradicionalmente adotados na respectiva área da ciência.

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Assim a Suprema Corte confirmou que a proteção do meio ambiente e da saúde pública com desenvolvimento sustentável seria obrigação constitucional comum a todos os entes da Federação, inclusive, da competência para definir, em todas as unidades da Federação, os espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos.

No julgamento frisa-se que essa obrigação de proteção não seria apenas do Poder Público, mas também daqueles que exercem atividade econômica e que prestam serviços públicos, como é o caso das companhias de distribuição de energia elétrica.

As empresas, por executarem serviços delegados seriam regidas por regras de direito privado, ainda que na relação com o poder concedente obedecessem a regime jurídico de direito público. Por isso, estariam submetidas aos regulamentos emitidos e ao controle realizado por agência reguladora competente e, no exercício de suas atividades deveriam defender e proteger o meio ambiente e o direito fundamental transindividual e do cidadão à saúde, em sua integralidade.

 

Elementos essenciais para aplicação do Princípio da Precaução.

 

È importante destacar ainda que para o Tribunal Constitucional o princípio da precaução não prescindiria de outros elementos considerados essenciais para uma adequada decisão estatal, que devem ser considerados nos casos em que envolva gestão de riscos, quais sejam:

a) a proporcionalidade entre as medidas adotadas e o nível de proteção escolhido;

b) a não discriminação na aplicação das medidas; e,

c) a coerência das medidas que se pretende tomar com as já adotadas em situações similares ou que utilizem abordagens similares.

Portanto, certo é que na aplicação do princípio da precaução a existência de riscos decorrentes de incertezas científicas não deveria produzir uma paralisia estatal ou da sociedade. Por outro lado, a aplicação do princípio não poderia gerar como resultados temores infundados. Assim, em face de relevantes elementos de convicção sobre os riscos, o Estado deveria agir de forma proporcional. Por sua vez, o eventual controle pelo Poder Judiciário quanto à legalidade e à legitimidade na aplicação desse princípio haveria de ser realizado com prudência, com um controle mínimo, diante das incertezas que reinam no campo científico.

 

Repercussão Geral - Tema 479. Tese fixada.

 

A tese fixada pela Corte, por  maioria, em Repercussão Geral que no atual estágio do conhecimento científico, que indica ser incerta a existência de efeitos nocivos da exposição ocupacional e da população em geral a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos gerados por sistemas de energia elétrica, não existem impedimentos, por ora, a que sejam adotados os parâmetros propostos pela Organização Mundial de Saúde (OMS), conforme estabelece a Lei 11.934/2009.

Na decisão ficaram vencidos os Ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Marco Aurélio e Celso de Mello, que negavam provimento ao recurso, merecendo destaque a posição do Ministro Celso de Mello no sentido de que o princípio da precaução resulta do exercício ativo da dúvida, frente ao perigo de dano grave e irreversível e diante da falta de certeza científica ou da ausência de informação.

Nos países que compõe a União Europeia, tribunais pátrios estariam a acompanhar, orientan do-se pela precaução na defesa do meio ambiente e na proteção à saúde.

 

CONCLUSÃO

 

Ao analisar o caso concreto e enfrentar o confronto entre um princípio constitucional da envergadura do Princípio da Precaução com relação ao Princípio da Legalidade, a Suprema Corte optou por valorar a Lei, entendendo que o legislador fez a opção correta ao seguir as recomendações da OMS, no estatuto legal, embora haja estudos científicos que apresentem resultados relevantes, tais como aqueles aplicados em países como a Suiça o que poderia reduzir à exposição humana as referidas radiações.

A Decisão da Corte Constitucional previlegia a aplicação das normas previstas no ordenamento jurídico, no caso específico a Lei 11.934/2009. Além desse diploma legal na temática ambiental  desta-se, leis como a lei de crimes ambientais, o novo código florestal, a Política Nacional do Meio Ambiente, resíduos sólidos, agrotóxicos e o direito internacional a questão é saber de que forma a jurisprudência do STF irá se comportar no que tange a aplicação desses textos. Isso porque, a responsabiliadade ambiental e a constitucionalidade de leis, como o código florestal, vem sendo largamente argumentada nos tribunais pátrios que, por meio de uma engenharia jurídica recorriam aos princípios do direito ambiental e à legislação federal, sobretudo, para fundamentar suas decisões  sobre o direito ambiental.

 

 

REFERÊNCIA

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 627189/SP, rel. Min. Dias Toffoli, 8.6.2016. Pesquisa de Jurisprudência, Informativo 829. Disponível em: < http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo829.htm>. Acesso em: 03 de julho de 2016

 

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Sobre o autor
Ronaldo Gomes da Silva

Consultor Jurídico de carreira. Pós-Graduado em Educação pela Universidade Federal Fluminense e MBA em Direito Ambiental (UNESA). Ex-Membro da Câmara Técnica de Petróleo e Gás da PMDC, Advogado, Biólogo e Professor.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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