Proteção da personalidade jurídica

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03/07/2016 às 23:21
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Diante do mundo atual em torno da internet, e do mundo virtual que está se criando, procuramos no presente artigo analisar a tutela da personalidade, em relação à proteção do direito à privacidade e à intimidade digital.

Resumo:

Diante do mundo atual e das novidades em torno da internet, ou melhor, do mundo virtual que está se criando, procuramos no presente artigo analisar a tutela da personalidade, através da ótica da dignidade da pessoa humana, em relação à proteção do direito à privacidade e à intimidade digital, em relação à proteção aos dados sensíveis.

Apresentaremos os conceitos de personalidade jurídica, privacidade e intimidade, de dados sensíveis, definindo seu papel no mundo virtual/digital que está sendo criado, dissociado do mundo físico, verificando se precisam de proteção específica. Muito oportuno neste contexto verificarmos se o Direito à Privacidade e à Intimidade digital admite mitigação em relação ao Direito da Informação, e a outros direitos constitucionalmente protegidos.

Averiguar a segurança dos dados sensíveis, diante da quantidade de dados tratados pelos usuários e prestadores de serviços de diversas atividades. Neste diapasão, verificar se a pessoa tem o direito ao esquecimento, especificamente em relação aos dados sensíveis, ou seja, que sejam apagados seus vestígios no mundo virtual pelo decurso do tempo.

Por fim, estudar o instituto da Responsabilidade Civil como elemento capaz de responder aos danos ocasionados na esfera jurídica digital pela utilização indevida dos dados sensíveis, violando o Direito à Privacidade e à Intimidade. Todos esses temas serão abordados sob a ótica da legislação Brasileira e Portuguesa, e o mais moderno Regulamento da União Europeia.

Abstract:

Against today's world and the news around the internet, or rather, the virtual world that is being created, in this article we try to analyze the protection of legal personality, through the perspective of human dignity, related to the protection of privacy rights and digital intimacy, and to the protection of sensitive data.

We will present the concepts of legal personality, privacy and intimacy, of sensitive data, defining its role in the virtual/digital world that is being created, separate from the physical world, verifying whether they need specific protection. It is very appropriate in this context we check if the Right to Privacy and Digital Intimacy admits mitigation in relation to the Right to Information, and other constitutionally protected rights.

We verify the security of sensitive data, in face of the amount of data processed by users and service providers of various activities. In this vein, check whether the person has the right to forgetfulness, specifically with regard to sensitive data, in other words, that its traces can be erased in the virtual world by lapse of time.

Finally, study the institute of Civil Responsibility as an element capable of responding to the damage caused in the digital legal arena for the misuse of sensitive data, violating the Right to Privacy and Intimacy. All these issues will be addressed from the perspective of Brazilian and Portuguese law, and the latest Regulation of the European Union.

Sumário: Introdução. 1) Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana - Tutela da Personalidade Jurídica – A personalidade jurídica no mundo digital 2) Direito à Privacidade e à Intimidade - Proteção da vida privada e dados pessoais identificáveis - Mitigação ao Direito à Privacidade e Direito à informação - Do tratamento de dados - Segurança dos dados sensíveis - Dos danos decorrentes do tratamento de dados  - O Direito ao Esquecimento 3) Responsabilidade Civil pelos danos decorrentes da violação ao direito à Privacidade e à Intimidade Digital - Regramento jurídico comum - Regramento jurídico próprio. Conclusão. Referências e Bibliografia.

Palavras-chave: Dignidade da Pessoa Humana – Personalidade Jurídica – Direito à privacidade e à intimidade digital – Direito à informação – Segurança de dados sensíveis -  Tratamento de dados – Direito ao esquecimento – Responsabilidade Civil.


 Introdução:

O mundo passou por grande transformação depois do advento da Segunda Guerra Mundial, pois diante da violação à dignidade humana pelos governos totalitários, verificou-se a importância dos direitos da personalidade para o mundo jurídico, a sua proteção foi efetivada na Assembleia Geral da ONU de 1948, na convenção Europeia de 1950 e no Pacto Internacional das Nações Unidas.

Assim, com o advento da Declaração Universal dos Direitos Humanos os direitos da personalidade tiveram destaque. Neste ponto, verificamos se a personalidade está ligada à dignidade da pessoa humana, a qual trata-se de atributo do ser humano e não apenas um direito, pois é inerente a própria condição de pessoa, merecendo proteção integral do Estado de Direito.

Analisamos o desdobramento das questões relativas ao cruzamento de informações, que permite a reconstituição de aspectos relevantes socialmente da vida das pessoas. Diante do gigantesco desenvolvimento dos processos informáticos atualmente, que envolve a vida de cada um de nós, a defesa da intimidade e da vida privada face às nova tecnologias, em contraponto ao direito da informação, é um assunto de grande relevância para o direito.

Apresentamos os conceitos de personalidade no mundo jurídico, privacidade e intimidade, de dados sensíveis, definindo seu papel no mundo virtual/digital que está sendo criado, dissociado do mundo físico, verificando se precisam de proteção específica, e novas regras jurídicas.

Relevante também o desenvolvimento das questões que envolvem o Direito à Privacidade e à Intimidade Digital e sua correlação com o Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. Assim como, diante da prevalência de princípios e do cotejamento de direitos, verificamos se é admitido mitigação desses direitos em relação ao direito à informação.

Apresentamos nesse artigo o regime legal e jurisprudencial sobre a segurança dos dados sensíveis, diante da quantidade de dados tratados pelos usuários e prestadores de serviços de diversas atividades.

Outra questão importante que trouxemos ao presente estudo foi o direito ao esquecimento, se as pessoas têm direito que sejam apagados seus vestígios no mundo virtual pelo decurso do tempo, ou se esse direito está em confronto com o direito à informação.

Trazemos um panorama da legislação Portuguesa, Brasileira e Europeia sobre a proteção do Direito à Privacidade e à Intimidade Digital em relação aos dados sensíveis, e sobre a responsabilidade civil pelos danos causados pela violação desses direitos.


1) Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana - Tutela da Personalidade Jurídica – A personalidade jurídica no mundo digital.

A dignidade da pessoa humana é base de tudo. Significa que a cada pessoa deve ser atribuído direitos, que assegurem a sua dignidade na vida social.

Essas considerações nos remetem ao princípio da dignidade humana, a qual para Francisco do Amaral “a pessoa humana é um valor em si mesmo, um valor intrínseco, absoluto, não um meio de realização de interesses alheios, devendo merecer respeito e consideração social”.[2]

Na Constituição Federal brasileira, em seu art. 1º, III, encontra-se positivado o princípio da dignidade humana, como fundamento do Estado Democrático de direito.

 “Leo Van Holthe aduz que o art. 5º, inciso III, proíbe o tratamento do ser humano como “coisa” ou “objeto”, negando-lhe seu valor intrínseco e sua condição humana”.[3]

A Constituição da República Portuguesa, em seu artigo 1.º, acolhe a dignidade da pessoa humana.

 “A proteção da dignidade humana como valorização da pessoa em detrimento do patrimônio constitui o principal fundamento da personalização do Direito Civil e se deu com base no modelo de Immanuel Kant, sendo esse princípio o primeiro e mais importante do Direito Privado”.[4]

Oliveira Ascensão afirma que “a dignidade humana implica que a cada homem sejam atribuídos direitos, por ela justificados e impostos, que assegurem esta dignidade na vida social. Esses direitos devem representar um mínimo, que crie o espaço no qual cada homem poderá desenvolver a sua personalidade. Mas devem representar também um máximo, pela intensidade da tutela que recebem”.[5]

“Rosa Maria de Andrade Nery confirma ser o princípio da dignidade da pessoa humana o mais importante regramento do direito. A estudiosa acentua que “É por ele que se faz prevalecer, no contexto das relações humanas, o valor da vida e da liberdade humana”.[6]

 A Constituição Federal brasileira encerra diversos direitos da personalidade, como o direito à vida, à saúde, à liberdade, à segurança e à propriedade.

A CRP, em seu art. 26.º/1, assim determina:

“ARTIGO 26º (Outros direitos pessoais)

1.A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação”[7].

O Direito à Privacidade e à Intimidade são consagrados direitos de personalidade, previsto no art. 26.º/1. Como Leciona Canotilho “os direitos de personalidade abarcam certamente os direitos de estado [...], os direitos sobre a própria pessoa (direito à vida), à integridade moral e física, direito à privacidade), os direitos distintivos da personalidade (direito à identidade pessoal, direito à informática) e muitos direitos de liberdade (liberdade de expressão) ”[8].

A Professora Doutora Ana Roque nos ensina que “podemos constatar que os diretos, liberdades e garantias consagrados na CRP têm uma corrente paralela de direitos civis, os chamados direitos de personalidade. Estabelecendo uma ligação em função do conteúdo, assinalaremos as disposições seguintes: [...] c) Outros direitos pessoais – artigo 26º da CRP: direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar (reforçado pelo art. 35º da CRP) / artigo 80º do CC (direito à reserva da intimidade da vida privada; matérias protegidas, em especial, na Lei 67/98, de 26 de outubro – Lei da Proteção de Dados)”[9].

Cunha Gonçalves acolheu a categoria dos direitos de personalidade, afirmando que os direitos originários do Código Seabra eram direitos de personalidade:

“Os direitos originários são o conjunto das condições de que dependem o respeito, a conservação e o desenvolvimento da personalidade em todas as suas manifestações. Por isso é que eles são designados modernamente, como disse, por direitos de personalidade [...]. Essas condições são realizadas, quer pela própria pessoa, quer por todas as outras pessoas, que teem o dever de se absterem de qualquer ofensa a esses direitos. ’

‘Os direitos originários são, portanto, direitos absolutos. A sua existência revela-se, principalmente, no momento em são violados ou ofendidos por outrem [...]. São direitos que nascem e acabam com a personalidade”[10].

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Passou-se, então, a ser aplicada a dogmática germânica dos direitos da personalidade na ordem jurídica portuguesa. “Também Paulo Cunha, Antunes Varela e Pires de Lima vieram a sufragar a doutrina dos direitos de personalidade”[11].

“Com o novo Código Civil de 1966, a referência a direitos originários desaparece e, em sede de pessoas singulares, surge uma secção dedicada aos direitos de personalidade”[12]. Os direitos de personalidade são tutelados pelo art. 70.º e seguintes do CCP:

“Art. 70º (Tutela geral da personalidade)

1.A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral”[13].

Para Pedro Pais de Vasconcelos “personalidade jurídica costuma ser definida formalmente como a suscetibilidade de direitos e obrigações ou de titularidade, ou de ser sujeito de direitos e obrigações ou de situações jurídicas”[14].

Enfatiza Bittar que “os naturalistas (como Limongi França) salientam que os direitos da personalidade correspondem às faculdades exercitadas normalmente pelo homem. São direitos que se relacionam com atributos inerentes à condição da pessoa humana”[15]

“Para o positivismo, a personalidade jurídica é um dom do Estado, que a concede ou recusa por livre opção”.[16]

Para Oliveira Ascensão “à pessoa assim caracterizada terá de ser atribuída personalidade jurídica, pois esta é condição necessária para poder prosseguir por si os seus próprios fins”.[17]

“A origem etimológica do termo pessoa vive encerrada numa neblina de mistério. Na verdade, qual a origem da palavra e qual o correcto sentido em que foi utilizada no pensamento antigo continuam a ser questões em aberto”.[18]

“Seja qual for a mais remota origem etimológica da palavra pessoa... o pensamento antigo...não chegou a estruturar o conceito de pessoa como categoria ontológica que explicasse o que era o Homem”.[19] Os gregos e os romanos utilizaram o termo pessoa para designar a máscara usada no teatro pelos atores.

“Com Santo Agostinho (séculos IV-V) acentuam-se a individualidade e singularidade como notas do conceito, as potências da inteligência, da memória e da vontade”.[20]

“Para São Tomás de Aquino nem toda a realidade de natureza racional será pessoa, mas só aquela que for subsistente, que exista por si. É suficientemente elucidadtivo este respondeo da Summa Theologica:’[...] dicendum quod personalitais necessário intantum pertinet ad dignitatem alicuius rei et perfectionem, inquantum ad dignitatem et perfectionem eius petinet quod per se existat: quod in nomine personae intelligitur”.[21]

Descartes em tenra idade expressou a ideia de “penso logo existo”.[22] Para Locke “pessoa” era “consciência”. “Para Kant, (século XVIII), a tónica da realidade pessoal é posta essencialmente, na consciência moral. [...] Para Hegel (séculos XVIII-XIX), a individualidade humana surge de novo como um problema... na verdade, o Homem – cada indivíduo humano – não é mais que a humanidade, humanidade essa que é, por sua vez, manifestação da razão, da ideia, do espírito[...]”.[23]

Para Mota Pinto, a personalidade é para o Direito um prius, sendo o seu reconhecimento uma exigência lógica e um postulado axiológico, que impõe a tutela da personalidade de todas as pessoas.[24]

Sempre se tentou proteger mundialmente os direitos de personalidade. “Assim, embora a Declaração Universal dos Direitos do Homem seja inicialmente uma declaração das Nações Unidas, sem força jurídica para se impor aos Estados por si mesma, tornou-se na prática o primeiro instrumento de universalização dos direitos humanos”.[25]

Importante “será ainda de apontar a importância de instrumentos como a Declaração americana dos direitos e deveres do homem e a Convenção americana relativa aos direitos do homem (elaboradas no âmbito da Organização dos Estados Americanos), a par da Convenção europeia de salvaguarda dos direitos do homem e das liberdades fundamentais e da Carta social europeia (produzidas pelo Conselho da Europa), cujos textos refletem a consideração da existência de “três categorias de direitos do homem: A) primeira é a dos direitos destinados a proteger a liberdade e a integridade física e moral da pessoa humana: o direito à vida; a libertação da escravatura, da servidão e do trabalho forçado; a proibição da tortura e das penas e tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes; a proteção contra as prisões ou detenções arbitrárias; a garantia de tratamento equitativo perante os tribunais; a proteção da vida privada; a liberdade de pensamento, de consciência e de religião”.[26]

A Declaração Universal da ONU – Organização das Nações Unidas, de 1941, em relação à privacidade, estabelece em seu art. 12:

Art. 12. Nenhum cidadão pode ser submetido a interferências arbitrárias na sua vida privada, na sua família, na sua casa, na sua correspondência: nem a ataques a sua honra e reputação. Todo o homem tem direito à proteção da lei contra tais interferências e ataques.

“Silva (2007) conceitua a honra como sendo o conjunto de qualidades que caracterizam a dignidade da pessoa, o respeito dos concidadãos, o bom nome, a reputação”[27]

O desenvolvimento de novas tecnologias, mormente as tecnologias digitais de imagem, trouxe a ameaça da violação da imagem. Para Ferreira Rubio “o direito à imagem é um dos direitos da personalidade e tem independência funcional, com respeito aos demais e, em particular, em respeito à intimidade. A imagem ou aparência de uma pessoa é protegida de forma autônoma, sem prejuízo de que, em certas ocasiões, a imagem seja utilizada para atacar a honra ou a vida privada do indivíduo. O direito à imagem que toda pessoa tem para dispor de sua aparência autorizando ou não a captação e difusão da mesma”[28].

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Sobre a autora
Dayse Kubis Baumeier

Advogada, Pós-graduada em Responsabilidade Civil, Pós-graduada em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho, Pós-graduanda em Direito da Empresa. Mestranda em Ciências Jurídicas pela Universidade Autônoma de Lisboa.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo elaborado para o Seminário em Direito Civil, do Mestrado em Ciências Jurídicas da Universidade Autônoma de Lisboa.

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