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Contribuições sociais à Seguridade Social:

natureza jurídica e regime jurídico aplicável

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06/04/2004 às 00:00
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VI – CONCLUSÃO

VI.1. Natureza Jurídica das contribuições sociais à seguridade social

A teoria quinqüipartida, de uma forma geral, claro que auxiliada pelas demais, é a que melhor explicita a natureza jurídica das contribuições sociais à seguridade social.

Estas possuem natureza jurídica tributária, tendo em vista que se adequam ao conceito de tributo atualizado e exposto inicialmente, em decorrência de uma interpretação sistemática e teleológica, além de respeitante da hierarquia constitucional e das regras gerais do pensamento (lógica). Além do mais, adequam-se a considerações jurisprudencial e taxonômica, e à estrutura lógica da norma jurídica tributária trazida por Spagnol.

Quanto à interpretação sistemática e respeitante da hierarquia constitucional, esta é fornecida quando se acompanha a remissão do artigo 146, III, "a", da Constituição Federal de 1988 ao Código Tributário Nacional, o qual fornece o conceito de tributo em seu artigo 3º, e se constata, subsumidas aquele conceito, construído em conexão com a realidade vigente, as contribuições sociais previstas no art. 149, caput. e parágrafo único, da CF/88 (Título VI - DA TRIBUTAÇÃO E DO ORÇAMENTO), além dos tributos previstos no artigo 5º do CTN.

Quanto à interpretação teleológica, as contribuições sociais surgiram, ao longo da história, como exações impositivas estatais para servir de instrumento de atuação do Estado Social na efetivação dos direitos fundamentais sociais, a serem arrecadadas por entidades paraestatais que fazem às vezes do Poder Público nesta atuação.

A sua colocação no conceito de tributo também respeita às regras gerais do pensamento (lógica) mostradas inicialmente (classificação dos termos ou elementos constituintes das proposições em gênero e espécie; respeito das proposições aos princípios racionais da identidade, da não – contradição, do terceiro excluído, e, por fim, da causalidade; as proposições científicas devem procurar ser universais e necessárias; silogismo científico).

Quanto à taxonomia, a própria Constituição Federal Brasileira de 1988, que prevê um Estado Democrático de Direito, conciliador e realizador de ideais liberais e sociais, autoriza a instituição destas contribuições sociais no seu Título VI - DA TRIBUTAÇÃO E DO ORÇAMENTO, e exige a destinação da sua arrecadação à efetivação dos direitos sociais. Por sua vez, a jurisprudência do STF as considera de natureza tributária [51].

Por fim, é comprovada a sua natureza jurídica tributária a partir da adequação das contribuições sociais aos aspectos componentes da estrutura lógica da norma jurídica tributária, semântica (conteúdo; significação) e sintaticamente (elementos de conexão – Hipótese e Conseqüente), e a partir do regime jurídico previsto no direito positivo, aplicável às ditas contribuições, que as remete às normas gerais de direito tributário (CTN), além de princípios e regras jurídicas tributárias presentes na CF/88, sem prejuízo de outras garantias tributárias aos contribuintes (artigos 146, III; 150, I e III; e 195, §6º).

Quanto à determinação da espécie a que pertencem os tributos, deve-se adotar, hoje, como critérios jurídicos identificadores: o fato gerador, a base de cálculo e a destinação legal específica do produto do tributo. Isto decorre das mesmas considerações e premissas aplicadas à adequação das contribuições sociais à natureza tributária.

O critério da destinação legal específica do produto da arrecadação do tributo significa que se a norma jurídico-tributária instituidora de tributo contiver um fim específico, autorizado e exigido pela CF/88, ao qual se destinará o produto de sua arrecadação, é este fim que determinará a espécie tributária, não podendo lei ordinária prever uma destinação diversa àquele, visto não ser autorizada constitucionalmente.

Este critério acima é decorrente de uma interpretação sistemática do direito positivo, pois está expresso na Constituição Federal de 1988 às contribuições sociais (149, caput.), o que, portanto, demonstra que o mesmo é jurídico e é útil à ciência do direito na determinação do tributo ser contribuição social ou não. É de se observar também que o artigo 217, caput e incisos, do CTN reconhece tal critério ao dizer que as disposições previstas neste código não excluem as contribuições que estabelece, além de outras a serem criadas para fins sociais.

Por outro prisma, atende tal critério a uma interpretação teleológica, visto que surge, ao longo da história, para promover a efetivação das demandas sociais dentro do Estado Democrático de Direito. É um critério também que busca dar segurança aos contribuintes, visto que prevê expressamente a destinação da arrecadação tributária. A adoção deste novo critério exige que se tenha uma nova visão do tributo, que, atualmente, não poderá estar desvinculado dos fins legais para os quais está autorizado a ser criado. É um instrumento de financiamento das funções constitucionalmente reservadas ao Estado, onde sua exigência ocorre pela realização do fato gerador, porém sua justificativa está na obediência e efetivação daquelas funções.

Quanto à hierarquia constitucional, estando a destinação específica da arrecadação juridicizada na Constituição Federal 1988 (art. 149), o artigo 4º do CTN não pode se sobrepor a esta por ser hierarquicamente inferior.

Com relação às regras lógicas do pensamento mostradas inicialmente, percebe-se que este critério atende àquelas, pois é útil para explicar e definir de forma unívoca, sem contradições, o regime jurídico aplicável às contribuições especiais (sociais), pois a teoria do fato gerador não se compatibiliza com as características de tais tributos, trazendo dubiedades a tais figuras contribuições que são imposto e taxa ao mesmo tempo, dependendo de quem seja o contribuinte; dois impostos com o mesmo fato gerador e base de cálculo; e impostos destinados a fundo, despesa ou órgão, o que não está autorizado pelo artigo 167, IV, da CF/88. O regime jurídico de determinada entidade jurídica deve captar exatamente a natureza jurídica desta, sob pena de não lhe poder ser aplicado, por lhe ser incompatível, e de por em risco toda a racionalidade que deve existir no sistema jurídico.

Quanto à estrutura lógica da norma jurídica tributária, percebe-se que os critérios do fato gerador e da base de cálculo não servem sozinhos para analisar e caracterizar todas as espécies tributárias, pois, além do fato gerador presente na hipótese de incidência, no conseqüente (mandamento), a par do dever de observar a base de cálculo, deve-se detectar se há a presença ou não de destinação legal específica, autorizada pela CF/88, do produto da arrecadação do tributo. Daí se partirá para o regime jurídico de cada uma das espécies tributárias. Se a norma instituidora de um tributo possuir como fim específico do produto da sua arrecadação o financiamento da seguridade social, fim autorizado pela CF/88, então se estará diante de uma contribuição social para a seguridade social. Caso contrário, se não houver na norma instituidora de um tributo um fim específico do produto de sua arrecadação, estar-se-á diante de qualquer outro tributo. Portanto, percebe-se que este critério é perfeitamente admitido pela estrutura lógica da norma jurídica tributária, e é útil para diferenciar a natureza específica tributária das contribuições sociais, além de justificar o seu regime jurídico próprio.

Por fim, é de se constatar que o STF as considera como espécie autônoma de tributo [52], e que as contribuições sociais, taxonomicamente, estão dentro da sistemática tributária brasileira, porém de forma apartada dos demais tributos (art. 149, caput., da CF/88; art. 217, caput. e incisos, do CTN).

VI.2. Regime Jurídico aplicável às contribuições à seguridade social

Tendo em vista o exposto, é conseqüência lógica a determinação do regime jurídico das contribuições sociais à seguridade social. Como foi dito, coube ao Estado Democrático de Direito a conciliação dos princípios da justiça social (Estado Social) e da segurança jurídica (Estado Liberal), fundamentais no regime jurídico daquelas. O princípio da segurança jurídica deve ser entendido, no âmbito das contribuições, correlacionada aos princípios da legalidade, da irretroatividade, da anterioridade e da destinação legal da arrecadação. A consideração do princípio da justiça, que informa a exigibilidade das contribuições sociais, está atrelada à exclusão social, à capacidade contributiva e à igualdade dos contribuintes, à progressividade do tributo e à solidariedade do grupo [53].

Frise-se que estes princípios, no entanto, não esgotam a matéria, visto existirem outras garantias tributárias, conforme artigo 150, caput, da CF/88. O rol aqui demonstrado é exemplificativo.

VI.2.1. Princípio da Legalidade

O princípio da legalidade tributária engloba os poderes estatais específicos de legislar sobre tributo, ou melhor, de instituí-lo ou alterá-lo (art. 150, I, CF/88). Para criar ou modificar tributos, há a necessidade de lei formal válida a ser formulada pelo Poder Legislativo ou, em algumas situações, pelo Poder Executivo. A lei atribui a arrecadação ao Poder Executivo ou a quem suas vezes fizer e estiver, por lei, autorizado para tanto.

Assim, as contribuições sociais à seguridade social somente podem ser instituídas ou modificadas pelo Poder Legislativo da União, mediante lei ordinária ou complementar, e, em algumas situações, pelo Poder Executivo, por não impedimento constitucional, através de medidas provisórias, conforme será visto.

VI.2.2. Normas Gerais de Direito Tributário

O artigo 146, III, e alíneas, traz a competência de Lei Complementar para estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, o que, aplicando-se às contribuições, por mandamento constitucional do artigo 149, significa que deverão ser instituídas e reguladas segundo estas normas gerais [54].

A alínea "a" traz que Lei Complementar definirá tributos e suas espécies, além dos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes dos impostos previstos na CF/88. Às contribuições somente se aplica esta alínea quando da remissão à definição de tributo, a qual se encaixam estas, visto que o CTN é insuficiente para determiná-las como espécie de tributo. Quanto à definição de fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes, não se aplicará o CTN, porque a própria CF/88 realiza tal tarefa no artigo 195 e atribui a outra lei complementar a definição daqueles no tocante a competência residual.

A competência ordinária de instituição de contribuições à seguridade social está limitada aos fatos geradores trazidos pelo artigo 195, I, da CF/88 (folha de salários, faturamento, lucro e concurso de prognósticos), além das normas gerais trazidas em lei complementar (CTN) referentes à obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência da relação jurídica tributária, e ao adequado tratamento ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas (art. 146, alíneas "b" e "c").

No entanto, as contribuições sociais à seguridade social podem ser instituídas por competência residual (art. 195, § 4º, da CF/88), às quais terão por limitações as alíneas "b" e "c" do artigo 146 (normas gerais tributárias) já referidas, e o artigo 154, I, da CF/88, que deve ser aplicado às contribuições de forma cautelosa, pois este é direcionado aos impostos, vedando a cumulatividade, ou seja, é proibida a incidência de tal tributo em efeito cascata (sobre circulação ou consumo) e não podem possuir o mesmo fato gerador ou base de cálculo já discriminados na CF/88 a outra contribuição (art. 195, I), sob pena de bitributação.

VI.2.3. Princípios da Anterioridade e da Irretroatividade

Aplicam-se às contribuições sociais à seguridade social, os princípios da anterioridade e da irretroatividade [55], sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, (art. 150, III, CF/88).

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O princípio da irretroatividade veda a cobrança das contribuições sociais em relação a fatos geradores ocorridos antes do início de vigência da lei que as instituiu, aumentou ou modificou.

Já o princípio da anterioridade das contribuições sociais significa que a lei que as instituiu, aumentou ou modificou não poderá ser exigida no mesmo exercício financeiro de elaboração daquela. Porém, as contribuições sociais à seguridade social são exceção, pois podem ser exigidas em noventa dias após a lei que as instituiu, aumentou ou modificou (art. 195, §6º, CF/88).

VI.2.4. Destinação Legal

Significa que a lei que instituir um tributo (contribuição social) deve conter o fim específico (seguridade social), tutelado pela CF/88, ao qual se destina o produto de sua arrecadação, para ser válido. É nessa situação que a destinação da arrecadação do tributo tem importância ao direito tributário na caracterização da espécie tributária. Situação diferente é a exigência da aplicação do produto da arrecadação de um tributo que foi instituído validamente, ou seja, que foi instituído por lei que previu um fim específico tutelado pela CF/88 [56].

No caso de um tributo ser criado por lei que previu um fim específico não autorizado pela CF/88, a exigência tributária, ou seja, o tributo é inválido ou inconstitucional e o contribuinte tem direito a restituição do valor que prestou. Já no caso de um tributo ser criado por lei que previu um fim específico autorizado pela CF/88 e a administração pública não destinou os recursos advindos daquele ao fim específico estipulado na lei, o contribuinte não tem direito à restituição do valor que prestou, porém tem direito de anular o ato administrativo e reconduzir os recursos desviados ao fim previsto em lei válida ou constitucional. Tal anulação dar-se-á por meio de Ação Popular (Lei 4.717/65), que é o meio previsto, no Ordenamento Jurídico Brasileiro, para anular o desvio de finalidade realizado por ato administrativo lesivo ao patrimônio público ou à moralidade pública (ilícito administrativo) [57].

VI.2.5. Princípios da Capacidade Contributiva, da Igualdade, da Progressividade e do Não-Confisco

O princípio da capacidade contributiva se aplica às contribuições sociais, como a qualquer outro tributo, pois a capacidade contributiva é o que legitima qualquer exação, ou seja, um tributo somente estará legitimado a incidir sobre um signo que demonstre que uma pessoa tem capacidade de contribuir, incluindo as contribuições sociais à seguridade social.

O princípio da capacidade contributiva estar intimamente entrelaçado com o princípio da igualdade tributária, pois é a capacidade contributiva que estabelecerá a desigualdade entre desiguais e a igualdade entre iguais, ou seja, é através dela que se distinguirá as pessoas que tem capacidade de contribuir, separando-as das que não tem ou das que tem menos.

O princípio da progressividade também anda junto com o princípio da capacidade contributiva, pois é este que graduará o quantum de tributo a ser distribuído, onde quem tem mais capacidade contribui mais e quem tem menos contribui menos. Entretanto, é de se notar que, no caso das contribuições sociais patronais, a progressividade não utilizará a capacidade contributiva para distribuir a carga tributária, mas sim a atividade econômica desenvolvida ou a intensidade de mão-de-obra utilizada pela classe patronal (art. 195, §9º, CF/88).

Por fim, temos o princípio tributário do não-confisco, inseparável do princípio da progressividade, que visa garantir que as exações tributárias não confisquem, ou seja, que não impeçam a função social da propriedade privada, com o fito de fazer com que a mesma se efetive.

VI.2.6. Validação Finalística e o Princípio da Proporcionalidade

Significa que a validade de um tributo se justifica em função da finalidade ou do objetivo que visa. A CF/88 prever tal modelo às contribuições sociais [58].

As contribuições sociais à seguridade social devem ser instituídas para o fim de custear as despesas com a seguridade social, e somente são válidas caso se destinem para tal fim. Porém, isto não quer dizer que qualquer norma possa ser instituída visando aquele fim constitucionalizado. Este poder estatal de instituição de contribuições tem limites, e estes são as compatibilidades formais e funcionais da lei instituidora de contribuições e a CF/88.

A compatibilidade formal está relacionada ao processo produtivo da lei e à competência legislativa de determinada entidade política sobre determinada matéria. A compatibilidade funcional relaciona-se a saber se determinada lei se justifica perante determinado fim. Para aferir isto, tem-se que partir ao princípio da proporcionalidade previsto no Ordenamento Jurídico Brasileiro [59].

Existem critérios, decorrentes do princípio acima, para se apurar se há ou não compatibilidade, com a ordem jurídica, dos meios e formas utilizados para concretização de quaisquer atos que visem fins específicos. Primeiramente, deve-se aferir se há necessidade de que algum ato seja praticado para se alcançar determinado fim. Por segundo, deve-se aferir se o ato é, ao menos em tese, útil para atender o fim pretendido, e se este ato respeita e adequa-se aos valores consagrados pelo ordenamento jurídico. Por fim, com o fito de evitar atos de conteúdo excessivo e considerando que nenhuma norma constitucional contempla direitos de natureza absoluta, tendo em vista o interesse público, deve-se apurar quais as formas possíveis de realização do ato, devendo ser adotada a que contrarie um mínimo possível outros valores assegurados pela ordem jurídica.

VI.2.7 Princípios do Custo/Benefício e da Solidariedade

O princípio do custo/benefício somente é visto quando há uma contraprestação do Estado perante o contribuinte, encontrada somente no que concerne ao âmbito previdenciário.

Já o princípio da solidariedade é aquele que fundamenta a exigência da contribuição em decorrência do indivíduo pertencer a um determinado grupo que terá os seus direitos sociais atendidos pelo Estado com a receita da referida contribuição. Um grupo social, exatamente por pertencer a este, deve prover as despesas da proteção estatal relativa ao mesmo.

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Sobre o autor
Wanderson Lima Barros

bacharelando em Direito pela Universidade Federal de Alagoas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Wanderson Lima. Contribuições sociais à Seguridade Social:: natureza jurídica e regime jurídico aplicável. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 273, 6 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5052. Acesso em: 7 nov. 2024.

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