A crítica da modernidade em Alasdair Macintyre.

Uma análise da obra After Virtue

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13/07/2016 às 23:29
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MacIntyre: “After Virtue”. Nesse sentido nossa pesquisa procurou mapear o diagnóstico macintyreano da modernidade, desde suas críticas à moralidade, como também às ficções da utilidade, imparcialidade, direitos humanos, dentre outros.

INTRODUÇÃO 

Alasdair MacIntyre ganhou notoriedade no nosso tempo devido a sua grande releitura da ética aristotélica, na qual tenta combater os modelos éticos contemporâneos, que se baseiam no modelo emotivista. Revela em sua obra “After Virtue” que o conhecimento da sociedade moderna está fragmentado, ou seja, constituído de fragmentos de moralidades passadas. E que a origem desse problema moral e teórico reside em termos herdados da cultura iluminista.

A presente pesquisa tem como base a análise da obra magna de MacIntyre: “After Virtue”. Nesse sentido nossa pesquisa procurou mapear o diagnóstico macintyreano da modernidade, desde suas críticas à moralidade, como também às ficções da utilidade, imparcialidade, direitos humanos, dentre outros. Também procuramos analisar até que ponto MacIntyre propõe ou não uma alternativa ao que ele entende ser a crise da modernidade, esboçada na obra “After Virtue”.

 Fragmentação uma ideia inquietante

Alasdair MacIntyre é um filósofo nascido em Glasglow, na Escócia, é um dos autores que tem escrito de uma forma mais concisa sobre a ética normativa das virtudes. Conseguiu em sua obra dar continuidade a filosofia de Aristóteles e de Tomás de Aquino e simultaneamente, construir uma teoria ética inovadora. Para o filósofo escocês, a causa do fracasso da sociedade moderna está no fracasso do iluminismo, que resultou em uma sociedade fragmentada.

Tem-se na contemporaneidade, uma linguagem moral em estado de desordem, ou melhor, temos somente partes de conhecimentos que faltam contextos de onde derivaram seus significados. É essa problemática que o move na tentativa de apresentar uma saída para a crise moral. Para MacIntyre, possuímos apenas fragmentos de um esquema conceitual. Restam-nos apenas partes às quais faltam os contextos dos quais derivavam seus significados e esses fragmentos não formam mais um todo coerente, o que ocasiona a impossibilidade conceitual de formular racionalmente critérios morais objetivos. 

Temos, na verdade, simulacros da moralidade, continuamos a usar muitas das suas expressões principais. Mas perdemos – em grande parte, se não totalmente – nossa compreensão, tanto teórica, quanto prática, da moralidade ( MACINTYRE, 2001, p. 15).

MacIntyre se mostra bem pessimista quanto à sociedade moderna, pois na sua concepção o que nós pensamos sobre moralidade hoje constitui apenas restos deslocados de um esquema moral coerente e socialmente embutido em práticas existentes anteriormente. O que resultou desta fragmentação foi o surgimento inevitável do individualismo moral, ou seja, o indivíduo passou a ter autonomia moral para decidir sobre qual bem é o melhor a ser buscado, visto que não existem padrões racionais para fundamentar tal escolha.

Características da modernidade fragmentada

Segundo MacIntyre, a característica marcante da linguagem é ser utilizada para expressar argumentos que divergem uns dos outros, que cada uma ao discordar não consegue chegar a um fim, um acordo. Essas discordâncias e esses debates estão elencados em três tipos. Primeiro, as argumentações rivais são válidas, mas não temos meios racionais de equilibrar as afirmações com a outra, pois cada uma emprega um conceito diferente. E dessa forma não consegue decidir dentre as afirmações e a discussão moral parece ser interminável, pelo choque de pensamentos.

De nossas conclusões rivais podemos argumentar de volta até nossas premissas opostas; mas quando chegamos a nossas premissas a discussão para e a invocação de uma premissa contra outra se torna questão de pura afirmação e contra afirmação. Donde, talvez, o tom tanto estridente de tantos debates morais (MACINTYRE, 2001, p.25).

A segunda característica se apresenta em argumentações racionais impessoais, os argumentos emergem na esfera pública como se fossem neutros, imparciais. As pessoas argumentam sobre diversos temas, como pena de morte, aborto e guerra e tentam passar uma ideia neutra, que de fato não é. Essa característica do discurso e da argumentação moral, quando combinada a primeira, tornam se paradoxal, pois a discussão rapidamente cairia em desacordo, por choques de vontades.

A terceira característica seria que em meio à uma mistura desarmônica de fragmentos mal organizados, tem-se conceitos que tiveram origem em totalidades maiores de teoria e prática, nas quais ocupavam um papel e função fornecidos por contextos dos quais foram agora privados. Tais conceitos tiveram origens históricas diferentes, origens sócio-políticas diferentes.

É justamente nesse ambiente que MacIntyre acusa de emergir o teoria altamente forte nos dias atuais, a saber: o Emotivismo. Na concepção emotivista empregamos os juízos morais não só para expressar nossos sentimentos, mais para produzir efeitos em outras pessoas. O Emotivismo é uma teoria meta-ética que investiga o comportamento da linguagem moral, comentando o uso dos termos morais em oposição à ética normativa. Apresenta-se com uma teoria não cognitiva, argumentando não ser possível ter crenças morais objetivas.

Segundo o emotivismo, as afirmações que expressam crenças que tentam representar o mundo, por conta disso, são avaliadas no contexto de verdade ou falsidade, enquanto que as afirmações morais tem por base a expressão de emoções que não tem o objetivo de representar o mundo, e por isso não são analisadas em termo de seu conteúdo de verdade. No emotivismo, a linguagem moral não é uma linguagem de afirmação de fatos. Evidencia a ligação entre os juízos morais e as atitudes não cognitivas do agente conseguindo dar uma explicação entre a motivação para a ação e o juízo moral.

  Contudo, de acordo com o filósofo escocês, a teoria emotivista fracassa por três razões: A primeira é por tentar acabar com uma série de significados de determinada classe de enunciados, no exemplo citado pelo autor, “Os juízos morais expressam sentimentos ou atitudes”. O emotivismo ético está diretamente relacionado a esse contexto da filosofia moral contemporânea, principalmente se levarmos em consideração o fato de que a moralidade contemporânea está permeada pela racionalidade instrumental, até então própria das ciências. E na fragmentação da modernidade ninguém chega a um acordo, logo leva a um relativismo.

O terceiro defeito, que por ser considerada acerca do significado dos enunciados. O emotivismo como uma falsa teoria do significado, estar conectada com o declínio moral, na qual nossa cultura ingressou esse século.

   Emotivismo refletido nas práticas sociais

A chave para o conteúdo social do emotivismo é a destruição de qualquer distinção entre relações sociais manipuladoras e não manipuladoras.  E relações que tratam o próximo com um meio para atingir um fim e aquela que trata cada um como um meio que procura transformar alguém instrumento de uma finalidade. Contudo,

se o emotivismo for verdadeiro, essa distinção será ilusória, pois as elocuções valorativas podem, afinal, não ter razão de ser ou uso além da expressão dos meus próprios sentimentos ou atitudes e a transformação dos sentimentos e atitudes de outras pessoas (MACINTYRE, 2001, p. 52).

Para compreender as relações sociais manipuladoras e não manipuladoras que o emotivismo apresenta é interessante observar o exemplo proporcionado pela vida das organizações burocráticas, privadas ou órgão do governo. A racionalidade burocrática é a racionalidade que combina meio e fins de maneira econômica e eficaz. Nesse contexto, Weber torna-se um referencial importante, na medida em que identifica nas organizações o sentido de racionalização que perpassa a sociedade moderna, caracterizada pela crescente ênfase no conhecimento técnico-científico, nas estruturas formais de autoridade, na crescente profissionalização, na ênfase no mérito como forma de ascensão social e legitimação da autoridade, na impessoalização, dentre outras.

Estas e outras características do processo de modernização, identificadas por Weber como "racionalização", dizem respeito ao que ele também chamou de desmistificação da realidade. Esta desmistificação significa que a compreensão e atuação no âmbito econômico e social passam gradativamente da esfera dos mitos, dos dogmas, dos heróis e das inspirações divinas, para a esfera da razão, da ciência, da tecnologia e da competência técnica, o uso da razão pode levar o gestor a tomar decisões que favoreçam somente a organização, sem se preocupar com as consequências que estas ações possam causar para o resto da comunidade. Da mesma forma, a estrutura institucional passa da esfera da centralização autocrática divinizada para a esfera da regulamentação legal racionalizada. Estas características ascendentes da sociedade moderna são identificadas por Weber nas organizações, sob a denominação de burocratização.

 Outro exemplo do quanto a racionalidade instrumental está incorporada no mundo contemporâneo, é justamente a comparação feita por MacIntyre dos estetas ricos, retratados nas obras “O sobrinho de Ramou” de Diderot e “Retrato de uma senhora” de Henry James que na possibilidade de saírem do ócio instrumentalizam as pessoas para a própria satisfação.

A preocupação unificadora dessa tradição é a condição daqueles que não veem no mundo social nada além de um ponto de encontro para os desejos individuais, cada um com seu próprio conjunto de atitudes e preferencias, e que só entendem esse mundo como uma arena para a realização da própria satisfação, que interpretam a realidade como uma serie de oportunidades para seu próprio prazer e para quem o pior inimigo é o tédio (MACINTYRE, 2001, p.54).

 E no comportamento dos estetas pode-se observar o fim entre as relações sociais manipuladoras e não manipuladoras intrínsecas no emotivismo. No caso das organizações, por causa dos recursos escassos, seus gerentes tem a obrigação de tornar disponíveis tanto financeiro quanto material humano, da maneira mais eficiente para atingir seus fins. Essa ideia deve-se a Max Weber. MacIntyre reconhece em Weber no sentido mais amplo, que a autoridade burocrática é um retrato emotivista.

A consequência do emotivismo weberiano é que, em seu pensamento, a diferença entre poder e autoridade, embora bajulada, é de fato eliminada como um caso especial do desaparecimento da diferença entre relação manipuladoras e não manipuladoras. Weber é claro, que acreditava estar distinguindo o poder de autoridade, precisamente porque a autoridade serve a fins, a convicções  (MACINTYRE, 2001, p. 56).

Tal crise na racionalidade moderna tem como gênese o fracasso do projeto do Iluminismo. O projeto iluminista é caracterizado pela preocupação em dar à moralidade uma justificação racional, livre de influências teológicas e independentes das tradições. Nesse contexto, MacIntyre faz um retrocesso de Kierkegaard a Kant, argumentando que não é difícil reconhecer na tese de Kierkegaard acerca do modo de vida estético a versão de um gênio literário da explicação kantiana. Duas teses enganosamente simples são fundamentais à filosofia moral de Kant. Se as normas moralidade são racionais, são iguais para todos os seres racionais, são normas obrigatórias, então a capacidade desses seres a obedecê-la deve ser irrelevante, o importante é a sua vontade de obedecê-las. Kant rejeita a opinião que o exame de uma máxima proposta seja questionar se a obediência levaria a felicidade de um ser racional. No entanto, acredita que as expressões genuínas da lei moral elas não se impõe hipoteticamente, apenas se impõe.

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Kierkegaard e Kant concordam em seu conceito de moralidade. Kierkegaard herda esse conceito juntamente com o entendimento de que o projeto de oferecer uma justificativa racional da moralidade fracassou. Diderot e Hume compartilharam de forma ampla da ideia que Kierkegaard e Kant tem acerca da moralidade. Diderot e Hume declaram que a natureza humana essencial se revela nas paixões, e não na razão, mas que ao julgar moralmente, evocamos regras gerais e pretendem explica-las demonstrando sua utilidade para nos ajudar a alcançar os fins que as paixões colocaram diante de nós. 

Os argumentos de Kierkegaard, Kant, Diderot, Hume e de outros fracassaram por ter certas características em comum originadas de suas circunstancias históricas bem específicas em comum, onde já estavam fadados ao fracasso desde o início. Ao mesmo tempo em que concordam quanto ao caráter da moralidade, também concordam quanto ao que teria de ser a justificativa racional da mesma. Para Hume e Diderot o que importa da natureza humana são características das paixões. Para Kant, é caráter universal e categórico de certas normas da razão. Já Kierkegaard não tenta mais justificar a moralidade, mas sim, fundamenta a moralidade em decisões fundamentais. Devido a essas discordâncias, de entre seu conceito comum de normas e preceitos morais, por um lado, e o que tinham em comum, apesar das divergências, no conceito sobre a natureza humana, assim todos os argumentos desses escritores tendiam ao declínio.

Se levarmos em conta o preceito moral ancestral, um esquema moral do século XII na Idade média ter-se-á as seguintes características: elementos tanto clássicos quanto teístas, ou seja, dentro deste esquema teleológico há uma diferença fundamental, entre o “homem como ele é” entre o “homem como ele deveria ser se realizasse sua natureza essencial”. Nesse sentido, a ética procura dar explicação de potencia e ato, da essência humana como animal racional levando em consideração o telos humano. Esses preceitos ensinam a passar de potencia a ato, para ajudar a descobrir nossa natureza e alcançar um fim, e se desobedecê-lo tornar-se-á frustrado e incompleto. A razão nos mostra como devemos agir para atingir o fim. A rejeição das teologias católicas e protestante e rejeição filosófica e científica aristotélica eliminaram a noção de como o homem poderia ser se utilizasse seu telos.

MacIntyre afirma que os filósofos morais do século XVII empenharam-se em um projeto fracassado, herdaram fragmentos inconsistentes de esquema de pensamentos e ações que foram coerentes um dia, sendo incompatíveis com a suas realidades históricas e culturais. Esses argumentos mudaram de juízos morais.  Dentro da tese aristotélica se “x” é bom, pode-se afirmar que é tipo de “x” que alguém escolheria se quisesse x para o fim que normalmente se quer “x”. O uso de bom para objeto, pessoa ou ato é apropriado para dizer o que seria bom ou ruim, e falar que tal ato é certo é o mesmo que dizer que seria o que um homem bom faria na suposta situação. Mas, quando as ideias de finalidades humanas essenciais desaparecem da moralidade, chega a ser impossível tratar os juízos morais como declarações fatuais.

Kant não trata os juízos morais como expressões da lei universal, mas como imperativos em si, e estes não tem valores de verdade ou falsidade. Essas regras morais que foram herdadas necessitam de um novo status, pois estas estão privadas de seu antigo caráter teleológico e de seu antigo caráter categórico como expressões de leis divina. Mas na tentativa de dar um novo status à normas morais emergiu o projeto utilitarista. O utilitarismo vem vinculado historicamente ao projeto do séc. XVIII de justificar a moralidade até chegar ao declínio para o emotivismo do século XX. Contudo, o fracasso filosófico do utilitarismo e suas consequências no pensamento e na teoria seria apenas uma parte na historia, pois surgiu de uma série de encarnações sociais. O utilitarismo foi mais bem sucedido no século XIX, a partir de então o intuicionismo seguido do emotivismo foram predominantes na filosofia inglesa

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Sobre a autora
Jamile Cavalcanti

Acadêmica de Direito

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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