Dano moral no Direito do Consumidor

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Trata do dano moral e suas peculiaridades, bem como a sua aplicação no Direito do Consumidor.

1. Conceito de dano moral

O conceito de dano moral está intimamente ligado à defesa dos direitos extrapatrimoniais, os quais abrangem os direitos da personalidade, dentre eles o direito à vida, liberdade, honra, sigilo, intimidade e a imagem. Sob fundamento dessa proteção está o princípio da dignidade humana, garantia constitucional que busca fortalecer os valores morais das relações jurídicas.

Nos ensinamentos de Sérgio Cavalieri Filho[1], foi a consagração da dignidade humana na Constituição Federal que deu ao dano moral uma nova feição e maior dimensão. Segundo o mesmo autor, o dano moral nada mais é do que a violação do direito à dignidade[2].

Em seu artigo 5º, incisos V e X, a Carta Magna consolidou e tornou inquestionável a reparação por danos morais, assegurando a indenização decorrente de agravo ou de violação à intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, sem prejuízo da indenização por dano material. Seguindo a mesma concepção, o Código Civil de 2002 também dispôs sobre o dano moral em seu artigo 86, combinado com o artigo 925, que estabeleceram a obrigação de reparar violação a direito que causasse dano, incluindo o de natureza exclusivamente moral, bem como expandiu tal proteção às pessoas jurídicas.

O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, editou as Súmulas 37 e 227, que tratam da cumulação de danos morais e materiais e da possibilidade da pessoa jurídica sofrer danos morais, respectivamente. Na mesma perspectiva, são os diversos entendimentos jurisprudenciais que reconhecem o direito à indenização por dano moral, como no exemplo:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO DE DANOS MORAIS. RECUSA INDEVIDA À COBERTURA DE TRATAMENTO DE SAÚDE. DANO MORAL. FIXAÇÃO. 1. A recusa, pela operadora de plano de saúde, em autorizar tratamento a que esteja legal ou contratualmente obrigada, implica dano moral ao conveniado, na medida em que agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito daquele que necessita dos cuidados médicos. Precedentes. 2. A desnecessidade de revolvimento do acervo fático-probatório dos autos viabiliza a aplicação do direito à espécie, nos termos do art. 257 do RISTJ, com a fixação da indenização a título de danos morais que, a partir de uma média aproximada dos valores arbitrados em precedentes recentes, fica estabelecida em R$12.000,00, cuja atualização retroagirá à data lançada na sentença. 3. Recurso especial provido.

(STJ - REsp: 1391661 MG 2013/0202608-5, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 03/12/2013, terceira turma, Data de Publicação: DJe 13/12/2013)

Isto posto, o dano moral pode ser definido como uma afronta aos valores morais e intrínsecos, provocando um abalo emocional à vítima. Quanto à pessoa jurídica, Gonçalves[3] explica:

Malgrado não tenha direito à reparação do dano moral subjetivo, por não possuir capacidade afetiva, poderá sofrer dano moral objetivo, por ter atributos sujeitos à valoração extrapatrimonial da sociedade, como o conceito e bom nome, o crédito, a probidade comercial, a boa reputação etc.

A partir desses aspectos, os professores Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona[4] afirmam que “o dano moral consiste na lesão de direitos cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro.” Yussef Said[5], por sua vez, ensina que é “a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranquilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos.”

Igualmente importante é a diferenciação entre dano patrimonial e dano moral, apesar de ambos estarem intimamente ligados. Ao contrário do dano moral, o dano patrimonial é referente a perda de bens materiais, afetando o patrimônio da vítima, o que permite uma avaliação pecuniária. Essa perda pode ser configurada em danos emergentes que são os prejuízos efetivos ou lucros cessantes que correspondem ao que a vítima deixou de ganhar pelo dano causado.

Já o dano moral, como será visto adiante, não pode ser avaliado economicamente de forma objetiva, cabendo ao julgador a avaliação de cada caso a partir de parâmetros que devem ser definidos. Isso porque a ofensa nesse caso não é ao patrimônio material do lesado mas à sua personalidade e aos seus valores morais.

2. Prova do dano moral

Diferente do dano patrimonial, não se pode exigir que o dano moral seja provado por meios probatórios tradicionais, como documentos ou testemunhas. Isso porque a consequência de uma ofensa a um direito de personalidade é algo intangível, tendo em vista que se trata de sentimentos da vítima.

Por isso, a dificuldade em se provar o dano moral não pode ser empecilho para a reparação do agravo sofrido. Sendo assim, nesses casos, o que deve ser provado não é se efetivamente ocorreu o dano, mas sim se ocorreu o fato capaz de provocá-lo, como explica Adolpho Paiva[6]:

Dessa forma, em matéria de prova de dano moral se há de entender que ou ele não requer a sua demonstração por que só com a existência do fato ilícito já está demonstrada sua existência, falando-se então que o dano moral se prova por si mesmo ou in re ipsa ou então que o dano moral deve ser provado por meio das presunções judiciais ou hominis, mediante um raciocínio lógico, de acordo com as regras da experiência e dos critérios da normalidade.

No caso do dano in re ipsa, não é imperativo que se apresente provas para demonstrar o abalo gerado pela ofensa moral. Na mesma linha de pensamento, conclui Gonçalves[7]:

Não precisa a mãe comprovar que sentiu a morte do filho; ou o agravado em sua honra demonstrar em juízo que sentiu a lesão; ou o autor provar que ficou vexado com a não inserção de seu nome no uso público da obra, e assim por diante.

Depreende-se, portanto, que o dano moral é presumido a partir do fato que o gerou. Logo, não cabe ao autor da pretensão indenizatória a prova do dano, mas somente a prova do evento lesivo à sua moral.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica nessa direção:

PROCESSO CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - AGRAVO REGIMENTAL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANOS MORAIS - INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO - COMPROVAÇÃO DO DANO MORAL - DESNECESSIDADE - DESPROVIMENTO. 1 - Conforme entendimento firmado nesta Corte, "não há falar em prova de dano moral, mas, sim, na prova do fato que gerou a dor, o sofrimento, sentimentos íntimos que o ensejam", para gerar o dever de indenizar. Precedentes (REsp nºs 261.028/RJ, 294.561/RJ, 661.960/PB e 702.872/MS). 2 - Agravo Regimental desprovido.[8] (grifo meu)

No entanto, esse não é um caráter absoluto do dano moral. A prova do dano só será dispensada em determinadas situações em que o próprio fato, pela sua dimensão, já configura o dano. Na prática, quem define tais hipóteses é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que tem reconhecido o dano moral presumido em diversos casos relacionados ao direito do consumidor.

3. Dano moral nas relações de consumo

Assim como a Constituição Federal e o Código Civil, o Código de Defesa do Consumidor estabeleceu “a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”[9], visando a plena proteção do consumidor contra as lesões originárias das relações de consumo. Para isso, a legislação consumerista atribuiu a responsabilidade objetiva do fornecedor pelos danos causados por produtos ou serviços inseridos no mercado.

Essa responsabilidade pode ser tanto pelo vício do produto ou serviço quanto pelo fato do produto ou serviço. Estes últimos, referentes aos acidentes de consumo são os mais comuns na configuração do dano moral. De qualquer forma, o fornecedor será responsável por todo abalo moral indenizável decorrente da relação de consumo.

A efetiva reparação constitui o princípio da reparação integral que consiste na reparação de todos os prejuízos sofridos pelo consumidor, buscando o seu ressarcimento ou compensação. Assim, a indenização deve abranger efetivamente todos os danos causados, sejam eles patrimoniais ou extrapatrimoniais, possuindo a natureza de um direito básico do consumidor.

Uma situação muito comum e recorrente nas demandas judiciais consumeristas e que enseja a indenização por danos morais é a inscrição indevida em órgãos de proteção ao crédito ou protestos de títulos em cartório. Tais informações são utilizadas principalmente pelas instituições financeiras para análise de concessão de crédito, tendo como consequência certas restrições para aquele consumidor que passa a ser considerado mau pagador.

Diante dos inúmeros efeitos negativos que essas restrições podem causar, é necessário que alguns procedimentos cautelosos sejam realizados com o fim de proteger o consumidor de eventuais danos.

Destarte, o §2º do art. 42 do CDC, bem como a súmula 359 do Superior Tribunal de Justiça apontam que o consumidor deve ser comunicado por escrito acerca de qualquer abertura de cadastro em seu nome. Esse preceito tem o intuito de conceder o tempo necessário para que se possa evitar uma inscrição indevida, sob pena da responsabilização pelos danos. E ainda que ocorra a comunicação, se efetivamente ocorrer a inscrição por dívidas já quitadas ou débitos inexistentes, será cabível a reparação integral dos eventuais danos materiais e dos morais causados ao consumidor, vez que configura agressão a direitos personalíssimos da pessoa, como explica Milton Oliveira[10]:

Diante da evidência dos fatos, não se pode deixar de reconhecer que a inclusão do nome de alguém em bancos de dados restritivos, independente dos fins que se pretende alcançar, agride os bens subjetivos da personalidade humana, não só ferindo direitos inatos, mas, lamentavelmente, agredindo sacros bens humanos, como a privacidade e a honra, tolhendo aquela e conspurcando esta, de forma irresponsável e despropositada.

Portanto, haja vista todos os prejuízos que o cadastro de restrição ao crédito pode causar, é incontestável que se realizado de forma irregular, o dano moral será presumido, em conformidade com entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça:

CIVIL E PROCESSUAL. RESP. AGRAVO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO DE CRÉDITO. PROVA DO PREJUÍZO. DESNECESSIDADE. CC, ART. 159. I. A indevida inscrição em cadastro de inadimplentes gera direito à indenização por dano moral, independentemente da prova objetiva do abalo à honra e à reputação sofrida pelo autor, que se permite, na hipótese, presumir, gerando direito a ressarcimento. II. Valor do ressarcimento não debatido no recurso especial, sendo impossível a inovação em sede regimental. III. Agravo desprovido.[11] (grifo meu)

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Deste modo, a reparação por danos morais nas relações de consumo tem também o objetivo de proteger o consumidor. Este, além de ser titular dos direitos da personalidade, está em desvantagem no mercado de consumo e por isso não pode estar sujeito as regras do direito comum, pois assim não teria plenas condições de pleitear os seus legítimos interesses.

3.1. Fixação do dano moral

As principais consequências do dano moral para a vítima são sentimentos como a dor, sofrimento, humilhação, tornando inviável a sua avaliação econômica por critérios objetivos. Não há como mensurar o valor de direitos subjetivos lesados, nem delimitar de forma genérica valores padrões sem a análise dos casos em concreto. É o que acentua Antunes Varela[12]:

(...)entre a solução de nenhuma indenização atribuir ao lesado, a pretexto de que o dinheiro não consegue apagar o dano, e a de se lhe conceder uma compensação, reparação ou satisfação adequada, ainda que com certa margem de discricionariedade na sua fixação, é incontestavelmente mais justa e criteriosa a segunda orientação.

Por isso, cabe ao juiz determinar o valor desse dano, pelo seu próprio convencimento, atendendo aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

A função do magistrado é, então, fixar um valor pecuniário proporcional ao dano causado, utilizando o bom senso no intuito de não promover injustiças tanto para o ofendido quanto para o ofensor. Sobre a prudência do arbítrio judicial, Venosa[13] comenta:

Sempre será portentosa e sublime a atividade do juiz na fixação dos danos imateriais, mormente porque, na maioria das vezes, os danos dessa categoria não necessitam de prova. É importante que o magistrado tenha consciência dessa importância e possua formação cultural, lastro social e preparo técnico suficiente para dar uma resposta justa à sociedade.

No entanto, não há regulamentação no sentido de estabelecer parâmetros específicos para a quantificação do dano moral, o que provoca grandes divergências entre decisões dos diversos Tribunais brasileiros. Apesar do arbitramento ser pautado na subjetividade de cada caso, é possível e necessário a fixação de critérios que auxiliem o magistrado na valoração justa do prejuízo moral sofrido pelo lesado, evitando, assim, a definição de valores ínfimos ou exorbitantes em situações semelhantes.

Ante a ausência de normas legais, a doutrina e a jurisprudência são as principais fontes utilizadas na fundamentação do quantum indenizatório do dano moral. Sobre a importância e responsabilidade do arbitramento judicial, assim como os critérios que devem ser analisados, Maria Helena Diniz[14] ensina:

Arbitramento é o exame pericial, tendo em vista determinar o valor do bem, ou da obrigação, a ele ligado, muito comum na indenização de danos. É de competência jurisdicional o estabelecimento do modo como o lesante deve reparar o dano moral, baseado em critérios subjetivos (posição social ou política do ofendido, intensidade do ânimo de ofender: culpa ou dolo) ou objetivos (situação econômica do ofensor, risco criado, gravidade e repercussão da ofensa). Na avaliação do dano moral o órgão judicante deverá estabelecer uma reparação equitativa, baseada na culpa do agente, na extensão do prejuízo causado e na capacidade econômica do responsável.

Dessa forma, cabe ao juiz adotar os critérios que julga conveniente para mensurar o valor indenizatório necessário à reparação da vítima. Com efeito, não há vinculação em relação aos diversos parâmetros definidos pela doutrina, mesmo porque estes devem ser adequados à situação concreta em virtude da subjetividade da fixação do dano moral.

Inspirado especialmente em princípios constitucionais, como a garantia à inviolabilidade da dignidade da pessoa humana e garantia à incolumidade física e psíquica, bem como a garantia da intimidade, vida privada, imagem e honra, Rizzato Nunes[15] sintetiza alguns parâmetros:

  1. a natureza específica da ofensa sofrida;
  2. a intensidade real, concreta , efetiva do sofrimento do consumidor ofendido;
  3. a repercussão da ofensa no meio social em que vive o consumidor ofendido;
  4. a existência de dolo – má fé – por parte do ofensor, na prática do ato danoso e o grau de sua culpa;
  5. a situação econômica do ofensor;
  6. a capacidade e a possibilidade real e efetiva do ofensor voltar a praticar e/ou vir a ser responsabilizado pelo mesmo fato danoso;
  7. a prática anterior do ofensor relativa ao mesmo fato danoso, ou seja, se ele já cometeu a mesma falta;
  8. as práticas atenuantes realizadas pelo ofensor visando diminuir a dor do ofendido;
  9. necessidade de punição.    

Em relação à existência do dolo e o grau de culpa do ofensor, o Código de Defesa do Consumidor, como visto no capítulo anterior, adota a responsabilidade objetiva na reparação dos danos causados ao consumidor nas relações de consumo. Contudo, esse parâmetro também pode ser utilizado na avaliação do dano moral das demandas consumeristas. No caso concreto, se for admissível a análise do aspecto subjetivo da conduta do fornecedor, será possível majorar ou não o valor do abalo moral que ele provocar.

Já no tocante à situação econômica do ofensor, deve-se analisar a figura do fornecedor, que, em geral, possui um poder econômico superior ao do consumidor. Quanto maior for a capacidade econômica do fornecedor, maior deverá ser o valor fixado na indenização por danos morais, com o objetivo de evitar a reiteração da conduta danosa. Por outro lado, se a capacidade econômica do fornecedor não for elevada, a quantia a ser fixada não poderá ser tão elevada a ponto de tornar-se inviável.

A jurisprudência, por sua vez, também é de suma importância para auxiliar o arbitramento, mormente a fundamentação para diversos casos:

Apelação Cível. Ação de Indenização por Danos Morais. NEGATIVA DE PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. Código de Defesa do Consumidor. APLICABILIDADE. Dano Moral. Cabimento. VALOR MANTIDO. I - É reconhecido o dano moral quando o plano de saúde nega a realização de procedimento cirúrgico, o que foi, inclusive, reconhecido por sentença já transitada em julgado. II - Na fixação dos danos morais, devem ser adotados os critérios de moderação e razoabilidade diante do caso concreto, com a avaliação do grau de culpa, a capacidade sócio-econômica das partes e as circunstâncias em que ocorreu o evento.[16] (grifo meu)

APELAÇÃO. CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO. DEMORA EM BAIXAR GRAVAME DE VEÍCULO. DANO MORAL. CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO DO VALOR. MAJORAÇÃO. 1. Gera dano moral a demora por vários anos para baixar gravame de veículo, em decorrência do cancelamento de proposta de financiamento. 2. Para o arbitramento da indenização por dano moral devem ser levados em consideração o grau de lesividade da conduta ofensiva e a capacidade econômica da parte pagadora, a fim de se fixar uma quantia moderada, que não resulte inexpressiva para o causador do dano. No caso, majorou-se a indenização para R$ 10.000,00. 3. Negou-se provimento ao apelo do réu e deu-se provimento ao apelo adesivo da autora.[17] (grifo meu)

Em suma, o que se almeja no estabelecimento de critérios para a fixação de um valor que compense a ofensa moral sofrida pelo consumidor é tornar a avaliação do magistrado cada vez mais justa, tornando o arbitramento judicial mais objetivo.

3.2 Banalização do dano moral

A conscientização dos consumidores acerca dos seus direitos contribuiu para que o número de ações indenizatórias por danos morais aumentasse. Somado a isso está a possibilidade das maiorias das demandas serem ajuizadas nos Juizados Especiais, sem a necessidade de advogado em causas de valor até vinte salários mínimos, além da isenção de custas, taxas ou despesas no primeiro grau de jurisdição. Tais fatores promoveram o maior acesso à Justiça, o que significa um grande avanço na proteção ao consumidor diante dos abusos no mercado de consumo.

Entretanto, o aumento do número de reclamações judiciais por consumidores em defesa de seus direitos extrapatrimoniais passou a ser denominado por alguns de “indústria do dano moral”, que consiste na ideia de que algumas pessoas utilizam qualquer aborrecimento corriqueiro para pleitear reparação por dano moral. Por essa razão, o conhecimento dos aspectos relacionados ao dano moral nas relações de consumo é essencial para quem vai decidir e para quem vai pleitear tal indenização.

Com o objetivo de limitar a abrangência do referido instituto, Sérgio Cavalieri Filho[18] adverte:

Nessa linha de princípio, só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos.

Com base nesses fundamentos, muitas decisões consideram que os dissabores experimentados pelos consumidores não violam direitos da personalidade, apesar de caracterizarem desrespeito à lei e falha no fornecimento do produto ou prestação do serviço. Considera-se em muitos casos que a agressão deve ser exacerbada para que possa configurar o dano moral, ainda que configure o desgaste da vítima e prejudique a sua rotina. Consequentemente, o não reconhecimento do direito legítimo do lesado contribui para fomentar o abuso das empresas em relação ao consumidor, em razão da falta de uma resposta jurídica pelos atos ilícitos.

Isto posto, a reiteração de práticas abusivas e danosas nas relações de consumo exige que o instituto do dano moral funcione como uma ferramenta para coibir as situações lesivas. Dessa forma, a tentativa de evitar a massificação do dano moral, arbitrando valores insignificantes ou diminuindo a sua abrangência pode suscitar a impunidade das empresas que desrespeitam o consumidor.

A questão está em distinguir as situações passíveis de reparação por dano moral, daquelas que, apesar de causarem descontentamento, não são tão graves a ponto de merecerem uma indenização. Ademais, é preciso equilíbrio na atribuição dos valores indenizatórios, para que estes não sejam irrisórios em situações de grande abalo moral, nem vultosos em circunstâncias de menor abalo. A discrepância entre as decisões é o que pode provocar a banalização do instituto. 

3.2.1 Mero aborrecimento

Os meros aborrecimentos, transtornos ou dissabores são termos comumente utilizados em decisões judiciais que julgam improcedentes os pedidos de indenização por dano moral. Geralmente são situações de pequenos e eventuais incômodos que não chegam a atingir a dignidade ou qualquer outro direito personalíssimo. Apesar de representar um acontecimento desagradável, não é capaz de ensejar uma indenização.

Em caso de aborrecimentos razoáveis como pequenos atrasos, erros prontamente resolvidos ou pequenas perdas materiais, em regra, não se vislumbra o cabimento do dano moral. Para que um abalo moral seja passível de uma reparação, é preciso que tenha afetado o psicológico da vítima de forma intensa.

Os julgados transcritos abaixo não reconhecem o dano moral por mero aborrecimento, fundamentados na ausência de um abalo moral significante capaz de merecer uma compensação pecuniária:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL NÃO ADMITIDO. COBRANÇA INDEVIDA. DANOS MORAIS. 1. A tese recursal é no sentido de que houve dano moral em razão da cobrança indevida feita pela instituição bancária. O Tribunal manteve a improcedência do pedido, considerando que "os dissabores experimentados pelo autor, ante o fato de receber notificações de cobrança e ter que dirigir-se ao PROCON/DF para resolver a pendência patrimonial, não violaram seu direito à honra, assegurado pela Constituição Federal" (fl. 140). Os fundamentos do acórdão harmonizam-se com o desta Corte no sentido de que "o mero dissabor não pode ser alçado ao patamar do dano moral, mas somente aquela agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições ou angústias no espírito de quem ela se dirige" (AgRgREsp nº 403.919/RO, Quarta Turma, Relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 23/6/03). 2. Agravo regimental desprovido.[19] (grifo meu)

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. POUCO TEMPO DE ESPERA EM FILA DE BANCO. MERO DISSABOR. DANO MORAL. NÃO CARACTERIZADO. 1. O pouco tempo de espera em fila de banco não tem o condão de expor a pessoa a vexame ou constrangimento perante terceiros, não havendo que se falar em intenso abalo psicológico capaz de causar aflições ou angústias extremas. 2. Situação de mero aborrecimento ou dissabor não suscetível de indenização por danos morais. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.[20] (grifo meu)

Os julgados citados consideraram meros aborrecimentos aqueles sofridos pelos autores das ações. Mesmo que as situações tenham sido decorrentes de práticas ilícitas e tenham causado perda de tempo e problemas ao consumidor, o entendimento foi que tais danos não mereciam reparação.

Todavia, a caracterização de uma situação como mero aborrecimento tem que ser realizada de maneira cautelosa em especial no âmbito das relações de consumo. O consumidor, por ser vulnerável, está mais sujeito ao comportamento negligente das empresas que reiteradamente desrespeitam os seus direitos. Logo, mesmo as insatisfações consideradas genericamente banais devem ser analisadas caso a caso, impossibilitando a padronização de decisões desfavoráveis ao ofendido e vantajosas para os empresários.

3.2.2 Litigância de má fé

Outro fator que pode ocasionar a banalização do instituto do dano moral resultante das relações de consumo é a atitude desleal do consumidor em demandar ações com o único intuito de enriquecer ilicitamente ou obter vantagem indevida, configurando a litigância de má-fé. O cabimento está previsto no artigo 17 do Código de Processo Civil[21], de aplicação subsidiária do Direito do consumidor, que dispõe:

Art. 17. Reputa-se litigante de má-fé aquele que:

I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; 

II - alterar a verdade dos fatos;  

III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal; 

IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo; 

V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; 

Vl - provocar incidentes manifestamente infundados. 

VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.

Já o Código de Defesa do Consumidor prevê o princípio da boa-fé, determinando que as relações de consumo devem atender ao princípio da harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores[22]. O dispositivo defende que a boa-fé é um comportamento exigido para os fornecedores e consumidores, que devem se relacionar com base no respeito e na lealdade.

A título de exemplo, a 7ª Câmara de Direito Privado de São Paulo negou provimento a um recurso, mantendo a sentença de improcedência de uma ação de indenização por danos morais movida por um consumidor contra uma concessionária.[23] Ele queria comprar um carro, anunciado ao preço de R$ 0,01(um centavo), alegando que o anúncio apresentava esse preço, mas na hora da entrega da nota fiscal constava o valor de R$ 34.500,00(trinta e quatro mil e quinhentos reais), pretendendo por isso ser indenizado nesse valor.

 O desembargador Relator Mendes Pereira entendeu que a propaganda veiculada era simbólica, não sendo razoável que o autor acreditasse na oferta. Por isso, manteve a condenação por litigância de má-fé, sob o fundamento de que o apelante demandou com o interesse de “alcançar objetivo manifestamente imoral e ilegal, consubstanciado na pretensão de evidente enriquecimento sem causa em prejuízo da apelada.”

Ainda segundo o magistrado de 1º instância, citado no acórdão:

Cabe ao juiz cuidar para que os interesses privados das partes não se sobreponham aos interesses maiores que regem a vontade estatal, da qual é representante. Cabe-lhe desse modo, assegurar que do processo não se sirvam as partes para alcançar objetivo ilegal, ilegítimo ou imoral, rechaçando todo e qualquer intento que atente contra a dignidade da justiça.

Configurada a litigância de má-fé, pela utilização do processo para alcançar um objetivo ilegal, o consumidor foi condenado ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios, nos termos do artigo 18 do Código de Processo Civil.

Assim sendo, se um consumidor busca receber o que não lhe é devido, alterando a verdade dos fatos, cabe ao juiz reconhecer a litigância de má-fé devidamente provada. Apesar de ser notadamente a parte mais fraca da relação, não pode haver a presunção absoluta de que o consumidor está sempre correto ou agindo com lisura, sob o risco de motivar decisões injustas.

[1] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 88

[2] ibid. p. 105

[3] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 4: responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo : Saraiva, 2012. E-Book. ISBN 978-85-914076-0-6. Ver Item 9.3, Livro II.

[4] GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, volume 3: responsabilidade civil / Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho. — 10. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2012. Ebook. ISBN 978-85-02-15572-5. Ver item 3, cap. V.

[5] CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.22.

[6] FARIAS JÚNIOR, Adolpho Paiva. Reparação Civil do Dano Moral. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003. P. 59.

[7] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 4: responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo : Saraiva, 2012. E-Book. ISBN 978-85-914076-0-6.

[8] Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Ag: 701915 SP 2005/0138811-1, Relator: Ministro JORGE SCARTEZZINI, Data de Julgamento: 25/10/2005, Quarta Turma, Data de Publicação: DJ 21.11.2005. p. 254.

[9] Art. 6º do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990): “São direitos básicos do consumidor: (...) VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;”

[10] OLIVEIRA, Milton. Dano Moral. 2. Ed. São Paulo: LTr, 2011, p.109.

[11] Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp: 617915 PE 2003/0219186-2, Relator: Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Data de Julgamento: 10/08/2004, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 08/11/2004 p. 245.

[12]VARELA, João de Matos Antunes apud REIS, Clayton. Avaliação do dano moral. Rio de Janeiro, Forense, 2002. p. 81

[13] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2012. P. 323

[14] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 7: responsabilidade civil. 17. Ed. Aum. E atual. De acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002). – São Paulo: Saraiva, 2003. P. 93.

[15] NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2005. P. 324

[16] Apelação Cível Nº 0019715-21.2013.8.10.0001, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Maranhão, Relator: Jorge Rachid Mubárack Maluf, Julgado em 05/06/2014.

[17]Apelação Cível Nº 0050361-32.2012.8.07.0001, Segunda Turma Cível, Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, Relator: Sérgio Rocha, Julgado em 01/10/2014. Data de Publicação: Publicado no DJE: 10/10/2014. Pág.: 125

[18]CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 10 ed. São Paulo: Atlas, P. 93.

[19] Superior Tribunal de Justiça, AgRg no Ag n. 550.722/DF, Terceira Turma, Relator: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Data de Julgamento: 16/03/2004.

[20] Superior Tribunal de Justiça, AgRg no Ag n. 1.422.960⁄SC, Quarta Turma, Relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, , julgado em 27⁄3⁄2012.

[21] LEI No 5.869, DE 11 DE JANEIRO DE 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869compilada.htm. Acesso em 22/05/2015.

[22] Art.4, III do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990).

[23] Apelação Cível Nº º 0016290-38.2011.8.26.0606, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Relator: Mendes Pereira, Julgado em 13/03/2013.

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