Hans Kelsen e o Direito como Ciência.
Marco Antônio Pinto*
Se a Academia Real das Ciências da Suécia tivesse incluído no prêmio Nobel, o campo do conhecimento jurídico, certamente teríamos como o primeiro ganhador o judeu austríaco Hans Kelsen. O jurista pode ser considerado um divisor de águas no mundo jurídico. Sua obra Teoria Pura do Direito e Teoria Geral das Normas revolucionou toda concepção do pensamento jurídico até o segundo quartel do século XX. O magnífico jurista nasceu em Praga (Boêmia austríaca), cidade pertencente ao então império Austro-Húngaro, cuja capital era Viena, em 11 de outubro de 1881. Estudou em Heidelberg.
Kelsen não foi apenas o jurista. Considerado como uma das personalidades mais poliédricas e multifacetadas, não somente devido ao seu profundo conhecimento em diversas áreas das ciências sociais, mas por inaugurar o Direito como Ciência no mais rigoroso sentido da palavra. Mas ao fazer do Direito uma ciência, não podemos colocá-lo uma mecha de formalista. A teoria kelseniana jamais foi formalista no sentido inocente desta palavra. Para Kelsen, fiel à doutrina de Kant, para quem forma sem a realidade é vazia, e a realidade sem a forma é cega, o elemento formal jamais se apresenta como algo válido em si e por si, mas sempre como uma estrutura aplicável a determinado momento da experiência.
Ao declarar em sua Teoria Pura do Direito que "Norma é o sentido de um ato através do qual uma conduta é prescrita, permitida ou, especialmente, facultada, no sentido de adjudicada à competência de alguém", O jurista do século XX ampliou a concepção de norma jurídica e, por conseguinte o Direito. Aqui o mestre, para nos trazer a idéia de norma, em momento nenhum mencionou a palavra Estado. Kelsen lembrou que não é apenas o legislador que põe a norma jurídica, mas também o juiz, quando profere uma sentença e, mais ainda, também o particular, quando firma um contrato. As cláusulas contratuais correspondem a uma norma jurídica, seja pela causa, (lei entre partes) e/ou pelos efeitos que delas decorrem.
O juscientista cortou o cordão umbilical que ligava o conceito de norma como legislação posta por um poder soberano. Desvinculou a norma jurídica daquele conceito oitocentista, onde a Ciência Jurídica era uma espécie de aldeia abarcada por sociólogos, políticos e economistas, que queriam incluí-la em seus domínios, ele ampliou uma visão normativa, enriquecendo a Ciência do Direito.
Kelsen era agnóstico em matéria de religião e indiferente a nacionalidade. Procurava manter-se alheio de qualquer espécie de vinculação com partidos políticos. Pensava que deveria preservar ao máximo sua independência científica, livre de qualquer engajamento político. Sua fidelidade aos princípios kantinianos o fez distinguir o mundo do ser ou da realidade e o mundo do dever ser ou da obrigação. O primeiro conhecido como princípio da causalidade (lei da natureza) e o segundo pelo princípio da imputação.
Hans Kelsen não escreveu somente obras de cunho científico-jurídico, mas, várias em diversos campos da ciência. Na obra a ilusão da Justiça, ele traça todo o percurso sobre o amor, a verdade e a justiça na concepção platônica. Outro trabalho excepcional do Jurista é sobre a democracia. Esse trabalho foi preparado através de vários escritos dele em diversas revistas austríacas, alemãs e tchecas. Se nos indagassem qual a obra mais importante sobre a Democracia liberal do século XX, poderíamos responder sem medo de errar que seria A Democracia de Hans Kelsen. Podemos citar também a clássica Teoria do Direito e do Estado, em que estabelece uma estrutura epistemológica, ou seja, a filosofia da Ciência Jurídica aplicada às várias formas de composição do Estado. Hans Kelsen faleceu nos Estados Unidos da América, Berkley, em 19 de abril de 1973.
(*) Marco Antônio Pinto é formado em História e Direito. É membro da Academia Divinopolitana de Letras.