Investigação e dos meios de obtenção da prova

17/07/2016 às 17:33
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No Brasil, havia basicamente duas leis que se referiam à criminalidade organizada, a Lei 9.034/95 e a Lei n°10.217/2001. Nenhuma delas definia crime organizado, o que não deixava de ser um lapso lamentável do Legislativo.

INVESTIGAÇÃO E DOS MEIOS DE OBTENÇÃO DA PROVA

                No Brasil, havia basicamente duas leis que se referiam à criminalidade organizada, a Lei n°9.034/95 e a Lei n°10.217/2001. Nenhuma delas definia crime organizado, o que não deixava de ser um lapso lamentável do Legislativo. No entanto, com o advento da Lei n°12.850, de 2 de agosto de 2013, houve a definição de organização legal, a saber: Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, diretamente ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. Além disso, a nova lei estabeleceu meios de investigação, tais como a colaboração premiada, a infiltração, etc.

                Em virtude de não haver nenhuma lei, anterior à Lei n°12.850/13, que definia “crime organizado”, costumava-se utilizar a definição dada pela Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo, que passou a integrar o ordenamento jurídico brasileiro com o advento do decreto 5.015/04. De acordo com o artigo da 2-a da referida convenção, "grupo criminoso organizado" é aquele estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente como o propósito de cometer uma ou mais infrações graves, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material.

O Escritório Federal de Investigações dos Estados Unidos - FBI, sobre o tema, traz-nos a seguinte definição:

Para fins de estratégia, “crime organizado internacional” refere-se à associação permanente de indivíduos que operam internacionalmente com o objetivo de obter poder, influência ou vantagens de cunho econômicas, financeiras ou comercias, no todo ou em parte oriundos de condutas ilícitas, protegendo suas atividades por meio de corrupção ou violência

O critério subjetivo adotado pela lei estabelece o concurso necessário de quatro ou mais pessoas em comunhão de esforços e unidade de desígnios, ainda que um não tenha conhecimento das atividades desenvolvidas pelos demais integrantes da organização.

Pressupõe uma estrutura ordenada, entendida como a organização, disposição e ordem dos elementos essenciais que compõem um corpo (concreto ou abstrato)

, ou ainda, como sendo a agregação, reunião de elementos que compõem um todo e a sua interrelação com este todo

, voltada a um fim específico e autônomo, independente da vontade individual de seus integrantes, qual seja, a obtenção, de maneira direta ou indireta, de vantagem de qualquer natureza, e que tem como meio a prática de atividades ilícitas que caracterizem infrações penais com penas máximas superiores a quatro anos, ou que por si só caracterizem delito de caráter transnacional.

A organização criminosa se caracterizará primeiro pela existência autônoma e independente da vontade de seus integrantes, ainda que diretamente ligada a elas, tal como se fosse uma pessoa jurídica, devendo ter, portanto, um caráter permanente, não bastante apenas uma reunião de pessoas visando obter vantagem de qualquer natureza.

Tal entendimento - de que a organização criminosa ganharia contornos e pessoa jurídica com existência autônoma de seus membros - encontra respaldo na próprio leitura da lei na medida em que descreve condutas em que a organização criminosa ganha autonomia em relação aos seus membros.

Mais do que isso a organização criminosa se caracteriza pela existência de uma estrutura interna, com nítida divisão de tarefas, ainda que informal, mas que estabeleça uma linha de hierarquia entre os integrantes e determine as funções a ser estabelecida por cada qual dos integrantes da organização.

A vantagem pretendida na atuação da organização criminosa pode ser de qualquer natureza, lícita ou ilícita. Ou seja, muito além da vantagem patrimonial que usualmente é ligada ao objetivo finalístico de qualquer atividade criminosa, ou meramente o dolo de realizar a conduta descrita no tipo penal, a organização criminosa tem por escopo tão somente a obtenção, de forma direta ou indireta, de vantagens para si e para seus integrantes.

Tal vantagem pode ser de qualquer natureza, podendo mesmo ser uma vantagem lícita ou legítima. Assim, a detenção de uma linha de produção econômica, o estabelecimento de vantagens de cunho social ou político, ou mesmo a ascensão em cargos públicos poderiam ser vantagens, em princípio lícitas que poderiam ser almejadas por uma organização criminosa.

O que de fato caracteriza a organização criminosa no que tange ao sua finalidade não são as vantagens pretendidas ou auferidas objetivamente mas, ao contrário, os meios empregados para alcançar tais fins.

A legislação deixa claro que o que caracteriza, sob tal aspecto, a organização criminosa é a prática de ilícito penais com pena máxima superior a quatro anos como meio utilizado para alcançar a vantagem pretendida.

Uma organização que, dentre outras atividades, mantivesse linhas de transporte coletivo clandestino e, para garantir o monopólio de tal atividade passasse a ameaçar concorrentes, causar prejuízos materiais àqueles que legitimamente oferecessem-lhe concorrência poderiam caracterizar atividade típica de organização criminosa? - Em princípio não, pois todos os delitos mencionados, à exceção de uma eventual lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, quais sejam a lesão corporal simples, o constrangimento ilegal, a ameaça, o dano, ainda que qualificado, têm impostos em abstrato pena máxima inferior aos quatro anos previstos na lei.

Todavia, a utilização dessa mesma organização e desse serviço de transporte clandestino (mas que poderia muito bem ser lícito e legalizado), com o fim de dissimular ou ocultar a natureza ou origem dos valores envolvidos, oriundos de outras atividades ilícitas, pretendendo dar aos valores uma origem lícita, sim, caracterizaria atividade de organização criminosa na medida em que configuraria delito de lavagem de dinheiro.

Da mesma forma, caracterizar-se-á a conduta de crime organizado a prática de delitos de caráter transnacional como meio para obtenção, direta ou indireta, de vantagem de qualquer natureza. Assim, a prática daqueles delitos que tenham repercussão internacional e que importem reflexos em mais de um território soberano, independente da pena imposta, quando praticada por quatro ou mais indivíduos dentro de uma estrutura organizada e voltada a obtenção de vantagens, estaremos diante de uma conduta de crime organizado.

Poderíamos citar aqui, a título exemplificativo, o tráfico ilícito de substâncias entorpecentes, o tráfico ilegal de pessoas, a exploração sexual de mulheres em caráter transnacional, a promoção de atividades paramilitares, comércio internacional de armas, entre outros.

A INTERPOL, tratando do tema, informa que:

As definições de crime organizado variam amplamente de um país para outro. As redes organizadas costumam se envolver em modalidades delitivas diversas e que afetam vários países (...) Entre elas, podemos citar o tráfico de pessoas, o tráfico de armas e drogas, roubos, falsificações e lavagem de dinheiro. Na realidade, quase todos os aspectos delitivos combativos pela INTERPOL representam aspectos de atuação do crime organizado.

O delito de promoção ou participação em organização criminosa.

Definido o conceito jurídico de organização criminosa, podemos analisar o tipo penal previsto no artigo 2º da lei que tipificou a conduta de promoção ou participação em atividade de organização criminosa.

Trata-se de crime de ação múltipla ou conteúdo variado, também denominado multinuclear, uma vez que admite diversas condutas que configuram a atividade delitiva (GOMES: 2012). Assim, constitui crime de promoção ou participação em organização criminosa a conduta daquele que diretamente ou por intermédio de terceira pessoa, promove, constitui, financia ou integra organização criminosa.

Note-se que para consumação do delito e da conduta não há necessidade sequer que o sujeito ativo participe dos delitos que caracterizam a atividade de crime organizado. Um investidor que, ciente das atividades desenvolvidas pela organização criminosa, financia suas atividades, realiza a conduta descrita no tipo penal.

Da mesma forma, pratica o delito previsto no Art. da Lei 12850/13 o indivíduo que atua de modo a impedir ou de qualquer maneira embaraçar o impor óbice nas atividades de investigação voltadas a desmantelar a organização criminosa ou os delitos por ela praticados.

Causa de aumento de pena

Há causas de aumento de pena previstas no § 2º e 4º da lei. A primeira hipótese diz respeito à utilização de arma de fogo pela organização criminosa e seus agentes na realização dos crimes que a caracterizam, o que implica num aumento de até metade na pena originária.

Já o parágrafo quarto prevê como causa de aumento de pena de 1/6 a 2/3 se:

1- Há participação nas atividades da organização criminosa de criança ou adolescente;

2- Há o concurso de funcionário público nas atividades da organização criminosa e está se valha da condição do servidor para a prática de suas condutas;

3- Há conexão entre a organização criminosa com outras organizações criminosas independentes;

4- o produto ou proveito das atividades ilícitas realizadas pela organização se destinar, em todo ou em parte, para destinação ao exterior;

5- se as circunstâncias de fato evidenciarem a transnacionalidade da organização.

No caso de haver concurso de funcionário público nas condutas realizadas pela organização pública e, havendo indícios suficientes dessa participação, o judiciário pode em caráter cautelar o afastamento do cargo, emprego ou função pública, sem prejuízo da remuneração, quando tal medida se fizer necessária à investigação ou à instrução processual.

De igual sorte, a condenação criminal com trânsito em julgado implicará na perda do emprego, cargo, função ou mandato eletivo, bem como a interdição para o exercício de função ou cargo público pelo prazo de oito anos subsequentes ao cumprimento da pena.

No caso de servidor integrar os quadros da Polícia ou, havendo indícios da participação de policiais nas condutas da organização criminosa, a investigação ficará por conta da Corregedoria, a qual comunicará o Ministério Público, que designará membro para acompanhar as investigações até a sua conclusão.

Circunstâncias agravantes

É agravada a conduta daqueles que exerce funções de comando na organização criminosa, individual ou coletivo, ainda que não realize pessoalmente atos de execução.

Investigação e meios de obtenção de prova das atividades de organização criminosa

O diploma prevê as medidas de investigação e meios de obtenção de provas disponíveis em qualquer fase da persecução penal.

Esta deve ser entendida em duas fases distintas: uma processual, na qual atuam as partes do processo na ação penal, e outra extraprocessual, nas quais são realizadas as atividades de investigação destinadas a delimitar as circunstâncias do fato criminoso e indicar o possível autor, que figurará no polo passivo da ação penal na qualidade de acusado (ROSA: 2012, p. 18).

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Assim, são medidas aplicáveis tanto na fase do Inquérito Policial (fase pré-processual) quanto no transcorrer do processo. Na fase do Inquérito Policial as medidas investigativas serão levadas à cabo diretamente pela Delegado de Polícia que representará pelas medidas cabíveis ao Juízo competente, abrindo vistas ao Ministério Público o qual funcionará como fiscal da lei e no exercício do controle externo da atividade policial. Outrossim, na fase processual, entendo pertinente ou cabível alguma das medidas de obtenção de prova poderá assim operar o membro do Parquet, diretamente quando foi possível ou requisitando atuação da Polícia Judiciária.

Colaboração premiada

A colaboração premiada é modalidade meio de prova disponibilizada às partes envolvidas na persecução criminal, tanto em sua fase investigativa quanto em sua fase processual, possibilitando a negociação entre os agentes públicos encarregados da atividade de persecução e os integrantes de organização criminosa, com vistas ao fornecimento de informações que se prestem ao desmantelamento da organização, a identificação de seus integrantes e a repressão e punição das atividades ilícitas por ela desenvolvidas.

Dos sujeitos na colaboração premiada

A colaboração premiada é um procedimento formal composto pelas negociações entre os agentes públicos encarregados da persecução penal e o integrante de organização criminosa que tenha interessa em, voluntária e efetivamente, prestar auxílio nas investigações com vistas apuração da autoria e materialidade das condutas advindas das práticas realizadas pela organização criminosa.

São competentes para propor e realizar a colaboração: o Delegado de Polícia durante a fase investigativa no bojo do Inquérito Policial e, conforme o caso, o Promotor de Justiça quando as negociações se derem já na fase judicial da persecução penal.

Vale ressaltar a participação do Ministério Público nas negociações visando o acordo de colaboração premiada, seja enquanto titular da ação penal, já na fase processual da persecução penal, seja funcionando como fiscal da lei e realizando a atividade de controle externo da Polícia Judiciária quando as negociações se derem em sede de Inquérito Policial.

Já o interessado na colaboração premiada, ou seja, o integrante de organização criminosa que decide colaborar com as investigações, será sempre acompanhado de seu defensor desde o início das negociações, sejam estas realizadas pelo Delegado de Polícia, seja pelo Promotor de Justiça.

É vedado ao juiz participar das negociações voltadas ao estabelecimento de um acordo de colaboração premiada. Atuará o Judiciário após firmado o acordo, que será reduzido a termo e instruído com cópia das declarações prestadas pelo interessado e das peças que compõem a investigação, e encaminhado para o Juiz competente para homologação.

A homologação do acordo de colaboração premiada é ato privativo do Juiz de Direito no qual este analisará a regularidade, legalidade e voluntariedade da manifestação de vontade das partes envolvidas, podendo, inclusive, se entender pertinente, realizar de forma sigilosa a oitiva do interessado (investigado ou acusado) acompanhado de seu defensor, para formação de sua convicção.

Não atendendo aos requisitos da lei poderá o Juiz recusar a homologação do acordo, ou requerer sua adequação ao caso concreto, havendo essa possibilidade.

Uma vez homologado o acordo de colaboração premiada esse passará a produzir efeitos jurídicos, podendo o colaborador a qualquer tempo ser ouvido pelo membro do Ministério Público ou pelo Delegado de Polícia presidente das investigações, sempre se fazendo acompanhar de seu defensor.

Nos depoimentos que prestar o colaborador sempre renunciará de forma expressa seu direito constitucional de permanecer em silêncio, estando à partir de então sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade e, por via de consequência, à prática do crime de falso testemunho quando ocultar ou mentir em seu depoimento.

Para fortalecimento do valor probatório e garantia da verossimilhança e preservação da integridade das informações prestadas pelo colaborador, sempre que possível, o registro dos atos decorrentes da colaboração serão feitos meios e recursos de gravação magnética ou digital, armazenamento de som e imagem, estenotipia, ou qualquer outra técnica que garanta a maior fidelidade das informações (Art. 4º, § 13)

Requisitos para a colaboração premiada

Quanto a manifestação de vontade do colaborador para efeitos de homologação do acordo de colaboração premiada:

São requisitos subjetivos para a validade da colaboração premiada:

a- Que a colaboração tenha sido efetiva, vale dizer, que tenha surtido os efeitos almejados e que estes tenham produzido resultados de fato na instrução processual.

b- Que tenha a colaboração sido voluntária, ou seja, tenha sido decorrente de manifestação de vontade livre por parte do colaborador e tenha nele surgido o interesse em colaborar com as investigações visando o desmantelamento da organização criminosa.

Ademais, e conforme determina a lei, para que a colaboração possa produzir seus efeitos em relação ao colaborador, deverá, além de atender os requisitos supra relacionados à validade da manifestação de vontade, apresentar ao menos um dos resultados objetivos dispostos pela lei:

Identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;

revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas entre os membros da organização;

prevenção dos delitos decorrentes das atividades da organização criminosa;

recuperação total ou parcial

Efeitos da colaboração premiada

Homologado o acordo de colaboração premiada e tendo este surtido os efeitos desejados dentre aqueles elencados na lei, poderá o Juiz na sentença terminativa do processo, à requerimento das partes interessadas, conceder o perdão judicial, hipótese em que o juiz deixará de aplicar a pena ou ainda reduzir a pena em até dois terços a pena privativa de liberdade.

Valor probatório da colaboração premiada

Como qualquer outro meio de prova, a colaboração premiada tem valor probatório relativo, devendo encontrar respaldo lógico e jurídico em outros elementos de convicção produzidos no decorrer da investigação policial e da instrução processual para que possa surtir efeitos, não podendo a sentença penal condenatória ser proferido com fundamento exclusivo nas informações prestadas pelo colaborador.

Procedimento de colaboração premiada.

A colaboração premiada, conforme visto, se dará entre as partes envolvidas na persecução penal, seja na fase investigativa, seja na fase processual. Assim, são sujeitos da colaboração premiada o Delegado de Polícia, o Promotor de Justiça e o integrante de organização criminosa que, voluntariamente, decide prestar informações sobre a estrutura, funcionamento e atividades desenvolvidas pela organização criminosa, o qual sempre se fará acompanhar, em todos os atos, de seu defensor.

As negociações para a colaboração premiada serão levadas a cabo entre agente público competente e o interessado acompanhado de seu defensor, a fim de que se delimitem a extensão da colaboração, as condições impostas pelo Delegado de Polícia ou pelo Promotor de Justiça, sua efetividade no plano da persecução penal, bem como os efeitos dessa em relação ao investigado em face da efetividade da colaboração.

Dessas negociações será firmado e formalizado um termo de acordo da colaboração premiada, qual deverá indicar o relato da colaboração e os possíveis efeitos dela decorrentes, as condições da proposta do Ministério Público ou do Delegado de Polícia, a declaração de aceitação do acordo por parte do interessado colaborador e seu defensor, com a assinatura de todos os envolvidos na formalização do acordo, bem como as medidas de proteção que serão garantias ao colaborador e seu familiares se for o caso.

No acordo de colaboração premiada o Delegado de Polícia no Inquérito Policial ou o Promotor de Justiça na fase processual da persecução poderão desde logo, entendendo pertinente, tendo em conta a extensão da colaboração e os efeitos dela decorrentes, representar desde logo pela concessão do perdão judicial em relação ao colaborador ou a redução de pena se for o caso e, ainda que essa proposta não conste do acordo inicial, no decorrer do Inquérito Policial poderá o Delegado de Polícia, ou a qualquer tempo o Promotor de Justiça poderão representar pela concessão de tal benefício em relação ao colaborador.

Poderá ainda, no aguardo da efetividade das informações prestadas no acordo de colaboração premiada, ser suspenso o prazo para o oferecimento da denúncia ou o processo em relação ao colaborador pelo período de seis meses, durante os quais restará suspensa também o prazo de prescrição do crime.

Além disso, na qualidade de titular da ação penal, considerando as circunstâncias de fato, a personalidade do colaborador, a natureza, circunstâncias, gravidade de repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração, poderá o representante do Ministério Público deixar de apresentar denúncia em relação ao colaborador, desde que este não seja líder da organização criminosa e que tenha sido ele o primeiro a prestar efetiva colaboração na persecução.

É possível, também, que a colaboração de opere mesmo após o proferimento da sentença penal condenatória, hipótese em que poderá ser concedida ao colaborador a redução da pena até a sua metade e ainda a progressão de regime de cumprimento de pena, ainda que não tenha o condenado preenchido os requisitos objetivos para o benefício.

No caso de representação do Delegado de Polícia pela concessão do perdão judicial, hipótese em que o Ministério Público atuará no controle externo da atividade de Polícia Judiciária, ou no caso da representação ter partido do próprio Ministério Público, por ocasião da sentença penal, não reconhecendo o Juiz a aplicabilidade da causa de extinção de punibilidade, haverá incidência do Artigo 28 do Código de Processo Penal.

Desta forma, será o fato levado ao Procurador Geral de Justiça do Estado ou da União que conhecendo do fato, manterá ou revogará a representação pela concessão do perdão judicial, podendo representar pela concessão de qualquer outro dos benefícios previstos ao colaborador.

Nos dizeres de Damásio: “perdão judicial é o instituto pelo qual o Juiz, não obstante comprovada a prática da infração penal pelo sujeito culpado, deixa de aplicar a pena em face de justificadas circunstâncias” (2008, p.287)

No caso em tela, as justificadas circunstâncias para a não aplicação da pena, em que pese o reconhecimento da prática delitiva, decorrem dos benefícios reais gerados pela colaboração que tenha se mostrado decisiva no desmantelamento da organização criminosa.

É de ser destacar o cuidado da legislação na preservação do sigilo nas investigações de crime organizado, seja no sentido de proteger a atividade de persecução criminal, seja na proteção da incolumidade dos sujeitos envolvidos, em especial o colaborador, ao qual é facultado inclusive a adoção de medidas protetivas relacionadas à vítimas e testemunhas.

Medidas investigativas - Ação controlada e infiltração de agentes

Ação controlada

Como verificamos, as atividades do crime organizado alcançaram um grau de sofisticação, seja do ponto de vista logístico, pessoal, ou tecnológicos, que medidas de investigação tradicionais já não se mostram suficientes para o efetivo combate à essa criminalidade e mesmo as medidas específicas previstas no diploma anterior passaram a se mostrar insipientes em face das necessidades investigativas.

Nesta esteira incluem-se as medidas de ação controlada e a utilização de agentes infiltrados com vistas a efetiva investigação.

No tocante à ação controlada, diz a lei:

Art. 8o Consiste a ação controlada em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações.

Trata-se da hipótese que a doutrina denomina flagrante postergado, hipótese na qual a intervenção policial, no decorrer da investigação de atividades de crime organizado, ainda que diante da hipótese de situação flagrancial, permanece suspensa, mantendo as atividades do grupo criminoso sob observação e acompanhamento, aguardando o momento mais oportuno para atuação com vistas à uma melhor e mais eficaz produção de provas e coleta de informação.

Durante as investigações de atividades de crime organizado é possível se deparar com uma multiplicidade de práticas delitivas, ou atividades de menor relevância - utilizadas como meio - quando consideradas no contexto geral dos empreendimentos levados à cabo pela organização criminosa.

Por força do disposto no Código de Processo Penal, a Autoridade Policial e seus agentes, diante de um crime, têm o dever de ofício de agir. Contudo, sob o ponto de vista da efetividade das investigações, pode não ser o momento mais oportuno ou mais conveniente para a intervenção.

Por exemplo: no decorrer de um monitoramento de conversas telefônicas concedidas pelo Juízo na investigação de uma organização criminosa obtêm-se a informação de uma carga de armas que será entregue em determinado local par determinada pessoa. O fato, por si só, já constitui crime, ensejando a intervenção policial imediata. Contudo, no decorrer da conversa, descobre-se que essas armas deverão ser entregues à um terceiro, também integrante da organização e que exerce atividades de comando, para serem guardados no mesmo local utilizado para o armazenamento de entorpecentes.

Objetivamente a Autoridade Policial e seus agentes teriam o dever de atuar logo no primeiro momento, quando da chegada das armas, contudo, se assim fizerem, perderão a oportunidade de uma atuação mais eficaz sob o ponto de vista da apuração das atividades criminosas desenvolvidas pela organização.

Desta forma, em tal hipótese, poderá a atuação ser postergada para o momento mais oportuno.

São requisitos para efetivação da ação controlada:

* a ciência de informações que indiquem a ocorrência de outras atividades ilícitas envolvidas com a prática investigada e que justifiquem o retardo na intervenção;

* a comunicação prévia ao Juízo competente da necessidade da postergação da atuação policial, bem como a comunicação da medida ao membro do Ministério Público.

No caso da ação controlada, deverão ser adotadas todas as medidas cabíveis de modo a garantir o monitoramento das atividades criminosas, que deverão sem mantidas sob observação e acompanhamento para evitar os riscos de fuga dos agentes envolvidos e o extravio dos produtos, objetos, instrumentos ou proveitos da atividade criminosa.

Em qualquer hipótese, desde a comunicação até o término das diligências, tudo deverá ser realizado sob o mais absoluto sigilo, visando o sucesso das atividades investigativas, mantendo-se sob sigilo os autos que terão acesso restrito às autoridades incumbidas da investigação. Ao término da diligência, será elaborado um auto circunstanciado a respeito das atividades realizadas no decorrer da instrução da ação controlada.

No caso das atividades criminosas incluírem transposição de fronteiras de Estados ou mesmo fronteira nacional, a ação controlada para se realizar depende de cooperação autorizada pelas autoridades dos Estados ou países incluídos na possível rota investigadas, visando garantir o sucesso das diligências. A legislação trata apenas de fronteiras nacionais, contudo, a interpretação deve ser extensível às fronteiras entre Estados, considerando a competência estadual para organização e estruturação das atividades de policiamento no âmbito de seus territórios.

Infiltração de agentes

A infiltração de agentes de investigação nas atividades desenvolvidas pelas organizações criminosas é medida que já era prevista, porém não regulamentada, na legislação anterior.

Implica no agregamento de agentes públicos para atuarem de forma dissimulada junto a membros da organização criminosa visando obter informações a respeito de seus integrantes, estruturas e atividades desenvolvidas, visando a apuração dos fatos.

Trata-se de uma atividade que pode oferecer uma infinidade de vantagens na investigação, uma vez que propicia um alcance enorme no que diz respeito a estrutura, funcionamento, qualificação e localização dos membros, identificação das atividades criminosas realizadas, inclusive com a individualização das condutas. Contudo, implica igualmente no risco inerente à necessidade de integração do agente público no seio da organização criminosa.

Implica, pois, na infiltração de agente público que se fazendo passar por criminoso, que passa a integrar a organização criminosa, desenvolvendo junto com seus membros as atividades que lhe são inerentes, para que assim consiga informações a respeito da organização que sejam de interesse para as investigações. Implica, numa última análise, que o agente público se passe por criminoso, para que assim consiga integrar a organização e obter as informações necessárias na investigação.

Mais do que se passar por um indigente na rua testemunhando práticas delitivas para compreender o funcionamento, identificar os autores e atuar no momento oportuno, ou se fazer passar por um comprador de drogas para identificar o criminoso traficante, implica na necessidade do agente público ganhar a confiança dos integrantes da organização para que então consiga se infiltrar, integrar a própria organização, para de dentro obter as informações necessárias ao desmantelamento das atividades criminosas.

Contudo, há o duplo risco envolvido: primeiro, em relação ao agente público, que a qualquer momento pode ser descoberto e, segundo, da necessidade do agente público dever atuar como se criminoso fosse, realizando atividades ilícitas inclusive, para criar, sustentar e fazer vingar sua identidade junto à organização.

A infiltração é cabível quando houver suficientes indícios da prática de atividades desenvolvidas por organização criminosa e não houver outros meios para obtenção das provas necessárias para a propositura da ação penal.

Poderá a medida ser representada pelo Delegado de Polícia ou requerida por membro do ministério público e será concedida pelo Juízo em decisão circunstanciada, motivada e sigilosa que estabelecerá os limites da medida.

Sendo a medida representada pelo Delegado de Polícia, será ouvido o membro o Ministério Público no exercício das atividades de controle externo da Polícia Judiciária.

No caso do requerimento da medida partir de órgão do Ministério Público será imprescindível manifestação técnica por parte do Delegado de Polícia a respeito da oportunidade e conveniência da medida quando esta se proceder durante a instrução do inquérito policial.

Tanto a representação do Delegado de Polícia quanto o requerimento do Ministério Público deverão conter os indicativos da necessidade da medida, bem como o alcance das tarefas dos agentes infiltrados e, quando possível, os nomes ou apelidos dos investigados e os locais nos quais se desenvolverá a infiltração.

Em ambos os casos, o pedido será distribuído em caráter sigiloso de modo a não conter informações que possam indicar a operação a ser efetivada ou a identidade do agente a ser infiltrado.

Somente após concluídas diligências, quando do oferecimento da denúncia, as peças acompanharão os autos, oportunidade em que será dada vista à defesa, adotando-se as providências visando preservar a identidade do agente infiltrado.

É de se notar que a lei pretende - e não poderia ser diferente - preservar a integridade física e a incolumidade do agente infiltrado.

Tanto é verdade que, havendo suspeitas de que o agente infiltrado corre algum risco, o membro do ministério público poderá requerer a suspensão da medida ou poderá o Delegado de Polícia sustar a medida, dando ciência imediatamente ao Juízo do havido e dos motivos da decisão.

Conforme dito anteriormente, a medida de infiltração de agente implica que o agente da Autoridade Policial se passe como criminoso, para poder então integrar a organização criminosa e alcançar os objetivos colimados com a medida. Isso implica, por via de consequência, que o agente público acabe por realizar atividade ilícitas de modo a, convincentemente, passar a integrar as atividades da organização criminosa.

O artigo 13, parágrafo único, prevê uma excludente de antijuridicidade ao agente infiltrado que praticar crime no decorrer da infiltração, quando lhe for inexigível outra conduta. É de se ter em mente que a excludente aplica-se tão somente àquelas condutas realizas no contexto da infiltração e em razão dela, ou seja, aquelas condutas que se mostrem imprescindíveis ao sucesso e manutenção da diligência ou para preservação de sua identidade.

Por outro turno, deverá a atuação do agente infiltrado ser pautada pela proporcionalidade, guardando sempre relação com a finalidade da investigação, respondendo o agente por qualquer excesso ou desvio de finalidade que venha a praticar.

Assim, são direitos garantidos ao agente infiltrado, conforme previsto na lei:

I - recusar ou fazer cessar a atuação infiltrada;

II - ter sua identidade alterada, aplicando-se, no que couber, o disposto no art. 9o da Lei n o 9.807, de 13 de julho de 1999, bem como usufruir das medidas de proteção a testemunhas;

III - ter seu nome, sua qualificação, sua imagem, sua voz e demais informações pessoais preservadas durante a investigação e o processo criminal, salvo se houver decisão judicial em contrário;

IV - não ter sua identidade revelada, nem ser fotografado ou filmado pelos meios de comunicação, sem sua prévia autorização por escrito.

Do acesso aos registros e dados cadastrais

Outra ferramenta de grande valia teve sua extensão ampliada no combate ao crime organizado.

Conforme dispõem o diploma, na investigação de atividades de organização criminosa, o Delegado de Polícia e o Ministério Público terão acesso, independente de autorização judicial, aos dados cadastrais dos investigados relativos tão somente à sua qualificação pessoal, filiação e endereços, disponíveis na Justiça Eleitoral, bem como empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito. É de se notar que as empresa mencionadas na lei tem o dever legal de prestar as informações, constituindo ilícito penal o desatendimento da requisição de informações.

Da mesma forma, e visando ampliar o alcance das ferramentas investigativas, as empresas de transporte serão obrigadas a manter em registro os dados sobre reservas e registros de viagens. Também as empresas de telefonia fixa e celular serão obrigadas a manter em arquivos os registros de chamadas e efetuadas e recebidas.

Anteriormente, o entendimento predominante tendia no sentido de que o acesso à informações - inclusive informações meramente cadastrais, tais como qualificação pessoal, endereço, telefone, entre outros - estaria abarcada pela garantia constitucional do Art. 5o, XII, de modo que de uma maneira indistinta os detentores de informações vinculavam o fornecimento desses dados à uma necessária autorização judicial.

Ao que parece, pretendendo a legislação ampliar os efeitos e a eficácia das ferramentas investigativas, preferiu reconhecer que tais dados cadastrais não estão abarcadas pela garantia de sigilo de dados da Constituição Federal, de modo a facilitar o acesso à esses dados aos sujeitos envolvidos na investigação das atividades de organização criminosa.

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