Criminologia: a sua importância para o estudo atual do Direito Penal

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17/07/2016 às 21:14
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2. A inovação dos métodos de identificação social

A sociedade costuma praticar condutas de entendimento próprio quando questionado sobre normas postas pelo Estado para manter o controle e a vida social, harmonizando o desempenho das relações em sociedade. Esta mesma sociedade distingue princípios éticos e morais que seguem contrários às consciências da coletividade, comuns após a prática de um crime.

2.1. A necessidade de identificação do criminoso em prol do sistema punitivo

A partir do século XIX, diversos países atuaram no desenvolvimento dos primeiros procedimentos de identificação criminal com recurso à ciência e à tecnologia. Daí, o manuseio de informação a respeito de sujeitos suspeitos ou condenados pela arte do crime, representa uma das modalidades de prevenção da burocracia estatal das que embasa aparelhos científico-tecnológicos. Do registro das particularidades físicas dos indivíduos ao recurso à genética, atualmente, nota-se uma dilatação do controle Estatal e institucional sobre encarcerados, por meio do recolhimento, armazenamento e análise e conhecimento de características físicas, visuais e biológicas. O acesso à ciência e tecnologia nos estágios de identificação de delinquentes, reforça a forma de enxergar as coisas do ponto de vista científico devido ao impacto ocasionado pelo conhecimento na vida moderna, e conseguinte legitimação das práticas das autoridades. 27

Alessandro Baratta estuda a permanente comparação com a realidade e a capacidade do direito penal com o objetivo de atender aos Direitos Humanos. Os recursos interpretativos concretos não podem ficar a parte do contexto do sistema, carecendo fazer do saber penal um instrumento de integração e não de marginalização. Ademais, contesta a confiança diante da possibilidade de uma organização social que não seja ideal, atenuar os níveis de marginalização diante da integração comunitária nos setores desfavoráveis e consequente redução dos níveis de injustiça em suas estruturas de poder. 28

Para Sigmund Freud, a descrição da teoria do delito por sentimento de culpa e das teorias psicanalíticas da sociedade punitiva, a repressão dos instintos delituosos, é acompanhada, no inconsciente, por um sentimento de culpa, uma tendência a confessar. Por outro lado, as teorias psicanalíticas da sociedade punitiva, colocam em dúvida também o princípio da legalidade e, com isto, a legitimação no direito penal. Freud expôs um novo fundamento psicológico para a penalização, e defendeu a probabilidade de se oferecer a punição em uma nova base psicológica. Segundo Freud:

“No tocante às crianças, é fácil observar que muitas vezes são propositadamente 'travessas' para provarem o castigo, e ficam quietas e contentes depois de serem punidas. Frequentemente, a investigação analítica posterior pode situar-nos na trilha do sentimento de culpa que as induziu a procurarem a punição. Entre criminosos adultos devemos, sem dúvidas, excetuar aqueles que praticam crimes sem qualquer sentimento de culpa; que, ou não desenvolveram quaisquer inibições morais, ou, em seu conflito com a sociedade, consideram sua ação justificada. Contudo, no tocante à maioria dos outros criminosos, aqueles para os quais as medidas punitivas são realmente criadas, tal motivação para o crime poderia muito bem ser levada em consideração; ela poderia lançar luz sobre alguns pontos obscuros da psicologia do criminoso e oferecer punição com uma nova base psicológica”. 29

Para Giandomenico Romagnosi a pena como contra estímulo ao impulso criminoso, é o princípio essencial do direito natural, a conservação da espécie humana e a obtenção da máxima utilidade. Deste princípio derivam as três relações ético-jurídicas principais: o direito e dever do indivíduo conservar a própria existência; o dever recíproco dos homens de não atentar contra sua existência; e o direito de cada um de não ser ofendido por outro. Assim, cita o autor:

“se depois do primeiro delito existisse uma certeza moral de que não ocorreria nenhum outro, a sociedade não teria direito algum de puni-lo”. 30

2.2. Identidade do Criminoso

Como principal tema da “Teoria de Lombroso”, este desenvolveu a tese do criminoso atávico (criminoso nato), que havia sido criada anteriormente por Charles Robert Darwin (1809 – 1882). O criminoso nato seria um homem menos urbano que os demais elementos da sociedade em que vivia, sendo representado por um erro cronológico, ou seja, esses indivíduos reproduziam física e mentalmente características primitivas. Tais deduções fundamentaram-se em hipóteses de que as condutas humanas seriam biologicamente determinadas. Assim, sendo a hereditariedade física ou mental, poderia se identificar por sinais anatômicos, os indivíduos que estariam hereditariamente designados ao crime. Embora tenha reduzido o crime a um fenômeno natural, considerava o criminoso como um indivíduo primitivo e doente. Dessa forma ele rejeitava uma definição estritamente legal a respeito do criminoso e, do seu ponto de vista, defendeu a classificação do criminoso em seis categorias: criminoso nato (atávico), demente moral (doente), epilético, ocasional, passional e o louco. 31

Cesare Lombroso viveu entre 1835-1909, médico italiano, autor do livro L’uomo Delinquente, e principal expoente da Antropometria Criminal, baseava-se em investigações para definir o sujeito potencialmente criminoso. A partir de estudos sobre a dimensão do crânio e do cérebro de sujeitos presos, Lombroso buscou provar a existência de um criminoso nato, cujo destino imutável era delinquir sempre que certas condições ambientais se apresentassem. Lombroso considerava o delito como um ser natural, “um fenômeno necessário, como o nascimento, a morte e a concepção”, determinado por condições biológicas de natureza, sobretudo, hereditária. As ideias de Lombroso sustentaram um período de rompimento de paradigmas no Direito Penal e o nascimento da fase científica da Criminologia. Ele e os adeptos da Escola Positiva de Direito Penal contestaram a tese da Escola Clássica da responsabilidade penal garantida no livre-arbítrio. 32

A forma de identificar cada cidadão, sem dúvida, é necessária e eficiente ao ponto de não incriminar um inocente. No Brasil, todavia, a lei que prevê a coleta de perfil genético como forma de identificação criminal (Banco de Dados Genéticos) deve ser tratada com cautela, pois o dispositivo não prevê, expressamente, o órgão gestor de tais informações e, uma vez identificado, por exemplo, um indiciado, está sujeito a ser rotulado como criminoso – uma espécie de pena perpétua. Em tempos remotos, os criminosos seguiam uma forma caracterizada por teorias bioantropológicas na estigmatização do delinquente, estudiosos do biótipo lombrosiano, que sugeriram perfis de pessoas mais altas que a média à época (1,69m para Veneza e 1,70 para Inglaterra), teria crânio menor que os dos homens “normais” e maior do que os crânios dos “loucos”, além de uma aparência desagradável, mas não deformada ou desfigurada, sendo que estupradores e sodomitas – que tem práticas sexuais anormais ou fora da naturalidade – teriam feições feminilizadas, além de outras formas rotuladas. Assim, surge o etiquetamento social que segue o caminho traçado pela modernidade e determina o comportamento desviante – um risco para a sociedade. 33

2.3. Conceito Moderno de Identificação do Criminoso

Segundo Cláudia Tereza Sales Duarte, noutro ponto de vista, a prova como atividade probatória, ato simples ou complexo, tende a constituir forma de a entidade dissidente crer sobre a existência ou não de um fato. Como resultado, consiste na convicção do juízo quando a existência ou não de uma situação fática formada no processo, onde serão empregados instrumentos competentes a compor o entendimento do magistrado a cerca da circunstância. A autora faz uma crítica aos elementos de prova no processo penal brasileiro, ponderando seu conceito, sistemas de valoração da prova, subsídios informativos, a prova em si, nomenclatura da prova e exame em espécie – abordagem das questões pautadas aos meios jurídicos admitidos. Para Cláudia Tereza, a forma de coligar todo meio de prova deve adotar critérios determinados por lei e sobre matérias conexas ao caso, impedindo perda de foco e, consequentemente, anomalia em sua finalidade. 34

Da taxatividade das provas ou de sua liberdade vigora, no processo penal, o título liberdade das avaliações. No processo penal podem ser empregados quaisquer meios de prova, embora não especificados na lei, desde que não sejam inconstitucionais, ilegais ou torpes. Nesse ambiente, não existe predeterminação pelo formulado, sendo meio de prova atípica. Os sujeitos responsáveis pela produção de provas são as vítimas, testemunhas, peritos, entre outros determinados em lei. 35

Empregando algumas espécies de provas, serão verificadas na forma de corpo de delito no caso de crimes “não transeuntes ou não passantes” – transgressões que deixam sinais e é obrigatório o exame de vestígios – e os crimes transeuntes – são passageiros e, assim, não produzem marcas (sinais, rastros), a exemplo da injúria verbal –. 36 De qualquer sorte, por aqueles, qualquer pessoa pode ser testemunha com base no princípio da busca da verdade real, não havendo ressalvas a pessoas com deficiência motora, mental ou criança. Diferente da testemunha (Art. 203, do Código de Processo Penal – CPP), o informante não se obriga a dizer somente a verdade, por expressa previsão legal, Art. 208. do CPP.

Do conhecimento penal, os recursos interpretativos não podem ficar afastados do contexto do sistema, necessitando adotar um instrumento de integração e não de marginalização. Além disso, contradiz a confiança na probabilidade de uma organização igualitária, mas que atenue os níveis de marginalização ante da relação comunitária nos setores contrários e da consequente diminuição dos níveis de injustiça em seus mecanismos de domínio.

Nem mesmo após a morte, o direito abandona o ser humano. A genética, da mesma forma, acompanha mesmo quando amostras são obtidas anos após a morte. A identificação do homem é um mecanismo empregado pelos responsáveis pela persecução penal, dos quais se utiliza métodos de identificação para conhecer ou confirmar a identidade das pessoas. Outra forma de identificação pessoal, a datiloscopia, é forma distinta de identificação que usa a colheita de impressões digitais do “indiciado”, objetivando a identificação humana por meio das impressões digitais, saliências da pele feita por um profissional chamado “papiloscopista”. Entretanto, há controvérsia quanto à identificação humana feito pelo mecanismo de DNA considerado um mecanismo extraordinário para a investigação. No processo criminal, é usado como meio eficaz para identificação de cadáveres e de indivíduos desaparecidas. Entretanto para a justiça, o meio genético é usado como prova em esferas forenses em casos de investigação biológica da paternidade e maternidade no processo civil.

No Brasil, uso forense do DNA ocorreu no ano de 1994, sendo criada a Divisão de Pesquisa Forense (DPDNA), ligada à Polícia Civil do Distrito Federal. O Banco Nacional de Perfis Genéticos foi regulamentado pelo Decreto nº 7.950 e publicado no Diário Oficial da União em março de 2013. Porém em 2012, a Lei nº 12.654 alterou dois institutos jurídicos distintos: a Lei nº 12.037/2009 (que disciplina a identificação criminal e tem como campo de incidência a investigação preliminar) e a Lei nº 7.210/1984, que regula a Execução Penal.

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O direito de punir como classe específica do direito de defesa, é modificada pelas conjunturas sociais, sob a ótica de que a pena é resposta a uma ofensa, no entanto, busca repelir delinquências futuras. Para tal questão, resulta a origem natural transcendente do seu direito de punir aos princípios fundamentais do direito natural, em benefício de um pacto inerente às relações fundadas com a natureza do homem e suas circunstâncias sociais. Em outro ambiente, Portugal mantém um mecanismo que combina impressões digitais e elementos antropométricos (medidas e dimensões das diversas partes do corpo humano). Com a evolução do sistema, a LOFOSCOPIA (ciência que estuda os desenhos dermopapilares formados nas zonas de fricção da pele – extremidades dos dedos, datiloscopia, palmas das mãos, quiroscopia, e plantas dos pés, pelmatoscopia), passou a ser utilizada oficialmente a partir de 1904, tendo sido identificado o primeiro criminoso em 1911 por Rodolfo Xavier Silva.37 Os meios de identificação criminosa fundada na genética foram desenvolvidos a partir de 2008, apresentando um período relevante na criação de base de dados forense de perfis de códigos genéticos.

Contemporaneamente, a utilização do DNA como meio de prova, tem sido associado a um “novo paradigma” ou “segunda geração” da ciência jurídica (MURPHY, 2007; SAKS; KOEHLER, 2005), representando nova abordagem metodológica e epistemologicamente como suprimento às averiguações criminais e aos tribunais. Desse modo, a noção de individualização e singularidade em que combinavam múltiplas disciplinas das ciências forenses clássicas, vem sendo preterida em favor de um paradigma onde se propõe a probabilidade de identificação a partir de um conjunto de observações baseadas na experiência de certa população (COLE, 2009; SAKS; KOEHLER, 2008). O perfil genético (DNA) nasce revestido de capacidade simbólica conferida por concreta base científica de suas técnicas e poro maior rigor epistemológico da expressão de resultados como forma probatória. A forma categórica e binária da clássica ciência forense de identificação apresentou certo poder e conhecimento dos peritos forenses sobre os “leigos” na investigação criminal e na metodologia processual penal, ao tempo em que buscou reforçar aspectos da prova de DNA como elemento inescrutável ou algo incontestável. 38

A identificação do homem é um método utilizado pelos responsáveis pela persecução penal, os quais utilizam técnicas de identificação para modelar ou ratificar a identificação dos sujeitos. Meio de identificação, datiloscopia é a captação de impressões digitais do suspeito, com o objetivo de mostrar a correta identificação feita pelo profissional papiloscopista. Contudo, a questão move-se em torno da identidade humana que é feita pelo DNA, meio responsável pelo papel de armazenar as informações necessárias para a construção das proteínas que contêm a informação genética. Na justiça, o DNA é usado como meio de prova em esferas forenses, como em caso de investigação biológica da paternidade e maternidade no direito civil. Já no processo criminal, é usado como meio dinâmico na investigação de cadáveres e indivíduos desaparecidos. Para a datiloscopia as impressões digitais são inúmeras exclusivas e, portanto, inexistem repetições.

As provas que implicam intervenção corporal no acusado podem ser invasivas ou não invasivas. As invasivas são as que pressupõem penetração no organismo humano por instrumentos ou substâncias, em cavidades naturais ou, por exemplo, através da penetração da pele, além das formas de exames de sangue, ginecológico, a identificação dentária, análise endoscópica e colonoscópica. Quanto às não invasivas estão, por exemplo, os exames de excrementícios, os exames de DNA realizados a partir de fios de cabelos e as identificações datiloscópicas – de pés, unhas, buscas pessoais e exames radiográficos.

2.4. Legislação

Legalmente no Brasil, a identificação civil pode ser atestada com o uso de carteira de identidade, carteira de trabalho, carteira profissional, passaporte, carteira de identificação funcional, além dos documentos de identificação de militares, devidamente equiparados aos dos civis para fins legais. Todavia, poderá ocorrer identificação criminal do civilmente identificado quando o documento apresentado estiver rasurado ou tiver indícios de falsificação ou, ainda, se o meio utilizado for insuficiente para a identificação. Em se tratando de indiciado, se o indivíduo portar registros de identidade distintos com dados conflitantes, a identificação criminal será primordial às apurações policiais. Os critérios determinados pela autoridade judiciária competente serão relacionados de ofício ou por representação da autoridade policial, do Ministério Público ou sob o fundamento da defesa. A autoridade encarregada tomará as providências necessárias para evitar o constrangimento do identificado. A coleta incluirá o método datiloscópico e o fotográfico, que serão juntados aos autos no caso de comunicação da prisão em flagrante, inquérito policial ou qualquer outra forma de investigação. Em tal procedimento, ainda poderá ser requerida a coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético – medida compulsória para os crimes previstos no Art. 9º-A da Lei 12.654/12.

No juízo criminal, a Lei veda a citação da identificação criminal de um indiciado em atestados de antecedentes criminais, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. Entretanto, caso não seja oferecida denúncia e advenha sua rejeição ou ocorra absolvição do acusado, é permitido ao indiciado ou ao réu, após o arquivamento definitivo do inquérito ou trânsito em julgado da sentença, solicitar a retirada da identificação fotográfica do inquérito ou do processo, desde que ostente provas de sua identificação civil. Neste diapasão, a exclusão do perfil genético dos bancos de dados oficiais de perícia criminal, ocorrerá no término do prazo estabelecido em lei para a prescrição do delito.

2.4.1. Projetos de Leis

Em 1941, o Decreto-Lei nº 3.689, Código de Processo Penal, em seu Art. 6º, VIII, determinou que, no caso de violação penal, a autoridade policial resultará na identificação do suspeito pelo método datiloscópico e, se possível, juntar aos autos a folha de antecedentes criminais. Tempos atrás, a identificação criminal era entendida como processo legítimo para todos os casos de infrações penais e, para não gerar dúvida sobre o método, houve a necessidade da edição da súmula 568, Supremo Tribunal Federal, dando ciência ao indiciado de que a identificação criminal por meio datiloscópico não teria capacidade de constrangê-lo enquanto recurso regulado pelo Código de Processo Penal, embora o sujeito já fosse civilmente identificado. No ano de 1988, o art. 5º, inciso LVIII, da Constituição Federal, descreve que “o civilmente identificado não será submetido à identificação criminal, excetuando hipóteses reguladas por lei”. Em outubro de 2009, com a criação da Lei 12.037, positivou-se a Identificação Criminal do Civilmente Identificado que, consequentemente, regulamentou o objeto constitucional.

Para os casos de condenação criminal, o texto legal prevê que “[...]Os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA - ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor”. 39 Em que pese à identificação criminal por banco de dados genéticos ser necessária e hábil em ocorrências futuras, a legislação brasileira não prevê a instituição responsável pelo armazenamento do material, limita-se, no entanto, a descrever, tão somente, que será armazenada em banco de dados sigiloso determinado por regulamento a ser editado pelo Poder Executivo - Art. 7º-B, Lei 12.654/12 - a critério da autoridade policial, federal ou estadual, poderá requerer ao juiz competente, caso haja inquérito instaurado, o ingresso no banco de dados de identificação de perfil genético. Como não existe previsão de pena de caráter perpétuo no Brasil, a eliminação do material genético incluído nos bancos oficiais coincidirá com o período estabelecido para a prescrição do delito, previsto no Art. 109. do Código Penal. Apesar disso, resta temerário analisar o critério utilizado pelo legislador, vez que, a rotulação do indivíduo pelo juízo de culpabilidade, abre a possibilidade de a manutenção dos dados do autor de delito servirem como meio de exacerbação da repressão penal daquele que reincidir no “modos delitivo”. Neste seguimento, a reincidência não poderá ser ponderada como circunstância agravante e, simultaneamente, com circunstância judicial, conforme determina a Súmula 241, STJ.

2.4.2. Enquadramento no Perfil Social

No Século XX, surge a Psicologia Social desejando estabelecer um vínculo entre as ciências sociais e a psicologia, com o fito de compreender o comportamento dos indivíduos a partir das interações projetadas no campo da Psicologia que visam estudar a interação social do sujeito. 40 A formação da identidade passa pelo exercício de papéis sociais, podendo-se afirmar que há multiplicidade de identidades conforme a Teoria da Identidade proposta por Sheldon Stryker41. Assim, a individualidade psicossocial consiste no perfil que se constrói a partir da relação de pertencimento do indivíduo a determinado grupo. Não ter dinheiro, estudo ou boas oportunidades, é um ponto quase determinante para a entrada de pessoas na criminalidade. Por essa ótica, existe o estereótipo do criminoso no Brasil: negro, pobre, feio e sem instrução, que surge da classe econômica mais baixa. Este exemplo de perfil, no entanto, tem se alterado gradativamente a partir do momento em que se constata a participação dos “bem-nascidos” no mundo do crime.

Pode-se questionar se existem funções sociais na criminalidade, porém ao notar que o crime é um componente que está presente em qualquer sociedade, é inegável constatar que há uma cultura do crime. O agente do crime é também um indivíduo formado como ser social e que se relaciona na sociedade a partir da prática de crimes. Noutro rumo, a relação entre as formas da seletividade penal a partir do discurso da criminologia midiática, busca advertir que, eventualmente, em decorrência de uma suposta seletividade penal gerada pela mídia e admitida pelo senso comum, amplia-se a crença do encarceramento como único meio de se instituir a segurança pública e a ordem social, onde, presumivelmente, nada será tão eficaz a pena privativa de liberdade para afastar “eles” do convívio social – expressão utilizada por Eugenio Raúl Zaffaroni: 42

“A criminologia midiática cria a realidade de um mundo de pessoas decentes frente a uma massa de criminosos, identificada através de estereótipos que configuram um ‘eles’ separado do resto da sociedade, por ser um conjunto de diferentes e maus. O ‘eles’ da criminologia midiática incomodam, impedem de dormir com as portas e janelas abertas, perturbam as férias, ameaçam as crianças, sujam por todos os lados e por isso devem ser separados da sociedade, para deixar-nos viver tranquilos, sem medos, para resolver todos os nossos problemas. Para tanto, é necessário que a polícia nos proteja de suas ciladas perversas, sem qualquer obstáculo nem limite, porque nós somos limpos, puros e imaculados”. 43

O que ainda avança é o fato de que, no Brasil, o tratamento cedido ao criminoso originário da classe menos privilegiada é estranho ao que detém uma posição de destaque na sociedade, ou que disponha de mais recursos financeiros, sendo possível perceber que a relação criminalidade/pobreza sirva aos encantos das classes dominantes no sentido de manterem-se os privilégios quando da apuração dos crimes. No caso da ideologia do crime de elite, essa suposta aparência pode ser desencorajada, pois se baseia, sobretudo, em falsas premissas de que os crimes de colarinho branco não causam violência contra a sociedade, e que o fundamento da aplicação de uma sanção penal é o suposto risco que o infrator representa para a sociedade. 44 No viés legal, o Art. 68. do Decreto-lei 3.688/41, Lei das Contravenções Penais, prevê que é contravenção contra a Administração Pública, recusar-se, quando justificadamente solicitados ou exigidos, a apresentar dados ou indicações concernentes à própria identidade, estado, profissão, domicílio e residência – punível com multa.

O texto constitucional elucida que o sentido da Identificação Criminal é a via de registro, conservação e recuperação dos dados e informações de um indivíduo, imprescindíveis ao estabelecimento da identidade de um acusado. Tal conceito não se confunde com a identificação do processo de se estabelecer a personalidade do sujeito. Assim sendo, personalidade é o conjunto de características que distinguem uma pessoa da outra (impressões digitais, íris, arcada dentária, tamanho do indivíduo, cor dos cabelos, altura, cicatrizes e outros sinais particulares). 45 Não obstante, cabe ressaltar que a Constituição Federal cria restrições à identificação criminal, omitindo-se à identificação civil. Logo, quando determinado por edital de concurso público, a obrigatoriedade de o candidato identificar-se datiloscopicamente ao fiscal da prova não gera inconstitucionalidade. 46 A sociedade, por sua vez, cercada pelo progresso da insegurança das relações, deduz que aquele indivíduo egresso é seu inimigo, rejeita seus direitos, lhe nega oportunidades de emprego e, sobretudo, denega-lhe atenção. A possibilidade de uma vida digna não deve ser suprimida do transgressor, sobejando, por vezes, o crime como único meio de vida à míngua da sociedade. 47 Destarte, o cárcere é responsável pela ampla criminalização e repúdio social do delinquente, em um ciclo contínuo, ocasião em que pode levar o indivíduo a tornar-se reincidente e, novamente, passível de novo encarceramento. A criminalidade e o afinco criminoso como comentário atribuído pelo mecanismo de controle social aos segregados são exemplos dos rótulos sociais que persistirão à coexistência destes. 48 Frente ao contexto, a reincidência e os antecedentes do sujeito rodeado de hipóteses e considerações pregressas sobre sua pessoa, não há na doutrina uniformidade quanto ao fundamento da permanência destes institutos49, apesar de o argumento mais robusto ser o que possibilita a demonstração de maior periculosidade do denunciado, principalmente quando reincidente específico. 50

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Sobre o autor
André Soares de Carvalho

Advogado, Bacharel em Direito pela Faculdade Processus de Brasília/DF; Aluno pesquisador da Faculdade Processus. Atuação na área de Direito, com ênfase em Direito Público. Graduado em 2006 pela Universidade Católica de Brasília, Vigilância Sanitária.

Informações sobre o texto

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