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Coisa julgada inconstitucional

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13/04/2004 às 00:00
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4a desconstituição da coisa julgada inconstitucional

A maior preocupação da doutrina baseia-se na forma pela qual deve ser desconstituída a coisa julgada inconstitucional. Neste aspecto, existem entendimentos diversificados sobre quais instrumentos jurídicos devem ser manejados para a busca da referida desconstituição.

De início, vale ressaltar que a matéria ainda demanda grandiosos estudos pela doutrina e de soluções pela jurisprudência, acerca do caminho mais adequado para se atingir a certeza de que as decisões judiciais de desconstituição da coisa julgada inconstitucional não feririam a sistemática processual e constitucional do Brasil.

Os juristas Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Medina [33] apresentam em sua obra a primeira solução (que não lhes pertence) para a desconstituição: a ação rescisória. Neste sentido, a sentença gera efeitos e é plenamente válida, sendo a rescisória o único remédio no caso de declaração posterior da inconstitucionalidade. "São dessa opinião Accioly Filho, Lúcio Bittencout e Alfredo Buzaid, que afirmam expressamente serem rescindíveis as sentenças proferidas com base em lei que, posteriormente, venha a ser declarada inconstitucional".

Apesar de citarem o supracitado posicionamento, Teresa Wambier e José Medina [34], discordam dos eminentes juristas e lecionam:

"Portanto, segundo o que nos parece, seria rigorosamente desnecessária a propositura da ação rescisória, já que a decisão que seria alvo de impugnação seria unicamente inexistente, pois que baseada em ‘lei’ que não é lei (‘lei’inexistente). Portanto, em nosso entender a parte interessada deveria, sem necessidade de se submeter ao prazo do art. 495 do CPC, intentar ação de natureza declaratória, com o único objetivo de gerar maior grau de segurança jurídica à sua situação. O interesse de agir, em casos como esse, nasceria, não da necessidade, mas da utilidade da obtenção de uma decisão neste sentido, que tornaria indiscutível o assunto, sobre o qual passaria a pesar a autoridade de coisa julgada.

O fundamento para a ação declaratória de inexistência seria a ausência de uma das condições da ação: a possibilidade jurídica do pedido. Para nós, a possibilidade de impugnação de sentenças de mérito proferidas apesar de ausentes as condições da ação não fica adstrita ao prazo do artigo 495 do CPC".

Referida posição, no sentido de que lei declarada inconstitucional é inexistente, acarreta o entendimento de que a coisa julgada inconstitucional também o é, e já encontra precedentes no Superior Tribunal de Justiça [35], conforme aresto a seguir colacionado:

"CONSTITUCIONAL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS. TITULARIDADE. NOMEAÇÃO SEM CONCURSO PÚBLICO. COMPETÊNCIA PARA A DESCONSTITUIÇÃO DO ATO. ADVENTO DA LC 183/99. EFEITOS ''EX TUNC'' E ''ERGA OMNES'' DA DECLARACÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PELO STF. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.

1. A superveniência da LC nº 183/99, conferindo ao Governador do Estado de Santa Catarina a atribuição exclusiva de prover e desprover os cargos das serventias extrajudiciais, não afasta a competência do Presidente do Tribunal de Justiça para desconstituir ato seu, nomeando os respectivos titulares sem concurso público, com base em lei declarada inconstitucional pelo STF. 2. Lei inconstitucional é lei natimorta; não possui qualquer momento de validade. Atos administrativos praticados com base nela devem ser desfeitos, de ofício pela autoridade competente, inibida qualquer alegação de direito adquirido. 3. Afronta à CF, arts. 2º e 102, I, ''a’, não configurada. 4. Embargos rejeitados."

Os supra referidos processualistas apresentam o fundamento para os que não aceitam o entendimento de, no caso, intentar-se uma ação declaratória visando o maior grau de segurança jurídica para a situação:

"Todavia, para aqueles que não admitem tal categoria, pode-se pensar em rescindibilidade por falta de fundamento, já que nos sistemas jurídicos de raiz romano-germânica as decisões judiciais devem necessariamente fundamentar-se em lei, ainda que à lei, como fundamento central das decisões do juiz, possam-se acrescentar doutrina, jurisprudência, princípios jurídicos etc. Neste caso, a lei, expurgada do sistema jurídico, não existe. A rescindibilidade se daria com fulcro nos arts. 485, inc. V e 458, do CPC combinados" (36).

Sobre o cabimento de ação rescisória têm decidido os Tribunais:

"I - Judicium Rescidiens: No Estado de Direito, a lei inconstitucional agride a alma do povo, que a Constituição Materializa, em seus preceitos. Não há ato jurídico perfeito nem coisa julgada em afronta a constituição, cuja inteligência ultima se reserva, em termos absolutos, ao Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102, Caput). Se o julgado rescindendo amparou-se em texto legal absolutamente nulo, por violar a Constituição Federal, admite-se a ação rescisória, com base no artigo 485, inciso V do CPC, sem interferência da súmula 343/STF, na espécie[...] (37)".

Julgado do Superior Tribunal de Justiça [38]:

"Processual civil - Ação rescisória - Interpretação de texto constitucional - Cabimento - Súmula n.° 343/STF - Inaplicabilidade - Violação de literal disposição de lei (CPC, art. 485, V) - FNT - Sobretarifa - Lei 6.093/74 - Inconstitucionalidade (RE n° 117.315/RS) - Divergência jurisprudencial superada - Súmula n° 83/STJ - Precedentes.

O entendimento desta Corte, quanto ao cabimento de ação rescisória nas hipóteses de declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei é no sentido de que "a conformidade, ou não, da lei com a Constituição é um juízo sobre a validade da lei; uma decisão contra a lei ou que lhe negue a vigência supõe lei válida. A lei pode ter uma ou mais interpretações, mas ela pode ser válida ou inválida, dependendo de quem seja o encarregado de aplicá-la. Por isso, se a lei é conforme a Constituição e o acórdão deixa de aplicá-la à quisa de inconstitucionalidade, o julgado se sujeita à ação rescisória ainda que na época os tribunais divergissem a respeito. Do mesmo modo, se o acordão aplica lei que o Supremo Tribunal Federal, mais tarde, declare inconstitucional".

Entretanto, Teresa Wambier e José Medina [39], reforçando a idéia de inexistência de sentença acrescentam:

"[...] está-se aí diante de processos inexistentes que, todavia, pode ter produzido efeitos que, dependendo do caso concreto, devem ser preservados, em nome de uma série de princípios que orientam a necessidade de se decretarem nulidades ou de se reconhecer a existência jurídica.

Na seara do direito público, assim como o caráter da insanabilidade não está ligado às nulidades absolutas, que podem ser conhecidas de ofício e a qualquer tempo (v.g., sentenças ultra petita, que pode ser reduzida às dimensões do pedido pelo Tribunal, em vez de ser corrigida pelo juízo de 1° grau) a circunstâncias de se estar diante de ato juridicamente inexistente não impede que dele se aproveitem ou se conservem efeitos, dependentemente das circunstâncias que caracterizam cada caso concreto.

A norma jurídica tida posteriormente como inconstitucional, portanto, é para nós, norma inexistente juridicamente. É pura e simplesmente, um fato jurídico".

Reforçando ainda a tese de que a sentença com base em lei declarada posteriormente inconstitucional é inexistente, diz Sérgio Ferraz [40]:

"Extrai, dentre outras conseqüências , a de que todos os efeitos, produzidos pela norma atingida, são desconstituídos, para tanto invocando, com freqüência, a lição de Marschall, no sentido de que lei inconstitucional é lei natimorta (o que retiraria, aos atos constituídos com base nele o suporte jurídico de existência)".

Sendo assim, segundo a posição de Teresa Wambier e José Medina, a sentença fundada uma lei, que posteriormente foi declarada inconstitucional, em sede de controle de constitucionalidade é sentença inexistente [41], podendo ser impugnada a qualquer tempo, por meio de ação declaratória de inexistência de coisa julgada, pois a ela não se aplica o prazo preclusivo, previsto no artigo 495 do Código de Processo Civil.

A síntese do pensamento dos autores acima é fundada no fato de faltar no processo a causa de pedir, pois esta se funda em uma norma, e não existindo a norma, por ter sido esta extraída do mundo jurídico, deve-se o Poder Judiciário garantir a eficácia ex tunc, de todas as conseqüências da norma tida como inconstitucional, em sede de controle de constitucionalidade, de forma a garantir o estado das relações jurídico sociais anterior à vigência da norma. Neste termos, estaria em plena harmonia com a Constituição, defendendo o perfeito funcionamento do Estado Democrático de Direito, por meio do amplo acesso a justiça, determinado pelo artigo 5, Inciso XXXV [42].

A inexistência da sentença sem fundamentação é afastada por Humberto Theodoro [43], seguindo o pensamento de Amaral Santos, já citado no presente estudo onde ensina:

"que a falta de relatório e motivação provocam a nulidade da sentença, por se tratar de requisitos essenciais do ato decisório. Mas acrescenta o mestre, é o dispositivo ou conclusão da sentença que reside o comando que caracteriza o ato judicial em tela. Por isso, mais do que nula, sentença sem dispositivo é ato inexistente – deixou de haver sentença."

Diante disso, observa-se que, se estamos diante de uma sentença, já acobertada com o manto da coisa julgada, consolidada com base em uma lei, que no momento do trânsito em julgado da decisão era vigente, onde esta decisão encontra-se em plena harmonia com o que prevê o artigo 458 do Código de Processo Civil.

Posteriormente, vem o Supremo Tribunal Federal em sede de ação direta de inconstitucionalidade, e declarar inconstitucional a lei na qual se fundou a sentença, estamos ai diante de uma sentença que não preenche os requisitos do artigo 458 do Código de Processo Civil, pois como já apresentado, em regra, os efeitos da declaração de inconstitucionalidade são ex tunc, ou seja retroativos, portando estamos diante de uma nulidade absoluta da sentença, conforme pensa Humberto Theodoro e Amaral Santos, na citação apresentada [44].

Partido de uma análise fria dos preceitos processuais que regem a ação rescisória e coisa julgada podemos achar, que a coisa julgada inconstitucional tem uma aparência de coisa julgada e que sua desconstituição deve-se dar por intermédio da ação rescisória, com base no inciso V, artigo 585 do Código de Processo Civil. O que não é verdade, pois está coisa julgada inconstitucional encontra-se contaminada com um vício absoluto, ou seja uma nulidade absoluta, primeiro por não ter a decisão um de seus requisitos, a fundamentação e segundo por estar de encontro com a constituição, neste sentido é grandiosa a lição apontada por Paulo Otero [45]:

"Admitir solução contrária, significaria reconhecer a autovinculação dos tribunais de um Estado de Direito democrático a actos inconstitucionais e a ausência de uma tutela processual eficaz contra as inconstitucionalidades do poder judicial".

Não se pode olvidar que a coisa julgada inconstitucional é nula e atacada não por ação rescisória, mas por ação declaratória de nulidade da decisão, a chamada querela nullitatis [46], neste sentido, ensina Carlos Valder Nascimento [47]:

"Não há como, pelo que se infere do exposto, convalidar sentença nula, notadamente contaminada pelo vício de inconstitucionalidade que não se subordina sua desconstituição ao manejo da rescisória. De fato, essa é a regra que prevalece no direito brasileiro, o que possibilita a reconhecer-se a ação de impugnação autonôma, tanto que a de incidentes de embargos à execução."

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Sobre a nulidade da coisa julgada inconstitucional e de sua desconstituição por meio da ação autônoma de querela nullitatis acrescenta Carlos Valder que:

"A querela nullitatis foi concebida com o escopo de atacar a imutabilidade da sentença convertida em res iudicata, sob o fundamento, consoante Moacyr Amaral Santos, de achar-se contaminada de vícios que a inquinasse de nulidade, visando a um indicium rescinders. Este, uma vez obtido, ficava o querelante na situação de poder colher uma nova decisão sobre o mérito da causa. A decisão judicial impugnada de injustiça desse modo, posta contra expressa disposição constitucional, não pode prevalecer. Neste caso, configurando o julgado nulo de pleno direito, tem cabimento de ação própria no sentido de promover sua modificação, com vistas a restaurar o direito ofendido. Contradiz a lógica do ordenamento jurídico a sentença que, indo de encontro a Constituição, prejudica uma das partes da relação jurídico-processual.

São por conseguintes, passíveis de ser desconstituídas as sentenças que põem termo ao processo, por ter decidido o mérito da demanda, enquadrando-se também, na hipótese, os acórdãos dos tribunais. Isso se persegue mediante ação autônoma que engendra uma prestação jurisdicional resolutória da sentença hostilizava, [sic], cujo efeitos objetiva desconstituir. Nisso é que reside sua razão fundamental: anulação de sentença de mérito que fez coisa julgada inconstitucional."

Neste sentido, acrescenta Humberto Theodoro e Juliana Cordeiro [48]:

"A decisão judicial transitada em julgado desconforme a Constituição padece do vício da inconstitucionalidade que, nos mais diversos ordenamentos jurídicos, lhe impõe a nulidade. Ou seja, a coisa julgada inconstitucional é nula e, como tal, não se sujeita a prazos prescricionais ou decadenciais. Ora, no sistema das nulidades, os atos judiciais nulos independem de rescisória para a eliminação do vício respectivo. Destarte pode "a qualquer tempo ser declarada nula, em ação com esse objetivo, ou em embargos à execução" (STJ, Resp 7.556/RO, 3 T., Re. Ministro Eduardo Ribeiro, RSTJ 25/439)".

Ademais, vem sendo aceito pela jurisprudência [49] pátria a ação rescisória para a desconstituição da coisa julgada inconstitucional, entretanto, não se pode ver essa aceitação como um valor absoluto, mais como uma aplicação do princípio da economia processual, uma vez que as nulidade absolutas, podem serem reconhecidas de ofício pelo julgador e serem impugnadas a qualquer tempo. Também não implica de igual modo a observância do prazo de dois anos para sua impugnação (art. 495 do Código de Processo Civil).

Acerca do tema ensina Humberto Theodoro e Juliana Cordeiro [50], com base na doutrina de Paulo Otero:

"Deste modo a admissão da ação rescisória não significa a sujeição da declaração de inconstitucionalidade de coisa julgada ao prazo decadencial de dois anos, a exemplo do que se dá com a coisa julgada que contempla alguma nulidade absoluta, como é o exemplo o vício de citação".

Mais adiante acrescenta ainda que:

"Nada obstante e porque as nulidades podem ser decretáveis até mesmo de ofício, como é a hipótese da inconstitucionalidade, a eleição da via rescisória, ainda que inadequada, para a argüição da coisa julgada inconstitucional não importa na impossibilidade de conhecer-se do vício. O que se deve ter em mente é o fato de que a admissibilidade da rescisória, neste hipótese, é medida extraordinária diante da gravidade do vício contido na sentença

Os Tribunais com, efeito, não podem se furtar de, até mesmo de ofício, reconhecer a inconstitucionalidade da coisa julgada o que pode se dar a qualquer tempo, seja em ação rescisória (não sujeita a prazo), em ação declaratória de nulidade ou em embargos à execução.

A inconstitucionalidade direta da coisa julgada afasta o seu efeito positivo, de modo que ‘intentada uma ação que tenha como fundamento do pedido uma anterior decisão judicial transitada em julgado, o juiz só terá de decidir o novo pedido em conformidade com o caso julgado se este for conforme com a Constituição. (51)"

Consumado assim a nulidade da coisa julgada inconstitucional e o cabimento da querela nullitatis, uma outra hipótese de a da desconstituição por meio do manejo dos Embargos à Execução, onde o fundamento, encontra-se respaldo na inexigibilidade do título judicial, por ser o mesmo eivado de nulidade absoluta, previsto no artigo 741, II do Código de Processo Civil [52][53].

Esta hipótese de desconstituição, recentemente foi convalidada com a edição da medida provisória n. 2.180-35/2001, que acrescentou o parágrafo único ao artigo 741 do Código de Processo Civil, que apresenta a seguinte redação:

"Para efeito do disposto no inciso II deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal".

Com isso se convalida a tese de que, a coisa julgada inconstitucional é nula na medida em que, o legislador já decretou a inexigibilidade do título fundado em coisa julgada com base em lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal [54].

Conclui então Humberto Theodoro e Juliana Cordeiro [55] que:

"Dúvida não mais pode subsistir que a coisa julgada inconstitucional não se convalida, sendo nula e, portanto, o seu reconhecimento independe de ação rescisória e pode se verificar a qualquer tempo e em qualquer processo, inclusive na ação incidental de embargos à execução".

Neste diapasão temos que a coisa julgada, com base em lei declarada inconstitucional, é nula de pelo direito. É que não está restrita ao manejo da ação rescisória e tampouco se submete ao prazo de dois anos para sua impugnação. Podendo ser desconstituída então a qualquer tempo, quer por ação autônoma, declaratória de nulidade da coisa julgada (querela nullitatis), quer em sede de embargos à execução.

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Sobre o autor
Daniel Gomes de Oliveira

acadêmico do curso de Direito do Instituto de Educação Superior de Brasília

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Daniel Gomes. Coisa julgada inconstitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 280, 13 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5087. Acesso em: 26 abr. 2024.

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