CONCLUSÃO
A coisa julgada inconstitucional é um fenômeno processual pouco estudado pela doutrina processual brasileira, que por estar envolvendo dois institutos consagrados e intocáveis, que é o da imutabilidade da coisa julgada e da constitucionalidade das normas, merece uma atenção especial, de modo a integrar de forma harmônica os princípios processuais e constitucionais que cerca os institutos.
Neste diapasão, com base na doutrina nacional apresentada neste estudo, as nulidades são sanáveis no decorrer do processo, entretanto temos nulidades que de tão graves podem ser argüidas a todo tempo, que é a chama nulidade ipso iure, que afeta a coisa julgada a qualquer tempo, nos seus efeitos e eficácia, não deixando que a decisão passe em julgado, podendo ser atacada a qualquer tempo.
Já o controle de constitucionalidade das normas, seja no difuso, seja no concentrado apresenta efeitos sobre todos os atos praticados com base na norma objeto da declaração de inconstitucionalidade em virtude da escolha legislativa em adotar os efeitos retroativos, na declaração de inconstitucionalidade na norma, ressaltando que no controle difuso para que sejam esses os efeitos é necessária a resolução do Senado Federal para que seja dado o mesmo tratamento aos efeitos da Ação Direta de Inconstitucionalidade.
A inconstitucionalidade superveniente à coisa julgada, já tendo exauridos todos os recursos ordinários e extraordinários, geram nulidade ipso iure da sentença, por estar a decisão carente de um de seus requisitos, que a fundamentação. Uma vez que a declaração de inconstitucionalidade retira do mundo jurídico a norma desde o seu nascituro, devendo ser destruídos todos os atos e decisões tomadas na inconstitucional vigência da norma, não sendo aceitável que "à parte prejudicada pela nulidade absoluta, ipso iure, não poderá a Justiça negar o acesso à respectiva declaração de invalidade do julgado". [56]
A nulidade absoluta atinge a coisa julgada, já revestida pelo manto da imutabilidade, devendo ser desconstituída a qualquer tempo, mesmo quando superado o prazo para interposição da ação rescisória, pois a mesma não é o instrumento processual adequado para a desconstituição da coisa julgada revestida de nulidade absoluta ipso iure. Mesmo que seja intentada a ação rescisória, também não pode o julgador deixar de apreciar o pedido, sob a alegação de que não é o remédio processual adequado, devendo sempre aplicar o princípio da fungibilidade que decorre o princípio constitucional da economia processual.
O fenômeno da coisa julgada inconstitucional ocorre quando, uma decisão transitada em julgado constituída sobre um lei, em plena vigência e validade, sendo a lei que foi o fundamento da decisão, vem a ser declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, gerando assim um efeito retroativo da lei, que deve atingir também aos atos consagrados na vigência ilegal da norma, assim, é que a coisa julgada inconstitucional encontra-se viciada, com o vicio insanável da nulidade ipso iure.
A desconstituição da coisa julgada inconstitucional, não fere a segurança jurídica, pois existem no ordenamento constitucional brasileiro, princípios superiores, como é o princípio da constitucionalidade que determina que, todos os atos emanados dos poderes federativos devem estar em total harmonia com o que determina a constituição. Sendo a desconstituição aparada pela segurança jurídica que modo a garantir a justiça ao caso concreto, não perpetrando julgados com base em lei tida como inconstitucional, dando assim de forma uniforme o mesmo tratamento a todos os jurisdicionados.
Para a desconstituição da coisa julgada inconstitucional poderá a parte prejudicada utilizar os seguintes recursos processuais:
a) a ação de querela nulitatis, onde buscará a declaração de nulidade da decisão tomada com base em lei declarada inconstitucional, pois "o vício da inconstitucionalidade gera invalidade do ato público, seja legislativo, executivo ou judiciário [57]", argumentando que a imutabilidade da coisa julgada não é fundamento para a desconstituição da coisa julgada inconstitucional, em face da literal ofensa a Constituição, e ainda que o parágrafo único do artigo 741 do Código de Processo Civil, já considera a inexigibilidade do título executivo judicial.
b) o manejo de ação rescisória, com base no inciso V, do artigo 485 do Código de Processo Civil, ao argumento de que a coisa julgada estaria em confronto com o texto constitucional. Vale ressaltar, que apesar de a doutrina e a jurisprudência aceitar a utilização, esta não é o instrumento correto, pois esta restrita a prazo decadencial e ataca a sentença como um todo e não a nulidade propriamente dita, entretanto tem sido aceita aplicando o princípio da fungibilidade e da economia processual.
c) na fase de execução, com a oposição dos embargos à execução, fundado no parágrafo único do artigo 741 do Código de Processo Civil, onde deverá ser alegada a inexigibilidade do titulo, constituído com base em lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
Por fim, deve-se observar que não é aceitável, que na atual conjuntura processual, ainda se perpetre julgados com base em lei declarada inconstitucional, pois tal ocorrência ferem todos os princípios constitucionais de aplicação de justiça, devendo a parte prejudicada pela coisa julgada inconstitucional, recorrer ao manejo das ação já demonstradas e devendo o judiciário reconhecer se verificado o fenômeno a irresignação da parte, afastando a imutabilidade da coisa julgada, para prevalecer a segurança jurídica, a justiça e os preceitos inseridos na Constituição Federal.
O estudo demanda mais atenção dos doutrinadores e dos estudioso das ciências jurídicas de modo a garantir a todos um poder judiciário que cumpre adequadamente o que lhe foi garantido constitucionalmente de modo a trazer sempre para seus jurisdicionados a correta aplicação da Lei e da Constituição Federal.
Notas
1Apud Theodoro Júnior, Humberto. Faria, Juliana Cordeiro de. Coisa julgada inconstitucional: a coisa julgada inconstitucional e os instrumentos processuais do para seu controle. São Paulo: Editora América, 2002. Pág. 126.
2 Theodoro Júnior, Humberto. Faria, Juliana Cordeiro de. Ob. Cit. Pág. 126.
3 Neste sentido: José Augusto Delgado, Cândido Rangel Dinamarco, Carlos Valder Nascimento, Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria. Coisa Julgada Inconstitucional. Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina. O Dogma da Coisa Julgada: Hipóteses de Relativização.
4 Delgado, José Algusto. Ob. Cit. Pág. 101/103.
5 Usando a concepção de Bruno Noura Rego: "[...] a resolução do Senado Federal suspendendo a eficácia da lei declarada inconstitucional pelo STF, no que tange aos seus efeitos, equivale à sentença de procedência de uma ação direta de inconstitucionalidade". Ob. Cit. Pág. 272.
6 Wambier, Teresa Arruda Alvim. Medina, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada: hipóteses de relativização. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. Pág. 39/38.
7 Theodoro Júnior, Humberto. Faria, Juliana Cordeiro de. Ob. Cit. Pág. 126.
8 Autor Desconhecido. Coisa julgada. Disponível em <http://www.jfrn.gov.br/docd/doutrina139.doc> Capturado em 05/05/2.003. Pág. 02.
9Apud Autor Desconhecido. Ob. Cit. Pág. 02.
10 Nascimento, Carlos Valder do. Ob. Cit. Pág. 16.
11Apud Nascimento, Carlos Valder do. Ob. Cit. Pág. 16.
12 Autor Desconhecido. Ob. Cit. Pág. 03.
13 Autor Desconhecido. Ob. Cit. Pág. 03.
14 Nascimento, Carlos Valder do. Ob. Cit. Pág. 04.
15 Ibidem.
16 Dinamarco, Cândido Rangel. Ob. Cit. Pág. 39.
17 Dinamarco, Cândido Rangel. Ob. Cit. Pág. 48.
18Apud Dinamarco, Cândido Rangel. Ob. Cit. Pág. 48.
19Apud Dinamarco, Cândido Rangel. Ob. Cit. Pág. 48.
20 O texto foi traduzido pelo autor, e está assim redigido em inglês: "There are some circunstances in which even though the standard for applying res judicata has been met, preclusion will not result. These situations arise when the judicial economy policies fostered by claim preclusion are outweighed by some other public policy underlying the type of action that is envolved."
21Apud Theodoro Júnior, Humberto. Faria, Juliana Cordeiro de. Ob. Cit. Pág. 129.
22Apud Theodoro Júnior, Humberto. Faria, Juliana Cordeiro de. Ob. Cit. Pág. 139.
23 Corrêa, Wilson Leite. Constituição, direito adquirido, coisa julgada e ato jurídico perfeito. Jus Navigandi. Nº 33. [Internet] Disponivel em: <www. jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=93>. Capturado em 25 de junho de 2002.
24 Nascimento, Carlos Valder do. Ob. Cit. Pág. 11.
25 Nascimento, Carlos Valder do. Ob. Cit. Pág. 11.
26 Nascimento, Carlos Valder do. Ob. Cit. Pág. 12.
27 Silva, Juary C. Responsabilidade civil do Estado por atos jurisdicionais. Revista Direito Público. São Paulo. N° 20. 1972. Pág. 170.
28 Dinamarco, Cândido Rangel. Ob. Cit. Pág. 39.
29 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RESP nº 240.712/SP. DJ de 15.2.2000. Rel. José Delgado.
30 Dinamarco, Cândido Rangel. Ob. Cit. Pág. 62.
31 Neste sentido: Fernando da Costa Tourinho Neto, no voto do AG 2001.01.00.003239-9-DF, julgado em 29.01.2001. Carlos Valder do Nascimento. Coisa julgada inconstitucional. Ob. Cit. Pág. 14/16. José Augusto Delgado. Efeitos da coisa julgada e os princípios constitucionais. Ob. Cit. Pág. 86/90. Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria. A coisa julgada inconstitucional e os instrumentos processuais para seu controle. Ob. Cit. Pág. 139/140.
32 Wambier, Teresa Arruda Alvim. Medina, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada: hipótese de relativização. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. Pág. 42.
33 Wambier, Teresa Arruda Alvim. Medina, José Miguel Garcia. Ob. Cit. Pág. 43.
34 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA EDROMS Nº 10527-SC, j. 03.02.2000. DJU 08.03.2000. Pág. 136.
35 Wambier, Teresa Arruda Alvim. Medina, José Miguel Garcia. Ob. Cit. Pág 43
36 Tribunal Regional Federal da 1 Região AR 0130169, Relator Sousa Prudente j. dgdgdg DJU 19-06-95 P. 3828.(confirmar)
37 Superior Tribunal de Justiça. Resp 128.239/RS (completar) Em sentido semelhante Resp 155.654/RS; Resp 36.017/PE; AR 870/PE.
38 Wambier, Teresa Arruda Alvim; Medina, José Miguel Garcia. Ob. Cit. Pág 47
39 Apud. Wambier, Teresa Arruda Alvim; Medina, José Miguel Garcia. Ob. Cit. Pág 49
40 No mesmo sentido: Cândido Rangel Dinamarco in: Relativizar a Coisa Julgada Material. Ob. Cit. Pág 59
41 "a lei não excluíra da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão"
42 Theodoro Júnior, Humberto, Ob. Cit. Págs 171/172
43 No mesmo sentido: Carlos Valder do Nascimento. In Coisa Julgada Inconstitucional Ob. Cit. Págs 22/26; José Augusto Delgado. In Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais Ob. Cit. Págs 112/121. Em sentido diverso: Cândido Rangel Dinamarco In. Relativizar a Coisa Julgada Material. Ob. Cit. Págs 42 e 59: "As sentenças abusivas não podem prevalecer a qualquer tempo e a qualquer modo, porque a sentença abusiva não é sentença". Mais adiante acrescenta: "Ora, como a coisa julgada não é em si mesma um efeito e não tem dimensão própria, mas a dimensão dos efeitos substanciais da sentença sobre a qual incida [...], é natural que ela não imponha quanto os efeitos programados na sentença não tiverem condições de impor-se. Por isso, como a Constituição não permite que um Estado se retire da Federação, ou que se imponha por execução forçada o peso da própria carne etc., da inexistência desses efeitos juridicamente impossíveis decorre logicamente a inexistência da coisa julgada material sobre a sentença que pretenda impô-los".
44 Apud. Theodoro Júnior, Humberto, Ob. Cit. Págs 153
45 O Superior Tribunal de Justiça, admite a subsistência da ação de querela nullitatis no direito processual brasileiro, neste sentido: "I.. A tese da querela nillitatis persiste no direito positivo brasileiro, o que implica em dizer que a nulidade da sentença pode ser declarada em ação declaratória de nulidade, eis que, sem a citação, o processo, vale falar, a relação jurídica processual, não se constitui, nem validamente se desenvolve. Nem, por outro lado, sentença transita em julgamento, podendo, a qualquer tempo, ser declarada nula, em ação com esse objetivo, ou em embargos à execução, se for o caso." (Resp. 12.586/SP, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJU 4.11.91. O Supremo Tribunal Federal, também aceita o cabimento da querela nullitatis"Ação declaratória de nulidade de sentença por ser nula a citação do réu na ação em que ela for proferida.1. Para a hipótese prevista no artigo 751, I, do atual CPC, que é a falta ou nulidade de citação, havendo revelia persiste, no direito positivo brasileiro - a querela nullitatis, o que implica dizer que a nulidade da sentença, nesse caso, pode ser declarada em ação declaratória de nulidade, independentemente do prazo para a propositura da ação rescisória, que, em rigor, não é cabível essa hipótese." (Superior Tribunal de Justiça, Revista Trimestral de Jurisprudência, n° 107, P. 778)
46 Nascimento, Carlos Valder do. Ob. Cit. Pág. 25
47 Theodoro Júnior, Humberto. Faria, Juliana Cordeiro de. Ob. Cit. p. 152
48 Vide arestos da citação n.° 152 e 153
49 Theodoro Júnior, Humberto. Faria, Juliana Cordeiro de. Ob. Cit. p. 152
50 Theodoro Júnior, Humberto. Faria, Juliana Cordeiro de. Ob. Cit. p. 152
51"Art. 741. Na execução fundada em título judicial, os embargos só poderão versar sobre:
[...]
II - inexigibilidade do título".
52 Neste Sentido Carlos Valder do Nascimento In Coisa Julgada Inconstitucional. Ob. Cit. P. 26; Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria. In A Coisa Julgada Inconstitucional e os Instrumentos Processuais para seu Controle. Ob. Cit. P.154; Gilberto Barroso de Carvalho Júnior, In A coisa julgada inconstitucional e o novo parágrafo único do art. 741 do CPC. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n.61, jan.2003, Disponível em : <http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=3605>. Acesso em: 22 ago. 2003
53 Nascimento, Carlos Valder. Ob. Cit. P. 28 e 29.
54 Theodoro Júnior, Humberto. Faria, Juliana Cordeiro de. Ob. Cit. p. 155.