SUPERFATURAMENTO E PECULATO
ROGÉRIO TADEU ROMANO
A Comissão de Acompanhamento e Fiscalização da Copa 2014 (CAFCOPA), do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte (TCE/RN), encontrou indícios de superfaturamento no valor de R$ 2,65 milhões em dois contratos de consultoria para estruturação, modelagem e desenvolvimento do projeto de Parceria Público-Privada (PPP) da Arena das Dunas.
O superfaturamento é a emissão de uma fatura cujo preço está acima do valor de mercado.
O superfaturamento, que tem sido muito comum em obras públicas, onde “2 mais 2 é oito”, pode ser caracterizado: por medição de quantidades superiores às efetivamente executadas; deficiência na execução de obras e serviços de engenharia que resulte na diminuição da qualidade, vida útil ou segurança; pagamento de obras, bens e serviços por preços manifestadamente superiores à tendência central (mediana ou média) praticada pelo mercado ou ainda incompatíveis com os fixados pelos órgãos oficiais competentes, bem como pela prática de preços unitários acima dessa tendência central (mediana ou média) de mercado; quebra do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato em desfavor da Administração por meio de alteração de quantitativos (jogo de planilha) e/ou preços (alterações de cláusulas financeiras) durante a execução da obra; alteração de cláusulas financeiras gerando recebimentos contratuais antecipados, distorção de cronograma físico-financeiro, prorrogação injustificada do prazo contratual ou reajustamentos irregulares.
É a patologia dos contratos públicos em obras de engenharia civil, que, infelizmente, se repetem, com grave assiduidade, no dia a dia do Brasil. Mais uma triste realidade, numa patologia, onde a cada R$100 desembolsados; R$29, em média, é superfaturado, segundo relatórios divulgados.
O superfaturamento traz à luz o peculato, crime contra a administração pública.
É uma vertente de interpretação que deve ser levada em conta.
No crime de peculato, haveria dano a patrimônio público. Teria havido uma violação de dever funcional, em evidente detrimento às regras de direito administrativo. Há má alocação de recursos. Nessa linha de pensar é hipótese de investigação por improbidade administrativa que teria sido cometida e, se for o caso, ajuizamento de ação civil para reparação dos danos e pedido de condenação dos responsáveis a penas estabelecidas na Lei nº 8.429/92, na devida proporcionalidade.
Ora, como ensinou Nelson Hungria, “convergem no peculato a violação do dever funcional e o dano patrimonial. Poderá dizer-se que é punido o peculato menos porque seja patrimonialmente lesivo do que pela quebra de fidelidade ou pela inexação no desempenho de cargo público; mas é absolutamente indispensável à sua configuração o advento do concreto dano patrimonial. O dano material, indeclinável no peculato, não é outra coisa que um desfalque patrimonial sofrido pela administração pública, seja como damnum emergens, seja como lucrum cessans, ou como ressarcimento a que está obrigada, no caso de malversação” (Comentários ao Código Penal, 1958, pág. 343 e seguintes).
É caso de encaminhar os autos, com constatações de irregularidades na obra pública referenciada, ao Ministério Público para a adoção de providências cabíveis, envolvendo investigação, em todas as suas circunstâncias, quanto a autoria e materialidade.